Ao som do Tchakabum, Tayanne encanta dominicanos e inaugura série de conquistas individuais na GR

06.06.2020  |    654 visualizações

Com muita inteligência e dedicação exemplar aos treinos, Tatá subiu ao pódio com amplo reconhecimento do público que assistiu às finais na República Dominicana

Da Redação, São Paulo (SP) - O grande público brasileiro começou a tomar mais intimidade com a ginástica rítmica a partir dos Jogos Pan-Americanos de Winnipeg de 1999, quando o Brasil conquistou uma medalha de ouro histórica no conjunto. Essa vitória foi muito celebrada também por ter sido decisiva para que os brasileiros desbancassem os argentinos da quarta colocação do quadro de medalhas – no final, o Brasil ficou atrás apenas dos Estados Unidos, Cuba e Canadá. Quatro anos antes, em Mar del Plata, a GR do Brasil já havia alcançado sua primeira medalha em Jogos Pan-Americanos, um bronze, também no conjunto.

Mas o Brasil só viria a sentir o gostinho de uma medalha em disputa individual de Jogos Pan-Americanos na GR em Santo Domingo-2003, com Tayanne Mantovaneli, nas maças. É essa história que contamos no terceiro texto da série “Memória de Ouro CBG”.

Um pouco atrás de suas principais concorrentes quando se foca em atributos físicos importantes na modalidade, como a flexibilidade, Tayanne construiu seu caminho até o pódio compensando qualquer tipo de desvantagem teórica com muita inteligência e dedicação. A escolha certeira da trilha sonora, os treinamentos exaustivos e o carisma natural da jovem ginasta sacudiram o público dominicano, que chegou a “exigir” o ouro para os juízes.

Tímida fora da quadra, mas muito expressiva e competitiva dentro dela, Tayanne inaugurou uma galeria de conquistas que só cresce. Outra grande expoente da escola capixaba de GR, Natália Gáudio, bronze no Pan de Lima no individual geral, há muitos anos é admiradora do altíssimo nível técnico alcançado pela protagonista da façanha de Santo Domingo.

 

Tayanne Mantovaneli – Inteligência, dedicação e carisma a serviço da GR 

Nascida em São Paulo, mas capixaba de coração, Tatá entrou para a história ao se tornar, em Santo Domingo, a primeira brasileira a conquistar medalha numa disputa individual de GR em Jogos Pan-Americanos

De alguma forma, Dedeko Daltoé, o DJ encarregado de montar a música que embalava a série de Tayanne Mantovaneli nas maças, conseguiu misturar “Aquarela do Brasil” com “Dança da Mãozinha”, do Tchakabum. Acostumados ao merengue e à bachata, os ouvidos caribenhos da torcida dominicana que foi acompanhar a GR no Pabellón de Gimnasia del Complejo Deportivo del Parque del Este aprovaram a bomba sonora que, aliada à técnica e ao carisma da ginasta, resultou num apoio caloroso à atleta brasileira na final dos Jogos Pan-Americanos de Santo Domingo, em 2003.

“Quando a Tatá entrou, as duas favoritas (a norte-americana Mary Sanders e a canadense Alexandra Orlando) já haviam se apresentado. Aí ela foi para o tudo ou nada. Sabia o que tinha que fazer para tentar superar a argentina, a mexicana e a chilena e buscar uma medalha. E o povão se encantou com a Tayanne, porque ela faz isso - encanta. Foi ovacionada pelo público, que gritava ‘Tata, Tata, Tata!’. Tanto é que ela teve que voltar duas vezes do espaço das ginastas até a área de competição para saudar os torcedores”, recorda Monika Queiroz, treinadora do Brasil nas disputas individuais.

O dito popular nos sugere que a voz do povo é a voz de Deus, e, na avaliação do público são-dominguense, Tatá não apenas passou por cima das supostas concorrentes ao bronze como também agradou mais do que as duas representantes da América do Norte. Quando saiu a nota da graciosa atleta, paulista de nascimento e capixaba de coração, ressoou das arquibancadas um grito sonoro: “Oro, oro, oro”. Monika, descobridora do talento de Tatá e sua treinadora, viajara à capital dominicana para atuar como árbitra naquela edição dos Jogos Pan-Americanos. Se alguém olhou para o semblante dela naquele momento, viu a expressão fria que os árbitros ostentam – e que encobria um estado de espírito totalmente diferente. “Por baixo da mesa, cerrei meu punho e vibrei, mas ninguém percebeu”. No olhar da árbitra internacional que é, a norte-americana de fato fez por merecer o ouro, mas teria sido mais justo que a prata tivesse sido pendurada no pescoço da brasileira.

Sem se importar com isso, Tatá, hoje escrivã concursada da Polícia Federal em Cachoeiro do Itapemirim, a terra de Roberto Carlos, lembra, por telefone, de detalhes que fazem brotar tantas emoções...

“No dia das finais, lembro que fiz minha série das maças com muito amor, e saí da área de competição muito, muito feliz, porque acertei tudo. Quando saiu minha nota, estava no vestiário. Acho que tinha ido trocar o collant. Só sei que ouvi uma baita vaia. Ao voltar, fiquei ouvindo vozes gritando ‘te roubaram o ouro, te roubaram o ouro’. Nem sei dizer se o público estava certo. A campeã, a americana, era maravilhosa mesmo. Acho que o público sempre se liga a toda a questão do carisma. E a música que escolhemos, a minha série toda certinha, minha expressão, tudo isso levantou os torcedores”, diz a tímida ginasta, com sua voz suave e pausada. “Aquele Pan de Santo Domingo foi a primeira competição poliesportiva bem grande de que participei. Eu achava tudo lindo lá”, acrescentou a medalhista.

Com toda a empolgação que tinha aos 16 anos de idade e o foco competitivo que os atletas de alta performance devem ter, Tayanne não prestava muita atenção na precariedade da organização. Atrasos nas obras e superfaturamento dos custos das instalações comprometeram o orçamento do evento. No dia de finais da GR, os técnicos de informática responsáveis pelo processamento das notas fizeram uma espécie de operação tartaruga – a forma que encontraram de pressionar os organizadores do Pan a honrar pagamentos atrasados. “Estava programada uma pausa de 30 minutos entre as finais da fita e do arco e as dos demais aparelhos. Em decorrência dessa greve, esse intervalo acabou sendo de 2h30. Tivemos que mudar toda a programação de aquecimento e alimentação. Fiquei preocupada com a Tayanne, mas ao mesmo tempo pensei que essa parada não havia sido colocada no nosso caminho à toa. Imaginei que a Tatá pudesse fazer desse problema o combustível que poderia levá-la ao pódio”, rememora Monika.

E não deu outra. Naquele momento, segundo a treinadora, falou mais alto todo o preparo mental da pupila. “A Tayanne é uma das pessoas mais inteligentes que já conheci na vida, prova disso é que ela passou no concorridíssimo concurso da Polícia Federal sem ter feito uma preparação específica para a prova. Ela tem uma inteligência que não é a mesma que os nerds têm – é inteligência emocional, aliada a uma facilidade de aprender que impressiona. Quando eu passava algo para ela no treino, já pegava de primeira. Fisicamente, entre as atletas da época, talvez a Tatá fosse a menos apta, não era tão flexível. Mas a cabeça dela, a determinação e a intimidade que tinha com os aparelhos fizeram muita diferença”.

O árduo treinamento também foi determinante para o sucesso. Meses antes do Pan, a comissão técnica da GR ganhou um reforço ucraniano, que pegou pesado. “Foi uma fase muito dura. A ucraniana alterou muitas coisas nas séries, lapidou tudo. Os trabalhos eram muito puxados. No final do dia, meu corpo todo doía. Fizemos um mês e meio de intensivão, mas foi muito proveitoso”, diz Tayanne.

Mesmo com todo esse preparo, a ginasta não tinha noção a respeito de qual patamar poderia atingir em Santo Domingo. “Deixei o Brasil com o objetivo de fazer minhas séries da melhor forma possível, queria dar o meu máximo no Pan. Eu só queria chegar às finais, porque sabia que iria encontrar lá ginastas de um nível altíssimo”.

No dia das finais, Tayanne percebeu que o pódio não estava tão distante de suas possibilidades. A quarta colocação que obteve na final do arco indicava que estava muitíssimo bem preparada. Nas maças, aparelho em que as ginastas capixabas treinadas por Monika são notadamente fortes, a determinada adolescente percebeu que tinha uma chance.

“A final do arco me acendeu uma luz. Na final das maças, consegui acertar tudo, e o resultado foi maravilhoso. Foi uma medalha muito suada, que me traz excelentes recordações até hoje. Fazendo um balanço da minha carreira, avalio que foi muito positiva. Saí da ginástica ainda bem nova, aos 21 anos, mas muito bem resolvida, com o sentimento do dever cumprido”, diz a atleta, que seria campeã do Pan do Rio, em 2007, no conjunto. Nas competições por equipes, marcaria presença ainda nos Jogos Olímpicos de Atenas-2004 e Pequim-2008.

O feito de Tayanne na República Dominicana não recebeu muito espaço no dia seguinte à conquista. Um grande jornal paulista relatou o feito numa matéria que ocupou um tímido pé de página, com três míseros parágrafos, sem foto. O abre da página foi reservado para a seleção masculina de futebol, que no dia seguinte, com Vagner Love, disputaria uma vaga na final com o México.

Já o “Guia dos Curiosos”, assinado pelo jornalista Marcelo Duarte, enxerga com melhor perspectiva e registra que em Santo Domingo Tayanne conquistou a primeira medalha do Brasil em Pans na ginástica rítmica individual – o atirador Rodrigo Bastos e Juliana Veloso, dos saltos ornamentais, também foram pioneiros e são companheiros de verbete de Tatá – antes de 2003, nenhum brasileiro dessas modalidades havia subido ao pódio em Jogos Pan-Americanos.

“A conquista da Tayanne abriu uma porta na nossa ginástica rítmica individual. Outras atletas passaram a acreditar que isso é possível. É o caso da Natália Gáudio, que era fã da Tayanne, assim como a Tayanne era fã da Elise Penedo”, dimensiona Monika.

Tayanne ganhou reconhecimento da Secretaria de Esportes e Lazer do Espírito Santo. Na Calçada da Fama que circunda o ginásio Paulo Valiate Pimenta, foi instalada uma placa que a homenageia, ao lado de outros grandes nomes do esporte capixaba, como os medalhistas olímpicos do vôlei de praia Alison e Fábio Luiz, o craque Geovani, ex-Vasco (campeão do Mundial Júnior de 83 e medalhista olímpico em Seul-88), Neymara Carvalho, pentacampeã mundial de bodyboarding e Buru (Venicius Ribeiro), melhor jogador do Mundial de futebol de areia de 2007. No dia da inauguração, o DJ poderia ter atacado com “A Dança da Mãozinha”. Nada teria sido mais adequado.

 

 

 

 

 

 

 

 

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