Biodiversidade
Publicidade

Por Guilherme Justino, do Um Só Planeta

Pensar em Brasil é pensar na Amazônia. E falar em Amazônia é lembrar imediatamente do Brasil. País e bioma são indissociáveis, ainda que a maior e mais diversa floresta tropical do mundo se estenda por outras nações — como Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru e Venezuela, ocupando área de aproximadamente 6,74 milhões km2. Se a Amazônia fosse um país, seria o sétimo maior do mundo.

Muito além da vastidão territorial, em todos os aspectos de sua biodiversidade excepcional, a floresta é vida. E, neste Dia da Amazônia, comemorado em 5 de setembro, Um Só Planeta celebra o bioma – sem jamais deixar de lado a necessidade de mostrar o quanto ele também tem sido devastado, e a importância de preservá-lo. A responsabilidade é, em grande parte, do Brasil: a maior parte da Amazônia – 60,1% – está em território brasileiro.

A vida silvestre da Amazônia compartilha o espaço com mais de 30 milhões de pessoas. Nessa população, incluem-se mais de 220 grupos indígenas na Amazônia brasileira, além de comunidades tradicionais que dependem dos recursos naturais para sobreviver.

Por trás dessa incrível diversidade cultural, no entanto, descortina-se um cenário desolador. Apesar de habitarem uma área com grande disponibilidade de produtos e serviços naturais, muitas das populações locais continuam vivendo em relativa pobreza. E a destruição da Amazônia, que vai além do desmatamento, continua prejudicando a agenda ambiental do Brasil, com efeitos que podem ser sentidos no mundo todo – e pode até levar ao surgimento de novas doenças, com risco de se transformarem em epidemias e pandemias.

Amazônia é vida: mais de 30 milhões de pessoas compartilham espaço com a fauna e flora. Nessa população, incluem-se mais de 220 grupos indígenas na Amazônia brasileira — Foto: Getty Images
Amazônia é vida: mais de 30 milhões de pessoas compartilham espaço com a fauna e flora. Nessa população, incluem-se mais de 220 grupos indígenas na Amazônia brasileira — Foto: Getty Images

A seguir, elencamos alguns dos impactos que os danos à floresta causam à saúde dos brasileiros, e também do Planeta. Saiba o quanto atividades como o desmatamento ilegal prejudicam a sobrevivência desse bioma e entenda por que a Amazônia tem papel tão fundamental na vida de cada habitante do mundo – e como seu potencial, ainda parcialmente inexplorado, pode contribuir para melhorar a vida por aqui.

Desmatamento e queimadas são risco direto à saúde pública

Queimadas associadas ao desmatamento desenfreado poluem o ar que milhões de pessoas respiram e afetam a saúde em todo o ecossistema da Amazônia brasileira. Desde 1985 – quando o governo começou a monitorar o desmatamento na floresta –, mais de meio milhão de quilômetros quadrados foram destruídos. Esse desmatamento geralmente resulta em queimadas, iniciadas por pessoas que ateiam fogo na vegetação remanescente, frequentemente de maneira ilegal, depois de terem removido as árvores de maior valor.

Embora as queimadas ocorram ao longo do ano na Amazônia a fim de preparar áreas para agricultura, pecuária ou especulação de terras, elas geralmente se agravam durante a estação seca, entre os meses de julho e outubro. Os incêndios produzem poluição atmosférica que representa um grave risco para a saúde. Crianças, pessoas idosas, gestantes e pessoas com doenças pulmonares ou cardíacas preexistentes são especialmente vulneráveis.

A fumaça desses incêndios também interage com as nuvens e o Sol para reduzir o aumento das chuvas, o que cria condições secas e propensas ao fogo. Ou seja: o desmatamento afeta o saudável equilíbrio ecossistêmico da floresta tropical, interrompendo seu efeito benéfico sobre o clima e criando um ambiente mais seco com maior risco de incêndio.

"Até controlar o desmatamento, as queimadas no Brasil devem continuar ano a ano. Os prejuízos são inúmeros. Além de ampliar a destruição da Amazônia, também provocam a intoxicação do ar que respiramos", afirma Maria Laura Canineu, diretora da Human Rights Watch no Brasil, reforçando que a crise ambiental tem consequências imediatas para a saúde da população na Amazônia, e consequências de longo prazo para a mudança climática global.

No relatório "O Ar é Insuportável: Os impactos das queimadas associadas ao desmatamento da Amazônia brasileira na saúde", publicado em 2020, o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), o Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e a Human Rights Watch utilizam dados oficiais de saúde e meio ambiente para estimar que 2.195 internações hospitalares por doenças respiratórias ocorridas em 2019 tiveram relação com as queimadas.

Conforme o estudo, quase 500 internações envolveram crianças com menos de um ano de idade, e mais de mil foram de pessoas com mais de 60 anos. Essas internações representam apenas uma fração do impacto total das queimadas na saúde, considerando que milhões de pessoas foram expostas a níveis nocivos de poluição do ar decorrentes das queimadas associadas ao desmatamento da Amazônia.

Queimada em área florestal da Amazônia: desmatamento e incêndios são risco direto à saúde pública — Foto: Getty Images
Queimada em área florestal da Amazônia: desmatamento e incêndios são risco direto à saúde pública — Foto: Getty Images

"O fogo não é uma questão natural em uma parte importante do Brasil, como na Amazônia, na Mata Atlântica. Mas temos tido vastas áreas afetadas pelo fogo nessas regiões. Na Amazônia, um evento de fogo é uma coisa para acontecer naturalmente uma vez a cada 500 anos", explica Tasso Azevedo, coordenador-geral do MapBiomas.

"Esses grandes incêndios têm um impacto muito grande sobre a fauna. A vegetação até se recupera mais rápido, mas a fauna é o problema: ou morre, ou fica sem alimento depois que passa o fogo", destaca. Segundo um estudo publicado recentemente na revista científica Nature, o fogo na Amazônia, provocado pela ação humana, pode ter atingido 95,5% das espécies de plantas e animais vertebrados conhecidas da floresta em quase 20 anos.

O presidente Jair Bolsonaro se comprometeu a acabar com o desmatamento ilegal até 2030. Em carta enviada em abril, durante a Cúpula de Líderes sobre o Clima convocada pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, Bolsonaro reconheceu o aumento das taxas de desmatamento nos últimos anos e afirmou que o Estado e a sociedade precisam aperfeiçoar o combate ao crime ambiental. Mas o saldo negativo não dá trégua. Segundo balanço do Imazon, a Amazônia teve a maior área desmatada em um primeiro semestre na década. No acumulado dos primeiros seis meses de 2021, o desmatamento atingiu 4.014 km²

Desequilíbrio no clima aumenta emissão de carbono e pode deixar o mundo doente

Entre as muitas funções da Amazônia está a de ajudar a América do Sul — e todo o Planeta — a equilibrar o clima, distribuir as chuvas pela região e capturar quantidades enormes de dióxido de carbono (CO2), um dos principais gases causadores do efeito estufa. Mas a grilagem de terras, a expansão de fronteiras agropecuárias, a mineração e a exploração econômica descontrolada, entre outros fatores, comprometem essas capacidades.

O avanço da degradação e o desmatamento empurram o ecossistema para um "ponto de não retorno". Um estudo do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) publicado na revista britânica Nature em julho revelou que essa realidade já está bastante próxima: o desmatamento, que atinge níveis recordes, está comprometendo o papel da floresta em absorver dióxido de carbono da atmosfera, transformando a Amazônia em uma fonte do gás de efeito estufa.

De 2010 a 2018, a Amazônia brasileira, território de 4,2 milhões de quilômetros quadrados, foi responsável por lançar 1,06 bilhão de toneladas de CO2 para a atmosfera por ano em queimadas. O balanço de carbono, ou seja, o saldo final entre absorções e emissões, foi de 0,87 bilhão de toneladas por ano, o que significa que apenas 18% das emissões por queimada estão sendo absorvidas pela floresta. Sem queimadas, a Amazônia brasileira retiraria da atmosfera 0,19 bilhões de toneladas de CO2 por ano.

"Ao desmatar, a estação seca [de julho a outubro] fica cada vez mais seca, mais quente e mais longa. Então pioramos o quadro. Precisamos recuperar áreas que estão extremamente desmatadas, muito acima do que permitiria a nossa legislação", explica Luciana Vanni Gatti, uma das autoras do estudo.

Para além dos prejuízos relacionados ao aquecimento global, a devastação da floresta também aumenta a incidência de doenças transmissíveis por mosquitos, entre outras. Uma análise publicada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) relacionou dados de desmatamento e estatísticas de doenças em 773 municípios da Amazônia Legal e constatou que, para cada 1% de floresta derrubada por ano, viu-se um acréscimo de 23% nos casos de malária. A incidência de leishmaniose também cresceu com o avanço do desmatamento, com um aumento entre 8% e 9% de casos.

Quanto mais esses ecossistemas naturais são destruídos, mais facilitado fica o aparecimento de doenças, que podem se transformar em epidemias e pandemias e levar a perdas para toda a sociedade.

Nos últimos 50 anos, houve um aumento de 400% no número de doenças infecciosas emergentes, que afetam humanos com patógenos (fungos, vírus ou bactérias) novos ou que já existiam antes, para os quais se tem pouca ou nenhuma imunidade desenvolvida. A maior parte dessas doenças (75%) que têm aparecido e atingido um número grande de pessoas em diferentes lugares do mundo é de origem zoonótica, ou seja, transmitidas de animais para humanos. Várias dessas doenças já são conhecidas, como malária, zika, dengue e febre amarela – e também os coronavírus.

Povos indígenas e a saúde que vem da floresta: durante milênios, seres humanos utilizaram insetos, plantas e outros organismos da região para várias finalidades, entre elas a cura para doenças — Foto: Getty Images
Povos indígenas e a saúde que vem da floresta: durante milênios, seres humanos utilizaram insetos, plantas e outros organismos da região para várias finalidades, entre elas a cura para doenças — Foto: Getty Images

Quando a Amazônia cura: a saúde que vem da floresta

Associar floresta e saúde pode parecer exagerado ou descabido para quem está acostumado a farmácias e medicamentos industrializados. Mas basta uma constatação para entender que essa relação é, sim, muito próxima: diversas plantas servem como base para a fabricação de remédios.

Durante milênios, os seres humanos utilizaram insetos, plantas e outros organismos da região para várias finalidades, entre elas a agricultura, vestimentas e, claro, a cura para doenças. Povos indígenas e outros grupos que vivem na Floresta Amazônica aperfeiçoaram o uso de compostos químicos encontrados em plantas e animais, em um processo que se mantém ao longo de séculos e compõe uma parte integral da identidade desses povos.

"Alimentos, medicamentos e o próprio ar que respiramos são produtos da biodiversidade. Só através do conhecimento sobre como essas espécies evoluíram, e como se distribuem, poderemos garantir sua conservação", explica o zoólogo Alfredo Galato.

Mas transformar o conhecimento popular em remédios, destes que são vendidos em caixinhas nas farmácias e usados em hospitais, é um longo caminho, que exige muita pesquisa.

Um levantamento realizado por pesquisadores da Universidade Anton de Kom, do Suriname, aponta que aproximadamente 80% da população mundial ainda utiliza majoritariamente produtos inteiramente naturais para cuidados primários de saúde. Apenas 20% da população tem acesso total a medicamentos industrializados. Mas mesmo alguns destes remédios, produzidos por grandes fabricantes, tem como base princípios ativos derivados diretamente de plantas.

No entanto, com o rápido desaparecimento das florestas úmidas tropicais, a continuidade desse conhecimento para o benefício das futuras gerações encontra-se ameaçada.

Cientistas acreditam que menos de 0,5% das espécies da flora foram detalhadamente estudadas quanto ao seu potencial medicinal. Ao mesmo tempo em que o bioma Amazônia está encolhendo lentamente em tamanho, a riqueza da vida silvestre de suas florestas também se reduz, bem como uso potencial das plantas e animais que ainda não foram descobertos.

Mais recente Próxima Quase 30% das espécies do planeta correm risco de extinção, diz órgão internacional
Mais do Um só Planeta

Mãe girafa é flagrada dando à luz e ajudando seu recém-nascido a ficar de pé pela primeira vez

Girafa dá os primeiros passos 5 minutos após o nascimento; assista ao vídeo

Dois helicópteros da Força Aérea Brasileira foram destacados para sobrevoar a região de Santa Cruz do Sul, Sinimbu e Candelária em busca de pessoas ilhada

Temporais deixam ao menos 8 mortos e 21 desaparecidos no Rio Grande do Sul

A vila dos atletas será iluminada por 350 postes sustentáveis, compostos de postes de iluminação desativados e restos de materiais de construção

Vila Olímpica de Paris 2024 terá luminárias de rua feitas de materiais de construção reciclados

Para pesquisadores, inciativa é um passo importante para a transição do modelo agroindustrial vigente para os Sistemas Agroalimentares Alternativos

Abastecer escolas com agricultura local e familiar é alternativa para transição agroecológica

Depois de garantir pré-seed em programa da Antler, MABE Bio captou novo aporte com Anjos do Brasil, Sororitê e a investidora-anjo Isabella Prata

Startup utiliza plantas brasileiras para criar tecidos mais sustentáveis para a indústria têxtil

Imagens foram coletadas por mais de 5 mil armadilhas fotográficas durante 16 anos e contribuem com a conservação de animais que estão em risco de extinção

Mais de 43 mil registros da fauna da Mata Atlântica são reunidos em estudo

Pioneirismo da agenda ambiental é um dos destaques no novo Relatório ESG da companhia

Globo exibiu 57.692 minutos de reportagens sobre temas ambientais em 2023

Adaptação, transformação e ambição climática são peças chave para a evolução das cidades

Acelerar o financiamento climático é fundamental para construir cidades resilientes

O objetivo da ACNUR é aumentar a proteção dos refugiados e das comunidades deslocadas mais ameaçados pelas mudanças climáticas

Agência das Nações Unidas para os Refugiados lança Fundo de Resiliência Climática

Parasita 'Massospora cicadina' consome cigarras que ficam debaixo da terra por até 17 anos e depois as leva a acasalar – tornando os machos infectados mais atraentes para ambos os sexos

"Cigarras zumbis": fungo controla mente de insetos que estão saindo do solo após 17 anos nos EUA