Texto do dia 14/08/2008
Cercado de dezenas de policiais fortemente armados, caminhando entre o avião de onde acabou de desembarcar e o camburão que o levará direto para um presídio de segurança máxima, o traficante Fernandinho Beira-Mar deve estar algemado ou não?
Que grau de perigo em tais circunstâncias ele representa para si mesmo ou para os policiais de sua escolta?
E o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta? Supreendido logo cedo em sua casa por policiais com um mandado de prisão, ele deve ser conduzido algemado para o xilindró?
Em fevereiro último, na cidade de Rio Grande, a 310 quilômetros de Porto Alegre, um padre de 37 anos, diretor de colégio, foi preso depois de abusar sexualmente de uma menina de 12 anos de idade. Deveria ter sido algemado? Ou não se algemam padres?
Agentes da Polícia Federal deram voz de prisão a um jovem de classe média no Rio de Janeiro acusado de pedofilia na internet. Para não constranger os pais que assistiram à prisão, evitaram algemá-lo. O jovem aproveitou uma distração dos policiais e se jogou pela janela do seu apartamento. Morreu.
Seria razoável imaginar que o jovem não oferecesse resistência à prisão – como Pitta não ofereceu, nem o padre preso no interior do Rio Grande do Sul. Sim, mas quem pode prever o comportamento de uma pessoa acuada? Quem sabe o que se passará na cabeça dela?
Nas seções reservadas pelos jornais a cartas dos leitores e nos sites que abrem espaço para comentários de notícias há uma indignação generalizada com a decisão recente do Supremo Tribunal Federal de restringir o uso de algemas.
Desconfia-se que a decisão beneficiará os ricos e poderosos em geral que não oferecem resistência à prisão porque não são bobos. De resto, dispõem de bons advogados para soltá-los rapidinho. Em último caso sempre podem fugir para o exterior.
Independentemente do acerto ou não da decisão do Supremo, a desconfiança faz sentido. Ela decorre do entendimento universal de que o Estado defende os superiores interesses das elites. E que a ordem jurídica foi concebida para beneficiar quem pode mais em detrimento de quem não pode ou pode menos.
Há oito anos, por exemplo, o jornalista Antônio Pimenta Neves assassinou pelas costas sua ex-namorada Sandra Gomide. Réu confesso, ficou preso sete meses. Condenado a 19 anos de cadeia, está solto. Aguarda em liberdade até que seja julgado o último recurso apresentado por sua defesa.
O banqueiro Daniel Dantas, dono do Grupo Opportunity, foi preso e solto duas vezes em menos de 48 horas. Jéfferson Monteiro, 18 anos, ficou um mês preso em Fortaleza porque tentou arrancar o cordão de ouro do pescoço do ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo, que passeava pelo calçadão da praia.
Misturam-se aqui alhos com bugalhos? Pode ser. Mas tentem explicar ao distinto público.