Diversificando o MyPlate: A Cozinha Indígena Norte-Americana

Por Food Insight
7 DE OUTUBRO DE 2022

As Diretrizes Dietéticas para os Americanos e seu gráfico MyPlate são recursos comumente recomendados para aprender sobre alimentação saudável e nutritiva. As recém-atualizadas Diretrizes Dietéticas para Americanos 2020-2025 enfatizam mais o cumprimento das recomendações dietéticas, mantendo as preferências culturais em mente, e as fontes que destacam abordagens culturalmente inclusivas são ferramentas valiosas para traduzir as mensagens gerais do MyPlate e das Diretrizes Dietéticas para mais americanos.

Este artigo faz parte de uma série que mostra como a alimentação saudável pode assumir muitas formas diferentes além da dieta ocidental. Enquanto para muitas pessoas, as refeições podem não se assemelhar exatamente ao MyPlate, os autores, especialmente convidados, demonstrarão como é a alimentação saudável em sua cultura e quantos grupos e princípios alimentares podem se traduzir em culturas e culinárias. Cada artigo desta série é escrito por um nutricionista com experiência na integração de abordagens culturalmente inclusivas em seu trabalho.

Sobre a Autora

Meu nome é Sharon Swampy, e eu sou nutricionista com formação nas Primeiras Nações Indígenas da América do Norte (Cree) e do México. Atualmente trabalho em uma clínica em uma reserva, principalmente, com sessões individuais de nutrição com foco na prevenção e no controle do diabetes, alimentação desordenada e na alimentação intuitiva. Às vezes, também trabalho em alguns projetos comunitários focados em nutrição e em iniciativas de segurança alimentar.

Cresci em uma reserva chamada Maskwacis e, na época, não se falava muito em nutrição nas comunidades indígenas. Mais tarde, comecei a perceber que havia uma falta de representação de nutricionistas de origem indígena. Isso significava que as informações nutricionais eram muitas vezes míopes para as comunidades indígenas. Além disso, como alguém que lutou contra um transtorno alimentar no passado, entendi o impacto que a cultura das dietas e suas visões estreitas sobre a saúde podem ter em nosso relacionamento com a comida.

Crescer e não ver pessoas de cor, comidas culturais com diversidade de formatos na mídia, quase fez parecer que alcançar uma boa saúde era inacessível para algumas outras culturas. Quero ajudar a preencher essa lacuna promovendo a diversidade e sendo uma voz de apoio. Isso é parte do motivo pelo qual eu realmente valorizo ​​e priorizo ​​ajudar os clientes a melhorar seu relacionamento com a comida e criar hábitos sustentáveis ​​e saudáveis ​​– tudo isso mantendo em mente as tradições e a cultura.

Quais são alguns dos alimentos indígenas tradicionais na América do Norte?

De acordo com The Assembly of First Nations, alimentos tradicionais são definidos como aqueles que se originam de recursos locais vegetais ou animais que podem ser colhidos da terra. Em geral, os alimentos tradicionais são locais, sazonais, nutritivos e ecologicamente corretos. Ervas e plantas medicinais também são importantes. Exemplos incluem sálvia, cedro, tabaco e erva doce, que são conhecidos como medicamentos sagrados.

Muitos alimentos também têm uma importância espiritual e cultural. Isso porque certos alimentos tradicionais eram vistos não apenas como alimento, mas também como uma conexão com a Mãe Terra e com os saberes ancestrais. Os alimentos considerados sagrados tinham muito valor, pois eram vistos como um presente, ajudavam a manter a saúde e eram parte importante das cerimônias e reuniões da comunidade. No entanto, é importante reconhecer que existem muitos grupos culturais distintos em diferentes regiões geográficas. Cada nação se vê como uma nação independente com sua própria língua, cultura e costumes. Portanto, no passado, os alimentos consumidos dependiam em grande parte da localização geográfica e das estações do ano. Isso significava que muitos alimentos só estavam disponíveis em seu pico de maturação em épocas específicas do ano, razão pela qual métodos de conservação de alimentos como defumação, secagem, cura, e conservas eram importantes. Embora não haja um padrão culinário único para os povos indígenas coletivamente, as dietas tradicionais, geralmente, consistiam em carnes de caça e/ou peixes selvagens e uma variedade de alimentos à base de plantas, como frutas, hortaliças, raízes, flores, grãos, nozes e sementes. Esses alimentos são obtidos, principalmente, através da caça, pesca, e cultivo.

Como as dietas indígenas têm se transformado

Tradicionalmente, as dietas indígenas enfatizavam alimentos integrais e alimentos silvestres. Sempre houve uma conexão e respeito pela terra, animais e plantas, e nada era desperdiçado. No entanto, à medida que os colonizadores europeus começaram a chegar, novos alimentos e costumes alimentares foram introduzidos. Eventualmente, os Povos Indígenas foram forçados a deixar suas terras nas reservas, o que interrompeu as formas tradicionais de alimentação, e o acesso a muitos alimentos tradicionais foi perdido. Isso levou a uma dependência de alimentos fornecidos pelo governo, também conhecidos como commodities alimentares. Eram alimentos enlatados e embalados que tendiam a ser mais ricos em gordura e calorias – como manteiga, queijo e carne enlatada – e não eram tão nutritivos em comparação com os alimentos tradicionais; isso desempenhou um papel na mudança das dietas tradicionais.

Essa mudança persistiu ao longo de gerações devido a fatores como barreiras ao acesso a alimentos, traumas e pobreza sistêmica. Isso não quer dizer que esses alimentos não devam ser consumidos; no entanto, é uma das razões pelas quais as carnes processadas (como a mortadela) e outros alimentos são mais comumente consumidos hoje nas dietas indígenas. Embora a remoção forçada pelo Governo de terras ancestrais tenha desempenhado um papel na perda de formas de alimentação e cultura, estamos começando a revitalizar o conhecimento ancestral e as formas de alimentação. Por exemplo, estamos começando a ver, cada vez mais, chefs, restaurantes, livros de receitas, educação nutricional e iniciativas de soberania alimentar indígenas.

Padrões das Refeições Indígenas

No passado, os hábitos alimentares de nossos ancestrais eram intuitivos e consistiam em alguns alimentos básicos. Através de uma perspectiva indígena, o conceito de saúde e bem-estar é visto como um equilíbrio entre os aspectos sociais, físicos, emocionais e espirituais da vida. Quando esse equilíbrio é alcançado, a saúde e o bem-estar também são alcançados. Em outras palavras, a comida é vista como mais do que apenas combustível. Fatores como cultura e tradição, comunidade, gratidão e amor desempenham um importante papel. A comida é vista como uma forma de manter a identidade cultural, união entre as pessoas e como uma forma de nos conectar à natureza e aos nossos ancestrais por meio de histórias e da transmissão de conhecimentos e tradições alimentares para as gerações futuras.

Alguns dos alimentos indígenas mais conhecidos são as Três Irmãs – milho, feijão e abóbora – pois eram alimentos básicos. Este trio cresce bem no mesmo solo e se junta para formar muitos pratos nutritivos, como sopa ou ensopado das Três Irmãs. Embora os pratos e ingredientes possam variar de nação para nação, muitos pratos são preparados com ingredientes sazonais e são ricos em proteínas e fibras.

Como os Grupos Alimentares do MyPlate se alinham com as preferências alimentares das Primeiras Nações Indígenas das Pradarias da América do Norte (Plains Cree)?

Abaixo, vou me concentrar em alguns alimentos tradicionais das Plains Cree. Note que estes são alimentos que eram tradicionalmente consumidos no passado. Hoje, é difícil descrever quais são os alimentos comumente consumidos, pois fatores como insegurança alimentar, acesso a alimentos e perda das formas tradicionais afetam as escolhas alimentares e o acesso ao comer e ao preparo de alimentos, como eram tradicionalmente preparados no passado.

Hortaliças

As hortaliças mais comuns incluíam verduras e raízes selvagens, como folhas de dente-de-leão, raízes de taboa, bulbos de cebolinha, cebolas selvagens e nabos; e legumes ricos em amido, como milho e variedades de abóbora.

Proteína

O búfalo era a proteína predominante e era usado para fazer muitos pratos, incluindo pemmican, que é carne selvagem seca transformada em pó e misturada com gordura derretida e às vezes frutas. Outras carnes de caça, como alces, veados e patos, eram populares, juntamente com certos tipos de peixes. As fontes de proteína à base de plantas incluíam feijão e certos tipos de nozes e sementes, como sementes de girassol ou sementes de abóbora.

Grãos

Os grãos populares consistiam em milho e arroz selvagem, enquanto trigo e produtos à base de trigo não faziam parte originalmente da dieta tradicional. O milho era muito versátil, pois podia ser seco, moído em farinha e usado em muitos pratos, incluindo fubá. O arroz selvagem, uma gramínea aquática, era considerado uma cultura importante e era usado em muitos pratos.

Frutas

Algumas frutas populares incluíam bagas, como chokecherries, cranberries, bagas de saskatoon, mirtilos, morangos silvestres e framboesas. As frutas não eram consumidas apenas frescas, mas também enlatadas, secas ou na forma de molhos.

Laticínios e Alternativas

Tradicionalmente, os laticínios não eram consumidos – foram introduzidos mais tarde pelos colonizadores europeus. Cálcio e vitamina D, que são nutrientes importantes encontrados em produtos lácteos, foram fornecidos por meio de alimentos como verduras selvagens, sementes, abóbora e peixe.

Conclusão

A culinária indígena é muito diversificada; no entanto, é difícil ser distinguida por algumas pessoas, pois os sistemas e conhecimentos alimentares indígenas foram deslocados devido à perda das formas tradicionais. Muito do conhecimento indígena é passado através do boca a boca, da contação de histórias, pelos mais velhos e pela comunidade. Isso significa que é mais difícil obter esse conhecimento quando a conexão com as formas tradicionais é interrompida. É por isso que trabalhar para revitalizar, restaurar e representar esse conhecimento é importante. Estamos no processo de incorporar e revitalizar alimentos e formas de alimentação tradicionais, ao mesmo tempo em que reparamos nossa relação com a terra e com a comida! Por fim, precisamos lembrar que podemos honrar nossa saúde e respeitar nossos corpos sem ter que sacrificar nossas tradições e cultura.

A culinária indígena é uma das muitas diversas culinárias que podem servir como exemplo de alimentação saudável e nutritiva. Esta culinária pode abranger amplamente as recomendações promovidas nas Diretrizes Dietéticas para Americanos e seu gráfico MyPlate.

Perguntas e Respostas Sobre Abordagens Culturalmente Sensíveis à Nutrição

Sharon também respondeu a algumas perguntas feitas pela IFIC sobre como navegar na profissão da nutrição de uma maneira culturalmente sensível e inclusiva.

Quais são alguns dos desafios que você ou seus clientes/pacientes têm encontrado ao usar recursos como o MyPlate e como você tem conduzido essas ferramentas?

Quando se trata de pratos tradicionais, muitos são pratos mistos – por exemplo, sopas. Isso pode dificultar a interpretação das recomendações do MyPlate, pois nem sempre é comum ter diferentes grupos de alimentos separados em um prato. Além disso, muitos clientes acreditam que os alimentos devem ser frescos e que os alimentos de conveniência não são nutritivos. Isso é um desafio, porque às vezes pode causar culpa e estresse ao fazer escolhas alimentares.

Além disso, muitas comunidades indígenas ainda enfrentam barreiras ao acesso à alimentos e à segurança alimentar. Isso significa que é difícil para algumas pessoas ter acesso ou comprar alimentos tradicionais. Algumas pessoas podem até não estar familiarizadas com certos alimentos tradicionais se não cresceram consumindo-os. Esta é uma grande razão pela qual a soberania alimentar é importante. A soberania alimentar não significa apenas fornecer o suficiente para comer, mas também, permitir que as comunidades criem sistemas alimentares que se alinhem aos valores culturais e espirituais. Trata-se também de restabelecer as ligações com a terra e com os alimentos tradicionais, o que pode ajudar na prevenção ou controle de doenças crónicas, como diabetes ou doenças cardíacas.

Dito isto, é importante fornecer educação nutricional e recomendações com base nos alimentos aos quais os clientes têm acesso, oferecendo todo apoio comunitário disponível para melhorar o acesso e/ou a segurança alimentar. Precisamos levar em consideração os determinantes sociais da saúde e entender que a nutrição não é algo que envolve uma simples escolha entre duas coisas opostas, como boa ou ruim, ou certo e errado, e precisa ser individualizada.

Que orientação você daria a outros nutricionistas sobre a integração de uma abordagem culturalmente sensível em sua própria prática clínica?

Precisamos ouvir e atender os clientes onde eles estão! A dietética, em alguns aspectos, é rebuscada – o que pode tornar mais fácil fazer suposições ou dar recomendações tendenciosas. Além disso, quando se trata de trabalhar com comunidades indígenas, precisamos lembrar que os Povos Indígenas têm passado por muitas coisas. Isso pode incluir traumas geracionais e taxas mais altas de situações como insegurança alimentar, vícios e problemas de saúde em comparação com a população em geral, o que remonta à ruptura dos modos de vida tradicionais. Portanto, se os clientes estão passando por problemas como esses, a nutrição nem sempre será colocada em primeiro lugar – e precisamos entender isso. Não é tão simples quanto dizer “escolha a opção mais nutritiva”. É importante ser empático e usar uma abordagem culturalmente sensível, porque você nunca conhecerá a história completa.

Este artigo foi escrito por Sharon Swampy, RD.