A nanotecnologia no Brasil

O objetivo da nanotecnologia é o de criar novos materiais e desenvolver novos produtos e processos baseados na crescente capacidade da tecnologia moderna de ver e manipular átomos e moléculas. Os países desenvolvidos estão investindo muito dinheiro nessa nova fronteira da ciência. A nanotecnologia é a aplicação da ciência de sistemas em escala nanométrica. Um nanômetro (nm) é 1 bilionésimo de metro; reais sistemas em escala nanométrica têm tamanhos que variam de 1 a 100 nm.

Se esse regime está entre o mundo subnanométrico de átomos individuais, o tamanho típico padrão num circuito eletrônico de última geração está por volta de 200 nanômetros. É um regime onde a física, a química e a biologia se aglutinam para criar a nanociência, de onde a ciência da nanotecnologia possa começar. Segundo o ex-diretor do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron e idealizador do Centro Nacional de Referência em Nanotecnologia, Cylon Gonçalves da Silva, as aplicações em catálise, isto é, na química e na petroquímica, em entrega de medicamentos, em sensores, em materiais magnéticos, em computação quântica, são alguns exemplos da nanotecnologia sendo desenvolvidos no Brasil.

“O que precisamos agora é aprender a transformar todo esse conhecimento em riquezas para o país. A nanotecnologia é extremamente importante para o Brasil, por que a indústria brasileira terá de competir internacionalmente com novos produtos para que a economia do país se recupere e retome o crescimento econômico. Essa competição somente será bem-sucedida com produtos e processos inovadores, que se comparem aos melhores que a indústria internacional oferece. Isto significa que o conteúdo tecnológico dos produtos ofertados pela indústria brasileira terá de crescer substancialmente nos próximos anos e que a força de trabalho do país terá de receber um nível de educação em Ciência e Tecnologia muito mais elevado do que o de hoje. Esse é um grande desafio para todos nós”, explica.

As relações entre nanociência e nanotecnologia reproduzem ao nível nanométrico as mesmas relações entre ciência básica e as aplicações tecnológicas do conhecimento científico. Manipulando átomos e moléculas, os pesquisadores anunciam a possibilidade de criar medicamentos mais eficazes, materiais mais resistentes, computadores com maior capacidade de armazenamento e diversos benefícios socioambientais. “Saber é poder”, lembrando desta frase do filósofo inglês Bacon, o professor do Curso de Especialização em História da Ciência na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Mauro Lúcio Leitão Condé, comenta que “a idéia moderna de ciência como transformadora da natureza apresenta grandes implicações econômicas e a nanotecnologia está nesse epicentro”.

Quando se fala das pesquisas em nanotecnologia geralmente se distinguem os objetos de estudo, as técnicas utilizadas e os diferentes produtos que serão gerados (nanomagnetismo, metais ultrafinos, drogas nanocristalinas, nanofibras poliméricas e outros). Mas não são apenas essas as diferenças que existem entre as pesquisas. Segundo Condé, existe também uma diversidade de idéias sobre o que é o fazer científico, presentes nos diferentes campos da nanotecnologia. “Neste século, muitos pesquisadores ainda fazem ciência a partir do paradigma clássico. A nanotecnologia, por exemplo, avança em algumas direções, mas ainda permanece em parte presa ao pensamento clássico quando o assunto é a racionalidade científica e a fragmentação do conhecimento”.

Ainda existe a idéia da ciência como produtora de uma verdade única e essa idéia ainda orienta a produção de conhecimentos no campo científico, comenta Condé. Porém, a maioria dos cientistas que trabalha com a matemática, por exemplo, pensa a ciência como a busca por uma verdade pontual, a busca pela resposta a certas perguntas, diz o pesquisador. “A matemática define-se muito mais como uma atividade de criação do que como de descoberta ou revelação”, conclui.

A coexistência de pesquisas que se orientam por múltiplos paradigmas da ciência — que marcaram os séculos XVII, XIX e XX — é uma marca da produção científica multidisciplinar, como a nanotecnológica. Walter Carnielli, diretor do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência (CLE), da Unicamp, comenta que “isso não é um problema, não é errado de errado na coexistência dos múltiplos paradigmas dentro da mesma comunidade científica, mas é preciso perceber que existem diferenças que têm que ser reconhecidas”.

A nanotecnologia agrega práticas e métodos das ciências naturais e das ciências formais. As ciências formais independem do empirismo, de laboratórios, de experimentação, diferenciando-se das ciências naturais porque lidam com problemas que “existem apenas na cabeça dos cientistas, não têm substância, não se alimentam, são feitos apenas de hipóteses e de suas conseqüências”, comenta Carnielli. Os sistemas computacionais e os softwares são produtos bastante interessantes das ciências formais. Recentemente, a filosofia tem se dedicado a estudar os problemas que emergem das ciências formais e que envolvem, entre outras áreas, a matemática, as ciências cognitivas, a semiótica, a semiologia e a lógica.

A lógica, por exemplo, se transformou na linguagem básica das ciências formais. Em outras áreas, como na física tradicional, a linguagem utilizada baseia-se largamente no paradigma do cálculo diferencial de Isaac Newton e Gottfried Leibniz do século XVII, diz Carnielli. Essa mudança na linguagem produziu mudanças também nos referenciais das pesquisas, que passaram a depender de questões ligadas ao tempo, à sincronicidade e à assincronicidade, aos agentes e à ética formal, e às lógicas que investigam o que é crer e conhecer e o que é consistência e coerência. Todas essas questões precisam ser pesquisadas e conhecidas para serem criados os sistemas computacionais, explica Carnielli. E acrescenta “um dos focos de estudo das ciências formais é o que pode e o que não pode ser expresso por um sistema, o que a matemática, a lógica, e em particular o computador podem ou não expressar, ou seja, os limites que determinam o campo da cientificidade”.

O reconhecimento do valor epistêmico dos sistemas computacionais tem sido cada vez maior a partir de resultados apresentados por pesquisas como as do campo nanotecnológico, que utilizam simulações computacionais para demonstrar o comportamento de átomos e moléculas. Pesquisadores da Unicamp e USP que descreveram o comportamento dos átomos de nanofios de ouro – um material estratégico para a fabricação de componentes de computadores – alcançaram êxito e precisão graças aos cálculos e simulações realizadas em computadores. Além disso, conseguiram informações inusitadas sobre a organização dos átomos, tornando ainda mais expressiva a importância da simulação por computadores. Ela tem, inclusive, antecipado a própria experiência em grande parte das pesquisas. O uso dos produtos das ciências formais – como os softwares – por pesquisas das ciências naturais podem propiciar economia de tempo e dinheiro.

A inauguração das ciências formais pode ser associada à emergência da geometria não euclidiana de Lobachevsky-Bolyai-Gauss, no século XIX. Essas ciências propõem objetos desvinculados de uma realidade empírica, que “não existiriam” se fossem levados em consideração os referenciais antigos: uma reta que não é reta, um círculo que não é redondo, retas tais que por um ponto fora delas passa mais de uma paralela, ou nenhuma paralela, comenta o filósofo. A física, somente muito tempo depois, passou a utilizar a geometria não euclidiana. De maneira análoga, o século XX concebeu as lógicas não-clássicas. Carnielli diz que começou estudando as lógicas não clássicas, que na época eram consideradas as mais exóticas, “sempre tive a crença de que algum dia isso seria importante, apesar de parecerem naquele momento heterodoxias absurdas. Hoje, essas lógicas são utilizadas na engenharia de software e na teoria de bancos de dados. “O quanto dessa ciência formal será possível utilizar e de que forma?”, pergunta Carnielli, para afirmar que essa é uma das inquietações que movimenta hoje a filosofia das ciências formais.

Para competir em pesquisas de ponta, seguindo a tendência dos mais importantes Institutos Nacionais de Metrologia (INM), o Inmetro, por meio da Divisão de Materiais, começa a fazer no Brasil as primeiras experiências com metrologia em OLEDs no Centro de Dispositivos Orgânicos (CeDO), uma das áreas de pesquisas do Centro de Nanometrologia, coordenado pelo físico Carlos Alberto Achete. “Nesse novo contexto, o papel do Inmetro é o de garantir a confiabilidade dos produtos. Para garantir a qualidade de um OLED, você precisa de medidas de controle, como a padronização de materiais de luminosidade. É esse padrão que vai garantir a eficiência. Esse é um nicho onde o Inmetro pode apoiar a indústria, ajudando a fabricar melhores dispositivos como estratégia na busca de aumento de eficiência produtiva e de inovação tecnológica”, resume.

A tecnologia dos OLEDs (dispositivos orgânicos emissores de luz) vai revolucionar a vida dos consumidores. O futuro será flexível, multifuncional – um só OLED pode ser TV, Internet, telefone – e cada vez menor, miniaturizado. Os OLEDs são uma aplicação da Eletrônica Molecular (EM), uma das partes da nova visão científica de Nanociência e Nanotecnologia e está se configurando como uma das áreas mais estratégicas para o desenvolvimento tecnológico de muitos países.

Os OLEDs são fontes luminosas, que podem ser produzidos em qualquer tamanho, num grande número de substratos, incluindo a plástica flexível. A maioria das aplicações com OLEDs é de displays pequenos como celulares, tocadores MP3, máquinas fotográficas. Estão sendo criados monitores para laptops, roupas inteligentes e, no Japão, relógios incrustados sobre roupas. As vantagens dos OLEDs, em comparação com os atuais displays de cristais líquidos (LCDs), incluem baixo consumo de energia elétrica, mobilidade de transporte, economia de espaço e preço baixo.

Com a crescente adoção da nanotecnologia na fabricação de produtos de consumo, a organização Innovation Society propôs um modelo para uma Pirâmide da Nano Informação. O objetivo da proposta é debater os desafios e as responsabilidades para a preservação das informações sobre os nanomateriais utilizados em cada produto ao longo da cadeia de valor. O modelo pode contribuir para resolver e analisar as áreas críticas na cadeia de valor.

Segundo a proposta, há grandes desafios a serem vencidos pela indústria, pelas autoridades, pelas agências de fiscalização e até pelas companhias de seguro. Entre esses desafios para o futuro destacam-se: encontrar instrumentos adequados e confiáveis para transferir dados e informações específicos da nanotecnologia ao longo da cadeia de valor e para satisfazer as necessidades dos consumidores; garantir que o fluxo de nanoinformações (a montante e a jusante) não seja interrompido; e dividir os custos e as responsabilidades dessa cadeia de nanoinformações entre as partes responsáveis.

A Pirâmide combina diferentes ferramentas de transferência de informações entre os diferentes níveis da cadeia de valor para garantir que os dados nanoespecíficos (e, se necessário, os aspectos de segurança envolvidos) sejam transferidos de forma adequada, da indústria até a reciclagem. Há uma preocupação crescente com os riscos advindos do uso das nanopartículas. Algumas pesquisas iniciais apontam riscos tanto para o meio ambiente quanto para a saúde humana, embora as amostragens ainda sejam insuficientes para conclusões definitivas. A Pirâmide da Nano Informação é o primeiro esforço que leva em consideração os aspectos econômicos, sobretudo a preparação para a reciclagem dos produtos com nanotecnologia.

  

A Pirâmide da Nano Informação é o primeiro esforço que leva em consideração os aspectos econômicos, sobretudo a preparação para a reciclagem dos produtos com nanotecnologia.[Imagem: Innovation Society]

Alguns exemplos de aplicação (Fonte: Nanotechnology Research Directions: IWGN Workshop Report)

Indústria automobilística e aeronáutica Materiais mais leves, pneus mais duráveis, plásticos não-inflamáveis e mais baratos, etc.
Indústria eletrônica e de comunicações Armazenamento de dados, telas planas, aumento na velocidade de processamento, etc.
Indústria química e de materiais Catalisadores mais eficientes, ferramentas de corte mais duras, fluidos magnéticos inteligentes, etc.
Indústria farmacêutica, biotecnológica e biomédica Novos medicamentos baseados em nanoestruturas, kits de autodiagnóstico, materiais para regeneração de ossos e tecidos, etc.
Setor de fabricação Novos microscópios e instrumentos de medida, ferramentas para manipular a matéria em nível atômico, bioestruturas, etc.
Setor energético Novos tipos de bateria, fotossíntese artificial, economia de energia ao utilizar materiais mais leves e circuitos menores, etc.
Meio ambiente Membranas seletivas, para remover contaminantes ou sal da água, novas possibilidades de reciclagem, etc.
Defesa Detectores de agentes químicos e orgânicos, circuitos eletrônicos mais eficientes, sistemas de observação miniaturizados, tecidos mais leves, etc.

3 Respostas

  1. […] publiquei um texto nesse site sobre a nanotecnologia: https://qualidadeonline.wordpress.com/2010/02/11/a-nanotecnologia-no-brasil/ Além disso, para ter uma ideia da diminuta dimensão de 1 nanômetro (nm), ou 1 bilionésima parte […]

  2. Gostaria de saber se existe algum tipo de pesquisa ou aplicação dessa tecnologia aqui no Brasil? Se sim, gostaria que me citasse um exemplo.

    Grata.

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