01/05/2024 - Edição 540

Comportamento

Computador em sala de aula está “emburrecendo” as crianças?

Grupo de cientistas alemães alega que os computadores têm uma influência negativa no desenvolvimento de crianças em idade escolar e cria uma petição contra a digitalização nas escolas

Publicado em 09/12/2023 11:34 - Fred Schwaller – DW

Divulgação Victor Barone - Midjourney

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Computadores e tablets se tornaram uma parte importante do ensino dentro da sala de aula. Segundo dados da ONU, 46,7% das turmas de ensino básico (até o 4º ano) em todo o mundo têm acesso a computadores. Na União Europeia (UE), esse índice é o dobro: chega a 98%.

Apesar do uso já difundido dessa tecnologia nas escolas, nem todos os especialistas em educação compartilham da opinião de que computadores dentro da sala de aula trazem vantagens. Ralf Lankau, professor de Teoria da Comunicação da Escola Superior de Offenbach, afirma: “tablets e notebooks não tornam as crianças mais espertas e sim mais burras”.

Lankau se refere às crianças de até dez anos. Ele é um dos 40 pesquisadores que iniciaram uma petição através da Gesellschaft für Bildung und Wissen (Sociedade para a Educação e Conhecimento), com o objetivo de trazer a público a preocupação sobre o efeito das tecnologias digitais no desenvolvimento de crianças.

Eles exigem um adiamento da digitalização nas escolas primárias e creches alemães para crianças entre 4 e 11 anos.

“Nós não queremos a proibição da digitalização. Nós queremos mais responsabilidade com a sala de aula”, explica Lankau à DW. “Precisamos nos perguntar: qual o objetivo de aprendizado que temos e como podemos usar mídias digitais e analógicas para nos ajudar a alcançar esse objetivo? E não: qual a nova tecnologia e como podemos usá-la na escola?”, analisa.

Repensar a aprendizagem

A petição chega no momento em que as escolas alemães são criticadas pelo atraso na digitalização.

Mas Lankau e os outros pesquisadores querem que o Ministério de Educação alemão repense esse processo. Segundo ele, o sistema escolar alemão não se concentra o suficiente nas demandas individuais de aprendizado e nos benefícios educacionais da socialização em sala de aula.

“Instituições de ensino devem se concentrar em como desenvolver indivíduos com seus próprios interesses e talentos e, ao mesmo tempo, torná-los parte da sociedade”, diz Lankau.

Na opinião do pesquisador, o problema principal é que, há 40 anos, a tecnologia de informação e as associações comerciais determinam o que acontece na escola, enquanto, na verdade, deveríamos nos perguntar: “o que precisamos localmente na escola, em termos de recursos humanos e até de tecnologias de mídia?”.

Debate acalorado

A iniciativa causou pouca simpatia por parte de outros pesquisadores. Maria Hatzigianni, especialista em educação infantil e tecnologias digitais na Universidade da Ática Ocidental, na Grécia, considera a opinião de Lankau como uma velha tendência “tecnofóbica”.

“As pessoas fazem críticas sobre os computadores desde 1990. Toda vez que uma nova tecnologia chega no mercado, as pessoas entram em pânico. Sócrates já dizia há quase 2.500 anos que anotar as coisas nos torna esquecidos”, comenta Hatzigianni à DW.

Mas o quão nocivo é realmente o uso do computador para crianças? É mais um caso onde os adultos querem dizer para as crianças o que elas devem fazer, como se afastar das telas, ou é uma preocupação com fundamento?

Segundo Prakash Ranganathan, diretor do Centro de Pesquisa de Segurança Cibernética da Universidade de Dakota do Norte, nos EUA, os resultados científicos sobre o impacto das tecnologias digitais no desenvolvimento das crianças são diversos.

“Há algumas evidências de impacto no desenvolvimento cognitivo. Depois de muito tempo de uso de tela, perdemos capacidade de concentração. Isso pode nos levar a uma experiência passiva de aprendizado e que pode impedir o pensamento crítico e a aptidão em resolver problemas. Mas ainda não está claro se esse efeito negativo em potencial é de curto ou longo prazo”, explica Ranganathan.

Alguns estudos apontam que o uso excessivo do computador afeta a saúde por causa do sedentarismo, podendo levar à obesidade, a distúrbios do sono e à ansiedade.

Muitas dessas preocupações estão vinculadas ao medo do impacto da internet e das mídias sociais em crianças e jovens. Ranganathan, no entanto, pondera que é preciso mais estudos para reconhecer essas conexões.

Computadores podem estimular o desenvolvimento

De acordo com Ranganathan, há também muitos aspectos positivos no uso dessas tecnologias. Tanto ele quanto Hatzigianni apontam para os resultados de pesquisas que indicam que o uso delas em um contexto de ensino traz ganhos no desenvolvimento da leitura, da escrita, das habilidades de cálculos e manuais e da memória visual-espacial.

Estudos descobriram que o uso de tecnologias digitais interativas pelas crianças melhora a aquisição da linguagem, a função executiva (a capacidade de concentração e realização de tarefas) e a memória.

“Existe a robótica, a linguagem de programação, o aprendizado de idiomas, a alfabetização e a matemática. A tecnologia é uma ferramenta que facilita o acesso à informação e nos ajuda a sermos criativos. Isso ajuda imensamente na metacognição”, diz Hatzigianni.

Metacognição é o conhecimento que um indivíduo tem acerca dos próprios processos cognitivosa (por exemplo, pensamentos, opiniões, atitudes, atenção e criatividade).

Participação das crianças na decisão

Hatzigianni trabalhou em conjunto com o governo grego para desenvolver aplicativos de aprendizagem para crianças de quatro a seis anos.

Para ela, o trabalho foi bem-sucedido porque, no processo de criação da plataforma, todos foram envolvidos: crianças, professores e pais.

Segundo Hatzigianni, a pergunta certa seria: como podemos melhorar o aprendizado e a aula, usando a tecnologia adequada e sem temê-la?

“É muito importante que educadores trabalhem junto com as crianças, para que todos tenham uma vida digital saudável”, enfatiza Hatzigianni, que critica o grupo alemão de pesquisadores por ignorarem a opinião das crianças.

“É bem irônico que eles queiram ensinar às crianças pensamento crítico e poder de análise, mas tiram delas a decisão sobre sua própria educação digital. Eles já convidaram as crianças para o debate?”, questiona.


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