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Jogos Olímpicos de Inverno

Lucas Braathen ama o Brasil, mas burocracia impede ‘conexão’

Burocracia atrapalha, mas ‘conexão’ com o Brasil faz Lucas Braathen não descartar competir pelo país no esqui alpino no futuro

Lucas Braathen e a mãe com a bandeira brasileira
Lucas Braathen e a mãe, Alessandra, com a bandeira brasileira. Conexão com o país desde pequeno (Arquivo Pessoal)

Um fim de semana “louco”, nas palavras do próprio Lucas Braathen, foi o suficiente para alçá-lo à condição de nova estrela na Copa do Mundo de Esqui Alpino – e de sensação aqui no Brasil. O motivo? O atleta é filho de uma brasileira com um norueguês e surge como uma grande promessa dessa modalidade de neve.

Com apenas 20 anos, ele estreou no circuito internacional em dezembro de 2018, mas foi apenas na temporada passada que se firmou na equipe da Noruega, uma das potências do esporte. Nunca tinha conquistado um pódio sequer, mas logo na primeira etapa da temporada 2020/2021 em Sölden, na Áustria, conseguiu o improvável: superou os favoritos e levou a medalha de ouro.

“Não imaginava que poderia ganhar ainda. Eu sei que sou forte mentalmente e que minha técnica está cada vez melhor, mas eu imaginava que num dia muito bom, talvez conseguiria um pódio. Mas conseguir a vitória logo na primeira corrida foi bem maluco”, comentou em entrevista ao Brasil Zero Grau e Olimpíada Todo Dia.

História Improvável

A história de Lucas Braathen é tão improvável quanto sua primeira vitória no esqui alpino. Demétrio Vecchioli contou sua trajetória no “Olhar Olímpico”, do UOL, mas vale retomar. Sua mãe, Alessandra Pinheiro de Castro, conheceu Bjørn Braathen em um voo para Miami. Papo vai, papo vem, engataram um romance que resultou no nascimento de Lucas, em 2000.

Além disso, mesmo morando no país que deu origem ao esqui moderno, ele tinha outra paixão: o futebol. Fã de Ronaldinho, treinava em um clube quando criança, mas no rigoroso inverno norueguês as atividades eram suspensas e ele ficava sem praticar o esporte que tanto gostava. Assim, cedeu à pressão do pai para ter um esporte durante os meses mais frios. Experimentou o esqui alpino pela primeira vez quando tinha nove anos.

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“Eu não queria esquiar! Meu pai me levava, mas não gostava, era muito frio. Eu chegava a falar que estava doente para não ir! Com nove anos resolvi tentar e na primeira descida eu vi que era muito ruim em relação às outras crianças, mas nas outras tentativas eu vi que estava melhorando e resolvi continuar”.

Lucas Braathen compete pelo esqui alpino
Lucas Braathen começou tarde no esqui alpino, mas teve escalada fulminante (Arquivo pessoal)

Escalada Fulminante

O futebol norueguês pode ter perdido um jogador, mas o esqui alpino ganhou uma promessa em ascensão. Num país em que os atletas começam a praticar a modalidade aos cinco ou seis anos, Lucas Braathen começou quando tinha nove para dez anos. Mesmo assim, sua escalada foi fulminante. Com 18 anos, conseguiu subir no pódio do Campeonato Norueguês adulto e, em 2019, conquistou duas medalhas no Mundial Júnior.

Com a primeira vitória no circuito internacional, ele almeja voos maiores. O objetivo inicial era conseguir alguns Top 5 nas provas de slalom e slalom gigante (suas especialidades) e, com sorte, um ou outro pódio. Agora, já começa a sonhar mais.

“Não sabia, mas agora sei que posso ganhar corridas. Isso ajuda mentalmente: sei que posso ir lá, fazer o meu melhor e ganhar. Vou continuar fazendo o que sei fazer para chegar nos Jogos Olímpicos de 2022 e conquistar um pódio”, comenta.

Amor pelo Brasil e visitas aos avós maternos

A conexão com o Brasil vai além da descendência pela mãe. Lucas Braathen é fã incondicional do país. Adora o futebol, as comidas brasileiras e a música, principalmente Bossa Nova e MPB. Nas corridas, ouve “Mas que nada”, de Jorge Ben Jor. Quando criança, visitava a família brasileira todos os anos em São Paulo e Campinas. Agora, tenta vir pelo menos uma vez a cada biênio, mas promete uma nova visita em 2021.

Aos 12 anos, quando começava a dar os primeiros passos na modalidade de neve, entrou em contato com a CBDN para comprar um uniforme da equipe brasileira de esqui alpino. Conseguiu. Mas foi a única conversa dele com a entidade. Conforme evoluía, a federação norueguesa o incluiu em sua equipe de desenvolvimento e, assim, passou a competir pelo país de seu pai.

Mas há possibilidade de representar o Brasil um dia? “Não sei. Aqui na Noruega tem tradição, mas sinto amor pelo Brasil, uma conexão. Talvez me ajudaria com os patrocinadores, já que aqui não posso colocar nenhuma marca no meu uniforme. Hoje, posso te dizer que não é impossível. Deve ser legal disputar uma Olimpíada pelo Brasil”.

Enquanto isso, Lucas Braathen mostra seu amor e apresenta a neve aos brasileiros de um outro jeito, seja nas entrevistas, nas mídias sociais e até na competição, com bandeiras e camisas do país.

“É muito legal poder conversar com vocês [jornalistas brasileiros]. Quero mostrar um pouco dos esportes de neve para os brasileiros e sei que meu vô e minha vó irão gostar de ver notícias minhas também”, diverte-se a nova sensação do esqui alpino.

Lucas Braathen com a camisa do Brasil na infância
Lucas Braathen com a camisa da seleção brasileira de futebol quando criança (Arquivo pessoal)

Burocracia é entrave para eventual sonho

O amor pelo Brasil é grande, mas a burocracia para uma eventual troca também é. Ainda que seja possível competir por outro país no esqui alpino, as regras da Federação Internacional de Esqui (FIS) são rigorosas. Toda solicitação precisa ser aprovada na reunião do conselho da entidade, realizada na primavera do hemisfério norte (entre março e junho).

O primeiro passo é conseguir cidadania e passaporte – algo que Lucas Braathen ainda não tem. Como ele é filho de uma brasileira, está dispensado do período de dois anos de residência antes de fazer a solicitação de troca. Contudo, precisa apresentar por escrito uma explicação detalhada sobre o desejo de mudança.

Além disso, como ele já competiu pela Noruega, há outro procedimento. É necessário apresentar um documento da federação norueguesa que o libera de sua licença antes de fazer uma nova inscrição. Caso contrário, o atleta teria que ficar uma temporada completa sem competir para atender esta solicitação.

Mesmo assim, não há garantia de que a troca será aceita. A FIS tem a decisão final para conceder ou recusar uma mudança de licença. Principalmente se considerar que a troca é “contrária ao espírito da regra e ao melhor interesse da Federação Internacional de Esqui para fazê-la”.

CBDN respeita decisão de Lucas Braathen

Além disso, uma troca de cidadania de um atleta que já competiu por outro país seria inédito para a Confederação Brasileira de Desportos na Neve (CBDN). A entidade tem como política incentivar atletas brasileiros com dupla cidadania a representarem o país, desde que eles não tenham participado de eventos internacionais anteriormente.

É o que ocorreu com grandes nomes da equipe brasileira de esqui alpino. Christian Munder, Nikolai Hentsch, Jhonatan Longhi e Maya Harrisson, por exemplo, participaram de Jogos Olímpicos. Já Christopher Holm e Valentino Caputi são os exemplos mais recentes e devem fazer a estreia internacional nesta temporada.

Não é o caso de Lucas Braathen. Ele é filiado à federação norueguesa desde 2016. É uma situação semelhante à vivida pela família Grahn, da Suécia. Enquanto Guilherme, o filho mais novo, se filiou ao Brasil, seu irmão mais velho, Dan Axel, se inscreveu pela Suécia e não integrou a seleção brasileira em nenhum momento.

“Em todos esses casos exemplificados, os atletas decidiram se registrar pelo Brasil no início de sua carreira, defendendo o país em todas as competições que participou. A CBDN entende que essa é uma opção inteiramente pessoal do atleta, tendo muita relação com sua cultura, família, infância e adolescência. Portanto, ao mesmo que incentivamos os brasileiros a competirem pelo Brasil, respeitamos completamente aqueles que optam defender outra nação da qual sejam cidadãos”, afirma Pedro Cavazzoni, CEO da CBDN.

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