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Nada de sexo casual: as demissexuais apostam na afinidade emocional

O grupo chama a atenção por só engatar romances à moda antiga

Por Sofia Cerqueira, Duda Monteiro de Barros Atualizado em 28 out 2022, 10h19 - Publicado em 28 out 2022, 06h00

Depois de trocar meia dúzia de palavras em um bar, o casal que acaba de se conhecer decide ir para um lugar mais reservado. Faz sexo e, na manhã seguinte, um mal se lembra do nome do outro. Provavelmente, nunca mais se verão. O conhecido enredo do sexo casual foi durante muito tempo exclusivo dos homens, incentivados socialmente a praticá-lo. A pílula anticoncepcional, a revolução feminista, a liberação de costumes e outros fatores aos poucos foram mudando esse padrão, até chegar aos dias de hoje, em que muitas mulheres, sobretudo nas grandes cidades, não escondem que mantêm relações com vários parceiros e fazem do sexo casual sua rotina. Pois, justamente quando a sociedade aprende a aceitar o que é, em geral, considerado um avanço feminino, um grupo chama a atenção por preferir exatamente o contrário: só engata romances à moda antiga. Definidas como demissexuais — o neologismo vem do francês, demi, que significa metade ou parte —, elas afirmam que apenas sentem atração por pessoas com quem já desenvolveram algum laço afetivo, o que requer tempo e intimidade.

A demissexualidade é tema de grupos de discussão na internet há anos, mas vem ganhando visibilidade à medida que pessoas conhecidas saem do armário e se identificam como tal. No Brasil, a celebridade mais recente a chacoalhar as redes sociais foi a cantora Iza, 32 anos e recém-separada, que revelou em um podcast ser incapaz de chegar aos finalmentes de cara. “Demora muito para eu querer transar com alguém. Só acontece se tiver muita conexão com a pessoa”, disse Iza, que até tentou agir diferente, mas se sentiu “invadida”. Antes dela, a atriz e influencer Giovanna Ewbank, 36 anos, já havia se colocado na mesma situação: relatou em uma entrevista que, até se casar com o ator Bruno Gagliasso, 40 anos, “ficou com muita gente”, mas teve relações sexuais apenas com quatro parceiros, porque só consegue se relacionar intimamente com homens com os quais já sinta alguma conexão. Isso soa estranho atualmente, mas não é uma questão de conservadorismo. “É a forma como a pessoa se sente confortável. Algumas transam e têm prazer sem sequer trocar o telefone, outras precisam de um jantar romântico e vários encontros até despertar o desejo”, explica a psicóloga e sexóloga Enylda Motta.

Segundo especialistas, a demissexualidade — definida como uma orientação sexual — não tem a ver com gênero ou idade e, por ser pouco conhecida, a pessoa chega a esconder sua condição, envergonhada de não agir como várias amigas. A estudante paulista Danielle Vilela, 23 anos, por muito tempo atribuiu a uma seletividade acirrada o fato de precisar de tempo de relacionamento ou amizade para sentir atração por alguém, até se descobrir parte do universo dos demissexuais. “Em festas, fico nervosa quando percebo que estão flertando comigo. Essa coisa de ficar com diversas pessoas também é inimaginável para mim”, afirma.

A PRIMEIRA A FALAR - A demissexual Michaela, filha de Andrew Cuomo, ex-governador de Nova York: a definição se aplica a qualquer gênero, desde que a pessoa exija ligação emocional para sentir atração sexual -
A PRIMEIRA A FALAR – A demissexual Michaela, filha de Andrew Cuomo, ex-governador de Nova York: a definição se aplica a qualquer gênero, desde que a pessoa exija ligação emocional para sentir atração sexual – (@lunadias1/Instagram)

Embora o rótulo seja mais disseminado entre o público feminino, ele também se aplica a homens. “O Brasil é um país machista e muitos não se veem à vontade para admitir que o sexo não é tão importante para eles”, observa a sexóloga Luciane Angelo. O programador carioca Samy Gomes, 27 anos, conta que chegou a tomar medicamento para aumentar o desejo e conseguir praticar sexo sem compromisso. “Não me sinto excitado em situações casuais, mesmo que a outra pessoa seja muito bonita. Preciso de um vínculo anterior”, assume Samy, adepto dos namoros duradouros. Mas nem todas as pessoas que têm poucos parceiros e relacionamentos longos podem ser definidas como demissexual. O requisito essencial é a ausência de desejo até que se estabeleça uma ligação sentimental ou intelectual com o outro.

A definição se tornou mais popular nos Estados Unidos em 2021, quando a filha do então governador de Nova York Michaela Kennedy-­Cuomo, 25 anos, assumiu-se demissexual. “Adqui­ri mais conhecimento sobre demissexualidade e me identifiquei”, disse ela em uma live. Ao longo da história, a sexualidade foi vivida e enxergada sob os mais variados aspectos, muitos deles escondidos e suprimidos em nome da elevação espiritual e dos bons costumes. Após a II Guerra, os jovens passaram a questionar com mais ênfase os valores tradicionais de casamento, virgindade e prazer. De debate em debate, de manifestação em manifestação, chegou-se ao grau de tolerância dos dias de hoje — que movimentos retrógrados, por sinal, se esforçam por anular. “Com o tempo, as pessoas conquistaram a liberdade e o direito de não se encaixar em modelos preestabelecidos. Não existe certo ou errado”, afirma a psicanalista e escritora Regina Navarro Lins. Importante mesmo é que cada um viva no tempo e no ritmo que o façam pleno e feliz.

Publicado em VEJA de 2 de novembro de 2022, edição nº 2813

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