Meio ambiente

Por Jesús Galindo-Zaldivar* | The Conversation

O epicentro do devastador terremoto ocorrido no Marrocos em 8 de setembro estava nas Montanhas do Alto Atlas, a cerca de 71 km a sudoeste de Marrakech. Moina Spooner, do The Conversation África, questionou Jesús Galindo-Zaldivar sobre os fatores que levaram a essa situação. Nos últimos anos, o pesquisador vem investigando a formação das montanhas e a geologia da região. Leia a seguir.

Quais pesquisa vocês têm realizado nas Montanhas do Atlas?

As Montanhas do Atlas são uma cadeia fascinante no noroeste da África, abrangendo Marrocos, Argélia e Tunísia. Estão situadas ao sul da principal fronteira das placas tectônicas da Eurásia e da África (Núbia). A região normalmente não tem muitos terremotos em comparação com outros lugares mais próximos às bordas das placas, onde os movimentos das causam intensa atividade sísmica. No entanto, em 1960, o terremoto de Agadir causou muitos danos e perdas de vidas.

Faço parte de uma equipe de geólogos, geofísicos e geodésicos de várias universidades marroquinas e instituições espanholas que estão conduzindo pesquisas na área. Queremos compreender o desenvolvimento dessa cordilheira e sua posição na borda de uma placa continental. Estudos sobre atividade sísmica, gravidade e outros fenômenos geofísicos nos permitem entender a estrutura profunda da Terra, a profundidades que excedem 100 km.

O terremoto foi o mais mortal em décadas de história de Marrocos e matou pelo menos 1.000 pessoas — Foto: FADEL SENNA/AFP via Getty Images
O terremoto foi o mais mortal em décadas de história de Marrocos e matou pelo menos 1.000 pessoas — Foto: FADEL SENNA/AFP via Getty Images

Por meio da pesquisa geológica de campo, conseguimos detectar e analisar falhas — fraturas ou rachaduras — na crosta terrestre. Esses movimentos podem ser horizontais, verticais ou diagonais, e ocorrem devido às forças imensas atuando nas placas tectônicas da Terra.

Por fim, usando técnicas geodésicas (registros GPS), conseguimos determinar como as placas tectônicas estão se movendo. Isso é feito medindo regularmente locais de referência com precisão milimétrica.

O que suas pesquisas revelaram?

Nossas pesquisas mostram que as Montanhas do Atlas foram formadas durante a separação do supercontinente Pangeia. Atualmente, é uma cadeia de montanhas que está se elevando ativamente, como evidenciado por suas altas montanhas e encostas íngremes. As linhas retas onde a crosta terrestre se rompe sugerem justamente que houve movimentos recentes na Terra sob esta área. É surpreendente que não ocorram mais terremotos ali.

As Montanhas do Atlas estão sendo empurradas uma contra a outra a uma taxa de cerca de um milímetro por ano. Isso acontece porque as placas Eurasiana e Africana estão se aproximando uma da outra. Essa ação de compressão é responsável por criar as montanhas mais altas da região, na borda sul onde essas duas grandes placas se encontram.

O que suas descobertas indicam sobre este terremoto?

O terremoto catastrófico ocorreu ao norte das montanhas do Atlas ocidentais, ao sul de Marrakech. De acordo com estimativas do Instituto Nacional de Geofísica do Marrocos e do Serviço Geológico dos Estados Unidos, a profundidade está entre 8 km e 26 km. O terremoto resultou de um fenômeno geológico chamado "falha inversa".

Esse tipo de evento ocorre quando as placas tectônicas colidem, fazendo com que a crosta terrestre se espesse. O estresse ao longo dessas linhas de falha pode induzir terremotos à medida que as rochas se deslocam abruptamente para liberar o estresse acumulado, característico de uma falha sísmica.

Durante a manhã do dia 9, diversas pessoas voltaram aos escombros que outrora foram suas casas para recuperar seus pertences deixados às pressas na noite anterior — Foto: FADEL SENNA/AFP via Getty Images
Durante a manhã do dia 9, diversas pessoas voltaram aos escombros que outrora foram suas casas para recuperar seus pertences deixados às pressas na noite anterior — Foto: FADEL SENNA/AFP via Getty Images

A magnitude 6.8 implica que a falha responsável por esse terremoto provavelmente tem cerca de 30 km de comprimento. Essa estimativa leva em consideração as relações entre o comprimento da falha ativa e as magnitudes dos terremotos.

Então, por que não vemos muitos terremotos nessa área, mesmo sendo um lugar onde os blocos tectônicos estão se movendo e as montanhas estão se elevando? Os terremotos ocorrem quando há um deslocamento repentino de rochas ao longo de uma falha, causado pela liberação de energia armazenada que se acumulou ao longo do tempo.

Nesta região, não houve terremotos importantes registrados antes, o que sugere que o estresse das placas se empurrando vem se acumulando profundamente no subsolo por um longo período. Quando o estresse se tornou muito intenso para a falha suportar, ele causou um terremoto.

Nesse cinturão montanhoso, as falhas podem não produzir terremotos com muita frequência. Após o terremoto, as rochas na área se moveram e ajustaram, mas outras falhas próximas podem agora estar sob estresse adicional, e elas podem produzir terremotos menores conhecidos como réplicas que podem continuar por meses ou até anos.

O que as autoridades devem fazer para se preparar?

Os terremotos são difíceis de prever e não podem ser evitados. No entanto, podemos mitigar seu impacto. Através de estudos integrados da geologia, geofísica e geodésia da região, podemos identificar onde existem falhas sísmicas ativas. Também podemos estimar quão poderosos os terremotos nessas falhas podem ser e com que frequência eles podem ocorrer novamente.

Isso nos ajuda a entender o quão fortes os futuros terremotos em uma área específica podem ser. Falhas que não têm terremotos com frequência, mas ainda podem produzir terremotos fortes, são uma grande preocupação. No futuro, encontrar e estudar esses tipos de falhas será um foco da pesquisa sobre terremotos.

A melhor maneira de minimizar os danos causados pelos terremotos é melhorar os códigos de projeto de construção sísmica para resistir à mais alta atividade sísmica possível. Isso ajudará os edifícios e outras estruturas a resistirem melhor às fortes vibrações.

Além disso, é crucial que as casas tradicionais e construções de pedra em aldeias de montanha sejam reforçadas para evitar futuros desastres. As novas construções devem ser testadas e projetadas de forma barata e eficiente, respeitando os novos padrões de construção sísmica.

*Jesús Galindo-Zaldivar é professor de Geodinâmica na Universidade de Granada, na Espanha.

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