COP
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Por Jennifer Ann Thomas


Região do Egito (e o Rio Nilo) vista da órbita da Terra — Foto: Getty Images
Região do Egito (e o Rio Nilo) vista da órbita da Terra — Foto: Getty Images

Ao olhar uma imagem de satélite que ilustra o norte do continente africano, uma fina faixa verde no extremo leste se destaca em meio ao deserto. O caudaloso fio que corre paralelo ao Mar Vermelho é o Rio Nilo, corpo d'água que definiu como a civilização egípcia se desenvolveu ao longo dos últimos séculos. Com 96% da área do país tomada por desertos, a população de mais de 100 milhões de pessoas se concentra, majoritariamente, ao longo da calha do Nilo.

A relevância do rio foi eternizada em uma frase de Heródoto, historiador e geógrafo grego do século V a.C: o Egito é uma dádiva do Nilo. Tamanha era a importância da fonte de recursos hídricos que a divindade egípcia Hapi personificava as águas do rio, e era a este Deus a quem se dava os créditos pelas cheias anuais que fertilizavam as margens do Nilo.

Em novembro deste ano, a realização da COP27 em Sharm el-Sheikh, no Egito, colocará em evidência a realidade dos países africanos e a urgência do debate sobre adaptação para as nações mais pobres.

De acordo com o arqueólogo e professor de arqueologia egípcia na Universidade de Cambridge Rennan Lemos, desde a Antiguidade o Egito depende do Nilo para a irrigação e a agricultura. "Se não fosse pela existência do rio e pelas cheias anuais do Nilo, o Egito não teria se tornado o primeiro Estado centralizado da história, e aquela sociedade não teria se consolidado da maneira como aconteceu", disse Lemos.

Ao mesmo tempo, "o rumo dessa história não significa progresso. Houve um preço que essas populações pagaram, como um rei absoluto que comandou tudo e obras de irrigação que obrigaram as pessoas a trabalhar para manter o Estado e o sistema de distribuição de alimentos", afirmou o arqueólogo.

Passado verde

Parte do motivo que justificou a importância do Nilo é que, entre 5.000 e 10.000 anos atrás, o deserto do Saara era o oposto do que se vê atualmente. A região árida e de temperaturas extremas, hoje maior deserto do mundo, era verde, cheia de vida e com lagos, rios e florestas.

O que motivou esta mudança tão drástica? Isso é motivo de muito debate entre a comunidade científica. Muitos cientistas concordam que a transformação aconteceu devido a uma mudança na órbita da Terra, que afetou a insolação recebida. Além disso, há estudos que apontam também a participação do homem nessa virada. É o caso de um artigo publicado no periódico "Frontiers in Earth Science", em 2017.

Autor do estudo, o arqueólogo David Wright, associado ao Departamento de Arqueologia e História da Arte da Universidade Nacional de Seul, na Coreia do Sul, explorou a possibilidade de a interferência humana no ambiente ter sido responsável por culminar na desertificação do Saara. "Durante o período em que a agricultura foi adotada no norte da África, as regiões onde ela ocorria estavam à beira de mudanças de regime ecológico. A pecuária, em particular, é conhecida por aumentar a perda de vegetação e aumentar as mudanças de regime em ecossistemas desequilibrados", disse no artigo.

De todo modo, segundo Lemos, o clima não pode ser alçado ao posto de único responsável pela forma que a sociedade egípcia tomou, mas ele teve grande contribuição no rumo da história. "Após o surgimento do Saara, as condições ambientais empurraram as comunidades pastoris no nordeste da África para fontes de água mais seguras, que ficavam ao longo do rio Nilo. Grupos passaram a habitar o Vale do Nilo e vemos um aumento da complexidade social neste período, com tumbas e cerâmicas mais elaboradas e o desenvolvimento da escrita", afirmou o arqueólogo.

Presente e futuro

Cairo, no Egito, e o rio Nilo — Foto: Getty Images
Cairo, no Egito, e o rio Nilo — Foto: Getty Images

Atualmente, o rio Nilo continua a ocupar o centro das discussões com relação à segurança hídrica e à geração de energia para os países africanos. Cerca de 280 milhões de pessoas de 11 países dependem do Nilo para sobreviver. Uma das grandes disputas é entre o Egito e a Etiópia, que construiu a Grande Represa do Renascimento (GERD) para gerar energia para o país, obra que deve ser concluída em 2023. Até 2019, 25 barragens hidrelétricas haviam sido construídas ao longo do Nilo, sendo que ainda há quatro represas em construção e outros quatro projetos em análise.

Tantas obras geram preocupação pela preservação do ecossistema que depende do rio. As barragens alteram o ciclo das águas e podem prejudicar a agricultura. Atualmente, o Nilo fornece 98% das necessidades de água do Egito, com cerca de 95% dos egípcios vivendo em suas margens. No cenário global, a África corresponde a cerca de 3% das emissões de gases de efeito estufa. Mesmo com a menor parcela de responsabilidade pelo aquecimento global, a região é uma das mais vulneráveis aos efeitos da mudança do clima.

Segundo o físico e membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) Paulo Artaxo, um dos grandes problemas que podem atingir a região do norte da África é a redução de chuvas. "As ações de adaptação são complexas porque envolvem o potencial de migração da população", disse Artaxo. Como base de comparação, o mesmo ocorre no nordeste brasileiro, onde a precipitação caiu cerca de 30% em algumas regiões e a temperatura já subiu 2ºC em outros locais, aumentando o processo de desertificação.

"No futuro próximo, a população do semiárido nordestino pode não ter condições de sobrevivência e isso impõe a necessidade de adaptação urgente em relação à mudança climática. A mesma coisa acontece na África, no Oriente Médio, no Paquistão e na Índia. O planeta precisa se adaptar à questão climática, além de, urgentemente, reduzir as emissões de gases de efeito estufa", afirmou Artaxo.

Para o físico e professor da Universidade Estadual do Ceará (UECE) Alexandre Araújo Costa, a COP27 será uma oportunidade de debate sobre a crise humanitária da imigração. "A Europa colonizou países, construiu e acumulou riquezas, o que gerou mudanças no clima", afirmou. "Há uma situação grave e o mínimo de compensação histórica seria transferir tecnologia e aportar recursos para adaptação e mitigação, como uma forma de socorro às catástrofes climáticas", disse.

A disputa em torno das águas do Nilo demonstra um elemento essencial no enfrentamento à mudança do clima e que diz respeito a todos os países: a colaboração para alcançar um objetivo comum. "O deserto se impôs como um grande desafio para as pessoas que estavam acostumadas a viver de uma forma diferente", disse Lemos. Da mesma maneira como o surgimento da região árida colocou condições de vida à população, o atual cenário do aquecimento global impõe responsabilidades para todas as nações. Espera-se que a COP27 seja um importante passo em direção à redução de emissões de gases de efeito estufa.

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