• Marília Marasciulo
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Maria Quitéria, a primeira mulher a se alistar no Exército Brasileiro (Foto: Reprodução)

Maria Quitéria, a primeira mulher a se alistar no Exército Brasileiro (Foto: Reprodução/Óleo de Domenico Failutti)

A primeira mulher a se alistar nas Forças Armadas Brasileiras foi enterrada em uma lápide anônima na igreja matriz da freguesia de Santana do Sacramento. Maria Quitéria de Jesus — que lutou na campanha da Bahia nas Guerras de Independência do Brasil entre 1822 e 1823 e foi condecorada com a Imperial Ordem do Cruzeiro pessoalmente por Dom Pedro I — morreu no dia 21 de agosto de 1853, sem nenhum reconhecimento.

Hoje, é considerada uma das patronas do Quadro Complementar de Oficiais do Exército Brasileiro e, desde 2018, tem seu nome incluído, por lei, no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. Conheça sua história:

Infância e juventude

Maria Quitéria de Jesus foi a primogênita de Gonçalo Alves de Almeida e Quitéria Maria de Jesus. Nasceu em 27 de julho de 1792 na freguesia de São José de Itapororocas, onde hoje é Feira de Santana, na Bahia. Depois de perder a mãe aos 10 anos de idade, passou a cuidar sozinha dos irmãos, Josefa e Luiz.

O pai de Maria Quitéria se casou outras duas vezes. A segunda esposa morreu poucos meses após o casamento e, dois anos depois, ele se casou pela terceira vez, agora com Maria Rosa de Brito, com quem teve outros três filhos.

Por causa das obrigações no lar, Maria Quitéria deixou de ir à escola. Aprendeu sozinha a caçar e a pescar, demonstrando habilidade em manejar armas. Esse temperamento, que contrariava os padrões sociais da época, desagradava a terceira esposa do pai.

Guerra da Independência do Brasil

O processo de Independência do Brasil foi um conjunto de campanhas militares regionalizadas que levaram à expulsão das tropas portuguesas do território brasileiro. Seu ponto central foi a proclamação em 7 de setembro de 1822. Mas o marco inicial do processo foi a separação da província de Pernambuco do Reino de Portugal em 29 de agosto de 1821.

Nesse contexto, um dos conflitos mais relevantes e duradouros foi a guerra de Independência da Bahia. Ao longo de 1822, políticos locais começaram a clamar Dom Pedro I como defensor do Brasil, contrariando os interesses de Portugal.

Em 25 de junho, durante um cortejo em homenagem ao príncipe regente na cidade de Cachoeira, às margens do Rio Paraguaçu, soldados portugueses atacaram os devotos, causando as primeiras baixas da Campanha da Bahia.

Alistamento

Após o 7 de setembro, instalou-se um Conselho Interino do Governo da Bahia, que começou a procurar voluntários para defender o movimento de independência e expulsar os portugueses. Com 19 anos na época, Quitéria demonstrou interesse em se alistar e pediu autorização do pai, que prontamente negou.

Segundo o escritor Brenno Ferraz, em A Guerra da Independência da Bahia (1923), o diálogo foi o seguinte: “É verdade, que não tendes filho, meu pai. Mas lembrai-vos que manejo as armas e que a caça não é mais nobre que a defesa da pátria. O coração me abrasa. Deixai-me ir disfarçada para tão justa guerra”, disse Maria Quitéria. “Mulheres fiam, tecem e bordam; não vão à guerra”, respondeu o pai.

Quitéria então procurou a irmã, que a apoiou e emprestou as fardas do marido. Ela cortou o cabelo, colocou as vestes e se apresentou ao Regimento de Artilharia como “Soldado Medeiros”.

Heroísmo

Maria Quitéria integrou o Batalhão de Voluntários do Príncipe, conhecido como Batalhão dos Periquitos (por causa da cor verde nos uniformes), de setembro de 1822 a julho de 1823. Seu batismo de fogo foi em uma batalha na foz do Rio Paraguaçu. Por causa do aspecto físico mais frágil, porém ágil, foi designada a combater na infantaria.

Em algum momento, seu disfarce foi desmascarado. Uma das histórias mais contadas é que seu pai a encontrou no batalhão e revelou sua verdadeira identidade. Porém, por causa de seu valor à tropa, não foi desligada. Em vez disso, o Conselho Interino baixou uma ordem para que lhe enviassem saiotes, de forma que o uniforme ficasse mais apropriado para uma mulher.

Maria Quitéria integrou o Batalhão de Voluntários do Príncipe, conhecido como Batalhão dos Periquitos, de setembro de 1822 a julho de 1823. (Foto: Óleo de Domenico Failutti)

Maria Quitéria integrou o Batalhão de Voluntários do Príncipe, conhecido como Batalhão dos Periquitos, de setembro de 1822 a julho de 1823. (Foto: Óleo de Domenico Failutti)

Ela participou da defesa da Ilha da Maré e de batalhas em Conceição, Pituba e Itapuã. No combate de Pituba, em fevereiro de 1823, destacou-se ao atacar uma trincheira inimiga, fazer dois portugueses prisioneiros e escoltá-los sozinha ao acampamento.

Em 2 de julho de 1823, quando o Exército Libertador finalmente entrou triunfante em Salvador, Maria Quitéria esteve junto para ser saudada pela população.

Fim da guerra

Maria Quitéria foi recebida por Dom Pedro I no Rio de Janeiro em agosto de 1823. Na ocasião, foi promovida ao posto de Alferes e condecorada como cavaleiro com a Imperial Ordem do Cruzeiro. “Concedo-vos a permissão de usar esta insígnia como um distintivo que assinale os serviços militares que, com denôdo raro, prestastes à causa da Independência do Império, na porfiosa restauração da Bahia”, disse o imperador no pronunciamento.

Vida em família

A jovem voltou à Bahia, onde se casou com um antigo namorado, Gabriel Pereira de Brito. Tiveram uma filha, Luísa Maria da Conceição. Tentou também receber a herança do pai, mas acabou desistindo do inventário diante da morosidade da Justiça. Passou seus últimos anos vivendo em Salvador na companhia da filha, e morreu praticamente cega aos 61 anos.