A TRAJETÓRIA DA COMPOSITORA
LYCIA DE BIASE BIDART (1910-1991)
NICOLE MANZONI GARCIA
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
AGOSTO DE 2021
NICOLE MANZONI GARCIA
A trajetória da compositora Lycia de Biase Bidart (1910-1991)
Dissertação submetida ao Programa de PósGraduação em Música do Centro de Letras e
Artes da UNIRIO, como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Martha Tupinambá de
Ulhôa.
Rio de Janeiro
2021
Dedico essa pesquisa aos meus pais, Leonel Martinez Garcia Junior e
Sylvia Mara Manzoni Garcia. Obrigada por não medirem esforços
para dar a mim e às minhas irmãs as melhores oportunidades de estudo
e nos mostrarem que a educação transforma. Obrigada por sempre
acreditarem em mim. Tenho orgulho por ter pais professores e ter me
tornado uma.
A vocês todo o meu amor e admiração.
AGRADECIMENTOS
A Deus por me guiar e me direcionar desde o início na minha caminhada musical. Em
cada passo sei que Ele estava comigo, especialmente no período do mestrado, que envolveu a
mudança para o Rio de Janeiro, o distanciamento da família e a pandemia. Agradeço por sempre
cuidar de mim.
Aos meus pais Leonel Junior e Sylvia Manzoni, minhas irmãs Rebeca e Carolina
Manzoni Garcia e meu companheiro Marcos Vinicius Sodré, o meu amor e gratidão por todo o
apoio e ensinamentos, por estarem sempre comigo e por me ajudarem no processo de mudança.
Acima de tudo agradeço por se interessarem pela minha pesquisa, me ouvirem falar sobre ela
por horas, estarem presentes nas apresentações de congressos e se orgulharem por cada uma
das minhas conquistas.
Aos meus amigos, que sempre acreditaram em mim, me apoiaram e me deram suporte.
À Prof.ª Dr.ª Martha Tupinambá de Ulhôa pela orientação, instruções, dedicação e
incentivo. Obrigada por me direcionar nos estudos e por sempre considerar a minha opinião em
primeiro lugar. Os encontros semanais e estudos foram essenciais para o andamento da
dissertação.
À Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro por oferecer ensino público e
gratuito de qualidade. Meus agradecimentos e admiração a todos os funcionários da UNIRIO e
do Instituto Villa-Lobos, principalmente ao corpo docente, em especial o professor Marcos
Lucas, e ao secretário do PPGM, Leonardo Felix. Agradeço também a minha professora de
piano Patrícia Mol e aos colegas que fiz ao longo do curso pela troca de experiências.
À CAPES por se manter firme apesar de todas as dificuldades políticas do período
atual. Meu sincero agradecimento pelo financiamento dessa pesquisa.
Aos integrantes dos grupos de pesquisa Música: história, memória e acervos da
UNIRIO, liderado pela Prof.ª Dr.ª Martha Ulhôa, e ao Grupo de estudos e prática da música dos
séculos XX e XXI da UFPR, liderado pela Prof.ª Dr.ª Zélia Chueke, pessoa fundamental na
construção da minha pesquisa. Obrigada pela troca de conhecimentos que tivemos ao longo de
todo o período de estudos.
À Biblioteca da ECA, da USP, que reúne todas as partituras doadas por Lycia. Em
especial à bibliotecária chefe, Marina Macambyra, meus sinceros agradecimentos por toda a
ajuda prestada desde o início da minha pesquisa na graduação, em 2017, me recebendo na
Biblioteca com muita atenção, respondendo todos os meus e-mails com cuidado, esclarecendo
todas as minhas dúvidas e sendo, por muitas vezes, meu braço dentro da Biblioteca pelas
dificuldades geradas pela pandemia. Meu carinho e admiração a você pelo seu serviço prestado
à ciência e à memória de uma mulher inspiradora.
À família da Lycia, por me ajudarem a reconstruir a sua história com documentos e
lembranças. Agradeço especialmente ao Marcos Bidart e à Veronica Machado, que se tornaram
amigos queridos ao longo desse processo, sempre dispondo tempo e dedicação para me ajudar
em tudo o que precisei.
Por fim, agradeço à banca de defesa composta pela minha orientadora, Prof.ª Dr.ª
Martha Ulhôa, o Prof. Dr. Carlos Alberto Figueiredo Pinto e a Prof.ª Dr.ª Eliana Maria de
Almeida Monteiro da Silva, por lerem o meu trabalho, me ajudarem com orientações e com os
seus conhecimentos.
Encontrar na sublimação da experiência a alegria de viver e transmitila em sons.
Lycia de Biase Bidart
RESUMO
Lycia de Biase Bidart (1910-1991) foi uma compositora, pianista e maestrina brasileira que
teve grande produção composicional ao longo do século XX. A presente dissertação é resultado
da pesquisa sobre sua vida e obra e tem como objetivo apresentar sua trajetória pessoal e
musical a partir do conceito de trajetória de Pierre Bourdieu. Devido à omissão da produção
artística de mulheres ao longo da história, a compositora foi pouco estudada no meio acadêmico,
por isso, para a pesquisa foram utilizadas fontes escritas e orais, como jornais da época
acessados pela Hemeroteca Digital, entrevistas com familiares, documentos públicos, como
catálogos e partituras, e documentos fornecidos por familiares, como fotos e cartas. Além do
capítulo sobre sua trajetória pessoal, com dados sobre sua vida cotidiana e familiar, um capítulo
foi dedicado aos aspectos musicais encontrados nas fontes analisadas, com informações sobre
as críticas de concertos, inspirações da compositora a partir dos comentários da própria e dos
entrevistados, observações sobre peças específicas em comunicação com outros artistas etc.
Também foi realizada uma listagem com os títulos e informações básicas a respeito de todas as
composições encontradas em catálogos e na Biblioteca da Escola de Comunicação e Artes da
Universidade de São Paulo, onde se encontram a maioria das partituras doadas pela
compositora. Vários dos capitais descritos por Bourdieu puderam ser identificados na trajetória
da compositora, que contribuíram para o seu sucesso no início da carreira e por sua alta
produção composicional até os últimos anos de sua vida. Inicialmente Lycia foi bem recebida
no campo artístico, mas optou por passar a maior parte da vida reclusa compondo e se dedicando
à família, algo esperado de uma mulher na época.
Palavras-chave: Trajetória; Compositora brasileira; Lycia de Biase Bidart.
ABSTRACT
Lycia de Biase Bidart (1910-1991) was a composer, pianist and Brazilian maestra with a career
spanning many decades through the 20th century. This dissertation is the result of biographical
and compositional research and aims to present her personal and musical trajectory by the light
of trajectory concept from Pierre Bourdieu. Due to the lack of visibility of women’s artistic
production through the human history, this composer was not too much studied in the academic
field, for this purpose were used written sources, as 20th century journals on Hermeroteca
Digital, interviews with the family’s composer, public documents, such as catalogue of
compositions and sheet music, and family documents, as pictures and letters for example.
Beside the chapter about her personnel trajectory, with familiar’s information, one chapter was
dedicated for musical aspects analyzed on these sources, which include concert’s information,
compositional inspirations written by herself and by the interviewed, observations about her
opus and contact with other artists from that period. A brief list was made with music title and
basic information about all her compositions founded on catalogues and the School of
Communications and Arts’ Library (ECA/USP), where most of her sheet music was donated
and still preserved. Many of the characteristics descripted by Bourdieu were identified in the
composer’s trajectory, which contributed for her success in the beginning of her career and for
her production until her last years of life. Lycia was, initially, well received in the artistic field,
but opted out to spend most of her life in private writing music and dedicating her strengths for
the family, something expected for women in her time.
Keywords: Trajectory; Brazilian composer; Lycia de Biase Bidart.
LISTA DE QUADROS, DIAGRAMAS, FIGURAS E ILUSTRAÇÕES
Quadro 1 – Exemplo de registro do Catálogo do Itamaraty ................................................ 20
Quadro 2 – Exemplo de registro do Catálogo da ECA ........................................................ 21
Quadro 3 – Quadro comparativo entre as informações do Catálogo do Itamaraty e
Catálogo da ECA .............................................................................................. 22
Diagrama 1 – Níveis de organização do Catálogo do Itamaraty ......................................... 21
Diagrama 2 – Níveis de organização do Catálogo da ECA ................................................. 22
Figura 1 – Lycia de Biase em 1931 .....................................................................................
Figura 2 – Lycia no Vale de Chanaan em fevereiro de 1932 ..............................................
Figura 3 – Lycia e João Bidart no dia do casamento ...........................................................
Figura 4 – Lycia em frente à orquestra na noite de estreia das composições Anchieta
e Angelus .............................................................................................................
Figura 5 – Registro da família anos mais tarde. João Bidart, Lucia, Cecilia e
Lycia, respectivamente ........................................................................................
Figura 6 – Lycia com os netos Marcos no meio e Antonio à direita ...................................
Figura 7 – Lycia nos últimos anos de sua vida ....................................................................
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Ilustração 1 – Partitura de Paredão (c. 1-7) .......................................................................... 63
Ilustração 2 – Cartão de Natal enviado por Lycia a Drummond .......................................... 64
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 11
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ...................................................................................
2.1 Metodologia .........................................................................................................
2.1.1 Revisão bibliográfica ...................................................................................
2.1.2 Entrevistas ....................................................................................................
2.1.3 Fontes e análise de fontes ............................................................................
2.1.4 Listagem de obras ........................................................................................
2.2 A construção de biografias ao longo da história ..................................................
2.2.1 Fontes orais ..................................................................................................
2.2.2 Fontes escritas ..............................................................................................
2.3 Pierre Bourdieu e o conceito de trajetória ...........................................................
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3 A TRAJETÓRIA DE LYCIA DE BIASE BIDART .......................................................
3.1 Ascendência .........................................................................................................
3.2 Infância e adolescência em Vitória ......................................................................
3.3 Mudança para o Rio de Janeiro ............................................................................
3.4 Família e música ..................................................................................................
3.5 Maturidade ...........................................................................................................
3.6 A trajetória a partir de Bourdieu ..........................................................................
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4 ASPECTOS MUSICAIS .................................................................................................. 50
4.1 Críticas de jornais na década de 1930 .................................................................. 50
4.1.1 Oscar Guanabarino ....................................................................................... 50
4.1.2 Outros críticos ............................................................................................... 55
4.1.3 O feminino .................................................................................................... 58
4.2 Comunicação com outros artistas ......................................................................... 62
4.2.1 Carlos Drummond de Andrade ..................................................................... 62
4.2.2 Outros artistas ............................................................................................... 65
4.3 Comentários feitos pela compositora ................................................................... 68
4.3.1 Concursos de composição ............................................................................. 68
4.3.2 Programas de concerto e outros documentos ................................................ 72
4.4 Entrevistas ............................................................................................................. 75
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 80
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 83
APÊNDICES
APÊNDICE A – Entrevista com Cecilia De Biase Bidart e Marcos Bidart de Novaes ....... 95
APÊNDICE B – Entrevista com Antonio de Novaes Neto .................................................. 116
APÊNDICE C – Entrevista com Veronica Bidart Machado ................................................ 125
APÊNDICE D – Entrevista com Ana Bidart de Andrada .................................................... 137
APÊNDICE E – Listagem de obras ...................................................................................... 143
ANEXOS
ANEXO A – Fotos cedidas pela família ............................................................................... 178
ANEXO B – Carta de Lycia sobre sua família e infância escrita para a neta Veronica ....... 190
11
1 INTRODUÇÃO
Lycia de Biase Bidart foi uma compositora, pianista e maestrina brasileira que atuou
no cenário musical brasileiro no século XX. Nasceu no interior do Espírito Santo em 1910, e
passou a infância e adolescência em Vitória. Ainda jovem, perto dos 18 anos, mudou-se para a
casa de uma tia no Rio de Janeiro para estudar música, onde teve o seu principal mentor, o
compositor italiano Giovanni Giannetti. Na capital carioca, onde construiu família e carreira
musical, permaneceu até o final de sua vida, falecendo aos 81 anos, em 1991.
Escreveu mais de 400 obras com diversas formações instrumentais. Estreou e regeu
algumas de suas composições no Theatro Municipal do Rio de Janeiro e em outras instituições,
principalmente no Rio de Janeiro (RJ) e em Vitória (ES). Suas obras também foram tocadas em
outras cidades do Brasil e do mundo.
Lycia doou a maioria de suas composições para a Biblioteca da Escola de
Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), em 1989. Dentre o material,
disponível para consulta, encontram-se aproximadamente 400 manuscritos de partituras para
orquestra, coro, instrumentos solistas, entre outros.
Ao longo de sua trajetória musical, a compositora apareceu diversas vezes em jornais
da época, principalmente de Vitória e do Rio de Janeiro, que informaram sobre suas estreias e
concertos. Sua vida pública foi registrada nessas reportagens que, em sua maioria, se
restringiram a estreias e concertos pontuais, não se aprofundando em sua vida pessoal nem na
maioria da sua produção musical. As informações iniciais da pesquisa foram retiradas de alguns
desses jornais da época por meio da Hemeroteca Digital Brasileira da Biblioteca Nacional.
Essas fontes jornalísticas demonstram uma grande defasagem de informações. Por essa razão,
a realização de entrevistas com a família e o acesso a documentos pessoais mostraram-se ser
um dos caminhos viáveis para a continuidade da pesquisa.
A entrevista é o principal método utilizado para a documentação de fontes orais, como
nos mostra Maurício Selau (2004, p. 221):
A história oral pode ser entendida como uma metodologia capaz de contribuir para
esta atividade de análise das memórias por intermédio das entrevistas realizadas com
pessoas de um determinado grupo, envolvido com temas de interesse para a pesquisa.
O termo “história oral” gera muitos debates entre historiadores. Para a presente
dissertação será utilizado o termo “fontes orais”, proposto por Joan Garrido (1993, p. 33), em
concordância com o autor que as fontes orais não são uma história única, mas uma das muitas
fontes que constroem a história, como no caso desta pesquisa.
12
O desenvolvimento da pesquisa sistemática a partir das fontes orais no âmbito da
história ocorreu no final do século XX e teve como uma de suas motivações o interesse pelas
histórias das minorias. A história de mulheres, imigrantes e outros grupos marginalizados
passaram a despertar a curiosidade dos historiadores (MATOS; SENNA, 2011, p. 100). Vanda
Freire e Angela Portela (2010, p. 76) destacam que muitos nomes de mulheres musicistas são
omitidos ou pouco estudados na história da música brasileira. Devido às poucas fontes escritas
encontradas sobre a compositora Lycia de Biase, as fontes orais, recolhidas a partir dos relatos
de seus familiares, foi uma solução encontrada para suprir a defasagem de fontes escritas.
Outra fonte que compôs a pesquisa são os documentos pessoais encontrados na casa
em que a compositora morou. Esses documentos incluem álbuns de fotografias e cadernos de
recortes, onde a própria compositora reuniu trechos de jornais sobre ela, cartas e documentos
de concursos de composição. Tais documentos são chamados por Angela Gomes (2004, p. 1011) de “escrita autorreferencial” (termo que será aprofundado na seção 2.2.2), já que a própria
compositora reuniu memórias que materializaram sua história a partir de sua própria percepção
e intenção.
A presente pesquisa tem o objetivo de estudar a vida e obra da compositora, a partir
do conceito de trajetória de Pierre Bourdieu. Como objetivos específicos, busca-se escrever a
sua trajetória a partir de fontes orais e escritas, realizar um estudo preliminar de aspectos
musicais a partir dos documentos e apresentar uma listagem de todas as composições já
encontradas, com informações gerais, como o título, ano, instrumentação, localização etc.
Devido à falta de material acadêmico sobre Lycia, foram utilizados três tipos de fontes:
os jornais da época, acessados pela Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional; entrevistas com
a família da compositora; documentos públicos e documentos pessoais fornecidos pela família.
A pesquisa foi estruturada da seguinte maneira: (1) Introdução; (2) Fundamentação
teórica, com a metodologia, a apresentação dos estudos já realizados sobre a construção de
biografias e o referencial teórico escolhido para nortear a pesquisa; (3) A trajetória de Lycia de
Biase Bidart, com a trajetória em si; (4) Aspectos musicais, em que são analisadas críticas de
jornais, cartas, descrição de concursos de composição, textos de programas de concerto,
anotações pessoais da própria compositora a respeito de suas peças e as entrevistas; e (5)
Considerações Finais.
13
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O capítulo está dividido em Metodologia, no qual são descritos os procedimentos
escolhidos para casa fase da pesquisa, A construção de biografias ao longo da história, com
uma revisão da evolução das biografias ao longo da história, e Pierre Bourdieu e o conceito de
trajetória, em que são apresentados os conceitos-chave para compreender a teoria de Bourdieu.
2.1 Metodologia
Esta dissertação dá continuidade à pesquisa feita durante o curso de Licenciatura em
Música, na Universidade Federal do Paraná, intitulado Os elementos interartísticos na obra da
compositora brasileira Lycia de Biase Bidart (1910-1991), realizado em 2018. A pesquisa
iniciou em 2017 com a intenção de localizar compositoras mulheres que faziam referência às
artes visuais. A partir dos Catálogos do Itamaraty, sobre os quais será falado a respeito ao longo
da dissertação, foi selecionado o nome da compositora Lycia de Biase, principalmente pela
acessibilidade dos manuscritos. As primeiras informações sobre vida e obra da compositora
foram retiradas de jornais da época por meio da Hemeroteca Digital. Além disso, foi analisado
o Ballet fantasia: Simbolismo e Vivência do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (1974), pelo
viés interartístico, relacionando a música registrada na partitura com os elementos visuais
descritos pela compositora a partir do método de análise proposto por Sandra Loureiro de
Freitas Reis, SAAC - Sistema de Análise da Arte Comparada (2001). Esta pesquisa dá
sequência à anterior com o intuito de estudar a vida e a obra de Lycia a partir dos documentos,
listagens de obras disponíveis e entrevistas com os familiares.
2.1.1 Revisão bibliográfica
A revisão bibliográfica se baseou nos artigos indicados nas orientações e nos artigos
encontrados por meio da plataforma do Google Acadêmico sobre a construção de biografias.
Em uma dessas buscas, foi encontrado um artigo chave para o processo de revisão bibliográfica,
intitulado Biografia como gênero e problema (2013), da historiadora Lilia Schwarcz. Esse
artigo foi o primeiro contato com o referencial teórico da pesquisa: o conceito de trajetória,
desenvolvido pelo sociólogo Pierre Bourdieu. Após esse primeiro contato, foram iniciados os
estudos nos livros e artigos do próprio sociólogo, em que ele desenvolve os conceitos citados.
14
A partir do conceito de trajetória, que será aprofundado posteriormente, baseado na
ideia de que a narrativa biográfica não deve ser realizada apenas com acontecimentos
sucessivos e isolados sobre a vida de alguém, mas também devem ser levados em conta os
fatores externos que auxiliaram a formação daquela personalidade, foi considerada essencial a
contextualização histórica e social em que a compositora estava. Por isso, ao longo do texto
foram abordadas informações sobre a música do século XX e a inserção de mulheres
compositoras ao longo da história. Para tal pesquisa, foi realizada a procura por meio de
plataformas digitais através de palavras-chave, com especial destaque para os verbetes do
Grove Dictionary of Music and Musicians, como “Impressionism” e “Harmony”. Também
foram solicitadas indicações de bibliografia a professores e outros pesquisadores da área, além
de consultas na seção de referências dos artigos consultados.
2.1.2 Entrevistas
Para ampliar a biografia realizada a partir dos jornais, foram entrevistados os
familiares da compositora, que se dispuseram a compartilhar lembranças e documentos para
agregarem na construção da memória de Lycia. Foram realizadas quatro entrevistas, sendo elas:
a primeira com a filha Cecilia de Biase Bidart e o neto Marcos Bidart de Novaes, a segunda
com o neto Antonio de Novaes Neto, a terceira com a neta Veronica Bidart Machado e a quarta
com a neta Ana Bidart de Andrada. Apenas a primeira entrevista foi presencial devido à
quarentena causada pela pandemia de coronavírus, fazendo com que essa parte do método
precisasse ser adaptado.
Optou-se pelo formato de entrevista qualitativa visando um maior aprofundamento nos
assuntos abordados, já que nesse tipo de pesquisa há uma maior troca entre as duas partes e o
entrevistado pode participar ativamente do processo de interpretação das informações. Como
destaca Márcia Fraser e Sônia Gondim (2004, p. 140):
A entrevista na pesquisa qualitativa, ao privilegiar a fala dos atores sociais, permite
atingir um nível de compreensão da realidade humana que se torna acessível por meio
de discursos, sendo apropriada para investigações cujo objetivo é conhecer como as
pessoas percebem o mundo. Em outras palavras, a forma específica de conversação
que se estabelece em uma entrevista para fins de pesquisa favorece o acesso direto ou
indireto às opiniões, às crenças, aos valores e aos significados que as pessoas atribuem
a si, aos outros e ao mundo circundante.
Também foi utilizada a entrevista semiestruturada, com um roteiro de perguntas
previamente elaborado como orientação para a entrevista, mas com uma maior abertura para a
interação e expressão por parte dos entrevistados. As autoras pontuam que apenas com uma
15
relação de proximidade o pesquisador poderá compreender a perspectiva do entrevistado, para
assim poder conhecer suas opiniões, motivações, significados e valores. Para isso, é necessária
uma postura menos diretiva e mais aberta por parte do entrevistador (FRASER; GONDIM,
2004, p. 144-146). Além disso, a maioria das entrevistas, exceto a primeira por questões
logísticas, foram entrevistas individuais. Adotou-se esse método para que pudessem ser
coletadas diferentes percepções individuais sobre o mesmo assunto para depois compará-las.
Cada entrevista teve seu próprio roteiro de perguntas baseado em informações faltantes
entre as fontes coletadas anteriormente. As perguntas não foram feitas na ordem em que foram
escritas, mas conforme o desenvolvimento da conversa. Além das perguntas previstas, outras
surgiram conforme os entrevistados falavam. Todas as entrevistas foram gravadas, transcritas
e estão anexadas à dissertação (APÊNDICES A a D).
Os entrevistados compartilharam principalmente memórias afetivas, tanto do
relacionamento entre eles e Lycia quanto da relação dela com a música. As poucas informações
objetivas que forneceram como nomes, datas e lugares, foram de perguntas previamente
programadas e conferidas em documentos pessoais pelos próprios entrevistados.
A primeira entrevista foi realizada com a filha, Cecilia de Biase Bidart, e o neto,
Marcos Bidart de Novaes. A conversa aconteceu na casa de Dona Cecilia em um apartamento
na zona sul do Rio de Janeiro, dia 31 de outubro de 2019, das 11h até aproximadamente 12h30
(APÊNDICE A – Entrevista com Cecilia de Biase Bidart e Marcos Bidart de Novaes). As
perguntas preparadas para a primeira entrevista foram feitas a partir de lacunas nas fontes
escritas. São elas:
1. Como Lycia começou os estudos na música?
2. Qual era a relação de Lycia com a música?
3. Ela tinha outra ocupação profissional além da música?
4. Vocês se lembram de ter ido a concertos dela?
5. Qual a data de nascimento e falecimento dela e das filhas?
6. De quem foi a iniciativa da doação das obras para a biblioteca da USP?
7. Existem outras obras além das doadas?
Os dois entrevistados se mostraram muito receptivos. Cecilia relatou que estava um
pouco nervosa já que não entendia de música, mas ela foi informada que a entrevista tinha outro
intuito. Logo no início ela ficou mais tranquila e se animou ao relembrar de histórias. Por ter
sido o primeiro contato com a família, foi a primeira vez que foi obtida uma perspectiva pessoal
da compositora.
A segunda entrevista foi com o neto da compositora, Antonio de Novaes Neto, dia 14
de agosto de 2020, das 14h às 14h45, por videochamada (APÊNDICE B – Entrevista com
Antonio de Novaes Neto). As perguntas preparadas para a segunda entrevista foram pensadas
16
a partir da primeira entrevista e de fontes escritas, visando confirmar informações e obter
informações novas:
1. Como era a rotina da casa quando você morou com Lycia?
2. Como era a relação dela com a família?
3. Quais eram os hobbies dela?
4. Como ela era em relação a costumes tradicionais femininos?
5. João Bidart a apoiava em sua carreira como musicista?
6. Como foi o processo de divórcio dos dois?
7. Como Lycia começou os estudos na música?
8. Quais eram as inspirações para suas composições?
9. Lycia deu aula de música para você?
10. Você se lembra de professores e músicos que frequentavam sua casa?
11. O que ela costumava ouvir?
A entrevista foi mais formal que a anterior possivelmente por ter sido feita por
videochamada. Antonio também se mostrou receptivo e colaborou com suas lembranças. A
entrevista foi importante para a confirmação de informações ditas pelos primeiros entrevistados.
A terceira entrevista foi com a neta Veronica Bidart Machado, no mesmo dia da
entrevista de Antonio, dia 14 de agosto de 2020, das 17h às 18h, por videochamada
(APÊNDICE C – Entrevista com Veronica Bidart Machado). As perguntas foram parecidas
com a entrevista anterior por terem sido realizadas no mesmo dia e a pesquisa não ter tido
grandes avanços em termos de conteúdo. São elas:
1. Como era a relação dela com a família?
2. Com que frequência vocês se viam?
3. Quais eram os hobbies dela?
4. Como ela era em relação a costumes tradicionais femininos?
5. João Bidart a apoiava em sua carreira como musicista?
6. Como foi o processo de divórcio dos dois?
7. Como Lycia começou os estudos na música?
8. Quais eram as inspirações para suas composições?
9. Lycia deu aula de música para você?
10. Você se lembra de professores e músicos que frequentavam sua casa?
11. O que ela costumava ouvir?
Veronica parecia já estar habituada à tecnologia trazida pela pandemia de reuniões
virtuais, já que sugeriu aplicativos de vídeo que já utilizava, além de não se mostrar retraída ao
longo da entrevista. Iniciou a conversa muito animada e com muitas informações novas.
Agregou a pesquisa com várias de suas histórias. Como Veronica atualmente mora na casa em
que Lycia morou, compartilhou vários documentos de sua avó que estavam guardados com ela.
A quarta entrevista foi com a neta Ana Bidart de Andrada, dia 13 de outubro de 2020,
das 9h50 às 10h20, horário oficial de Brasília, por videochamada (APÊNDICE D – Entrevista
com Ana Bidart de Andrada). A entrevistada mora em Londres, por isso houve diferença de
cinco horas pelo fuso-horário. As perguntas preparadas para direcionar a entrevista foram:
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1. Como era a sua relação com Lycia?
2. Com que frequência vocês se viam?
3. Como era a relação dela com a família?
4. Como era a personalidade dela?
5. Como era a relação dela com João Bidart?
6. Como foi o processo de surdez dela?
7. Como era a relação dela com a música?
8. O que ela gostava de ouvir?
9. Ela compunha nas viagens?
10. Ela deu aula de música para você?
Ana teve uma maior convivência com Lycia em um período posterior aos outros netos
por ser mais nova, por isso trouxe lembranças de outra época. Durante a conversa, contou que
morou com a Lycia por alguns anos, por essa razão, ao longo da entrevista foram inseridas
perguntas relacionadas à rotina da casa.
Além dessas entrevistas, tentou-se contato com outro neto, Antonio Carlos, e com o
maestro John Neschling, por meio de redes sociais e e-mail, porém ambos não deram retorno.
2.1.3 Fontes e análise de fontes
Além das entrevistas, foram utilizados documentos fornecidos por familiares,
documentos públicos, listagens de obras e jornais. Os familiares disponibilizaram fotos,
certidões, cartas e partituras. Ao longo de todo processo auxiliaram com a confirmação de
informações e esclarecimento de dúvidas por meio de mensagens de texto.
Dia 26 de fevereiro de 2021, das 14h30 às 16h30, na atual casa de Veronica no Jardim
Botânico, mesma casa em que Lycia morou a maior parte de sua vida, foi realizada uma visita
com o objetivo de recolher arquivos e documentos relevantes para a pesquisa. Entre os arquivos,
foram encontrados álbuns de fotos, partituras originais e um álbum de recortes feito por Lycia,
com cartões de artistas, jornais que a citaram, programas de concertos e descrições de peças
para concursos de composição. Tais materiais forneceram informações de novos concertos que
não aparecem em jornais da hemeroteca, como concertos estrangeiros, e as descrições de
composições para concursos auxiliaram no estudo preliminar do estilo composicional de Lycia.
Na semana seguinte à defesa, Veronica encontrou mais um álbum de recortes com
fotos e documentos, principalmente cartas. Por isso, dia 09 de setembro de 2021, das 14h às
15h30, foi realizada mais uma visita para recolher esses arquivos. Nenhum desses documentos
possui informações detalhadas sobre as composições, por isso foram incluídas na seção de
“Comunicação com outros artistas” e nas fotos em anexo a título de curiosidade.
O Catálogo do Itamaraty, onde o nome da compositora foi encontrado pela primeira
vez, foi confeccionado pela Divisão de Difusão Cultural do Ministério das Relações Exteriores
18
(Itamaraty) em parceria com a Sociedade Brasileira de Música Contemporânea (SBMC). Tal
acesso se deu por meio da consulta ao acervo pessoal da Prof.ª. Zélia Chueke, a qual realizou a
orientação da citada monografia. Os títulos e informações das obras muito provavelmente foram
enviados pela própria compositora, já que o material estava em sua posse, por isso foi uma fonte
importante.
Desde o início da pesquisa a colaboração dos funcionários da Biblioteca da ECA, da
USP se mostrou essencial, já que a maior parte da obra da compositora foi doada para a
instituição. A bibliotecária Marina Macambyra, em especial, auxiliou na separação das
partituras e esclarecimento de dúvidas. No site da biblioteca foi disponibilizada uma listagem
de obras da compositora que compõe o acervo da Universidade e tal listagem foi
constantemente consultada.
O acervo da Casa Rui Barbosa foi consultado para o acesso às cartas enviadas por
Lycia à Carlos Drummond de Andrade. Devido à pandemia de coronavírus, o acesso ao acervo
estava restrito, por essa razão, os funcionários colaboraram enviando-as por e-mail.
Apesar da maior parte da pesquisa em jornais da Hemeroteca ter sido realizada na
monografia anteriormente citada, ao longo de todo processo mostrou-se necessário recorrer a
eles novamente tanto para a comparação de fontes quanto para recolher mais informações que
passaram despercebidas.
Os jornais que continham críticas musicais foram analisados com mais cuidado
seguindo algumas das etapas do método proposto por Luiz Goldberg e Amanda Oliveira (2019,
p. 25): rastreio, com a pesquisa do nome da compositora e variações como “Licia”;
sistematização, verificando o tema de cada notícia; e transcrição, apenas dos jornais que
publicaram críticas.
A trajetória da compositora foi construída a partir do diálogo entre as fontes. Segundo
Júlia Matos e Adriana Senna (2011, p. 101-103), há necessidade de se realizar um diálogo entre
as fontes orais e as fontes escritas, para que as fontes orais ganhem suporte teórico. A partir
desse ponto levantado pelas autoras, foi realizado um cuidadoso trabalho de comparação de
fontes entre jornais, documentos, listagens de obras e entrevistas, buscando uma maior precisão
de informações sobre a vida da compositora.
Na seção sobre a trajetória de Lycia, por haver uma quantidade muito grande e variada
de fontes, optou-se por colocar as referências em formato reduzido nas notas de rodapé e em
formato completo ao final do trabalho, juntamente com comentários adicionais. Ao longo do
texto biográfico, foram inseridas fotos publicadas em artigos de jornais e de arquivos da família,
para ilustrar e tornar o texto mais vívido para o leitor.
19
Para o capítulo de Aspectos musicais foi analisado todo o material que possui
informações a respeito do processo composicional de Lycia e das composições em si, incluindo
críticas de jornais, cartas, descrição de concursos de composição, textos de programas de
concerto, anotações pessoais da própria compositora a respeito de suas peças e entrevistas.
2.1.4 Listagem de obras
Atualmente existem duas listagens de obras disponíveis em que constam as obras de
Lycia de Biase. A primeira foi feita em 1978 e faz parte de uma série de catálogos de obras de
compositores produzidos pela SBMC em parceria com o Ministério das Relações Exteriores
com o objetivo de divulgar obras brasileiras entre pesquisadores e compositores. A segunda
listagem, foi produzida pela própria Biblioteca da ECA, em 2010, constando os títulos de
partituras da compositora que estão disponíveis na biblioteca para consulta. Para realizar a
diferenciação entre as duas listagens, serão adotadas as nomenclaturas: Catálogo do Itamaraty
e Catálogo da ECA. Esses documentos, apesar de serem chamadas de Catálogo, são apenas
listagens de obras conforme a nomenclatura adotada atualmente.
A partir da definição dada pelo Dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivística
(DIBRATE), um arquivo é um conjunto de documentos que tiveram a mesma origem, enquanto
uma coleção é um conjunto de documentos unidos com uma intenção específica (ARQUIVO,
2005, p. 52, 97 apud COTTA, 2017, p. 14). Os documentos que serão descritos aqui pertencem
a um fundo arquivístico. No caso do Catálogo do Itamaraty, as partituras estavam em posse da
própria compositora, e no caso do Catálogo da ECA os documentos vieram todos por meio da
doação da compositora, por essa razão, pertencem a uma mesma origem e não foram
desmembrados. Segundo André Cotta (2017, p. 14), a vantagem de se tratar de um arquivo é
que as partituras são agrupadas de maneira natural e orgânica, fornecendo ao pesquisador
informações históricas para além do que o documento apresenta explicitamente; e a organização
dessas partituras dentro do arquivo é realizada a partir de uma análise minuciosa dos
documentos.
Os Catálogos do Itamaraty, foram financiados pela Divisão de Difusão Cultural do
Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty) e confeccionados pela SBMC1. Publicados em
1978, cada volume foi dedicado exclusivamente a um compositor. Foram distribuídos na
1
A SBMC foi idealizada pela Rádio Ministério de Educação e Cultura e criada em 1971 no I Encontro Nacional
de Compositores realizado no Rio de Janeiro. Teve como objetivo valorizar a música nacional, promovendo
concertos e reuniões com compositores brasileiros e divulgando suas obras (SAMPAIO, 1971, p. 22).
20
segunda metade do século XX àqueles que o solicitassem, com o objetivo de divulgar
compositores brasileiros a pesquisadores e músicos interessados (FERREIRA, 1980).
Na introdução do Catálogo do Itamaraty há uma foto da compositora, uma curta
biografia em espanhol, alemão e inglês e uma partitura ilustrativa. Após essa introdução inicia
a listagem das obras organizadas em uma tabela que contém as seguintes informações: ano,
título, instrumentação, duração, edição ou onde o material pode ser obtido e observações, sendo
a maioria a data de estreia e a autoria do texto, caso seja uma canção (Quadro 1). Ao todo o
catálogo possui 230 títulos ordenados por instrumentação e ordem crescente do ano de
composição.
Quadro 1 – Exemplo de registro do Catálogo do Itamaraty
Fonte: MINISTÉRIO, 1978.
O Catálogo da ECA foi feito com o objetivo de organizar os manuscritos disponíveis
na Biblioteca. As informações do material se encontram na base de dados seguindo princípios
básicos de catalogação de documentos, adaptado para a linguagem musical (MACAMBYRA;
RECINE, 2010, p. 01). Além da base de dados, foi feita pela Biblioteca uma listagem
simplificada disponibilizada em PDF apenas com as obras da compositora. Por estar
sistematizada, ela foi mais utilizada.
As informações introdutórias do Catálogo da ECA não estão no catálogo em si, mas
no site da biblioteca. A página contém uma pequena biografia da compositora, um texto
contextualizando a doação dos manuscritos, uma foto da compositora e, por fim, a foto da carta
de doação escrita pela própria Lycia. As informações sobre as composições que constam no
catálogo são: instrumentação, título, manuscrito/xerox, número de páginas e, quando há, o
número de partes individuais para grupos instrumentais (Quadro 2). Ao todo há 426 títulos
ordenados por ordem alfabética.
21
Quadro 2 – Exemplo de registro do Catálogo
da ECA
Fonte: SERVIÇO, 2010.
Paulo Castagna (2004, p. 9) sugere níveis de organização que serão utilizados nessa
descrição. A estrutura proposta é chamada de níveis de organização biológica, uma organização
que vai do maior para o menor grupo. Aqui será aplicado a análise no catálogo como um todo
e não em cada obra separadamente. Os dois catálogos seguem critérios de organização
diferentes que serão apresentados a seguir.
O Catálogo do Itamaraty é dividido apenas pela formação (F) e as composições (C)
listadas pela ordem cronológica (Diagrama 1):
Diagrama 1 – Níveis de organização do Catálogo do Itamaraty
Fonte: Autoria própria.
22
Já o Catálogo da ECA é organizado primeiramente pela formação (F), seguido pela
instrumentação (I) e, por fim, as composições (C) são listadas por ordem alfabética (Diagrama
2):
Diagrama 2 – Níveis de organização do Catálogo da ECA
Fonte: Autoria própria.
O Catálogo da ECA possui um nível a mais de categorização na listagem de obras,
facilitando a procura por instrumentos específicos. Porém, o Catálogo do Itamaraty possui mais
informações específicas de cada obra, como o ano de composição, que não consta em todas as
obras do outro catálogo. O quadro abaixo (Quadro 3) foi realizado para uma melhor
visualização informações específicas que constam em cada um:
Quadro 3 – Quadro comparativo entre as informações do Catálogo do Itamaraty e Catálogo da ECA
Catálogo do Itamaraty
Catálogo da ECA
Ano
X
Título
X
X
Instrumentação
X
X
Duração
Tempo
Nº de páginas
Edição (manuscrito ou xerox)
X
X
Fonte: Autoria própria.
23
Na base de dados da ECA há mais informações que as descritas acima, como a foto da
primeira página do manuscrito, que foi consultada quando houve dúvidas.
Outro ponto a ser destacado é a considerável diferença no número de obras em cada
lista. Como mencionado anteriormente, o Catálogo do Itamaraty possui um total de 230 títulos,
já o Catálogo da ECA possui 426 títulos. Uma das causas dessa diferença é o ano de produção
de cada catálogo. Quando o Catálogo do Itamaraty foi publicado, a compositora tinha 68 anos,
ou seja, contém apenas os títulos compostos até então. Já o Catálogo da ECA possui títulos de
manuscritos compostos até o ano de morte da compositora, aos 81 anos, em 1991. Um segundo
motivo para essa diferença, é que no Catálogo do Itamaraty várias composições estão agrupadas
como movimentos de uma única peça, enquanto no Catálogo da ECA foram registradas
separadamente.
A partir dos dois catálogos descritos, foi realizada uma primeira listagem em formato
de tabela unindo as informações dos dois catálogos, com as seguintes informações: ano, título,
instrumentação, duração, localização, número de páginas, data da estreia e observações
(constando principalmente o autor do texto, caso seja uma canção, e se há versão para outras
instrumentações).
Algumas informações eram divergentes de um catálogo para o outro e cada
divergência foi anotada para que posteriormente pudesse ser verificada e corrigida. Além das
informações que constavam neles, posteriormente foram adicionadas informações que estavam
nas próprias partituras, como o ano e detalhes da instrumentação, que em alguns títulos não
apareciam nos catálogos. O acesso a essas partituras se deu por meio de um pequeno acervo
digital pessoal de partituras que foram escaneadas ao longo da pesquisa e com a ajuda da
bibliotecária Marina Macambyra, que tirou dúvidas a respeito de datas que não constavam no
Catálogo da ECA e acessou partituras que não estavam disponíveis para acesso ao público
devido à pandemia. Algumas informações não puderam ser consultadas e poderão ser
acrescentadas em pesquisas futuras, como a minutagem de todas as peças, que a compositora
costumava registrar na própria partitura. Também foram adicionados títulos de composições
que estavam em posse da família.
Para a versão final foram realizadas algumas subdivisões dentro das instrumentações
para facilitar a localização de títulos. A versão final ficou com os mesmos níveis de organização
do Catálogo do Itamaraty (Diagrama 1).
A listagem, que consta no final da dissertação (APÊNDICE E – Listagem de obras), é
apenas um estudo inicial e tem o objetivo de oferecer a músicos e pesquisadores um panorama
24
da produção musical de Lycia. Tal listagem também é um primeiro passo para uma possível
catalogação completa a ser realizada posteriormente.
2.2 A construção de biografias ao longo da história
Diversos pesquisadores dissertam sobre a construção de uma biografia e suas
problemáticas. Nessa seção será feita uma revisão bibliográfica sobre o assunto para depois ser
abordado o referencial teórico escolhido para nortear a pesquisa.
Desde os gregos, no século IV a.C., até o início do XIX d.C., as biografias tinham o
objetivo de apresentar exemplos do passado como forma de ensinar e guiar o presente. Na Idade
Média, por exemplo, os historiadores utilizavam as biografias de santos, conhecidas como
hagiografias, para mostrar à população modelos de virtude e fé (SCHMIDT, 2003, p. 58-59).
Com a ascensão do iluminismo e seus ideais no século XVIII, as biografias passaram
a adotar personagens mais comuns. A partir da noção de que todos os homens são iguais, as
pessoas foram incentivadas a escrever sobre si mesmos, apesar de não terem participado de
grandes feitos. Nesse período, a meta de aprender com os ensinamentos do passado foi trocada
pela perspectiva de futuro e progresso (LEJEUNE, 1993, p. 9-11 apud SCHMIDT, 2003, p.
59).
Durante século XIX, o indivíduo era visto como fonte de inspiração e reflexão,
popularizando o estudo de cartas, diários e autobiografias de grandes personalidades
(SCHMIDT, 2003, p. 60). O gênero se desenvolveu com o novo intuito de exaltar o biografado,
que eram geralmente pessoas nobres ou do governo. No Brasil, a prática de textos biográficos
era comum no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), com o objetivo de enaltecer
o Império. Entretanto, paralelo a isso, também eram realizados textos biográficos dos sócios
locais, principalmente após o seu falecimento (Schwarcz, 2013, 53-54).
Tal século foi também um período em que a História passou a se firmar como
disciplina, deixando de lado o estudo de indivíduos e, por consequência, preterindo as
biografias:
O século XIX foi marcado pela discussão a respeito do papel do indivíduo na História.
Essa, à medida que se constituía como uma disciplina autônoma e com pretensões
científicas, acabou menosprezando o estudo de trajetórias individuais, estigmatizando
a biografia como um gênero menor, mais próximo do anedótico e do antiquarismo dos
amadores (SCHMIDT, 2003, p. 61).
No início do século XX, a Escola de Chicago, formada por grupos de sociólogos da
Universidade de Chicago, teve um importante papel no desenvolvimento do gênero biográfico,
25
com grande contribuição de Clifford Shaw, William Thomas e Robert Park. Os sociólogos de
Chicago acreditavam que as biografias poderiam auxiliar no aprofundamento das teorias
sociológicas e, por meio delas, encontrar novas áreas de investigação (ABRANTES; ANÍBAL;
PALIOTES, 2010, p. 10). A primeira geração da Escola de Chicago propôs que trabalhos de
campo fossem realizados nos estudos sociológicos, pois acreditava que só era possível entender
um objeto em seu contexto. A segunda geração desenvolveu essa ideia de forma mais científica
(SILVA; BARROS; NOGUEIRA; BARROS, 2007, p. 30), aplicando, por exemplo, o método
de pesquisa de campo ao entrevistar pessoas marginalizadas para compreender melhor seus
modos de vida (PENEFF, 1990 apud ARTIÈRES, 1998, p. 16).
Na Europa, a primeira parte do século XX foi marcado pelo “presentismo”, com a ideia
de que nem o passado, nem o futuro, tinham mais importância que o presente. A sociedade de
consumo se aproveitou desse ideal, incentivando a produção e a propaganda em excesso. A
partir da década de 1970, o presente se mostra dependente do passado e participante do futuro.
A conservação da memória e as políticas de ecologia passam a ser vistas como essenciais para
a preservação da História e do futuro do meio ambiente (HARTOG, 1997, p. 13, 15). As
biografias então, voltam a ter força junto com o retorno da valorização da memória, utilizando
histórias individuais para compreender os acontecimentos históricos (SCHMIDT, 2003, p. 62).
Segundo Benito Schmidt (2003, p. 65), as biografias recentes tiveram renovações a
partir da consideração das críticas já feitas ao gênero. A partir de estudos a respeito e de sua
própria experiência como biógrafa, a historiadora Lilia Schwarcz (2013, p. 52) pontua os três
principais problemas encontrados na construção de uma biografia. O primeiro é a tendência do
autor em inventar falsas continuidades na vida da personagem e situações que não aconteceram
exatamente da forma narrada, na tentativa de criar um relato envolvente e linear. O segundo
problema é limitar a importância da pesquisa em constatar a relevância da personagem, sendo
que ela não necessariamente foi destaque na época e nem atualmente, mas, independentemente
disso, pode ter valor histórico. O terceiro e último ponto levantado pela historiadora, também
relacionado ao anterior, é uma tentativa de defesa da personagem, colocando-o em um patamar
elevado a ponto de desumanizá-lo e transformá-lo em herói. Tais problemáticas levantadas pela
historiadora foram consideradas ao longo de toda a presente pesquisa.
2.2.1 Fontes orais
As fontes orais são um método baseado na memória humana e suas vivências a partir
da reconstrução do passado. Por meio de entrevistas, pessoas determinadas pelo pesquisador
26
compartilham suas memórias com o intuito de enriquecer estudos históricos e científicos. Essas
lembranças individuais, que são construídas coletivamente, fazem com que a História se torne
mais real e vívida, complementando e conversando com as fontes escritas (MATOS; SENNA,
2011, p. 96-97). Segundo Sônia Freitas (1998, p. 17-19), as fontes orais têm potencial para
contribuir de maneira significativa para diversas áreas de pesquisa, em especial para a história
nacional. A historiadora ressalta que a memória e a interpretação dos que vivenciaram os fatos
estudados são uma das formas de construir a história, porque a memória humana é tão
importante quanto a memória documentada. Somado a isso, todo indivíduo está inserido em um
contexto social e sua memória tem influência coletiva (MATOS; SENNA, 2011, p. 96-97).
Quando vários indivíduos possuem a mesma memória, criam o que Sônia Freitas (1998, p. 17,
19) chama de “fatos coletivos”, sendo uma evidência para sua veracidade.
Michael Pollak (1989, p. 4) acredita que as fontes orais são uma alternativa para as
minorias poderem apresentar suas narrativas em oposição à memória nacional coletiva, que
privilegia a narrativa das classes dominantes. Segundo ele, os grupos marginalizados têm as
fontes orais como principal método de pesquisa para a construção de sua história e, ao ganhar
destaque entre os pesquisadores, essas narrativas auxiliam a reinterpretação do passado (p. 912).
Um exemplo desse processo citado pelo autor são os livros da vencedora do prêmio
Nobel de literatura, a escritora russa Svetlana Aleksievitch. A jornalista dedicou a sua vida a
recolher relatos orais de pessoas que vivenciaram vários fatos históricos, como a Segunda
Guerra Mundial, o desastre nuclear de Chernobyl e a queda da União Soviética. Os livros são
uma coletânea de relatos pessoais sobre esses acontecimentos que demoram de cinco a dez anos
para serem colhidos. Segundo a autora, ela vê “a grande história por meio de pequenas histórias”
e usa os relatos orais para “humanizar a história” (ALEKSIÉVITCH, 2018).
Existem muitos historiadores que questionam a credibilidade dos relatos orais. Tais
pesquisadores acreditam que esse tipo de fonte é subjetiva e parcial. Entretanto, todos os tipos
de fontes históricas são de alguma forma subjetivas e, no caso das fontes orais, cabe ao
pesquisador fazer as análises necessárias em relação a possíveis omissões e seletividades feitas
pelo entrevistado (FREITAS, 1998, p. 18). Segundo Júlia Matos e Adriana Senna (2011, p. 101103), apesar das fontes orais possuírem dados muitas vezes imprecisos, elas também possuem
informações que não podem ser encontradas em outras fontes. Por isso, é necessário a precisão
na transcrição das entrevistas para que possa ser realizado um bom diálogo delas com as fontes
escritas e, assim, as informações ganharem suporte teórico. Além disso, cabe ao pesquisador se
atentar às intenções por trás de todos os relatos realizados pelo entrevistado, porque os relatos
27
orais fornecem diferentes perspectivas do mesmo fato e o pesquisador deve se manter o mais
imparcial possível.
2.2.2 Fontes escritas
A vida é registrada e arquivada em papeis de diversas maneiras, sejam em diários,
documentos, panfletos, cartas e cartões que são guardados com o objetivo de formar uma
memória. Em contrapartida, também são descartados muitos desses papeis, assim como em
diários também são descartadas muitas histórias, para que apenas as histórias memoráveis, ou
que de fato são pessoalmente importantes, sejam lembradas. Essa prática de guardar
documentos e formar suas próprias memórias é chamada por Philippe Artières (1991, p. 11 e
31) de intenção autobiográfica. A ideia de memória e biografia está presente no cotidiano como
forma de registrar como cada ser é e como gostaria de ser lembrado.
Durante muito tempo, as mulheres não tiveram abertura para se expressar
publicamente, e utilizaram a escrita como meio de expressão. Por isso, a partir do século XX,
por influência da historiografia francesa, historiadores brasileiros passaram a se interessar pela
investigação histórica no âmbito privado, tanto de mulheres quanto de homens comuns. A
pesquisa em ambientes privados tem a escrita como fonte importante para conhecer seus objetos
de investigação. Essa recente valorização das fontes escritas pessoais apresentou a demanda de
novas metodologias e centros de pesquisa para tratar desses documentos (GOMES, 2004, p. 910).
Segundo Angela Gomes (2004, p. 10-11), o hábito da construção da sua própria
memória pela escrita e seus documentos é chamada de “escrita autorreferencial” ou “produção
de si”. O processo envolve a reunião de autobiografias, diários, objetos, fotografias, cartõespostais e outros documentos que materializam a história daquele indivíduo. Essa prática ganhou
força com o individualismo moderno.
As cartas, especificamente, estão relacionadas à comunicação, sendo uma prática
relacional. Nesse caso, o destinatário é o responsável pelo arquivamento da memória. Na
maioria das vezes esse tipo de documento não é encontrado organizado, apesar de ser
importante fonte de informação. A autora, como exemplo para a importância das
correspondências na construção da história, cita as cartas trocadas por Carlos Drummond de
Andrade e Mário de Andrade durante 20 anos. Tais correspondências auxiliaram na
compreensão do Modernismo enquanto movimento político e intelectual (GOMES, 2004, p. 7
e 20-21).
28
Os estudos sobre cartas devem considerar a pluralidade do objeto e o contexto em que
ele foi produzido e recebido, por isso há várias maneiras de analisar o material dependendo da
situação e do autor (GALVÃO; GOTLIB, 2008, p. 398).
Assim como as fontes orais, a escrita autorreferencial tem que ser analisada com
cuidado, já que todo documento escrito é produzido pela perspectiva do autor e com base em
uma intenção específica:
Está descartada a priori qualquer possibilidade de se saber “o que realmente
aconteceu” (a verdade dos fatos), pois não é essa a perspectiva do registro feito. O que
passa a importar para o historiador é exatamente a ótica assumida pelo registro e como
seu autor se expressa. Isto é, o documento não trata de “dizer o que houve”, mas de
dizer o que o autor diz que viu, sentiu e experimentou, retrospectivamente, em relação
a um acontecimento (GOMES, 2004, p. 15).
Outra fonte escrita utilizada na pesquisa foram os jornais e revistas. Segundo Heloiza
Herscovitz (2005, p. 126-127 e 139), a análise de conteúdo jornalístico é um método que reúne
e estuda textos e imagens encontrados na mídia com foco para o objeto estudado. A análise
jornalística obtém maiores resultados ao ser feita pelo viés quantitativo, observando o volume
de textos que abordam aquele assunto, e qualitativo, pela avaliação do conteúdo dos jornais e
seus contextos. Os pesquisadores que optam por utilizar essas fontes, devem procurar
significados aparentes ou implícitos e deixar claro os interesses, ideologias e ambiguidades
presentes no material. A vantagem da análise de conteúdo jornalístico é a possibilidade de
estudar uma grande quantidade de informações, de diferentes épocas e fontes, porém, tal
trabalho demanda dedicação e uma análise minuciosa, para que sejam evitadas interpretações
equivocadas.
As fontes escritas utilizadas nessa pesquisa foram jornais que citaram o nome da
compositora, fotos do acervo pessoal da família, cartas, documentos pessoais, catálogos e
documentos públicos, como as partituras.
2.3 Pierre Bourdieu e o conceito de trajetória
No texto intitulado A ilusão biográfica, traduzido para o português em 1988, Pierre
Bourdieu desenvolve algumas das questões encontradas na construção de uma biografia. A
partir de conceitos relacionados ao tema, o autor critica o modo tradicional como historiadores
e escritores narram a história dos personagens pesquisados. Segundo Bourdieu, existe a
preocupação do narrador em produzir um relato lógico e linear da vida do sujeito da biografia,
sendo que isso não condiz necessariamente com a realidade. Essa ilusão da trajetória
29
cronológica foi algo que romances modernos buscaram romper ao perceber que a vida não tem
necessariamente uma coerência e fatos interligados, mas é muitas vezes inconstante e aleatória,
por isso, segundo o sociólogo, biógrafos devem se inspirar em romancistas para romper com
essa tradição lógica (BOURDIEU, 1998, p. 184-185). A esta tendência ao relato lógico e
individual Bourdieu dá o nome de ilusão biográfica.
Partindo dos questionamentos levantados, Bourdieu desenvolve o conceito de
trajetória, que é uma “série de posições sucessivamente ocupadas por um mesmo agente (ou
um mesmo grupo) num espaço que é ele próprio um devir, estando sujeito a incessantes
transformações” (BOURDIEU, 1998, p. 189). Segundo esse conceito, a narrativa não deve ser
realizada apenas com acontecimentos sucessivos e isolados sobre a vida de alguém, mas
também devem ser considerados os fatores externos que auxiliaram a formação daquela
personalidade. Assim, os acontecimentos biográficos passam a ser diferentes posições do
sujeito no espaço social. Bourdieu (1996, p. 292) exemplifica:
Tentar compreender uma carreira ou uma vida como uma série única e em si suficiente
de acontecimentos sucessivos sem outro elo que não a associação a um “sujeito” cuja
constância não pode ser mais que a de um nome próprio socialmente reconhecido é
quase tão absurdo quanto tentar explicar um trajeto no metrô sem levar em conta a
estrutura da rede, isto é, a matriz das relações objetivas entre as diferentes estações.
Para dar sequência a essa teoria é necessário abordar de três conceitos constantes nos
estudos de Bourdieu. São eles: habitus, campo e capital.
Vários pesquisadores e sociólogos usaram a palavra latina habitus em diferentes
contextos, mas utilizaremos a definição feita por Bourdieu, seguindo o referencial teórico
escolhido para a pesquisa. O autor desenvolveu o conceito definindo habitus como um
conciliador entre o mundo externo e o mundo individual, isto é, um sistema de constante troca
entre o sujeito e o seu meio, constituído de arranjos sociais e mentais formados pelas
experiências práticas do indivíduo (SETTON, 2002, p. 63). O habitus possui uma importante
influência do meio social, considerando que ele é um “conjunto de condicionamentos duráveis
assimilados durante a socialização (especialmente a primária)” (SOBRAL, 2017, p. 14).
O campo é um espaço formado por grupos que ocupam diferentes posições sociais e
disputam o poder entre si. É um espaço autônomo e, em um microcosmo, tem suas próprias
leis, diferente das leis do macrocosmo (BOURIDEU, 2004, p. 20-21; SETTON, 2002, p. 6364). Bourdieu (1989, p. 66), a partir das estruturas de relações objetivas que explicavam as
interações dentro do campo intelectual e religioso, passou a aplicar o modo de pensamento em
diferentes domínios. No caso do campo artístico, Bourdieu es--pecifica que é “o universo no
30
qual estão inseridos os agentes e as instituições que produzem, reproduzem ou difundem a arte”
(BOURDIEU, 2004, p. 20).
Por fim, os capitais são os diversos tipos de bens que os indivíduos possuem, sendo os
mais usados pelo autor: o capital cultural, os conhecimentos intelectuais adquiridos; o capital
econômico, os bens materiais; o capital social, as relações e contatos que o indivíduo mantém
socialmente (sejam eles de amigos, familiares, profissionais etc.), e o capital simbólico, que se
trata da boa reputação do sujeito em relação aos outros indivíduos e está ligado ao
reconhecimento por terceiros da sua posse dos outros tipos de capital citados (NOGUEIRA;
NOGUEIRA, 2009, p. 36-43). Todos esses diferentes capitais são distribuídos de maneira
desigual dentro do campo, criando relações de poder. O campo se torna, assim, um espaço
estruturado de posições de poder baseado nos capitais adquiridos pelo indivíduo (LAHIRE,
2002, p. 47-48).
A partir das definições anteriores, Bourdieu se aprofunda no conceito base, definindo
que a trajetória são as posições e deslocamentos do indivíduo pelos diferentes espaços e tipos
de capital que estão no campo naquele momento e, além disso, no decorrer do processo também
são encontrados diferentes habitus (BOURDIEU, 1996, p. 292). Como complemento a essa
relação, Bernard Lahire (2002, p. 48) diz que cada indivíduo que está presente no campo, é
caracterizado por sua trajetória, por seu habitus e pela posição de poder que ocupa no campo.
E com relação aos estados correspondentes da estrutura do campo que se determinam
em cada momento o sentido e o valor social dos acontecimentos biográficos,
entendidos como colocações e deslocamentos nesse espaço ou, mais precisamente,
nos estados sucessivos da estrutura da distribuição das diferentes espécies de capital
que estão em jogo no campo [...] (BOURDIEU, 1996, p. 292).
Lilia Schwarcz (2013, p. 56) propõe a troca do termo “biografia” pelo conceito de
“trajetória” definido por Bourdieu, para que sejam consideradas as relações sociais do indivíduo
de modo a situá-lo em seu contexto social ao ser realizado o processo biográfico. Assim, são
abordados tanto os processos individuais do personagem, como sua posição em relação aos
grupos sociais que o cercam.
Segundo Bourdieu (2007, p. 103), a formação de um indivíduo se dá pelos habitus que
permanecem com ele e pela relação entre os capitais de origem, posição original no espaço
social, e os capitais de chegada, posição atual no espaço social. Se dois indivíduos estão na
mesma posição social, mas vieram de origens diferentes, aparecerão diferenças que irão indicar
as diferentes trajetórias sociais que eles vieram, já que a origem tem influência em sua
formação. Os indivíduos se deslocam pelo espaço social porque são influenciados pelas forças
31
externas que orientam sua permanência nesse espaço e pelos elementos internos relacionados
aos capitais contrários às forças daquele campo.
O tipo de capital herdado determina o campo dos possíveis, que é a alta possibilidade
daquele indivíduo de seguir por uma trajetória específica:
A determinado volume de capital herdado corresponde um feixe de trajetórias
praticamente equiprováveis que levam a posições praticamente equivalentes – tratase do campo dos possíveis oferecido objetivamente a determinado agente; e a
passagem de uma trajetória para outra depende, muitas vezes, de acontecimentos
coletivos (guerras, crises etc.) ou individuais (encontros, ligações amorosas,
privilégios etc.) (BOURDIEU, 2007, p. 104).
O autor exemplifica que o indivíduo com um elevado capital social, por meio de suas
relações já estabelecidas, tem a tendência de manter ou aumentar esse capital. Porém, não é
apenas sua origem que direciona a sua trajetória, mas também há a influência das posições
sociais e das disposições dos agentes no espaço, por isso “nem todas as posições de chegada
são igualmente prováveis para todos os pontos de partida”.
São vários os fatores que determinam a trajetória de um indivíduo, apesar do campo
dos possíveis. Uma classe com a mesma origem de capital econômico e cultural tem a tendência
de seguir determinada trajetória escolar e social, porém, uma parte não irá aderir a tais
expectativas seguidas pela maioria, assumindo a trajetória mais frequente para outra classe, de
modo que a sua trajetória individual se sobrepõe à trajetória coletiva. A posição de origem, com
fortes influências familiares, são o ponto de partida para a trajetória, que posteriormente terá
influências da experiência social do indivíduo. Essas variantes é o que fazem que irmãos criados
com os mesmos princípios tenham trajetórias diferentes, por exemplo (BOURDIEU, 2007, p.
105-106).
A combinação entre os capitais também influencia na trajetória do indivíduo. A relação
entre diferentes capitais culturais herdados e o mesmo capital escolar, por exemplo, possui
diferentes resultados, já que a escola encaminha a transformação do capital cultural herdado em
capital escolar. Aqueles que possuem um capital cultural mais desenvolvido e a oportunidade
de adquirir um bom capital escolar possuem grandes privilégios. Porém, entre o capital cultural
e o capital escolar, Bourdieu dá um valor maior ao capital cultural herdado, já que ele é
determinante para a qualidade da aquisição do capital escolar. Segundo o autor, essas diferenças
da trajetória social pelo volume de capital cultural herdado são visíveis entre a burguesia,
formada por descendentes da própria burguesia ou por descendentes das classes populares
(BOURDIEU, 2007, p. 78-80).
32
Para essa dissertação, visando identificar a trajetória de Lycia de Biase, foram
considerados fatores externos à biografia pessoal da compositora, como o contexto das
mulheres musicistas ao longo da história, além dos capitais por ela adquiridos e o campo em
que ela estava inserida.
33
3 A TRAJETÓRIA DE LYCIA DE BIASE BIDART
Nesse capítulo serão apresentados aspectos sobre a vida pessoal e trajetória musical da
compositora. Ao longo do texto foram inseridas fotos para ilustrar os trechos. Como os
familiares disponibilizaram várias imagens, as que não entraram no corpo do texto foram
anexadas ao final da dissertação (ANEXO A – Fotos cedidas pela família).
3.1 Ascendência
Em carta escrita a pedido de sua neta Veronica (BIDART, [19--]a), com o objetivo de
conhecer mais sobre o seu passado, Lycia descreve a vinda de seus avós para o Brasil e o
relacionamento entre os seus pais (ANEXO B – Carta de Lycia sobre sua família e infância
escrita para a neta Veronica).
O avô paterno de Lycia, Vicente de Biase, havia vindo da Itália para o Brasil a passeio
algumas vezes antes de se mudar definitivamente junto com sua esposa, Tereza, e seus filhos.
Pietrangelo, pai de Lycia, na época permaneceu na Itália para concluir seus estudos.
O avô materno de Lycia, Giuseppe Vivacqua, se refugiou no Brasil por questões
políticas. Fixou-se no Espírito Santo, onde abriu uma loja de artigos variados que, entretanto,
não dava lucros. Devido às dificuldades, sua esposa também veio da Itália para o Brasil.
Diferente de Pietrangelo, a mãe de Lycia, Mariarchangela, nasceu no Brasil, na então chamada
Vila do Espírito Santo do Rio Pardo, hoje conhecida como Muniz Freire.
Mariarchangela era noiva do irmão de Pietrangelo, Nicolau, quando seu futuro esposo
chegou ao Brasil. Como os pais de Lycia logo se apaixonaram, a família enviou Pietrangelo
para trabalhar longe, para afastá-lo de Mariarchangela. Porém, os dois trocaram cartas em sigilo
durante três anos com a ajuda de Giuseppe, pai da noiva. Após esse período de afastamento, as
famílias aceitaram o casamento.
Quando se casaram, Pietrangelo se tornou sócio da empresa da família de
Mariarchangela, Vivacqua Irmãos & Cia, que eram grandes comerciantes de alimentos, e
chegaram a ser o segundo principal exportador de café do Espírito Santo entre 1927 e 1935
(LIMA, 2009, p. 103). O casal passou a ter destaque na alta sociedade, aparecendo
constantemente nos jornais da época principalmente por suas relações comerciais e seu
envolvimento com causas sociais (LORENÇÃO, 2020, p. 13-14).
34
3.2 Infância e adolescência em Vitória
Lycia Vivacqua de Biase nasceu dia 18 de fevereiro de 1910, em Muniz Freire. Quando
tinha apenas dois meses, sua família se mudou para a capital do estado, Vitória2. Mariarchangela
Vivacqua De Biase e Pietrangelo De Biase tiveram nove filhos: Carmen, Lycia, Thereza,
Margarida, Maria de Lourdes, Ignez, Angela, Maria e Pietrangelo3.
Em sua infância, embora sua família tivesse diversos imóveis, Lycia passava a maior
parte do tempo em Vitória, próximo ao Parque Moscoso, onde frequentava com suas irmãs para
brincar. Nesse parque havia um coreto onde Lycia via apresentações musicais semanais da
banda da Polícia4.
Em carta, Lycia recorda alguns momentos de sua infância, apresentando desde cedo
sua percepção poética a respeito dos acontecimentos de seu dia a dia:
Aos 9 anos fui em visita aos meus avós paternos que residiam no interior, em Rio
Pardo. [...] Acabaram-se as estradas de ferro. A cavalo se deveria ir em frente. Foi-me
destinado o melhor animal do grupo, um cavalo pampa, branco com placas castanho
dourado de nome Leão, muito bonito, manso e de boa índole. Nosso grupo era
pequeno. Meu tio, eu, um capataz, seu ajudante e um animal de carga. No dia da
partida fomos acordados às 3 hs da madrugada. Após farta alimentação galgamos as
montarias. Neste tempo o sexo feminino, mesmo em se tratando de crianças, só
montava de lado, em silhão. [...] Pouco a pouco uma luz difusa se infiltrava entre o
arvoredo, desenhando os contornos. O céu se tingia em tons rosa dourado e com força
se manifestou a claridade do dia. E com o sol veio o calor. Era verão. Sempre subindo
a serra, lá no mais alto contemplávamos a exuberância da floresta descendo a encosta
e lá embaixo uma forte caudal cristalina luzia em borbulhas brancas, correndo pela
mata virgem. Ai que vontade de naquelas águas tomar um banho! Claro que este
desejo era impossível. Mas de outro modo a sensação do banho veio. [...] O sol já ia a
pino quando chegamos em Muniz Freire. Fomos simpaticamente acolhidos por tio
Carmo e tia Filomena De Biase. Esta bondosamente fez preparar para mim num bacião
grande, um banho morno, onde sal grosso fora diluído na água. Isto era usança
naqueles tempos, após viagens longas a cavalo (BIDART, [19--]a)5.
Lycia iniciou os estudos de piano e violino aos sete anos como uma forma de
desenvolver sua concentração6. A partir da adolescência, devido ao seu possível déficit de
atenção, Lycia parou de frequentar a escola e passou a ter aulas domiciliares com professores
contratados para matérias obrigatórias e para a música7.
2
BIDART, [19--]a. Nessa carta Lycia escreveu que nasceu dia 10 de fevereiro de 1910, porém todos os seus
familiares afirmaram que o aniversário era comemorado dia 18 de fevereiro, que é a data que consta em sua
identidade.
3
BIDART, [19--]b.
4
BIDART, [19--]a.
5
Todas as transcrições de documentos foram corrigidas para o português atual.
6
MACHADO, 2020; MINISTÉRIO, 1978.
7
BIDART; NOVAES, 2019; MACHADO, 2020.
35
Aos 17 anos passou por uma difícil situação ao perder a irmã, Margarida. Segundo o
jornal Diário da Manhã (out. 1927, p. 4), em um passeio na praia com amigos da família, suas
duas irmãs Carmen e Margarida se afogaram. Carmen conseguiu se salvar, porém, Margarida
morreu, aos 15 anos, junto com um amigo da família, que tentou salvá-la. Mais tarde, Lycia
escreveu uma série de poemas para cada uma de suas irmãs, e em um deles fala sobre sua perda:
Margarida
Aos quinze anos tu te fostes
Ficou somente a lembrança
Dum vulto longo, moreno
Olhos verdes e os cabelos
Em corações de ouro velho
Fértil em Inteligência
E tanta bondade... tanta!
(BIDART, [19--]b)
No mesmo ano da tragédia, em 1927, Lycia teve a sua primeira estreia musical
registrada em documentos. A composição Ave Maria (1927)8, para soprano e piano/órgão, foi
estreada na Igreja Nossa Senhora da Lapa, no Rio de Janeiro. Foi cantada pela soprano Maria
Miranda e acompanhada pelo seu futuro professor, Giovanni Giannetti. A peça é a primeira da
compositora registrada em catálogos, sendo possivelmente, além de sua primeira estreia, uma
de suas primeiras composições9. Ao longo de toda a sua vida, ela seguiu o catolicismo
rigorosamente10 e isso se reflete em parte de sua produção, como nesse título.
3.3 Mudança para o Rio de Janeiro
Lycia se mudou, perto dos 18 anos, para a casa de uma tia no Rio de Janeiro para
aprofundar seus estudos na música11. Na cidade iniciou suas aulas de composição e regência
com o maestro Giovanni Giannetti12 e, em paralelo, aulas de piano e violino com outros
professores não identificados13.
Segundo matéria publicada no jornal A Esquerda (jun. 1931, p. 5), Giannetti (18691934) estudou composição com o maestro Paulo Serrao, em Nápoles, mesmo local onde estreou
sua primeira composição, a ópera Erebo. Na Europa, regeu várias de suas composições e atuou
como diretor artístico em alguns teatros, como o teatro São Carlos, em Lisboa, e o Instituto
8
A maior parte das partituras citadas aqui podem ser encontrados na Biblioteca da USP (ECA) e estão
discriminadas na listagem ao final da dissertação.
9
MINISTÉRIO, 1978.
10
BIDART; NOVAES, 2019; MACHADO, 2020; NETO, 2020.
11
BIDART; NOVAES, 2019.
12
LYCIA, 1932.
13
MINISTÉRIO, 1978.
36
Nacional de Música, em Siena. Em 1904, foi contratado como diretor artístico do Teatro Lírico,
no Rio de Janeiro, onde permaneceu até a data de sua morte (GIANNETTI, 2000).
O maestro participou ativamente da vida musical de Lycia, orientando-a em suas
composições e regendo várias de suas estreias. Em carta publicada pelo jornal Diário da Manhã
(jul. 1932, p. 4), a compositora conta um pouco sobre como era a metodologia adotada por ele:
Foi em 92814 que comecei meus estudos de harmonia com o maestro Giannetti.
Encantada com a inspiração maravilhosa desse músico profundo por ele me deixei
guiar no mundo da arte musical. Nunca tive meu estudo sujeito a rigores de
compêndios e tratados. Pelo contrário, meu professor deixou, sempre, diante de mim
o campo livre, aberto às minhas pesquisas. Procurou sempre explicar-me o que minha
curiosidade descobria. Ou então era ele próprio quem a fazia despertar, interessandose por tudo. Assim se explica que, com tão pouco tempo de estudo começasse a
escrever minhas primeiras peças sinfônicas [...] (LYCIA, 1932).
Ao todo, Lycia teve cinco concertos no Theatro Municipal do Rio de Janeiro que foram
anunciados em jornais. Seu pai, Pietrangelo, em alguns desses concertos, alugou o Theatro e a
orquestra para que Lycia pudesse realizar as suas estreias15.
Em 23 de agosto de 1930, a compositora teve sua primeira peça estreada no Theatro
Municipal do Rio de Janeiro, o Prelúdio (196716), sob regência do maestro Francisco Braga. Os
jornais da época divulgaram o sucesso da estreia com elogios. O crítico Oscar Guanabarino,
publicou no Jornal do Commercio (ago. 1930, p. 2) que a “composição revela grande talento
da artista” e “deixa prever o esplêndido futuro” da compositora. O Correio da Manhã (ago.
1930, p. 5) publicou que a composição demonstra “qualidades espontâneas e curiosas da
compositora”, além de a técnica orquestral ser “segura e variada”.
Dia 20 de agosto de 1931, foi estreada no Theatro Municipal a composição Intermezzo
(1931), composta pelo Prelúdio nº 1, estreado no ano anterior, e mais dois. A composição foi
regida por seu professor Giovanni Giannetti, e mais uma vez recebeu ótimas críticas dos jornais:
“[...] entre aplausos, Lycia apareceu no palco. Atingira o fim da sua composição e o começo da
sua glória: ao calor das palmas e cercada de flores...” (CARVALHO, 1931, p. 1). Em foto
publicada naquele ano (Figura 1), Lycia se mostra sorridente e aparentemente confiante, apesar
de não olhar de frente para a câmera.
14
No Catálogo do Itamaraty (1978) consta que iniciou seus estudou com Giannetti em 1927, mas será considerada
a data de 1928 por ser uma informação mais perto da data em questão e por ter sido retirada de uma carta escrita
pela própria compositora.
15
BIDART; NOVAES, 2019. Segundo os jornais, Lycia teve suas composições executadas no Theatro Municipal
cinco vezes. Não é possível saber se Pietrangelo alugou o Theatro em todas as vezes, ou em alguma delas a filha
se apresentou a convite de terceiros. No acervo do Theatro municipal constam apenas dois programas, dos
concertos de 1933 e 1934.
16
A peça foi estreada em 1930, mas no Catálogo do Itamaraty está com a data de 1967. Provavelmente ela mudou
algo na partitura nessa segunda data e a deixou registrada dessa forma.
37
Figura 1 – Lycia de Biase em 1931
Fonte: UMA COMPOSITORA, 1931, p. 28.
A compositora adquiriu tanta visibilidade, que em 1931 foi personagem de algumas
crônicas sobre o Espírito Santo como figura musical de destaque no jornal Vida Capichaba17.
Além disso, um time de polo aquático do Espírito Santo foi batizado em sua homenagem18.
No ano seguinte, dia 25 de junho de 1932, em concerto organizado por Giannetti, Lycia
retornou à Vitória para reger, no Theatro Glória, o Prelúdio nº 1, em ré menor, e nº 2, em fá
maior, que já haviam sido estreados anteriormente no Rio de Janeiro (PROGRAMA, 1932b).
Dia 31 de outubro de 1932 foi a estreia da sua composição mais aclamada e elogiada
por jornais na época, Chanaan (1932)19, regida por Giovanni Giannetti. O poema sinfônico foi
inspirado no romance de Graça Aranha, Canaã, que tem como cenário o Vale de Canaã, situado
no Espírito Santo, local que a compositora visitou pessoalmente (Figura 2). O livro conta a
história de dois imigrantes alemães que se fixaram no local para buscar a prosperidade da
17
NICOLUSSI, 1931, p. 15; SOMBRA, 1931, p. 23.
WATER-POLO, 1931, p. 5.
19
“Canaã” na ortografia atual.
18
38
terra20. Lycia, em sua composição, conta a história da conquista do vale como apresenta o crítico
Saul de Navarro (1932, p. 19):
No prelúdio surgem os efeitos dolorosos da investida humana contra a virgindade da
terra. É o drama áspero de sua conquista violenta. [...] Árvores abatidas. Pássaros em
fuga. Flores e folhas juncando o chão, numa reminiscência do extermínio vegetal. E a
flora magnífica reduz-se a cinza, pelo ímpeto brutal das queimadas. [...] Depois da
graça epitalâmica da sua união feliz, depois do intermezzo floral [...] o amor adquire
o dom genésico da pluralidade: a semente faz-se onda verde de cafezal [...]. E na parte
final eleva-se um magnificat, em que todas as vozes cantam em coro de bênçãos e
louvores, vibrando numa apoteose à terra de Chanaan.
Figura 2 – Lycia de Biase no Vale de Chanaan em fevereiro de 1932
Fonte: Arquivo familiar.
Em 1933, foi anunciada uma homenagem que ocorreria à Lycia no Distrito Federal
feita pelo chefe local da Ação Integralista Brasileira21, Madeira de Freitas (O CONCERTO,
1933, p. 7). Apesar de tal homenagem, não foram encontradas outras relações diretas entre
Lycia ou sua família e partidos políticos.
Dia 30 de setembro de 1933, Chanaan foi executado novamente no Theatro Municipal
do Rio de Janeiro, dessa vez regido pela própria compositora. No mesmo programa, Lycia foi
a solista do concerto para piano e orquestra de Giovanni Sgambati. Segundo crítica publicada
20
RESENDE, 1932, p. 2.
O Integralismo foi um movimento político de extrema direita inspirado no fascismo, que se desenvolveu no
Brasil na década de 1930, com ideais conservadoras e nacionalistas (BARBOSA, 2006, p. 69, 73).
21
39
por João Itiberê da Cunha no jornal Correio da Manhã (out. 1933, p. 8), como maestrina Lycia
deu “vida, alma e colorido, infundiu um pouco sua personalidade à bela obra que criou” e como
pianista apresentou “excelente e segura técnica e expressão”.
Lycia casou-se com o engenheiro João Baptista Bidart dia 24 de novembro de 193322
na Igreja do Sagrado Coração de Jesus (Figura 3). Os dois conheceram-se mais jovens, em
Vitória, quando João viajou para a cidade como atividade da escola militar. Logo após o
casamento passaram a morar no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro23.
Figura 3 – Lycia e João Bidart no dia do casamento
Fonte: Arquivo familiar.
Dia 29 de setembro de 1934, Lycia ficou mais uma vez em frente à orquestra no
Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Dessa vez, regeu o programa completo, que continha: a
1ª Sinfonia de Beethoven; Angelus (1934) e Anchieta (1934), da própria Lycia; e A gruta Fingal,
de Mendelssohn. Todas as peças foram regidas de memória e com muita segurança, segundo
os jornais. Suas duas composições também foram muito aplaudidas e elogiadas (CUNHA,
1934a, p. 5). Nesse concerto, já estava grávida de sua primeira filha. Na foto tirada na noite do
22
MACHADO, 2020. Os jornais da época, como em O Paíz (nov. 1933, p. 5), anunciaram o casamento no dia 25
de novembro de 1933, porém, na certidão de casamento consta a data de 24 de novembro de 1933. Provavelmente
casaram-se no religioso um dia depois do casamento civil.
23
BIDART; NOVAES, 2019.
40
concerto (Figura 4) Lycia olha para a câmera segurando sua batuta em frente a orquestra,
composta apenas por homens.
Figura 4 – Lycia em frente à orquestra na noite de estreia das composições Anchieta e Angelus
Fonte: FON-FON, 1934, p. 43.
Dois meses após o sucesso do último concerto, seu mentor Giovanni Giannetti falece
em 10 de dezembro de 193424. No ano seguinte, em memória a um ano de sua morte, foi
realizado um recital das obras do compositor, no qual Lycia participou executando ao piano as
peças Bolero e In Montagna. Na mesma cerimônia participaram também como intérpretes a
cantora e ex-aluna de Giannetti Tina Vitta e suas filhas Clara, Wanda e Fernanda Giannetti25.
3.4 Família e música
Lycia e João tiveram sua primeira filha em 16 de fevereiro de 1935, Cecilia, que
recebeu esse nome em homenagem à padroeira da música. Lucia, sua segunda filha, nasceu dia
24
25
GIANNETTI, 2000.
ANNIVERSARIO, 1935, p. 7.
41
28 de abril de 1937. Após o nascimento das filhas, a família se mudou para o bairro Jardim
Botânico, em 194026.
Entre 1935 e 1948, segundo depoimento da filha, por causa da maternidade e por opção
própria27, Lycia parou de aparecer nos jornais, não realizando grandes concertos nem estreias.
Nessa época, sua produção composicional também diminuiu comparada aos outros períodos. A
compositora era extremamente dedicada à família e isso se reflete em suas composições. Na
foto abaixo, anos mais tarde, Lycia demonstra a felicidade por estar em família (Figura 5).
Figura 5 – Registro da família anos mais tarde. João Bidart, Lucia, Cecilia e Lycia, respectivamente
Fonte: Arquivo familiar.
Segundo as entrevistas dos netos, que vivenciaram a relação em anos posteriores, João
Bidart era muito reservado e, apesar de gostar de música, não se envolvia na carreira musical
de Lycia:
Antonio: Ele era aquele esquema, saia pra trabalhar sete da manhã, voltava de noite,
ia pro escritório dele, que ele tinha um escritório muito grande em casa também. Ele
é engenheiro. [...] Então ele não se envolvia muito com essa parte. Eu pelo menos
26
27
BIDART; NOVAES, 2019.
BIDART; NOVAES, 2019.
42
nunca percebi um envolvimento maior dele com essa parte musical de vovó. Dava
apoio, que precisava dar, mas “num” se envolvia, não tava junto. [...] Não tinha uma
participação maior, assim, também não me lembro dele estimulando. Acompanhava,
mas não era participativo (NETO, 2020).
Durante os primeiros anos das suas filhas, Lycia escreveu duas peças teatrais para
serem encenadas pelas professoras de onde elas estudavam28. Bazar de bonecos (1941) e Louvor
matinal (1942) foram estreadas no Colégio Santa Rosa de Lima no mesmo ano em que foram
escritas29.
Dia 22 de novembro de 1945, na Cidade do Cabo, África do Sul, foi executada a peça
Chanaan pela City of Cape Town Municipal Orchestra, conduzida pelo maestro William J.
Pickerill30. Tal concerto ocorreu por influência do cunhado de Lycia, marido de Thereza, que
trabalhava no país31.
Entre 1945 e 1949 teve aulas com Neusa França32 e Magdalena Tagliaferro33 para
aperfeiçoar a técnica pianística34.
Dia 27 de novembro de 1953, no Ministério da Educação e Cultura, no Rio de Janeiro,
aconteceu um concerto para piano e voz apenas com as composições de Lycia. Dentre outras
foram executadas as peças: Desejo (1947), para soprano e piano; O beijo (1953), para
mezzosoprano e piano; e Noite em Salamanca (1950), para dois pianos35.
Na década de 1960, sua filha Cecilia iniciou suas viagens como diplomata. Seus dois
primeiros filhos, Marcos e Antonio, ainda crianças, passaram a morar com Lycia, que os criou
até a juventude (Figura 6). Além dos dois netos mais velhos, Lycia ainda teve mais três.
Veronica, filha única de Lucia, que frequentava a casa diariamente, e Ana e Antonio Carlos,
filhos do segundo casamento de Cecilia, que também moraram com ela anos mais tarde36.
BIDART; NOVAES, 2019.
MINISTÉRIO, 1978. Partituras não localizadas.
30
PROGRAMA, 1945.
31
BIDART; NOVAES, 2019.
32
Neusa França (1920-2016) foi uma conceituada pianista, professora e compositora brasileira que atuou
principalmente no Rio de Janeiro e em Brasília. Assim como Lycia, foi aluna da pianista Magdalena Tagliaferro.
Em 1960 compôs o Hino de Brasília (FRANCISS, 207, p. 13, 34, 61).
33
Magdalena Tagliaferro (1893-1986) foi uma pianista e professora brasileira. Estudou e deu aula no
Conservatório de Paris, além de tocar em diversos palcos do mundo (DAHER, 2019, p. 2).
34
Algumas fontes, como o Grove Music (BIDART, 1994, p. 62) dão a entender que Lycia iniciou os estudou de
piano com Neusa França no início de sua carreira, porém Lycia iniciou os estudos de música em 1917 e Neusa
França nasceu em 1920 e se tornou professora em meados de 1938 (FRANCISS, 2007, p. 35-37). Por isso, a
informação do Catálogo do Itamaraty de que Lycia fez aulas com ela entre 1945-1949, provavelmente enviada
pela própria compositora, é mais plausível (MINISTÉRIO, 1978).
35
MINISTÉRIO, 1978.
36
ANDRADA, 2020; BIDART; NOVAES, 2019.
28
29
43
Figura 6 – Lycia com os netos Marcos no meio e Antonio à direita
Fonte: FONTANA, 2014, p. 10.
Lycia tinha uma governanta que morava com ela e ajudou na criação das filhas e dos
netos. Com isso, apesar de passar muito tempo em casa, conseguia se dedicar às composições:
Antonio: Ela [Lycia] de fato era quem fazia o papel de mãe, mas vovó era uma pessoa
extremamente caseira [...]. E como toda família tradicional da alta classe média aí do
Rio, na época tinha uma empregada de super confiança, acho que ela veio trabalhar
ainda pra ajudar minha vó a cuidar da minha mãe e da minha tia, aquela chegada da
Bahia, com 14, 15 anos de idade. [...] Vovó não saía muito, não. Vovó não era muito
de sair, [...] ela era muito caseira (NETO, 2020).
Veronica: A gente teve uma babá, que foi uma grande companheira da vovó. [...]
Helena. E essa babá que cuidava da gente na parte prática. Porque vovó sempre foi
poeta, vovó sempre foi “música”. Nunca vi vovó fazendo um café na vida dela. [...]
Nunca. A casa era arrumada, mas quem mandava na casa mesmo era Helena [...]. A
vovó era arte, poesia, literatura. Ela rezava todo dia, que no fundo era uma meditação.
Assim, ela sentava na cadeira, ficava horas rezando terço. Nunca vi vovó no sentido
de uma mulher do lar, sabe? Ela era uma artista, com certeza (MACHADO, 2020).
Lycia criou os netos com muita liberdade e amor. Todos a descreveram como uma
pessoa introvertida, mas tranquila e muito amorosa:
Antonio: O aspecto dela, o espírito dela, a personagem dela, a tranquilidade, a
bondade dela com os outros, sabe? De sempre querer o bem. É uma santa criatura. Pra
mim é Madre Teresa de Calcutá, Irmã Dulce e vovó Lycia. São pessoas que acho que
é impossível. Ela nunca deve ter tido um pensamento maldoso sobre ninguém na vida
dela. Pelo menos isso era a impressão que eu tinha. Era uma pessoa de um desejar
bem aos outros impressionante, um negócio inacreditável37 (NETO, 2020).
37
Como exemplo para a personalidade da avó, Antonio cita o protagonista do filme Muito além do jardim, de
1979, que segundo ele, é um bom retrato de Lycia.
44
Ana: Eu lembro de uma presença muito doce, uma alma boa, uma alma pura. Todos
gostavam de estar ao lado dela, ela fazia todo mundo se sentir bem. Eu lembro que
era uma pessoa cercada de amor. Eu lembro do rostinho dela sorrindo, da doçura dela.
Então só coisas positivas (ANDRADA, 2020).
Junto com os netos, Lycia visitava uma comunidade no final da Rua do Corcovado
para levar mantimentos aos moradores38. Também foram encontradas correspondências com a
igreja católica solicitando doações.
Na época, ela costumava fazer suas composições em uma mesa ao lado do piano,
enquanto os netos estudavam e brincavam. A compositora tinha um piano de armário, que usava
mais, e um piano de cauda, Blüthner. Seu processo composicional era muito mais mental do
que prático no instrumento39. Ela costumava escrever cantarolando em bocca chiusa e, às vezes,
experimentava no piano. A maior parte de suas composições utilizava elementos da natureza,
poemas e pessoas como inspiração40.
Lycia era uma grande amante da natureza. A região onde morava era muito arborizada
e ela possuía um jardim em sua casa, que cuidava diariamente41:
Veronica: Ela era louca pelo jardim dela. Até hoje o jardim dela é lindo, aqui. [...] E
ela amava o jardim. A vovó acordava, botava um short, um conga. Ela tinha joanete e
ela cortava a frente do conga, uma frente única. Nunca mais esqueço. E o cabelo dela,
ela pintava de azul. [...] O cabelo dela era branco. Aí era uma tinta que deixa o cabelo
assim, prateado azulado, sabe? Uma coisa meio de antigamente. [...] Ela ia pro jardim,
cuidava do jardim, isso sempre muito cedo. E depois ela ficava escrevendo
(MACHADO, 2020).
Em pesquisa feita na antiga residência de Lycia, foram encontradas inscrições de peças
no I e II Festival de Música da Guanabara, que ocorreram em 1969 e 1970. Para 1969, Lycia
inscreveu as seguintes composições, acompanhadas de notas composicionais42: Sempre (sem
data)43, para piano e orquestra; Interlúdio Cantando (1969)44, para piano e orquestra; e
Polifonia Coral Rio de Janeiro (1969), para coro e orquestra. Para o ano seguinte, Lycia utilizou
o pseudônimo Rio/70 e enviou as peças: Música para violino e piano45; Scherzo46; Concerto
38
BIDART; NOVAES, 2019.
BIDART; NOVAES, 2019.
40
MACHADO, 2020; MINISTÉRIO, 1978.
41
ANDRADA, 2020; MACHADO, 2020; NETO, 2020.
42
As notas composicionais não estão assinadas, porém, em conversa com o professor Marcos Lucas, foi dito que
é comum que o compositor faça observações para anexar às suas peças em concursos de composição.
43
Registrada como Sempre Cantabile.
44
Partitura não localizada.
45
O único duo para violino e piano encontrado escrito por ela até 1970, ano do concurso que consta na ECA é o
Sonata: Recitativo, Introito, 2º tempo, Resxurexis (1970).
46
A única peça encontrada com esse título faz parte da Série intervalos musicais (1971), com o título do trecho
Quintas, Scherzo. Como a peça tem outros estudos de intervalos, pode ter sido finalizada no ano seguinte do
concurso.
39
45
para violino, piano e orquestra47; e Danças (1970), para quinteto de sopros. Sobre o segundo
concurso, foram encontradas duas notas, uma delas sem título e outra se referindo às “peças
para violino e piano”.
Lycia manteve amizades com músicos como o saxofonista Juarez Araújo48 e o maestro
John Neschling49. Dia 5 de junho de 1971, Neschling regeu seu Prelúdio nº1 no Teatro
Municipal de São Paulo, tocado pela Orquestra Filarmônica da cidade50 e, no mesmo ano,
estreou uma de suas composições, Adagio Improviso51, tocado pela Orquestra de Câmara do
Rio de Janeiro, dia 14 de setembro, na Sala Cecília Meireles52.
Entre 1972 e 1986, Lycia também trocou cartas com o escritor Carlos Drummond de
Andrade53, em sua maioria pedindo autorizações para musicar e executar os seus poemas.
Algumas das composições citadas nas cartas são Nova canção do exílio (1974), para soprano e
piano54; Paredão (1974), para mezzosoprano e piano55 e para coro; Parêmia de cavalo (1974),
para mezzosoprano e piano e para coro; e Braúna (1975), para mezzosoprano e piano e para
coro.
Em janeiro de 1975, Lycia ganhou uma menção honrosa no XX Concorso
Internazionale di Musica Giovan Battista Viotti56, na Itália, com a Sonata Fantasia nº1: Sonata
ao Mar (1961)57.
No mesmo ano, em agosto, Lycia participou do I Encontro Nacional de compositores
em Brasília. Em um dos concertos do evento, foi estreada no Teatro Nacional Claudio Santoro
47
O concerto que consta em documentos para violino e piano solistas e orquestra tem o título de Rio 70
(MINISTÉRIO, 1978), mesmo pseudônimo usado por Lycia no concurso. Partitura não localizada.
48
Juarez Araújo (1930-2003) foi um saxofonista e compositor brasileiro. Quando jovem se mudou de sua terra
natal, Pernambuco, para trabalhar no sudeste, onde atuou em rádios e orquestras locais na área da música popular,
tocando também outros instrumentos de sopro (JUAREZ, 2020).
49
BIDART; NOVAES, 2019; NETO, 2020. John Neschling (1947-) é um regente e compositor brasileiro. Fez
aulas de regência na Academia de Música de Viena e nos Estados Unidos, além de atuar como diretor artístico em
várias orquestras europeias. No Brasil foi diretor artístico do Theatro Municipal do Rio de Janeiro e do Theatro
Municipal de São Paulo, além da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), a qual ajudou a estabelecer
como uma das maiores orquestras do país (JOHN, 2021). Foi tentado contato com o maestro por e-mail e redes
sociais com o objetivo de entrevistá-lo, porém não houve retorno.
50
PROGRAMA, 1971.
51
Partitura não localizada.
52
MINISTÉRIO, 1978.
53
Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) foi um dos maiores escritores brasileiros e representante da segunda
fase do modernismo no Brasil. Apesar de ter se formado em farmácia, nunca exerceu a profissão, seguindo o
trabalho de escritor e tradutor (CARLOS, 2021).
54
A partitura faz parte da Série Canções do Exílio (1974).
55
Partitura não localizada.
56
O Concorso Internazionale di Musica Giovan Battista Viotti foi fundado em 1950, em Vercelli, na Itália, e está
na ativa até a presente data premiando jovens músicos do mundo todo (THE MUSIC, 2019).
57
BIDART, 1994, p. 62; MINISTÉRIO, 1978.
46
sua peça Dedicando: Pequenos trechos musicais (1974), composta especialmente para o
Quinteto de Sopros da Universidade de Brasília (UNB), que apresentou a peça58.
Constam em documentos que o pianista e presidente da SBMC entre 1974 e 1981
Paulo Affonso de Moura Ferreira, inseriu composições de Lycia em seu repertório como no
concerto que ocorreu dia 29 de novembro de 1974 na UNB59, com a estreia de Noite (1961);
dia 15 de outubro de 1978 no Círculo Militar de Macapá60, com a estreia de Cavalinho Branco61;
e dia 20 de setembro de 1984 na Embaixada do Canadá em Brasília62, com a estreia de Estudo
Expressionista: Dilema (1975).
3.5 Maturidade
Lycia e João Bidart se divorciaram oficialmente em 9 de setembro de 1976. A família
costumava viajar de férias para outras cidades, enquanto João ficava no Rio de Janeiro para
trabalhar. Em uma dessas viagens, Lycia recebeu uma ligação dizendo que seu marido havia
ido embora de casa com outra mulher. Ao receber a notícia, a compositora se isolou para
compor e expressar seus sentimentos por meio da música63. Após o divórcio, os dois tiveram
pouco contato. No mesmo ano, dias depois do aniversário de casamento de Lycia, Lucia a envia
uma carta sobre o assunto:
Querida mamãe,
Quero lhe oferecer estas flores em nome de todos nós – Antonio Carlos, Cecilia,
Marcos, Toni, Koca, Ana e Antonio Carlos bebê (viu quanta gente!) como símbolo de
nosso agradecimento pelo dia 27-11-3264. Graças a esse dia, em que você e Papai se
casaram, nós existimos. Graças à soma da personalidade de vocês somos o que somos,
e graças à educação que nos deram conseguimos superar algumas falhas da nossa
natureza e conquistar novas características. Por isso queremos que você saiba, no dia
de hoje, que vivemos à sua volta num permanente sentimento de gratidão. Saiba que
você é o símbolo vivo de uma união conjugal bem-sucedida, por tudo o que gerou à
sua volta de vida.
Beijos, Lucia. Rio, 26-11-76.
Apesar da separação, até o final de sua vida Lycia continuou assinando todas as suas
composições com o sobrenome de casada, por essa razão, o sobrenome também é utilizado
58
PROGRAMA, 1975.
MINISTÉRIO, 1978.
60
PROGRAMA, 1978.
61
Nos catálogos não consta esse título para piano solo.
62
PROGRAMA, 1984.
63
BIDART; NOVAES, 2019; MACHADO, 2020.
64
Segundo os documentos o casamento ocorreu nos dias 24 e 25 de novembro de 1933, como dito anteriormente.
59
47
nessa pesquisa como meio de atender à sua decisão. João Bidart morreu dia 28 de abril de
198165.
Após os 60 anos, Lycia começou a perder a audição progressivamente. No início da
década de 1980, ela teve uma séria meningite que intensificou essa perda. Devido a uma
complicação, a compositora ficou em coma por alguns dias. Segundo ela, durante esse período
de coma teve um encontro com Nossa Senhora. Ela teve uma visão em que estava em uma
carruagem de flores indo ao seu encontro. Ali pediu a ela que não morresse naquele momento
porque sua família estava passando por momentos difíceis e precisava dela. Lycia acreditava
que para poder retornar do coma precisou renunciar à sua audição66.
Figura 7 – Lycia nos últimos anos de sua vida
Fonte: Arquivo familiar.
Em junho de 1989, Lycia doou a maior parte das suas composições para a Biblioteca
da ECA, da USP, junto com uma carta formalizando a doação. O acervo contém mais de 400
composições, entre manuscritos originais e cópias, das mais variadas formações instrumentais
e está aberto ao público para consulta no local.
Mesmo com a perda parcial da audição, Lycia compôs até o final da sua vida (Figura
7). Faleceu aos 81 anos por consequência de um câncer, dia 10 de julho de 1991, no Rio de
Janeiro67.
65
MACHADO, 2020.
MACHADO, 2020.
67
MACHADO, 2020.
66
48
3.6 A trajetória a partir de Bourdieu
Lycia iniciou seus estudos de música ainda criança no Espírito Santo, mas logo se
mudou para a capital do país para aprofundar os estudos na música. Com a mudança, ela ocupou
outra posição no espaço social ao se aproximar de um dos maiores centros culturais do Brasil
na época, o que resultou em um maior desenvolvimento musical com professores renomados,
grandes concertos e constantes aparições na mídia. Poucos anos depois, assumiu uma terceira
posição social, ao ficar reclusa em casa se dedicando às composições e à família, tendo uma
redução significativa nas aparições públicas.
A compositora adquiriu diversos tipos de capitais, principalmente por ter nascido em
uma família abastada que a apoiou em sua carreira, proporcionando a ela capital cultural,
econômico e social, resultando em um elevado capital simbólico. No caso do campo musical,
um importante fator para a legitimação do agente no meio é a validação pelos seus pares, algo
que Lycia conquistou logo no início da carreira ao obter quase unanimidade de comentários
positivos vindos dos críticos musicais. Posteriormente, ao optar por permanecer em casa e se
relacionar pouco presencialmente com outros artistas, Lycia deixou a “disputa pelo poder” no
campo musical, como disserta Bourdieu, não compondo para ganhar visibilidade ou dinheiro,
mas apenas por amor à arte.
Pelo elevado acúmulo de capital que Lycia obteve logo no início de sua trajetória
musical, seu campo dos possíveis a direcionava para uma trajetória de sucesso público e
visibilidade no campo da música, porém o fator de gênero e suas opções pessoais à levaram
para a reclusão. Assim, apesar de sua grande produção, não adquiriu reconhecimento
duradouro, o qual teve apenas nos primeiros anos de atuação, quando optou por uma carreira
pública.
Nenhum dos entrevistados deu detalhes sobre a relação de João Bidart com a vida
musical de Lycia, mas vale destacar que nenhum deles vivenciou a transição de sua carreira
pública, para a vida doméstica, que ocorreu no início do casamento. Os entrevistados o
descreveram como alguém que gostava de música, não se opunha à sua carreira, mas se isentava
em relação ao trabalho de sua esposa. Era esperado de uma mulher da época a dedicação à
família e, apesar de seus pais a incentivarem e até financiarem o seu trabalho, não é possível
saber exatamente a posição de seu marido, algo que redirecionaria o seu campo dos possíveis
para, de fato, uma vida doméstica.
Lycia, na sua trajetória ocupou três posições principais no espaço social: no início dos
estudos da música, em Vitória; no seu desenvolvimento e destaque público como musicista, no
49
Rio de Janeiro; e como uma compositora reclusa com poucas aparições públicas. Os fatores
externos a levaram a essa trajetória que, apesar da maior parte ter sido afastada das relações
sociais que o campo musical proporcionava, resultaram em um grande volume de composições.
50
4 ASPECTOS MUSICAIS
Para o presente capítulo, são analisados documentos que possuem uma perspectiva
musical a respeito de Lycia. A compositora provavelmente, assim como outros compositores,
passou por fases composicionais, que pela limitação de tempo de pesquisa, não poderão ser
analisadas minuciosamente. Abordaremos aqui a visão dos críticos de jornais, registros feitos
por ela mesma e percepção de familiares a respeito da obra da compositora.
4.1 Críticas de jornais na década de 1930
Principalmente nos anos iniciais de sua carreira, Lycia recebeu várias avaliações de
seus concertos feitas por críticos de jornais da época. Essas críticas fornecem um panorama de
como foi a recepção de suas peças tanto para o público, quanto para os seus pares. Para essa
pesquisa, foram estudadas colunas de música de 23 edições de jornais do Rio de Janeiro e
Vitória sobre cinco obras da compositora.
A primeira seção é sobre um dos críticos mais renomados da época, Oscar
Guanabarino, que também foi quem escreveu um número maior de críticas sobre os concertos
da Lycia; a segunda seção será sobre outros críticos que escreveram sobre ela; e, por último,
serão levantados comentários feitos pelos críticos relacionados ao fato de ser uma compositora
mulher.
4.1.1 Oscar Guanabarino
Oscar Guanabarino (1851-1937) estudou piano desde os seis anos, foi professor do
instrumento, atuou como dramaturgo, com peças teatrais estreadas no Rio de Janeiro, e
trabalhou em outras funções relacionadas às artes (GUANABARINO, 2000, p. 349). O ofício
pelo qual se tornou mais conhecido foi o de crítico de arte. Atuou nos jornais O Paiz, entre 1884
e 1917, no Jornal do Commercio, entre 1917 e 1936, além de participações em vários outros
jornais (GOLDBERG; OLIVEIRA, 2019, p. 20).
André Egg (2012, p. 46, 50), destaca que Guanabarino foi o primeiro crítico
profissional que teve uma longa carreira no Brasil. Ele se manteve defensor dos padrões
europeus tradicionais de composição, criticando severamente compositores que se afastassem
desse modelo. O crítico não compactuou com os novos movimentos artísticos nacionalistas do
início do século XX que surgiram no Brasil, como o Modernismo.
51
A volta de alguns artistas da Europa no início do século XX que tiveram contato com
as vanguardas europeias desenvolvidas no final do século anterior, construiu um cenário
propício para uma mudança na arte produzida no Brasil. O Modernismo foi iniciado por artistas,
que tinham entre os seus principais objetivos se desvincular dos estudos acadêmicos, das
influências tradicionais, do sentimentalismo e combater a crítica profissional da arte. Os
modernistas buscaram compreender o povo brasileiro por meio de suas origens. Porém, se por
um lado criticavam as influências europeias, por outro sabiam que ela fazia parte da formação
da cultura nacional. A Semana da Arte Moderna foi um marco para o movimento. Aconteceu
no Teatro Municipal de São Paulo em fevereiro de 1922 e teve em sua programação exposições,
conferências, sessões de leitura de poemas e concertos. O evento tinha o objetivo de reafirmar
as reinvindicações dos jovens artistas e estabelecer uma consciência artística nacional. Mário
de Andrade, um dos maiores representantes do movimento, considerava apenas Villa-Lobos um
compositor com características brasileiras de fato, porque desde antes do desenvolvimento do
Modernismo no Brasil tinha muitas ideias em comum com ele, como o nacionalismo, uso do
folclore, esquemas harmônicos complexos e politonalidade (NEVES, 1977, p. 47-77).
Segundo Maria Passamae (2013, p. 63-66), Guanabarino considerava que a estética
Modernista apresentava uma “cacofonia musical”. Para ele, tal técnica era anterior ao
contraponto, por isso não era uma inovação. A ausência de cadências perfeitas, uso dos modos
gregos, ausência de forma tinha um resultado “tão ridículo como enfadonho e repugnante ao
ouvido educado”. Guanabarino era rígido em suas análises e fez severas avaliações a
compositores conceituados, como Heitor Villa-Lobos, um compositor que ganhava destaque
como uma das figuras centrais do movimento. A autora apresenta ainda a visão de José Miguel
Wisnik (1977, p. 87-91), que diz que Guanabarino considerava a ruptura com certas normas
estéticas um “atentado ao código natural, movida por [...] pessoas de má fé”, com o intuito de
corromper a arte. Nessa visão, a tonalidade, em especial, é detentora da ordem e tem associação
direta com a naturalidade em oposição à distorção.
Apesar de sua rigidez e vários questionamentos de suas críticas, suas opiniões eram
importantes para o meio artístico:
Artista que ele amparou com a custodia de um elogio seu, pode logo contar com os
favores e as simpatias do público. Também o desventurado que não caiu sob a égide
protetora do paraninfo das multidões, pode também contar com o de profundis, porque
está irremediavelmente perdido. Oscar não gostou do músico, este que abandone
barcos e redes e vá cuidar de outra vida (BONAFUS, 1897, p. 2 apud GOLDBERG;
OLIVEIRA, 2019, p. 20).
52
Oscar Guanabarino esteve presente em todos os cinco concertos orquestrais que Lycia
participou no Theatro Municipal, de 1930 a 1934. Em todos eles teceu grandes elogios a ela
como compositora e maestrina, os quais foram publicados no Jornal do Commercio.
No primeiro concerto, em 1930, o crítico faz uma nota curta em sua coluna Pelo mundo
das artes. Na estreia do Prelúdio (1930), diz que a compositora tem “grande talento” e um
“esplêndido futuro” manifestado pela orquestração da obra. Segundo ele o tema da composição
é “feliz e inspirado” e se desenvolve com “naturalidade” (GUANABARINO, 1930, p. 2).
No ano seguinte, na estreia da série de três prelúdios, intitulada Intermezzo (1931),
Guanabarino (1931, p. 2) pontua o concerto como “o mais importante e talvez o mais belo”
daquele ano, e diz que os prelúdios são “belíssimos, espontâneos, graciosos e cheios de
frescura”. O autor ainda destaca que as peças foram fortemente apreciadas, inclusive pelos
músicos da orquestra, que a aplaudiram de pé e ressalta que não havia claques presente no
teatro, ou seja, pessoas contratadas para aplaudir as apresentações, evidenciando o caráter
espontâneo da reação da plateia. Em publicação feita pelo crítico Eduardo de Carvalho (1931,
p. 1), é possível perceber que não foi apenas o público e a orquestra que manifestaram suas
honras à compositora, mas também o próprio Oscar Guanabarino: “Quando as últimas notas se
apagaram no salão em penumbra e os lampadários de cristal faiscaram, o primeiro a
cumprimentar a jovem compositora, com o prestígio da velhice, foi o crítico erudito Oscar
Guanabarino: O inverno dando a mão à primavera...”. Eduardo de Carvalho ressalta com a
metáfora do inverno, a experiência de Guanabarino, já conhecida pelo meio artístico da época,
em contraposição ao florescer da primavera, representado por Lycia.
Em 1932, estreia do poema sinfônico Chanaan (1932), Guanabarino (1932, p. 6) inicia
a crítica dizendo que o título da matéria deveria ser “Concerto orquestral, regido pelo maestro
Giovanni Giannetti”, porém, pelo grande talento de Lycia, optou por intitular com o nome da
compositora, que estava em “uma esteira luminosa prestes a condensar-se em astro de primeira
grandeza”. O colunista exalta de forma poética a maneira em que Lycia expressa a natureza por
meio da música:
[O gênio artístico] animado pela robusta poesia que sente e canta a floresta virgem;
que vê no delírio das suas inspirações o préstito que marcha em busca da terra da
Promissão, e com ele sente a sinfonia das matas virgens dos trópicos, e soluça e
chora e, sem saber porque – grita, por meio da sonoridade de uma grande
orquestra, beijando o solo abençoado da sua pátria, onde floresceram seus pais,
vindos das terras das melodias; grita com as vozes de um coro, e transforma esse
grito no brado que o eco das serras repete – Chanaan! Chanaan! (GUANABARINO,
1932, p. 6, grifo nosso).
53
No texto, ele elogia a forma com que Lycia associa os elementos da natureza, como as
matas virgens e o solo de sua pátria, e a sua expressão interna, como o choro e grito, através
dos elementos musicais, como a sinfonia, a orquestra, a melodia e o coro. A expressão da
natureza por meio da música foi algo que Lycia fez ao longo de toda a sua produção musical,
fato que pode ser constatado nas entrevistas com os familiares da compositora e nos próprios
títulos das obras.
Guanabarino finaliza a crítica expressando sua grata surpresa pela apresentação, já que
tinha o receio de que a compositora, inspirada pela literatura nacional, tivesse utilizado algum
trecho regionalista para dar à peça características locais. Esse receio reforça a visão tradicional
que o crítico possuía e a rejeição às inovações trazidas pelas vanguardas brasileiras, em especial
o Modernismo, que tinha como um de seus objetivos criar uma consciência artística nacional e
realizar uma releitura da música regionalista brasileira (NEVES, 1977, p. 70-72).
No concerto que ocorreu em 1933, em que Lycia regeu Chanaan e foi a solista do
concerto para piano e orquestra de Giovanni Sgambati, o crítico mais uma vez faz elogios à
compositora. Diz que ela está “destinada a invadir todo o Brasil com o seu nome já glorioso” e
que “revelou mais uma face do seu gênio artístico” como “regente de habilidade rara”. Nesse
concerto, Guanabarino não se aprofunda em sua atuação como nos outros textos, porém faz a
única ressalva dentre todos os concertos em que Lycia participou, não diretamente a ela, mas à
obra de Sgambati. Segundo ele, em uma primeira escuta não é possível compreender o concerto,
porque “o estilo moderno de que se acha revestida a partitura de Sgambati escapa à rápida
compreensão”, mas elogia as belezas sinfônicas da peça (GUANABARINO, 1933, p. 8). Mais
uma vez o crítico demonstra incompreensão em relação às inovações utilizando o termo
“moderno” em um contexto de incerteza.
Na última crítica feita por Guanabarino (1934, p. 9) à Lycia, no concerto de 1934,
relembra a sua estreia com sua aparência jovem em contraposição à sua segurança: “a estreante
apareceu segura e forte, sem hesitações; de físico débil, quase infantil ainda, mas senhora de si,
orgulhosa [...] de seu astro”. Sobre esse último concerto, em que Lycia regeu o programa
completo, o crítico aponta que como regente ela é uma “bela promessa”, destacando a condução
da 1ª Sinfonia de Beethoven, “executada nos seus justos andamentos e com os coloridos
expressivos de acordo com as melhores tradições”, ainda a elogiando por ter dirigido todas as
peças de memória.
Sobre as estreias de suas composições, Guanabarino dá especial destaque. No poema
sinfônico religioso Angelus (1934), diz que a peça impulsiona o homem ao “misticismo”, com
a orquestra descritiva que “une a poesia à oração”.
54
Na segunda peça, Anchieta (1934), em que são narrados os conflitos entre jesuítas e
indígenas, Guanabarino diz que ela realizou um difícil feito ao “traduzir pela arte sonora um
personagem de grande complexidade [jesuítas], agindo na catequese, pregando o cristianismo,
consolando os aflitos, criando hospitais [...]”. Tal saudosismo em relação aos jesuítas no período
de invasão das terras indígenas no Brasil foi algo compartilhado pela própria compositora, que
também descreve o índio como um grupo feroz e selvagem e, apesar de admitir a invasão e
opressão que passaram, acrescenta que tiveram a paz resgatada pelos jesuítas, como mostra o
texto da compositora publicado no jornal Correio da Manhã (out. 1934b, p. 7):
A nobreza austera dos jesuítas [...] em seu profundo amor pela humanidade, é a fonte
que nos dá “Anchieta”, a figura sublime, de doçura infinita. [...] É ele o ser
privilegiado pela sensibilidade extrema do bem e do belo [...]. Quadro sedutor, que
abriga, porém, a constante ameaça do índio revoltado, feroz contra os invasores de
sua terra e opressores de sua gente. Onde o ódio impera, a sede de luta é espantadora,
cresce terrível, em fantástica vertigem, alastra-se em loucura de ímpeto selvagem, e
ribomba com furor um tremendo rugido de ameaça. Força titânica, tempestade de
raiva bravia, mas sobre ela paira a figura enérgica e suave do jesuíta: desde então
abranda-se o furor, amainam-se os ódios e a tranquilidade vem aos poucos...
É importante destacar aqui o conservadorismo do pensamento compartilhado por
Lycia e Guanabarino sobre a história do Brasil. Ao chegar ao Brasil, os portugueses utilizaram
duas maneiras principais de reprimir os povos indígenas: pela escravização e pela catequização,
feita pelos jesuítas. O objetivo era transformar os índios em cristãos e impor a eles os costumes
europeus. Embora os jesuítas tenham criticado a escravidão indígena, criando desavenças com
os colonos, eles também não respeitavam a cultura nativa, chegando ao ponto de duvidar que
os indígenas fossem seres humanos. Tais coerções foram recebidas com legitima resistência
pelos povos nativos (FAUSTO, 1995, p. 49-50). No texto acima Lycia descreve os indígenas
como selvagens e os jesuítas como pacificadores, compartilhando a visão colonizadora e
conservadora da época, reforçada pela crítica de Oscar Guanabarino.
No decorrer do texto, Guanabarino segue elogiando Anchieta, dizendo que muitos
músicos experientes não seriam capazes de compor os contrapontos presentes na peça, e que
apesar das frases polifônicas serem curtas, criam “o belo de ordem dentro da rigidez do
claríssimo”.
Finaliza a crítica dizendo que por ser muito nova, a compositora ainda irá
“compreender o valor da inspiração” e terá outras influências, como o sofrimento, o amor e o
patriotismo.
Em todos os concertos assistidos e avaliados por Oscar Guanabarino, o crítico exalta
Lycia como compositora e maestrina. Se mostra admirador do seu talento composicional e
55
destaca diversas vezes a beleza de suas composições. A todo momento o crítico ressalta a
grande promessa como compositora e o futuro promissor que Lycia teria pela frente.
Pelo histórico tradicional de Guanabarino e todas as suas críticas positivas às
composições de Lycia, é possível supor que ao menos nessa primeira fase, a compositora seguiu
os padrões tradicionais europeus de composição, influenciada pelo seu mentor italiano
Giovanni Giannetti. Apesar do crítico demonstrar receio às inovações modernas, nunca teve
motivos de fato para criticar as composições de Lycia nesse sentido, e apenas se manteve
exaltando suas características tradicionais, inspirações, contrapontos e harmonizações.
4.1.2 Outros críticos
João Itiberê da Cunha (1870-1953) foi um crítico e compositor paranaense, irmão do
compositor Brasílio Itiberê. Quando criança estudou na Europa e, mais tarde, participou do
movimento simbolista belga. Ao retornar ao Brasil, no final do século XX, exerceu inicialmente
a função de diplomata, posteriormente abandonando a carreira para trabalhar com o jornalismo.
Foi um dos fundadores do jornal Correio da Manhã onde possuía uma coluna de críticas
musicais, assinada por “JIC” (JOÃO, 2021).
A primeira matéria que escreveu sobre Lycia foi em 1933, quando ela regeu o seu
poema sinfônico Chanaan e tocou piano no concerto de Sgambati. O crítico classifica o
concerto como “uma das manifestações mais atraentes, interessantes e significativas” daquela
temporada. Segundo ele, como regente Lycia não fez apenas movimentos mecânicos e
simbólicos, mas colocou a sua própria personalidade na interpretação, dando “vida, alma e
colorido” à obra que considerou como um “poema de amor e patriotismo”. No concerto de
Sgambati, João Itiberê diz que Lycia teve um “profundo senso artístico” com “excelente e
segura técnica e expressão característica na ‘romanza’” (CUNHA, 1933, p. 8).
As duas críticas seguintes, trataram do concerto de 1934. Itiberê diz que na regência
da 1ª Sinfonia de Beethoven, Lycia teve o cuidado de inserir características que o compositor
utiliza apenas nessa obra dentre todas as sinfonias, influenciado por Haydn e Mozart (CUNHA,
1934a, p. 5). Sobre as estreias de Angelus e Anchieta, o crítico pontua várias características
instrumentais das peças. Segundo ele, Angelus possui uma orquestração que transmite a
sensação de piedade por meio do contraste entre os “efeitos insistentes de sinos e a suavidade
angélica da celesta”, ainda destaca como a composição foi bem trabalhada, em especial pelos
instrumentos de arco. Ao detalhar os efeitos orquestrais da peça Anchieta, diz que diferente de
outros compositores que compõe mecanicamente, a compositora compõe poeticamente:
56
O poema inicia-se por um coral religioso, ao qual se segue uma fuga, em belo
desenvolvimento, atingido a efeitos grandiosos. A notar a original passagem de um
canto em ‘quartas’ sobre um pedal de ‘quinta’. A orquestração é cuidada e sempre
oferece maior interesse. Todos os naipes são excelentemente tratados e os violinos
(ainda mais uma vez) com inegável maestria (CUNHA, 1934b, p. 7).
Nas críticas apresentadas, João Itiberê da Cunha evidencia o conhecimento de Lycia
como regente e intérprete em relação aos aspectos estilísticos das obras e como compositora
com o cuidado com os naipes da orquestra e a orquestração de modo geral.
Eduardo de Carvalho68, no jornal Diário da Manhã, do Espírito Santo, escreveu apenas
duas críticas sobre a compositora, mas carregadas de elogios e poesia. Comenta que apesar de
ser jovem, Lycia tem experiência na música. Na série Intermezzo o crítico diz que a música
apresenta com a dinâmica uma “teia de sutilezas” desenhando os temas escolhidos pela autora.
Segundo ele, as peças possuem “técnica orquestral de coloridos e cambiâncias, reveladores [...]
de estados da alma” e a compositora conseguiu fazê-lo com “delicadeza e suavidade”. Assim
como outros críticos, faz associações com a natureza, como no trecho: “Se as vezes nem a
combinação de notas lembra um ímpeto de íntima revolta, pouco a pouco se amaina e a nuvem
desfaz-se, irisa-se de cores suaves o éter azulado, antes de ser tempestade...” (CARVALHO,
1931, p. 1). Por fim, acrescenta que a música possui uma grande “unção espiritual” e reflete “o
harmonioso temperamento da autora”.
No concerto seguinte, estreia de Chanaan, em 1932, Eduardo de Carvalho pontua a
dificuldade em expressar por meio da música a natureza de Chanaan, como o ritmo das folhas,
o canto das águas, o vento nas árvores, formando uma “harmonia dos contrastes” que obteve
grande sucesso. Comparando o concerto anterior a esse, o crítico diz que Lycia progrediu e foi
mais “viva” (CARVALHO, 1932).
O crítico Oscar D’Álva, pseudônimo de Reis Carvalho, trabalhou na revista Fon-Fon,
Kosmos e na Revista Brasileira de Música. Se dizia leigo nas artes, apesar de dar informações
detalhadas nas suas críticas (TUMA, 2017, p. 12, 47). Na estreia de Chanaan, em 1932, exalta
as “combinações de cordas e sopros” e diz que superou a peça seguinte, Sinfonia de Rossini.
Ele ainda elogia o afastamento de Lycia das novas tendências da época:
É de louvar-se a aparição da compositora do futuro, mas não compositora futurista, o
que é simplesmente retrogradar, pois o futurismo não passa de ultrapassadismo...
Felizmente, quem escreveu o Prelúdio n. 2 e Chanaan está seguindo a verdadeira trilha
da verdadeira arte. Sabe ser original, sem ser esquisita; moderna, sem ser modernista...
(D’ÁLVA, 1932, p. 48).
68
Não foram encontradas informações sobre o crítico.
57
No Brasil, o termo Futurismo era associado ao Modernismo, com uma conotação
diferente da que teve com o movimento Futurista europeu. A crítica brasileira da época utilizava
o termo de forma pejorativa e chamava de futurista todos os artistas que buscavam uma
reformulação das artes se afastando do tradicionalismo e academicismo. Na década de 1920, os
artistas modernistas adotaram o termo, passando a se denominar futuristas como forma de
confronto, em defesa da liberdade de expressão e modernização da arte (NEVES, 1977, p. 5152). No trecho acima, ao dizer que Lycia não era futurista nem modernista, Oscar D’Álva afirma
que Lycia, naquele momento, não adotou as inovações trazidas pelo Modernismo, confirmando
o que Oscar Guanabarino havia dado a entender em suas críticas.
Em anúncio não assinado no Jornal do Commercio (set. 1933, p. 9) do concerto que
ocorreria em 1933, a partir do comentário da autora que Chanaan representa uma “geração de
homens fortes” que criam a ambientação para o “destino esplêndido de um povo”, o autor diz
que na obra a compositora soube “traduzir os anseios da alma coletiva” e que faz parte do grupo
que deixa sua obra pessoal para dar voz a uma causa coletiva, tornando-se “intérprete de uma
época ou de um povo”.
A única crítica encontrada feita por uma mulher, foi escrita por Anttonieta de Souza,
que foi cantora, professora, crítica no jornal A Noite, escreveu livros de canto e além de
publicações em outras revistas. Ao lado de outros músicos, também foi cofundadora do
Conservatório Nacional de Música, em 1936, atual Conservatório Brasileiro de Música (CBM),
e eleita diretora após o falecimento do diretor e cofundador Lorenzo Fernandez69 (MONTI,
2017, p. 109-110). Apesar de até o momento não terem sido encontrados estudos a respeito da
professora, o fato de ter trabalhado ao lado de outros músicos no Conservatório ligados ao
movimento Modernista, como Lorenzo Fernandez, a coloca em um contexto musical
progressista para a época.
Anttonieta escreveu sobre a série Intermezzo. Diferente dos outros críticos, faz apenas
comentários negativos. Diz que a compositora é “uma criança” e não possui originalidade nem
inspiração, apenas conhecimento técnico. Segundo ela, Lycia não compôs “nenhuma frase que
tivesse o frescor da sua juventude” e finaliza dizendo que ela “tem composições de valor
intrínseco teórico-musical, porém, destituídas de qualquer lampejo de personalidade própria”
(SOUZA, 1931, p. 8).
69
Lorenzo Fernandez (1897-1948) foi um maestro, compositor e professor brasileiro. Em sua produção, equilibrou
a música tradicional com as inovações do Modernismo. Trabalhou com Villa-Lobos em projetos de educação
musical nacionais e liderou outros músicos na fundação do Conservatório Nacional de Música (IGAYARA, 1997,
p. 60, 65-66)
58
Essa crítica mais uma vez reforça o tradicionalismo das composições de Lycia na
época. Enquanto outros críticos analisaram esse conservadorismo composicional como algo
bom, Anttonieta, a partir do seu possível contexto progressista, avaliou como falta de
personalidade e jovialidade.
4.1.3 O feminino
Lucy Green em seu livro Music, gender, education (1997, p. 93), diz que
historicamente as mulheres foram associadas ao corpo e os homens à mente. A chamada
“tecnologia” do conhecimento estaria historicamente ligada ao masculino, por isso quanto mais
complexo o estudo, mais distante socialmente ele estaria das mulheres. A composição musical
estaria ligada à “tecnologia” de vozes e instrumentos, por isso, sua proximidade com as
mulheres não seria bem recebida a partir de tais pensamentos patriarcais a respeito da
feminilidade. Segundo a autora, as composições mais complexas feitas por mulheres,
envolvendo orquestras, por exemplo, não eram bem recebidas até o século XVII, e a saída era
a composição mais simples, como apenas para voz solista.
Principalmente na segunda metade do século XIX, a educação para as mulheres se
tornou mais diversificada no Brasil, visando conquistar um bom casamento. As mulheres das
classes abastadas passaram a ter acesso à educação sistemática, apesar de ser por um período
mais curto e com currículo diferente dos homens. Além disso, suas leituras eram fiscalizadas
por seus pais e maridos, e havia a preferência para setores que não exigissem reflexão
intelectual. O estudo da música era aprovado, em especial do piano, símbolo da reunião
familiar. Os romances e folhetins publicados diariamente nos jornais, consumidos
predominantemente por mulheres, reforçavam esses valores patriarcais (FREIRE; PORTELA,
2010, p. 65-66).
Ao longo do século XIX, um ambiente que ofereceu maior abertura às mulheres
pianistas e cantoras foram os Salões Aristocráticos. Membros da elite abriam suas casas para
reuniões, promovendo momentos de lazer entre amigos, familiares e pessoas influentes
(NEEDELL, 1993, p. 130-131). Os Salões associavam o público ao privado, e cabia às esposas,
como anfitriãs, fazer essa mediação por meio da sua “graça e amabilidade feminina”.
Geralmente o evento acontecia em cômodos amplos com um piano a disposição. As mulheres
solteiras e casadas eram bem-vindas a esses encontros para mostrar sua boa educação e
melhores vestimentas, além de apresentarem performances artísticas como cantoras ou pianistas
(FREIRE; PORTELA, 2010, p. 67-68).
59
O domínio do piano passou a ser visto como uma característica importante dentro da
educação feminina para conseguir um bom casamento. Devido ao sucesso dos salões e a
valorização desse dote, as aulas particulares de música se tornaram mais recorrentes no final do
século XIX. As mulheres eram bem aceitas como professoras, já que esse papel era visto como
um desdobramento da maternidade, porém, as outras áreas de profissionalização continuaram
restritas, principalmente as de composição e regência (FREIRE; PORTELA, 2010, p. 65-69).
No século XX, muitas mulheres começaram a lecionar em instituições de renome,
como no Imperial Conservatório de Música e no Instituto Nacional de Música (FREIRE;
PORTELA, 2010, p. 67). Mas, apesar de atuarem principalmente como professoras de música,
as mulheres gradativamente conquistaram reconhecimento público como intérpretes e
compositoras, algumas delas com projeção internacional. As musicistas que tinham boas
condições financeiras e fizeram sua formação no exterior, eram mais bem recebidas nos
ambientes teatrais, como foi o caso de Dinorá de Carvalho (1905-1980), pianista, compositora
e regente que estudou piano em Paris. Chiquinha Gonzaga (1947-1935) foi outra mulher que
combateu os valores da época e ganhou visibilidade entre o século XIX e XX, se tornando a
primeira mulher a reger uma orquestra no Brasil. Muitas outras compositoras do século XX são
registradas em concursos de composição e periódicos, como Leontina Torres e Ernestina Índia
do Brazil (FREIRE; PORTELA, 2013, p. 293-295). Apesar do aumento das mulheres
compositoras, Vanda Freire e Angela Portela (2013, p. 300) apresentam a “necessidade de se
recuperar a memória da atuação feminina” para que sejam revistos os preconceitos e recuperada
a história nacional.
Todos esses fatores históricos de gênero se refletem nas análises dos críticos musicais
publicadas sobre composições feitas por mulheres. Segundo Lucy Green (1997, p. 97-100), ao
saber que irão analisar uma compositora, os críticos têm a tendência de procurar características
ligadas socialmente a feminilidade, estas vistas por eles como negativas ou positivas
dependendo da situação. A autora pontua três formas em que os críticos, principalmente do
século XIX, utilizavam o discurso ligado à masculinidade e feminilidade para analisar peças de
mulheres. Em primeiro lugar, quando uma composição era vista como técnica ou esteticamente
pobre era chamada de “feminina”, mesmo não havendo nenhuma justificativa para o termo a
não ser o fato de ter sido composta por uma mulher. Em segundo lugar, caso a composição
fosse reconhecida como tendo uma boa qualidade, os críticos atribuíam o sucesso justamente
às características positivas vistas como femininas, utilizando expressões como “graça”,
“delicadeza” e “encanto”. Em último lugar, o talento das compositoras em determinadas peças
60
era visto como uma exceção e elas eram frequentemente comparadas a homens como forma de
elogio ao seu conhecimento musical.
Algumas dessas observações de Lucy Green, podem ser encontradas nas críticas
publicadas nos jornais sobre Lycia de Biase na primeira metade da década de 1930, quando
alguns autores usaram várias expressões preconceituosas ligadas ao gênero da compositora.
O crítico Saul de Navarro70 (1932, p. 19), em avaliação a Chanaan, em 1932, exalta o
poema sinfônico utilizando termos questionáveis. Inicia o texto se referindo à Lycia como “fada
suave do ritmo universal” e posteriormente diz que o evento foi a expressão maravilhosa de um
“surto de sensibilidade feminina”. Ainda acrescenta:
[...] para musicá-lo [o poema Chanaan], senti-lo em toda a sua potencialidade
imprevisível, só uma alma eleita de mulher, porque a mulher tem o dom profético de
penetrar o sentido oculto de todas as coisas e a volúpia lírica de deixar escapar, num
sorriso de esfinge indiscreta, os mais profundos segredos. [...] Lycia de Biase – por
ser mulher – conta sonoramente, com doçura itálica e expressão brasílica [...].
Segundo Judith Tick (1986, p. 333 apud GREEN, 1997, p. 97) a música é conhecida
como a “arte das emoções” e as mulheres podem ser associadas a ela por serem vistas como
mais sentimentais que os homens. Tal percepção cria um paradoxo, já que as mulheres não são
bem recebidas no meio da composição mesmo sendo associadas ao sentimentalismo da música.
Lucy Green então pontua que no senso comum essa emotividade não é algo positivo, mas está
ligada à superficialidade e histeria.
Saul de Navarro destaca que apenas uma mulher teria a sensibilidade necessária para
musicar o poema de Graça Aranha, concordando com a ideia de que as mulheres são mais
emocionais que os homens. O autor ainda utiliza o termo “surto de sensibilidade feminina”,
relacionando a sensibilidade ao “histérico” abordado por Lucy Green.
Garcia de Resende fez duas críticas sobre os concertos de Lycia. Em uma delas, ao
elogiar a compositora, diz que a música é uma arte essencialmente feminina e logo em seguida
apresenta como contraditória sua aparência física e o seu talento musical:
Vendo no palco aquela figurinha gentil, frágil, como uma pequenina flor
desambientada, eu fiquei a pensar no estranho poder do talento. Como pode aquela
deslumbrada almazinha de moça multiplicar-se, criando vozes diferentes para a grossa
multidão de instrumentos empenhados em dar ao som, ora rumoroso, ora em surdina,
a verdade de um grande sentimento de beleza? (RESENDE, 1931, p. 10).
70
Como os críticos dessa seção são citados de maneira pontual, suas informações pessoais não serão abordadas.
61
Arthur Imbassahy foi outro crítico que fez comentários duvidosos nos dois concertos
que escreveu sobre ela. No primeiro concerto, após elogiar a parte musical, elogia suas
características físicas:
A jovem patrícia, para cujo formoso talento, só posso achar confrontoso na boniteza
das suas feições, realçada pela jovialidade do seu rosto, por sua extrema modéstia
absolutamente desafetada, e pela cativante amenidade do seu trato [...]
(IMBASSAHY, 1931, p. 24).
No segundo concerto, estreia de Chanaan, o crítico diz que “se chegaria a ter dúvida
sobre a verdadeira autoria desse trabalho se já não se conhecesse a seriedade da [...] compositora
brasileira [...] e já não se possuíssem provas [...] abonadas [...] pelo testemunho de seu abalizado
professor, o maestro Giannetti” (IMBASSAHY, 1932, p. 15). O crítico ficou tão impressionado
com o poema sinfônico que cogitou a possibilidade de não ter sido feito por Lycia, ao passo
que ele mesmo desmente a informação pelo histórico da compositora e pela comprovação da
legitimidade de outro homem que a acompanhou de perto, seu professor Giovanni Giannetti.
João Itiberê (1934a, p. 5), já citado anteriormente, elogia Lycia e um grupo seleto de
mulheres ao mesmo tempo que inferioriza as outras compositoras: “São muito raras as
compositoras com individualidade, aquelas que fogem ao diletantismo inócuo e, às vezes
pernicioso”. O trecho confirma as análises históricas de Lucy Green (1997, p. 100) que quando
uma mulher era reconhecida como uma boa compositora, isso era visto como uma exceção,
exatamente como demonstrou João Itiberê.
Muitas críticas falaram sobre as características vistas como “femininas” nas
composições de Lycia e foram utilizados termos problemáticos para elogiar a compositora.
Alguns críticos até comentaram sobre as suas características físicas, que não tem relação alguma
com o seu trabalho como musicista e não seriam feitas caso a compositora fosse um homem.
Apesar de Lycia fazer parte de uma classe social abastada e ter grande capital cultural e
econômico, os quais abriram várias portas principalmente na sua formação inicial como
musicista, sua participação como mulher em um ambiente predominantemente masculino se
refletiu no vocabulário e nas expressões utilizadas nas avaliações que recebeu.
Apesar dos comentários pontuais abordados, pelas críticas de jornais é possível
perceber que Lycia foi bem recebida como musicista pelos seus pares. Alguns críticos
utilizaram alguns termos questionáveis, como “sensibilidade” e “doçura”, outros, como Arthur
Imbassahy, fizeram críticas carregadas de estereótipos, e outros não utilizaram nenhuma
linguagem ligada ao gênero, como Oscar Guanabarino71. Foram poucas as críticas que
71
Apesar de Oscar Guanabarino de não destacar características ligadas ao gênero nos concertos de Lycia que
analisou, não significa que não o tenha feito com outras musicistas. A pesquisadora Amanda Oliveira (2017), por
62
continham comentários ligados ao fato da compositora ser uma mulher em comparação ao
tamanho do acervo de jornais analisado, mas devido ao tema é importante pontuá-los.
4.2 Comunicação com outros artistas por cartas
Ao longo de toda a sua vida, Lycia se comunicou com outros artistas pessoalmente e
através de cartas. Nessa seção, serão abordados os aspectos musicais descritos nos documentos
encontrados, em sua maioria correspondências.
4.2.1 Carlos Drummond de Andrade
A compositora trocou cartas com o poeta Carlos Drummond de Andrade entre 1972 e
1986. Nessas cartas Lycia e Drummond dão felicitações em datas comemorativas, conversam
sobre autorizações para musicar seus poemas e a compositora dá algumas explicações ao
escritor a respeito do seu trabalho com as peças.
Em carta enviada ao escritor datada de 4 de novembro de 1974, a compositora descreve
brevemente como é o seu trabalho ao musicar um texto:
Ofereço-lhe pois, estas interpretações poético-musicais. Neste modo de expressão
procuro na própria poesia a fonte sonora; dela deve brotar como um todo único; develhe fidelidade, sendo moldada à sua imagem e semelhança; nela está a sua verdadeira
inspiração (BIDART, 1974).
A seguir, Lycia dá alguns detalhes sobre o seu trabalho em duas peças específicas. Diz
ao escritor que por questões harmônico-melódicas, ao musicar o poema Paredão, precisou
inserir três exclamações e uma afirmação que não estão presentes no texto original, porém,
segundo ela, “elas em nada alteram a expressão poética do trecho”. Há duas versões que
constam em catálogos para essa peça, são elas para mezzosoprano e piano, que não foi
localizada, e outra para coro, as duas datadas do mesmo ano, 1974. A partir da partitura para
coro, da Biblioteca da ECA, as exclamações a que a compositora se refere são um contracanto
feito pelas vozes que acompanham harmonicamente a melodia (Ilustração 1). Enquanto o texto
original de Drummond, cantado pela soprano, é “Uma cidade toda paredão. Paredão em volta
das casas.”, as outras vozes cantam “Ah! Ah! Ah! São casas.”:
exemplo, aborda diversos trechos em que Guanabarino faz comentários relacionados em análises de mulheres
pianistas.
63
Ilustração 1 – Partitura de Paredão (c. 1-7)
Fonte: manuscrito transcrito pela pesquisadora.
Na mesma carta, Lycia diz que ao musicar Parêmia de cavalo repetiu a palavra
“paixão” para reforçar a expressão e fez uma cadência para acentuá-la. Também há duas versões
da peça datadas de 1974: para mezzosoprano e piano e outra para coro.
Dia 7 de novembro de 1975, em uma das respostas a uma carta enviada por
Drummond, Lycia se mostra emocionada por ter sido referida como “Boa amiga D. Lycia”:
“Pensar que nos conhecemos apenas através da palavra e da música e que isto pode levar a uma
amizade verdadeira é admirável, maravilhoso.” (BIDART, 1975a), e a partir de então, passa a
assinar todas as cartas como “Sua amiga, Lycia.” e variações.
A compositora a todo momento se mostra admiradora do escritor ao longo das cartas
e demonstra a preocupação em alcançar a beleza dos poemas de Drummond por meio da
música, como mostra a transcrição a seguir:
Caro amigo Carlos Drummond de Andrade:
Musicando os seus versos só desejaria alcançar o nível de beleza pura, qual emana
deles. Consegui-lo será possível?!... Mas a esperança é amiga e nos sorri. Por isto me
atrevo a esta empresa tão importante e querida ao meu coração. Espero não ter traído
a expressão do Poeta. Foi ela a guia inspiradora do poema musical. Foi a fonte de onde
brotaram os sons para compor a peça. Por tudo lhe agradeço, infinitamente.
Sua amiga Lycia (BIDART, 1978).
Em carta datada de 19 de dezembro de 1979, Lycia fala mais uma vez sobre a
experiência de musicar um poema que causa impacto no compositor: “Na pessoa que escreve
música este impacto determina logo a rítmica peculiar aos versos e em especial aliada à
expressão melódica da poesia. Assim nasce o poema musical. Desabrocha dos versos.”
(BIDART, 1979b). Lycia deixa claro que ao lidar com um texto, tira a inspiração rítmica da
própria prosódia da poesia, tentando traduzir musicalmente as palavras do autor.
64
Lycia também tinha o costume de enviar composições curtas como um cartão de final
de ano aos seus amigos. No acervo de Drummond constam dois deles, um deles no exemplo
abaixo (Ilustração 2):
Ilustração 2 – Cartão de Natal enviado por Lycia a Drummond
Fonte: BIDART, 1979b.
Sobre direitos autorais, Lycia faz solicitações a respeito de situações específicas. São
elas: autorização para Paulo Affonso de Moura Ferreira em parceria com a Difusão Cultural do
Itamaraty traduzir e editar a versão de Braúna (1975) para coro na Alemanha (BIDART, 1975b)
(o escritor escreveu uma nota autorizando e renunciando aos valores financeiros); autorização
para a utilização de peça natalina, não especificada, pela Embaixada do Brasil no Canadá em
benefício da Unicef (BIDART, 1983); e autorização para utilizar os versos “Que me acode à
cabeça e ao coração / neste fim de ano, entre alegria e dor? / Que sonho, que mistério, que
oração? / Amor.” Em sua Cantata de Natal (1986) com a intenção de enviar para o concurso
promovido pela secretaria de cultura da Paraíba (BIDART, 1986).
65
Foram encontradas sete cartas de Carlos Drummond endereçadas à Lycia72. A maior
parte delas são felicitações de Natal e ano novo, várias delas com poemas (ANDRADE, 1978,
1979, 1980, 1985, 1986).
Em certa ocasião, Drummond envia a carta de agradecimento transcrita abaixo:
À querida amiga Lycia de Biase Bidart, que conseguiu interpretar de música os meus
versos nem sempre harmoniosos. Um abraço de afetuoso agradecimento pelos seus
votos a este octogenário.
Carlos Drummond de Andrade
Rio, 22.XI.1982 (DRUMMOND, 1982).
No ano de 1982, Drummond completou 80 anos e agradeceu à Lycia pelos seus
cumprimentos. A carta que ela enviou na ocasião o parabenizando não foi encontrada, assim
como outras referenciadas nos documentos, abrindo a possibilidade de mais cartas endereçadas
ao poeta e à compositora haverem se perdido e não constarem no acervo.
Em 1983, Drummond pede desculpas por não ter respondido a última carta de Lycia
porque estava internado devido uma cirurgia e a envia os direitos autorais de uma peça não
especificada. A carta estava colada em um caderno e por questões de preservação do documento
não foi possível realizar a leitura integral. Pelas datas das cartas escritas por ela, provavelmente
ele se refere a peça a ser utilizada pela Embaixada do Brasil no Canadá em benefício da Unicef,
já citada anteriormente.
4.2.2 Outros artistas
Há registros de outros artistas que trocaram cartas com Lycia, mas de forma pontual.
As cartas aqui comentadas foram encontradas na casa em que a compositora morou e são todas
destinadas a ela.
Lycia se comunicou com o poeta Xavier Marques73, autor de A noiva do golfinho74,
conto que a inspirou a escrever sua única ópera, A noiva do mar (1939). Foram encontradas
duas cartas do escritor destinadas à compositora. Na primeira, de 1939, Xavier inicia elogiando
Lycia, falando que recebeu a carta da “consagrada musicista” e que dá a ela a autorização para
72
Até o momento da defesa, tinham sido encontradas apenas duas cartas. Como nenhuma das cinco cartas
encontradas posteriormente tinham um conteúdo detalhado sobre as composições, serão citadas ao longo do texto
de modo breve.
73
Xavier Marques (1861-1942) foi jornalista, político e escritor. Tinha como temática principal a região praieira
baiana, onde nasceu. Foi eleito em 1919 para ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras (BIOGRAFIA,
2021a).
74
O conto A noiva do golfinho é inspirado na lenda brasileira do boto, em que o animal se transforma em homem
para conquistas as mulheres (SILVA, 2016, p. 69).
66
utilizar a “fantasia praieira”, como se refere à Noiva do golfinho, e ainda expressa o desejo de
“ouvi-la valorizada e celebrada” (MARQUES, 1939).
Na segunda carta, enviada no ano seguinte, em 1940, faz comentários após a leitura do
libreto extraído da ópera escrita por Lycia. Diz que envia algumas correções, mas que o texto
ficou bem arranjado. Destaca ainda que compreende a necessidade e aprova as alterações para
a cena lírica, em especial as quadrinhas feitas pela compositora, que não estavam no texto
original. O escritor parabeniza Lycia, “distinta e festejada autora de Chanaan”, comentário que
evidencia sua fama pelo poema sinfônico estreado na década anterior. Segue desejando que a
ópera seja executada em breve, inclusive ressaltando que como Lycia “já se fez largamente
conhecida do público, da imprensa e dos meios artísticos do Rio de Janeiro”, não encontraria
grandes dificuldades para a estreia. Xavier se oferece para apresentá-la a jornais, porque
segundo ele a imprensa ajudaria na propaganda da obra. Por fim, agradece à compositora e se
diz seu admirador (MARQUES, 1940). Apesar de dar dicas para estrear a ópera, A noiva do
mar até o momento não foi estreada, e Lycia não voltou a escrever novas óperas, apenas peças
de teatro infantis.
Em 1947, Lycia recebeu uma foto de sua professora de piano, Magdalena Tagliaferro,
com uma dedicatória: “À minha querida aluna Lycia de Biase Bidart, afetuosa lembrança de
Magdalena Tagliaferro.” (TAGLIAFERRO, 1947). Não foram encontrados outros registros da
comunicação de Lycia com a professora.
O pianista alemão Wilhelm Kempff75 enviou uma carta em seu idioma à Lycia em
1949 que não pode ser lida integralmente devido às condições do documento (KEMPFF, 1949).
Porém, anos mais tarde ela utilizou os elogios feitos na ocasião para introduzir a descrição de
uma peça feita para um concurso de composição que será descrito na seção 4.3.1 (BIDART,
[19--]c).
No acervo pessoal de Lycia, também foi encontrada uma carta de recomendação em
inglês do maestro Isaac Karabtchevsky76, na época maestro assistente da Orquestra Sinfônica
Brasileira, em que o músico diz que ouviu e analisou composições de Lycia e a caracteriza
como “interessante e representante dos compositores brasileiros” e que “pode interessar ao
Wilhem Kempff (1895-1991) foi um famoso pianista alemão conhecido mundialmente por suas interpretações
do repertório clássico e romântico. Além de intérprete, também foi professor e diretor da Stuttgart
Musikhochschule e compositor (PHILIP, 2001).
76
Isaac Karabtchevsky (1934-) foi maestro da Orquestra Sinfônica Brasileira durante 26 anos, atuou como diretor
artístico em orquestras e teatros europeus, foi diretor da Orquestra Petrobrás Sinfônica e participou de outros
projetos musicais paralelos (BIOGRAFIA, 2021b).
75
67
público internacional” (KARABTCHEVSKY, 1966). Não é possível saber pelo texto para que
Lycia utilizou a carta de recomendação.
Em 1974, a compositora recebeu um cartão postal assinado pelo Stuttgart Piano Trio77
(1974), enviado do Canadá, agradecendo a composição, que não é especificada, e falando da
possibilidade de o grupo realizar um recital com músicas brasileiras e inserir a composição de
Lycia. Apesar do cartão, não foram encontradas outras correspondências ou registros do recital.
Em carta de 11 de maio de 1977, o já citado músico Paulo Affonso de Moura Ferreira
diz que gravou a peça Noite, de Lycia, para a Rádio Bremen, e fala da possibilidade de ela ser
transmitida em outras rádios alemãs (FERREIRA, 1977).
Em um dos livros de documentos foi colado um cartão musical de Natal que Lycia
enviou aos amigos em 1978, similar ao apresentado anteriormente de 1979, e, em seguida, as
respostas recebidas por ela de amigos e artistas conhecidos. Ricardo Tacuchian78 a agradece e
insere, assim como ela, uma pequena composição de dois compassos com a letra “Muito
obrigado, Lycia Bidart.” (TACUCHIAN, [19--])79. Outra resposta foi da compositora Najla
Jabor80, que diz que a ideia do cartão musical foi “muito feliz – genial! [...] Lindo de morrer!”.
Elogia longamente a passagem em que Lycia deseja “espírito de luta”, porque diz que esse
espírito de luta “nos dá coragem até de nos sentirmos invencíveis” (JABOR, 1978). Um cartão
de agradecimento assinado por Luís, diz que seu trabalho de divulgação de compositores
também exige muito “espírito de luta” e deseja que Lycia mantenha a sua “vontade de viver em
plenitude e trabalhar, sempre criando” (MILANESI, 1978). A assinatura não possui sobrenome,
mas entre os nomes dos elaboradores do Catálogo do Itamaraty, que tem exatamente o objetivo
de divulgar compositores brasileiros, publicado em fevereiro daquele ano, está o nome do
bibliotecário Luís Augusto Milanesi. Por fim, Lycia também recebe o agradecimento de
Waldemar Henrique, diretor do Teatro da Paz, de Belém (HENRIQUE, 1978).
Pelas cartas encontradas e pelas entrevistas, que serão comentadas em seção posterior,
é possível perceber que Lycia manteve contato com vários artistas, se preocupava com os
77
O Sttutgart Piano Trio foi um grupo fundado em 1968, na época formado por um violinista, um violoncelista e
uma pianista. Ganharam prêmios na Alemanha e tocaram um várias cidades do mundo. Não há muitas informações
disponíveis sobre o grupo, mas há gravações na internet de suas performances de peças de outros compositores
(STTUTGART, 2021).
78
Ricardo Tacuchian (1939-) é pianista, maestro, compositor e professor doutor. Compôs mais de 250 obras e teve
várias delas tocadas em diversos lugares do mundo. Atualmente ocupa uma cadeira na Academia Brasileira de
Música (RICARDO, 2021).
79
Não há data na carta, mas pela lógica da organização do livro, é a resposta do cartão de 1978.
80
Najla Jabor Maia de Carvalho (1915-2001) foi uma compositora brasileira graduada pela atual UFRJ. Escreveu
peças principalmente para piano e para orquestra. Em 1952 ganhou um prêmio na competição Internacional
Courrier, nos Estados Unidos, com uma peça para piano (JABOR, 2005).
68
direitos autorais dos textos que utilizava, com as recomendações dos autores e buscava que suas
peças fossem tocadas e divulgadas no exterior.
4.3 Comentários feitos pela compositora
A partir de registros feitos pela própria compositora é possível extrair informações
sobre o seu processo de criação, como em anotações de concursos de composição e comentários
sobre peças específicas.
4.3.1 Concursos de composição
Foram encontrados documentos de concursos de composição de 1969, de 1970 e um
não datado. Os documentos descrevendo as composições não estão assinados, mas é possível
supor que foi a própria compositora que fez anotações sobre suas peças para anexar às
partituras. A maior parte das descrições se refere às instrumentações utilizadas, mas aqui serão
feitos recortes apenas do que é considerado relevante.
Para o I Festival de Música Guanabara, foram encontradas informações a respeito de
três peças orquestrais. A primeira, intitulada Sempre: Andante e Allegro cantábile81 em sol
maior para piano e orquestra, tem a duração de 15 minutos. A compositora a descreve como
uma peça expressionista, com “caráter subjetivo, puramente expressiva” que “interpreta o
estado de espírito propenso a exteriorizar em sons o sentimento interior”. É descrito com
detalhes a entrada dos naipes, dinâmicas e articulações, como no trecho abaixo:
Então é chegado o momento da verdadeira expressão da peça. A frase cantante se
define em ppp súbito. Daí em diante esta frase impera. O piano canta, ora só, ora junto
com a orquestra. Ao avizinhar-se o final, ele em pontilhados sonoros acompanha a
voz maciça dos violoncelos em uníssono que se apoderam da frase (BIDART, 1969).
A segunda composição tem o título de Cantando: Interlúdio em dó maior82, com
duração de dez minutos. Ela inicia dizendo que essa também é uma peça expressionista. É
“moldada em tema simples” iniciando com o piano e alternando-o com os naipes da orquestra.
No texto são explicadas as modulações que ocorrem ao longo da música (BIDART, 1969).
Segundo o verbete do Grove Music, o Expressionismo foi um movimento artístico,
principalmente da literatura e artes visuais, que abrangeu o período em torno da Primeira Guerra
81
A peça encontrada na Biblioteca da ECA para piano e orquestra com título similar se intitula Sempre Cantabile
(sem data).
82 A peça similar encontrada em catálogos se intitula Interlúdio Cantando (1969) e não foi localizada.
69
Mundial, aproximadamente de 1908 a 1921. Apesar de ser difícil definir o movimento com
precisão, utiliza-se o termo para músicas que apresentam características extravagantes e
caóticas e que “transmitem turbulência na psique do compositor”; o sofrimento e a manifestação
da dor são suas principais inspirações. Alguns jornalistas da época utilizaram o termo de
maneira abrangente se referindo à música com intensa autoexpressão que não possui coerência
e não segue os padrões tradicionais. O Expressionismo musical engloba a produção pós-tonal
de Schoenberg e alguns trabalhos de seus alunos. Tem como base os cromatismos e harmonia
de Wagner, evitando cadências, repetições, frases equilibradas e modelos formais. O período
inclui a música livre-atonal da Segunda Escola de Viena, mas também outros compositores,
como Mahler, Stravinsky e Bartók (EXPRESSIONISM, 2001). No caso de Lycia, apesar de ela
utilizar o termo “expressionista” para definir suas duas peças, não é possível saber se de fato
são composições expressionistas com as características que conhecemos hoje, pois análises
aprofundadas de composições específicas não fazem parte do escopo da presente pesquisa e
poderão ser realizadas em estudos posteriores. Entretanto, com essas observações é possível
perceber a visão de Lycia a respeito de suas próprias composições83.
A última peça submetida ao concurso daquele ano é intitulada Polifonia Coral “Rio
de Janeiro” (1969), sem especificações de duração. Em meio às explicações teóricas, Lycia
destaca a presença da harpa representando o mar:
Inicia-se lentamente em ré bemol maior com a exposição temática surgindo dos naipes
orquestrais até formar-se ampla, sonora dentre os instrumentos conjugados, sempre
acompanhada pelo dedilhar da harpa lembrando a presença do mar, permanente,
contínua. É o amplexo oceânico cingindo a “Cidade Maravilhosa” (BIDART, 1969).
Assim como a anterior, essa peça também é descrita com muitas modulações, porém,
diferente das outras, tem em sua formação um coral. É anexado à explicação, a letra da música,
que contém frases de exaltação ao Rio de Janeiro.
Para o ano seguinte, em 1970, no II Festival de Música Guanabara, foram encontrados
documentos a respeito de quatro submissões assinadas com o pseudônimo de Rio/70. A peça
Scherzo não possui especificações, apenas a ficha de inscrição, e a série Danças (1970) possui
comentários breves com os títulos dos movimentos. Sobre as composições Música para violino
e piano e Concerto para violino, piano e orquestra há uma nota curta destacando os efeitos
diferenciados que a compositora alcançou com o piano e o violino: “As peças para Violino e
Piano [...] apresentam em possibilidades melódicas, harmônicas e técnicas peculiares aos dois
83
Lycia possui quatro composições para piano que se intitulam Estudo Expressionista, com os subtítulos Devaneio
(1949), Matinal (1951), Dilema (1975) e Apelo (1977) e outra para um duo de trompas intitulada Estudos
Expressionistas (1975).
70
instrumentos, [...] transmitem a expressão musical na busca de vibrações sonoras criadoras do
equilíbrio fônico e emotivo.” (BIDART, 1970).
Além desse texto, há uma página falando sobre os objetivos da compositora com as
suas peças submetidas naquele ano, sem se referir a uma em especial. O documento inicia com
o objetivo central: “Meta Musical: encontrar na sublimação da experiência a alegria de viver e
transmiti-la em sons.”. E continua pontuando os objetivos específicos:
1º - Usar, para tal fim, os conhecimentos adquiridos através de escolas diversas, desde
os primórdios musicais que, evoluindo no tempo, chegaram a nos dar o acervo rico de
variedade que é a antologia sonora de nossos dias.
2º - Usar a música harmônica e melodiosamente com preferência polifônica. Haurir
dela tudo que se possa, sem exclusão de formas, sejam elas subjetivas, objetivas,
folclóricas, populares e eruditas.
Nesses dois primeiros pontos, Lycia se mostra aberta a explorar as diferentes
características estilísticas de cada período artístico. Ainda destaca a possibilidade do uso da
música folclórica e popular, algo que pode ser percebido em sua composição Danças, em que
cada movimento representa um gênero da música popular: Baião, Valsa, Galope, Ária e
Maxixe.
3º - Seguindo sua tendência natural, o autor [pseudônimo Rio/70] evita o uso
sistemático de sons alheios aos instrumentos componentes da orquestra. (Salvo o caso
de efeitos característicos necessários para marcar situações especiais, são usados
como meio e não como fim”).
A autora não se propõe a utilizar os instrumentos de formas não convencionais, mas
empregar apenas os sons tradicionais de cada instrumento. Essa prática de exploração dos sons
é comum na música contemporânea, por exemplo utilizar instrumentos de corda como
percussão.
4º - Admitindo que, assim como os números dão combinações infinitas o mesmo
acontece com as notas musicais, usá-las então, para encontrar novas formas de
expressão. Esta variedade de forma é exequível através da riqueza inesgotável da
harmonização; pelo desenho melódico que fuja de fórmulas já exploradas; pela busca
de sonoridades diferentes, inéditas.
5º - Sendo a dissonância a característica simbólica dos nossos tempos [...], é lógico
que ela tenha um papel preponderante. Mas como a meta musical de Rio/70 é a
superação dos dramas, para transmitir uma expressão de coragem, de paz, de
redenção, as dissonâncias se apresentam alternadamente esmaecidas ou marcantes,
para frisar a finalidade total da obra, o equilíbrio da emoção.
Nesses últimos pontos, ao mesmo tempo em que se mostra aberta a explorar novas
combinações de harmonizações, diz que utilizou as dissonâncias com cuidado devido ao caráter
pacífico das peças.
71
Entre essas descrições, foi encontrado um documento similar aos descritos acima,
porém sem haver a especificação do concurso a que se referia (BIDART, [19--]c). Como se
trata da Sonata ao Mar84 (1961), que ganhou uma menção no XX Concorso Internazionale di
Musica Giovan Battista Viotti, em 1975, é possível que tenha sido feito para esse concurso.
Apesar de ser uma peça para piano solo, na primeira parte do documento há uma poesia assinada
por Lycia, pelo pseudônimo Albatroz, para descrever os dois primeiros tempos da peça: Largo
e Andante. A compositora inicia: “Para melhor compreensão e interpretação dessa sonata o
[ilegível] abreviou em versos a parte impressionista inspiradora.” No primeiro trecho, intitulado
Noite, descreve a visão do mar na escuridão, no segundo trecho, Balada do cego, descreve um
cego que se aproxima do mar para cantar.
Mais uma vez, Lycia faz referência explícita a um estilo europeu de finais do século
XIX e primeira metade do XX. Segundo o Grove Music (IMPRESSIONISM, 2001),
“Impressionismo” foi um termo que iniciou nas artes visuais, sendo usado pela primeira vez
pelo crítico de arte Jules-Antoine Castagnary, em 1874, observando que os artistas
impressionistas não pintavam a paisagem, mas a sensação que ela transmitia a eles. O termo
impressionismo logo se tornou genérico, referenciando a certos artistas, principalmente
franceses, das décadas de 1870 e 1880. O que os ligava era o questionamento a valores
tradicionais, “a sensualidade delicada, o imediatismo e a ideia da arte como um convite ao
prazer. Eles procuraram renovar o sentido do mistério da vida e da beleza do mundo através da
própria percepção, usando a arte para revelar as profundas intuições do inconsciente”. No caso
da música, os compositores impressionistas buscavam elementos sonoros para representar
elementos da natureza. Para transmitir o fluxo do tempo, por exemplo, utilizavam trinados,
ostinatos e diferentes ritmos e a nebulosidade era expressa pelo pedal do piano. A linha
melódica ganhou função decorativa, com motivos curtos e figurações repetitivas. As texturas
gerais da peça eram mais importantes que notas ou ritmos individuais, dando a ideia de
improvisação. Ainda segundo o verbete, os compositores não ficavam presos à harmonia
tradicional, adotando por vezes escalas modais, pentatônicas e de tons inteiros. Os músicos
também passaram a se interessar pela ressonância e pelas vibrações, a partir dos estudos sobre
a análise espectral do som. O estudo analítico e estilístico da Sonata de Lycia também poderá
ser aprofundado posteriormente.
O segundo documento, com a descrição musical da peça, faz uma introdução sobre a
boa recepção da compositora e cita uma avaliação feita pelo pianista alemão Wilhelm Kempff:
84
Registrada posteriormente como Sonata Fantasia nº 1: Sonata ao Mar.
72
“As suas composições me deram um grande prazer. Elas revelam uma fina sensibilidade,
profunda compreensão do nosso maravilhoso instrumento e o senso da forma. Avante nestes
dons que enriquecem a existência.”. Segue-se a descrição sobre a primeira parte, Noite, da
Sonata ao Mar sobre a aplicação dos arpejos, escalas e sonoridades, que, segundo ela, possui
uma expressão melódica com “harmonias amplas”. No segundo trecho, Balada do cego, apenas
pontua a necessidade do pianista “ligar a melodia e a harmonia sem confusão de vozes ou
acordes”. Na última parte, A Fonte e o Mar, pede que o pianista tenha “legato, leveza e
brilhantismo”. O trecho se inspira em uma fonte, constante e presente, porém em um breve
momento antes do final, ele se apaga como “o cintilar do sol acendendo estrelas no mar”.
Assim como em várias outras composições Lycia se inspira na natureza, como os
impressionistas, e, segundo ela, utiliza uma harmonia forte com muitas escalas, arpejos e
exploração de diferentes sonoridades, algo de fato característico do movimento.
Os concursos ocorreram aproximadamente trinta anos depois das críticas de concertos
analisadas na primeira seção desse capítulo. Enquanto em uma fase inicial os documentos
mostram a compositora ligada aos métodos tradicionais de composição, os documentos de
concursos mostram uma musicista mais aberta às inovações trazidas pelo século XX, com a
exploração de novas sonoridades e o uso dos gêneros populares e da música folclórica. Em
certo momento, Lycia utiliza os termos “expressionista” e “impressionista” para se referir às
suas composições. Devido ao tempo e aos objetivos desse trabalho não é possível identificar se
as obras são de fato pertencentes aos movimentos com as características que conhecemos hoje,
porém foi como ela definiu as suas peças.
4.3.2 Programas de concerto e outros documentos
Em suas composições Lycia costumava adotar um tema e compor sobre ele. Esse
processo de representar conceitos extramusicais por meio da música instrumental é conhecido
como música programática. O termo foi criado por Liszt para se referir à uma peça instrumental
que possui um programa escrito pelo autor, como um prefácio, para que a música seja
interpretada pelo ouvinte da maneira correta. Ela pode ser narrativa/descritiva ou fazer
referências extramusicais, de objetos e sentimentos, por exemplo, sem necessariamente haver
uma narrativa. A música programática, então, se desenvolve de acordo com o tema e não com
princípios autônomos (PROGRAMME, 2001).
Nas composições já citadas anteriormente, Lycia utilizou esse método de composição.
No programa de Intermezzo (1931), por exemplo, cada um dos Prelúdios tinha a descrição de
73
um tema: o primeiro “Todo anelo de quem busca o ideal”; o segundo “E por ele luta, sofre”; e
o terceiro: “Um raio de luminosidade sutil aparece débil, incerto, para depois expandir-se
plenamente em luz. Luz essa que traz a esperança e fé alentadoras, luz que desvenda uma
estrada imensa, capaz de conduzir ao sublime das aspirações artísticas” (PROGRAMA, 1931).
Já em Chanaan (1932), em que se inspirou no livro de Graça Aranha, no próprio
programa de concerto Lycia descreve a história que quis transmitir ao compor a peça:
O imenso vale de Chanaan, com sua beleza, sua história, que é toda a vida de uma
geração de homens fortes [...]. / Nele, a música com sua acuidade penetrante, vai ao
mais íntimo da sensibilidade desses homens iniciadores de uma nova era que no seio
da natureza procuram o bálsamo para o seu angustioso e profundo sofrer. Em notas
lancinantes evolam-se tristemente as vibrações de seus ânimos doloridos [...]. À terra
possante lançam seu desafio. Abatem-lhe as árvores, uma após a outra, sem trégua
[...]. E todas as potências da Natureza se unem em clamor que protesta contra a
violência do Santuário Virgem da Floresta [...]. / Então o recurso supremo! O fogo!
[...] E em torno às chamas ardentes o Homem luta contra a força que ateiou! [...] [O
fogo] depois diminui de intensidade. Extingue-se lentamente num leve crepitar... E
fica a desolada angústia. Notas de tristeza aguda, penetrante e profunda. / A terra em
suas entranhas germina. Ouve-se o ressoar perdido de uma trompa de caça. E surgem
os ecos de sofrimentos passados [...]. Mas tudo isto se perde na placidez de um cantar
tranquilo, amoroso. É o cantar dessa terra de promissão [...]. Dá vida, traz esperança!
É a expressão de Chanaan, Terra Prometida! [...] São suas lendas [...]. É a voz amorosa
da Yara! É o Saci, símbolo da energia [...] É de Chanaan, o hino à vida, ao amor!
(PROGRAMA, 1932a).
A partir da música instrumental, a compositora narra o conflito do homem com a
natureza, a invasão da terra, o fogo e, por fim, a calmaria. Na partitura em si, o único trecho em
que a história aparece literal, sendo cantada, é na parte final, em que o coro feminino inicia em
bocca chiusa e depois canta o seguinte texto:
Chanaan, Terra prometida,
Em tuas florestas vívidas ressoam o amor
No canto da Yara e o Saci encarna teu vigor
Ah... Ah...
Ressoam o amor no canto que encarna o teu vigor
Ah... Amor... Amor...
Lycia também fez comentários sobre Anchieta (1934), já citados anteriormente, com
base na narrativa da relação entre os jesuítas e os indígenas. Ela apresenta o jesuíta como uma
figura doce e sensível em contraste ao indígena revoltado com os invasores de sua terra. Ao
longo do texto os indígenas variam entre a raiva e a calma, segundo ela, proporcionada pelos
jesuítas (CUNHA, 1934). Assim como na maioria dos outros casos, a história acima descrita,
contada por ela e publicada no jornal Correio da Manhã, é apresentada no poema sinfônico sem
o uso de palavras, apenas com música instrumental.
74
Em folha não datada encontrada em seu acervo pessoal, Lycia inicia o texto com o
título “Considerações sobre a peça ‘Britando pedra no Morro Azul’ – Piano Solo – Homenagem
ao ano I da criança brasileira85”. A compositora escreve que assistiu na televisão uma
reportagem a respeito do Morro Azul, região de Minas que, segundo ela, já fora prospera, porém
se tornou muito pobre. O meio de subsistência dos habitantes da região era britar pedras
manualmente com uma marreta, o qual Lycia disse que era algo “de tocar o coração”. Ela
classifica como mais comovente a entrevista com uma criança de quatro anos que precisava
trabalhar no local para conseguir comida. Após relembrar a reportagem fonte de sua inspiração,
Lycia descreve a sua composição de 1978:
Assim, esta peça musical transmite a evocação do marretar pela pedreira e entremeado
ao plano da obra, ergue-se uma melodia que seria o consolo de trabalhar cantando,
dada a musicalidade do povo brasileiro. Soam vozes femininas, vozes infantis e vozes
masculinas, para em seguida retornar e finalizar, a exposição do motivo de tinir das
marretas sobre a rija pedreira (BIDART, 197-).
No trecho acima, Lycia descreve o que quis expressar com a música. Primeiro há o
som de marretadas, depois os trabalhadores começam a entoar melodias, conhecidas como
cantos de trabalho, que auxiliam nas tarefas repetitivas, para, por fim, voltar ao som das
marretadas.
Os próprios títulos das obras também oferecem informações a respeito das inspirações
da compositora. Em algumas composições Lycia deixa registrado no subtítulo os compositores
que usou como inspiração, como em Outonal (1961), para piano, que evoca Ottorino Respighi,
Noite (1961), para piano, que evoca Maurice Ravel, e Bruma (1961), para piano, que evoca
Claude Debussy. A religião, tão presente na vida da compositora, é referenciada em algumas
peças, como em Ave Maria (1927), para piano/órgão e voz, e Vorrei dirti (1928), para soprano
e piano. Sua personalidade poética, paixão pela natureza e por sua família é algo visível. Grande
parte dos títulos possuem referências a elementos da natureza como O lago (1965), para viola
e piano, e Estrelas (1971), para oboé e piano. Lycia também tem composições que citam nomes
de familiares em seus títulos, como Uma rosa para Veronica (1966)86, para tenor/baixo e piano,
e a Série retratos (1986-1989), composta por oito partituras para piano e uma para violoncelo
cujos títulos são os nomes de familiares.
85
A Assembleia Geral das Nações Unidas declarou 1979 como o Ano Internacional da Criança (HISTÓRIA,
2021), ano seguinte em que Lycia fez a composição Britando Pedra no Morro Azul.
86
Partitura não localizada.
75
4.4 Entrevistas
Cecilia e Veronica contaram que Lycia, por causa de seu provável déficit de atenção
teve educação domiciliar com professores contratados após o primário, para matérias
obrigatórias e para a música. O estudo da música foi um meio que a família achou de
desenvolver sua concentração87 (BIDART; NOVAES, 2019; MACHADO, 202088).
Apesar de não se recordarem de nenhuma outra influência musical direta na família,
Marcos e Cecilia disseram que era da cultura italiana ouvir ópera, então Lycia cresceu em um
ambiente que a ofereceu intenso capital cultural, principalmente por meio do seu pai,
Pietrangelo que, como reforça Cecilia: “Eu nunca ouvi falar em um italiano que deixasse de
gostar de música.”
Segundo Cecilia e Marcos, perto da maioridade, Lycia se mudou para o Rio de Janeiro
para aprofundar os estudos na música e morou com uma tia. Cecilia não soube precisar a data,
mas em uma carta escrita pela compositora e publicada em jornal, ela diz que iniciou seus
estudos com o Maestro Giannetti aos 18 anos (LYCIA, 1932, p. 4) como Marcos disse que ela
começou seus estudos com ele no Rio de Janeiro, foi por volta dessa idade que ela se mudou
para a cidade. A família era abastada e o pai da compositora, Pietrangelo, alugou o Theatro
Municipal do Rio de Janeiro e uma orquestra algumas vezes, para que sua filha pudesse estrear
suas composições, fato descoberto por meio das entrevistas.
Cecilia contou que além das aulas com o maestro Giovanni Giannetti, Lycia também
teve aulas com a pianista Magdalena Tagliaferro, mas não mencionou datas. Vários outros
músicos também frequentavam sua casa, como o saxofonista Juarez Araújo. Segundo Marcos,
era prática comum da compositora apresentar suas composições a amigos instrumentistas para
saber se o que ela escreveu era possível de ser executado na prática. Outro músico citado por
Marcos e Antonio foi o maestro John Neschling, que era amigo de Lycia e estava em sua casa
constantemente para conversar sobre música (NETO, 2020).
Veronica, em determinado momento diz que a avó era “quase autista” e que se “embrenhava” em suas músicas.
Diferente do déficit de atenção, que foi justificado pelos familiares, o termo “autista” não se referiu à doença, mas
foi usado no senso comum se referindo à sua característica introspectiva.
88
Como nessa seção será falado apenas das entrevistas, as referências serão mencionadas apenas na primeira
citação de cada entrevista, posteriormente serão referenciados apenas os nomes dos entrevistados.
87
76
A música era muito presente na rotina da família. Veronica recordou que todos os
domingos pela manhã eles se reuniam para ouvir a Rádio MEC89. Nessas reuniões, Lycia
explicava aos netos a evolução dos compositores, características dos instrumentos etc.
Veronica: Eu me lembro a gente ouvindo Pedro e o Lobo, De Prokofiev [...]. Ela
levava a gente pra ver, no Teatro Municipal João Caetano, e depois ela ficava “Que
instrumento é esse?” aí a gente “Clarineta!”, “Oboé!”. Isso era natural pra gente
criança. Não era estudo, era uma coisa que a gente se divertia. “É violoncelo ou é
violino?”. E a gente criança mesmo respondendo isso (MACHADO, 2020).
Os entrevistados disseram que Lycia apreciava muito a música erudita e citaram vários
compositores que ela costumava escutar, como Beethoven, Monteverdi, Bach e Schumann.
Cecilia se recordou de uma vez em que Lycia estava assistindo o Concerto nº 4 de Beethoven
e se levantou “extasiada” no meio da apresentação. A família precisou puxá-la novamente para
a cadeira tamanha a admiração da compositora.
Mas Veronica ainda destacou que:
Veronica: Ela era múltipla. Eu me lembro de Marcos ouvindo Jethro Tull, [...] aquele
rock contemporâneo que é quase um heavy metal. [...] E eu: “Pô, desliga esse som!”,
e ela: “Veronica, música não é barulho!”. [...] Então, eu acho que ela não gostaria de
falar “Lycia era apaixonada por Beethoven, Mozart e Schubert.”, porque se ela falou
isso do Jethro Tull imagina se ela não amava Liszt, ela não amava Debussy
(MACHADO, 2020).
Por mais que os entrevistados tenham citado alguns títulos e compositores, foram
poucas as lembranças em relação às composições em si ou técnicas musicais usadas por Lycia.
Essas memórias mostraram-se mais afetivas do que propriamente técnicas.
Segundo Marcos, quando ele chegava da escola, se deitava no sofá para ler enquanto
Lycia estudava toccatas e fugas de Bach ou compunha em uma mesa. Ele se recorda dela fazer
bocca chiusa enquanto compunha para ouvir as linhas melódicas. Antonio também se lembrou
de ficar no mesmo ambiente que ela brincando ou estudando enquanto a avó fazia suas
composições. Veronica tem memórias parecidas:
Veronica: Aqui numa sala que a gente tem, ficava um piano de armário que tinha uma
grande mesa que ela ficava ali escrevendo, aí ela levantava, tocava um pouquinho e
sentava. Quer dizer, ela checava o que ela estava escrevendo, mas ela não sentava no
piano e saía tocando. Eu tinha impressão que era ao contrário, que ela sentava,
escrevia...
Entrevistadora: Era um processo muito mais mental do que prático?
Veronica: É. É... eu acho (MACHADO, 2020).
A rádio MEC foi fundada em 1923 com o objetivo de transmitir temas educacionais e culturais, com destaque
para a música de concerto (RÁDIOS, 2020).
89
77
Ao ler os títulos de algumas obras, Marcos relembrou situações em que viveu com sua
avó. O Ballet Fantasia (1974), por exemplo, em que os títulos das danças são cenários dentro
do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, remeteu aos passeios que Lycia fazia com os netos no
local, que era uma grande inspiração para ela. Ele disse que com o tempo viu que sua avó
expressava por meio da música o que a natureza transmitia a ela:
Marcos: Um dia, [alguém] falou assim “ah, mas sua avó era uma expressionista” e eu
demorei um tempão a entender. Depois eu fui me aprofundar mais e vi que é verdade,
que ela tinha essa história, não era voltado pra ela, dela registrar as impressões que ela
teve da natureza, como os impressionistas. Era uma história dela expressar o que a
natureza, o mar, repercutiam nela. [...] Eu me lembro bem de vovó, é sempre uma
viagem meio lisérgica. [...] A onda era essa mesmo, olhar para determinadas coisas,
para determinados movimentos, para determinadas pessoas e de uma forma muito
automática traduzir aquilo em sons (BIDART; NOVAES, 2020).
Foi um consenso entre os entrevistados que ela se inspirava na natureza. Cecilia
relembrou uma história de quando Lycia foi de noite a uma praia em Vitória onde havia algas
brilhando no mar. Ela entrou na água e começou a brincar com as algas com um galho para
admirar o que pareciam ser “estrelinhas no céu”. Cecilia diz que aquela noite inspirou Lycia a
compor Fosforescência. A composição com esse título, citada por Cecilia, não foi localizada
em nenhum dos catálogos em que constam as obras da compositora. Porém, no programa de
concerto de 1953 que ocorreu no Ministério da Educação e Cultura, consta a composição Noite
de fosforescência na Praia Comprida90 (PROGRAMA, 1953; COMPOSIÇÃO, 1953, p. 11).
Essa peça pode ter sido posteriormente adicionada à Sonata Fantasia nº1: Sonata ao Mar, para
piano, já que o primeiro movimento da peça, intitulado Noite tem a seguinte poesia anexada:
É noite... que há no mar?!...
Na escuridão cintila!...
Em miríades fulgores
Surgem n’água inesperada,
Estiram-se na areia,
Luzes nas pedras... somem...
E de novo vêm, voltam [...]
A magia destas luzes
Límpidas, rutilantes,
Leves ou incandescentes,
Sussurrantes a cantar
É noite... Fosforesce...
... O Mar!...
(BIDART, 1970).
Cecilia também se recordou da ópera A noiva do Mar que lembrou com o título do
conto de Xavier Marques, que inspirou o libreto: “Eu só conheço como A noiva do golfinho,
90
Partitura não localizada.
78
que era uma moça que ficava lá esperando por um golfinho que se transforma em um príncipe.
Existe uma lenda a respeito e eu me lembrava como A noiva do golfinho.”.
Segundo Veronica, as composições de Lycia eram sempre temáticas. Ela contou que
ficou encantada ao ver sua avó fazer uma série de canções baseadas nos poemas de Cecília
Meireles91, já que a literatura era muito presente em sua vida quando criança. Antonio também
recordou momentos em que ela compunha e apresentava para ele suas ideias e inspirações:
Antonio: Ela contava sempre como era, as músicas, mostrava o que estava fazendo, o
que estava inspirando a ela. [...] Mas eu me lembro das composições dela, do Jardim
Botânico, ela me falando... mostrava os acordes que ela estava fazendo, o que era...
isso eu tenho lembrança (NETO, 2020).
Lycia possui muitas músicas dedicadas a membros de sua família e amigos. Ana disse
que sua avó compôs uma música para ela inspirada em sua personalidade, intitulada O girassol
(1979), para piano:
Ana: Eu lembro que era uma música no piano, bem leve e tinha uma parte mais alegre
e uma parte mais triste, porque ela dizia que as vezes ela via uma tristeza em mim,
uma melancolia. Então ela colocou isso nessa peça que chamava Girassol, que imitava
o movimento do girassol (ANDRADA, 2020).
Lycia incentivou as filhas e os netos a estudarem música. Deu aulas para Cecilia e
Lucia, que estudaram piano, e os netos estudaram com outros professores. Marcos estudou
clarinete, com Juarez Araújo, e canto, com Fernanda Giannetti, filha do maestro Giovanni
Giannetti, e Antonio e Veronica estudaram piano com a professora Honorina Silva, amiga da
compositora. Porém, apesar de não dar aulas formais aos netos, dava instruções esporádicas:
Veronica: Quando a gente ia passar as férias em Caxambu, ela pedia pra eu continuar
com a prática de piano. E nesses momentos ela virava a minha professora. Porque a
gente nem tinha o piano em casa, era um piano que estava num play. Era aquela coisa
bem de músico mesmo que quer fazer a neta tocar. Mas eu amava [...].
Entrevistadora: Como ela era como professora?
Veronica: Muito amorosa (MACHADO, 2020).
Marcos disse que aprendeu com a avó a sempre dar dinheiro para músicos de rua.
Segundo ele, era um mandamento de Lycia.
Um momento marcante para todos os entrevistados foi o divórcio entre Lycia e João
Bidart. Cecilia contou que em uma viagem de férias, Lycia recebeu uma ligação dizendo que
seu marido tinha ido embora de casa com outra mulher. Isso a feria não só no nível emocional,
91
Entre 1971 e 1976 Lycia fez uma série de composições para voz e piano baseado nos poemas da Cecília Meireles
(MINISTÉRIO, 1978).
79
mas em nível moral, por motivos religiosos. Veronica recordou que, ao receber a notícia, Lycia
se refugiou na música:
Veronica: Mas eu me lembro que quando vovô saiu de casa, ela ficou muito triste,
muito, muito triste. Aí um dia ela se isolou, escreveu, escreveu, escreveu, escreveu
música. E um dia ela falou:
- Pronto! Terminou a minha dor.
- Como assim, vovó?
- Está tudo nessa música92 (MACHADO, 2020).
A neta também contou que no início da década de 1980 Lycia contraiu uma séria
meningite e ficou em coma por alguns dias. Segundo ela, ao acordar, ela havia perdido parte da
audição. Esse processo de surdez foi lembrado por Cecilia e Marcos de outra maneira. Segundo
eles, Lycia já estava perdendo a audição antes da meningite e a doença apenas intensificou essa
perda. Quando Lycia já estava parcialmente surda, Veronica lembrou-se de ver sua avó pedindo
para que seus amigos músicos tocassem seus instrumentos perto de seu ouvido para que pudesse
escutar melhor e “se deliciar com a música”.
Apesar de não ter desenvolvido sua carreira no meio público ao longo da vida,
possivelmente por causa da maternidade, como foi pontuado na maioria das entrevistas,
segundo Ana, Lycia não demonstrava frustração:
Ana: Eu acho que foi mais uma coisa da época. Não é que ela era conservadora, é que
era esperado da mulher ser do lar. Acho que se ela fosse jovem hoje em dia, ela estaria
regendo e tocando no palco. Acho que ela estaria bem presente na vida pública.
Entrevistadora: Você acha que a época acabou puxando um pouco ela pra trás nesse
sentido profissional?
Ana: Acho que sim, é. Acho que foi mais por convenção [...] ela causou um impacto,
apesar de não ter feito muito fora de casa. Acho que hoje em dia ela teria feito um
grande impacto. Mas eu nunca senti nenhuma amargura nela, nem frustração. Acho
que ela aceitava muito bem o papel dela, o papel na sociedade. Ela não era rebelde
nesse sentido (ANDRADA, 2020).
Os entrevistados tiveram várias lembranças que contribuem com uma perspectiva
pessoal sobre Lycia. Como ela passou a maior parte de sua vida compondo em casa, seus
familiares acompanharam de perto o seu processo como musicista.
92
Partitura não localizada.
80
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Lycia de Biase Bidart foi uma compositora com alta produção, bem aceita por seus
pares na época, mas que possui poucos estudos acadêmicos a seu respeito. A presente pesquisa
buscou suprir parte dessa defasagem e dar mais visibilidade à compositora.
A partir do estudo da trajetória de Lycia, é possível perceber a presença de vários dos
capitais descritos por Bourdieu, que tiveram influência na sua carreira como musicista. Lycia
adquiriu um bom capital cultural, tendo acesso ao ensino de música ainda criança e
incorporando um habitus comum nas famílias de classe alta da época, que era a forte presença
da cultura erudita importada da Europa, ambos fatores que influenciaram o seu
desenvolvimento como compositora.
Lycia teve a oportunidade de se mudar para o Rio de Janeiro, a capital do Brasil na
época, e lá teve acesso a bons professores de música, como o maestro Giovanni Giannetti. Algo
que contribuiu para isso, foi a sua situação financeira favorável, chamada por Bourdieu de
capital econômico. Além disso, logo no início de sua carreira, sua família alugou o Theatro
Municipal do Rio de Janeiro e a orquestra para realizar ao menos um de seus concertos. Essas
aparições em um espaço cultural de destaque na época, a colocaram em evidência nos jornais e
no campo musical, fazendo-a conhecida entre os críticos e o público, aumentando o seu capital
social e simbólico.
Depois do casamento e da maternidade, Lycia ficou mais reclusa em relação à vida
pública. Tal posição era esperada dela socialmente como mulher e, segundo as entrevistas, ela
adotou a postura sem demonstrar frustrações.
Todos esses fatores, somados à sua paixão e vocação pela música, contribuíram para
a formação de Lycia como compositora e deram a ela a possibilidade de estudar música e
dedicar-se praticamente de forma integral às suas composições e à sua família.
O material analisado apresentou diferentes perspectivas a seu respeito. As informações
coletadas nos jornais sobre os concertos da compositora no Theatro Municipal, na primeira
metade da década de 1930, se ativeram a sua repercussão e críticas artísticas e mostraram a boa
recepção da compositora no início de sua carreira entre seus pares no campo musical. A
aceitação de suas composições entre críticos conservadores também indicou o estilo tradicional
de composição que Lycia utilizava nesse período, provavelmente influenciada pelo seu
professor Giovanni Giannetti.
81
As fontes orais demonstraram-se essenciais para uma perspectiva pessoal a respeito da
compositora, com informações que não foram apresentadas nos jornais da época. Os relatos
trouxeram informações inéditas que contribuíram para o enriquecimento de sua biografia.
Muitas informações foram repetidas em todas as entrevistas, como os gostos pessoais
e a personalidade serena e amorosa da compositora. Essa repetição, embora muitas vezes não
agregue qualitativamente à pesquisa, faz com que o pesquisador possa identificar uma estrutura
de sentido e representações compartilhadas pelo mesmo grupo a respeito do objeto pesquisado
(GASKELL, 2002; GONDIM, 2002 apud FRASER; GONDIM, 2004, p. 147). Ao longo da
análise, também foram encontrados conflitos entre as informações dadas pela família, como a
forma que aconteceu a surdez da compositora que foi lembrado por cada um de maneira
diferente. Esses conflitos de informação são recorrentes na história oral, já que em relatos
individuais os entrevistados buscam realizar uma narração linear e ordenar os fatos, mesmo que
em sua memória eles se confundam (POLLAK, 1989, p. 13).
A relação com as fontes escritas se mostrou eficaz para a confirmação de algumas
informações que eram lembradas por cada um de maneira diferente, como o ano do divórcio de
Lycia e João Bidart, que foi confirmado em documentos pessoais. Além disso, as fontes escritas
e orais se provaram complementares, já que muitas informações específicas da juventude da
compositora e suas estreias não foram vividas pelos entrevistados, mas constam nos jornais.
Por outro lado, os entrevistados forneceram informações pessoais, como características de sua
personalidade, relações familiares, procedimentos de composição e hobbies de Lycia,
informações estas que não constam nas fontes escritas.
Os álbuns de fotos e os cadernos de recortes encontrados na casa em que a compositora
morou, fazem parte de uma escrita autorreferencial. Ao guardar e organizar esses documentos,
Lycia produziu um material autobiográfico, reunindo as informações que gostaria que fossem
lembradas sobre sua vida musical. A variedade de arquivos contribuiu significativamente para
a pesquisa.
As cartas trocadas com outros artistas mostraram que, apesar de não ser muito presente
na vida pública ao longo da vida, Lycia manteve o contato pessoal com músicos e escritores, se
mostrando sempre solícita às trocas intelectuais e disposta a fazer com que suas peças fossem
executadas.
As descrições de peças para concursos de composição e as anotações pessoais
apresentaram a perspectiva da compositora a respeito do seu próprio trabalho na década de
1970. Como já dito anteriormente, esses registros não necessariamente mostram os fatos com a
visão e definições de movimentos estilísticos que conhecemos hoje, mas retratam a experiência
82
e vivência da compositora sobre o assunto (GOMES, 2004, p. 15). Lycia demonstra ter acatado
certas inovações da música do século XX, citando o Impressionismo e o Expressionismo como
inspirações, por exemplo. Em outra passagem, ao dizer que deseja “encontrar na sublimação da
experiência a alegria de viver e transmiti-la em sons”, Lycia apresenta uma inspiração que não
se refere apenas àquele concurso em específico, mas que pode ser identificada em toda a sua
obra. Essas descrições, somadas às informações de entrevistas e títulos das peças, também
demonstram que Lycia sentia grande admiração pela natureza e a utilizava como inspiração
para compor. O seu apego pela família também está presente nos títulos de composição e
dedicatórias das peças.
Nessa seção de “Aspectos musicais” o objetivo foi analisar as considerações que
Lycia, seus familiares e outros artistas fizeram a respeito de suas composições, e não analisar
as peças propriamente ditas. Essas análises documentais apresentaram um panorama inicial para
que pesquisas posteriores mais aprofundadas sobre as peças possam ser feitas.
Para a listagem de obras, foram reunidos todos os títulos encontrados com informações
gerais sobre as composições de Lycia. Espera-se que tal listagem contribua para uma
catalogação posterior e facilite a busca feita por outros pesquisadores e instrumentistas que
tenham o interesse de encontrar títulos e instrumentações específicas.
Devido à falta de estudos a respeito de Lycia e sua obra, as possibilidades de
continuidade da pesquisa são amplas. A maior parte de suas composições, com variadas
formações instrumentais, foram doadas para a Biblioteca da ECA, da USP, e estão disponíveis
para pesquisadores e instrumentistas para consulta.
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APÊNDICE A – ENTREVISTA COM CECILIA DE BIASE BIDART E MARCOS
BIDART DE NOVAES
Legenda:
C – Cecilia de Biase Bidart: filha de Lycia
M – Marcos Bidart de Novaes: neto de Lycia
N – Nicole Garcia: pesquisadora
Entrevista presencial – 31/10/2019
M: Eu vi obras de vovó sendo tocadas no Teatro Fênix da TV Globo, fui com ela ver.
C: Bom, isso pode ter sido, mas...
M: Maestro Neschling tocou um monte de coisa dela.
C: Ah, isso eu não sabia.
M:Tocou.
C: O que eu sei é que tia Therezinha era casada com o diretor do Instituto de Café [com
hesitação]. Representante do Instituto de café em Cape Town, na África do Sul.
N: Ah, entendi! E daí conseguiram mandar para lá?
C: Aí ele tinha uma projeção e ela conseguiu que tocassem lá. Acho que foi Chanaan. Ela
mandou pra gente um dia [inaudível].
M: Nossa, mas isso aí seria uma preciosidade se alguém achasse.
N: Isso aí foi quando?
C: Tia Thereza esteve lá, ela foi pra lá durante a guerra. Todo mundo comenta a coragem
dela. Tem aqui um livrinho dela. Vê se tá ali, se você acha.
[...]
M: Livro de que?
C: De tia Thereza.
M: Mas pra que?
C: Porque ela quer saber a época que ela foi. Então eu lhe digo aproximadamente. Foi na
época da guerra porque ela foi em um navio [inaudível] que tinha tábuas lá no meio, um navio
cargueiro.
N: Sim.
[...]
M: Tia Therezinha é irmã…
C: De mamãe.
M: De vovó.
C: É a terceira. Tem a mais velha, tia Carmen, depois vem a mamãe... Vovó teve nove ou dez
filhos.
N: Caramba!
C: A tia Carmen…
M: Não, nove ou oito?
C: Não, teve uma que morreu, né…
C: Teve outra que ela perdeu, ela ia ter ainda. Morreu. Deixa eu contar. Mamãe… Tia
Carmen, mamãe, aí uma que se chamava Margarida, depois tia Lurdes.
96
[...]
C: Inês. [...] Ângela. Maria. [...] Aí Pedrinho. Pedrinho, acho, que era Pietrangelo também. O
nome do pai. Pedrinho, entre parêntesis Pietrangelo, ou Pietrangelo, entre parêntesis Pedrinho.
Que se casou com Fininha. Que nós consideramos tão irmã, quer dizer, tão igual tanto quanto,
quanto a mamãe.
N: Sim, que legal.
C: Aí a tia Margarida morreu afogada numa praia que nós nem podíamos mencionar o nome.
Camburi. Quase o nome de uma praia de Santa Catarina. Camburiu, não é? Mas é Camburi.
N: Camburi.
C: Nós nem podíamos falar o nome dessa praia em casa porque vovó, que tava grávida,
perdeu. Foi pra Caxambu de maca e perdeu a última filha. Por isso que falei, que ela estaria
esperando. Que seria uma menina também. Então só dava mulheres.
N: Aham. É, bastante! São nove, né?
C: E vovô queria ter...
M: Só um homem, né.
C: Vovô queria ter um filho homem, não é? Mania de italiano.
M: Insistiu.
C: Filho macho! Filho macho! [imitando sotaque italiano].
M: Insistiu até ter Pedrinho, o mais novo, não é?
C: Não, depois teve essa que ela perdeu.
[Silêncio]
M: É, eu não encontro, mãe, aqui nessa lista das obras da USP...
C: A Noiva do Golfinho? [ópera que Dona Cecilia havia citado e Marcos foi procurar no
catálogo da ECA].
M: A Noiva do Golfinho. Só se por algum motivo…
N: Vou dar uma olhada nesse outro catálogo que eu tenho.
C: Que pena que a Lucia já morreu porque eu não tenho com quem conversar sobre uma
porção de coisas da infância. [Inaudível].
N: Faz tempo que ela morreu?
[...]
M: Mãe, tia Lucia faleceu há… dez anos?
[...]
N: Achei aqui A noiva do mar. Será que é essa?
C: Essa.
N: A noiva do mar.
C: Então é isso. Eu só conheço como A noiva do golfinho que era uma moça que ficava lá
esperando por um golfinho que se transforma em um príncipe. Existe uma lenda a respeito e
eu me lembrava como A noiva do golfinho.
N: É a do boto, né? Boto cor de rosa.
C: Boto! É!
N: É? Acho que sim.
M: Depois se você quiser eu encontro a [data de morte da] Tia Lucia.
N: Eu até queria confirmar algumas datas porque tem algumas coisas, assim, que é importante
ter registrado.
97
C: Por exemplo?
N: [...] Vou confirmar com vocês tudo, né, porque como peguei em outros lugares… A data
de nascimento e de falecimento.
C: Ela nasceu 18 de fevereiro.
[...]
M: É muito fácil de guardar aqui em casa porque mamãe é 16…
C: Ela é 18.
M: E ela é 18.
N: Tá.
M: Pelo menos sempre comemoramos 18 a vida inteira.
C: É, e eu sempre disse “a mamãe nasceu dois dias depois de mim”.
N: Então é 18 de fevereiro…
C: Agora, quanto...?
N: De 1910? Isso?
[...]
C: É, é sim.
N: Tá. E de falecimento? Vocês têm isso?
M: Posso descobrir pra você depois. [...] É, eu não sei. Quem é que será que tem a certidão de
óbito? [...] É, to tentando imaginar porque alguém cuidou dos, dos procedimentos.
C: Foi Lucia.
C: A Lucia que cuidava de tudo.
M: E ela tá enterrada lá no… Jardim da Saudade?
C: É.
M: Em Jacarépaguá?
C: Isso.
M: Jacarépaguá não, Campo Grande etc.
C: Tem outro nome. Mas é Jardim da Saudade.
[...]
M: Zona Oeste. Chama Jardim da Saudade. Tá aqui já, chama Jardim da Saudade.
[...]
C: Eu já tinha ido para o exterior. Sou diplomata.
N: Ah, é, né!
C: Me casei com um diplomata.
M: Eu hoje mesmo vou tá com a minha prima, com a Koca. Vou jantar na casa dela.
N: Ah, legal.
M: É muito provável que esse documento esteja lá, porque a casa tava no nome de vovó.
Passou pra vocês. Em todos esses lugares têm que ter lá “ah, não sei o que, nascida em…”.
C: Depois eu vendi minha parte pra Lucia, que comprei minha casa em Petrópolis.
M: Isso, isso, em todos esses lugares…
C: E depois passou pra Koca. Agora você sabe como ela conheceu papai?
N: Não, pode me contar!
C: Ela conheceu papai, ele foi na escola militar e foi fazer essas viagens como nós fizemos
também por aquela estrada lá… aí papai foi lá e conheceu mamãe. [...] Foi lá em Vitória.
Nessas excursões que tinha.
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N: O pai da senhora estudava lá?
C: Não, estudava aqui no Rio na escola militar. E foi numa viagem à Vitória. Então ele
conheceu mamãe. Exatamente quando eu não sei. Deve ser nesses jantares que eles dão, e a
família do vovô era muito conhecida.
N: Mas dona Lycia também estudava em escola militar?
M: Não…
C: Ele!
M: Ah, vovó…
C: Ele foi à Vitória!
N: Mas, mas dona Lycia não estudava em escola militar? Só ele?
M: Não, se encontraram…
C: Não, mamãe só estudou...
M: É… se encontraram…
C: Mamãe só estudou o primário e depois música. Ele estudava aqui no Rio, em escola
militar. Ele foi em uma viagem…
M: Mas a, a Nicole tá tentando entender como é que alguém que estuda em escola militar
encontra uma outra pessoa do nada. Passeando na praia…
C: Porque ele foi à Vitória.
M: Isso tá claro, que é uma cidade grande…
C: E aí a mamãe tava lá. Grande? Vitória?
M: Ah… Ô Nicole, essa história que mamãe tava contando é genial porque vovó não foi à
escola. A vovó era…
C: Ah, ela tinha esse problema…
N: Estudava em casa?
M: Estudava em casa.
C: Eu esqueci. Ela tinha aquela falta de atenção.
M: Dislexia.
C: Super… atividade.
M: Ah, essas doenças modernas.
C: Não, ansiedade, ela tinha, um negócio assim.
N: Ah, é?
C: É.
M: Ah, eu não lembro disso.
C: Dislexia como é que eles chamavam, de quem não aprende a ler…?
N: Dislexia é quem troca letra.
C: Não, não é ela. Ela não ficava parada no banco da escola.
N: Ah, acho que deve ser hiperatividade.
C: É, hiperatividade!
[...]
M: Então, eu acho essa parte da história de vovó genial, super disruptiva.
N: E daí os professores vinham em casa?
M: É, o pai dela pagava as aulas que ela, que... Parece que tinham algumas obrigatórias pelo
que ela contava…
C: Ela estudou francês.
99
M: É, tinham línguas ou matemática, sei lá, tinham algumas coisas, história… que eram
obrigatórias e aí fora isso ela estudava harmonia, composição, violino…
C: Mas harmonia ela veio ao Rio pra estudar.
M: Ela continuou a estudar mais no Rio de Janeiro.
C: Ela veio estudar no Rio, porque onde ela ficava, na casa da irmã do vovô, que é minha tia
avó, eu tenho até que lembrar o nome dessa senhora, morava na rua São Clemente, em uma
casa linda, colonial na São Clemente, quase em frente ao Santo Inácio.
M: Ah, tem tantas, mãe.
C: Ah, mas essa deve ter pouco tempo. Irmã do vovô, minha tia avó, to tentando lembrar o
nome dela [Teonilda].
M: Mas ela veio estudar com o maestro Giannetti?
C: Ela começou a estudar aqui no Rio. Aí começou a estudar com o maestro Giannetti.
M: Bom, o fato é que ela estudava música em casa e algumas outras disciplinas.
[...]
N: E ela começou a estudar música por que, assim, tinha alguma influência? As outras irmãs
chegaram a estudar também?
C: Não! [Há ocorrências de recitais de suas irmãs nos jornais].
M: Não...
N: Só ela?
C: Não tinha ninguém musical assim, nem tocava violão.
M: E o teu avô, você lembra se ele gostava de música?
C: Eu nunca ouvi falar em um italiano que deixasse de gostar de música.
M: É verdade.
C: Ela me deu o meu nome por causa da padroeira da música.
N: Ah, é?
C: Cecilia. A padroeira da música é Santa Cecilia.
N: Que legal… que bom...
C: Então, ela conheceu papai...
N: Então nenhuma influência direta, assim…
C: Não…
M: Não, eu não acredito, não… deve ter sido gostar… e essa história… gostar, ir a concerto,
ouvir música…
C: Mas lá em Vitória não tinha tanto. O pouco que tinha...
M: Mas vovô Pietrângelo devia, como tantas pessoas, botar ópera no domingo…
C: Ah, com certeza. Com certeza. Tinha rádio, não é?
M: É.
C: Porque ela já veio pro Rio para estudar música e ficou na casa dessa tia. Como é o nome
dela…? Eu lembro que ela tinha uma história linda. Ela tinha por volta de 90 anos, foi passear
no parque da cidade, fica na Tijuca, floresta da Tijuca.
M: Floresta da Tijuca.
C: Parque da cidade é aqui. Floresta da Tijuca. [inaudível] Voltou de lá, encostou numa
bergera, no dia seguinte [inaudível] “parece que eu estou no paraíso” [inaudível] aí morreu.
N: Não acredito.
C: Que coisa linda, linda!
100
M: Quem foi essa, mãe?
C: A irmã de vovô.
N: A tia que adotou ela aqui no Rio, né?
C: É, é [inaudível].
N: E a senhora tem lembrança de mais ou menos com quantos anos ela veio pra cá? Uns
vinte?
C: Não mais do que isso.
N: Em torno de 20, né?
C: Isso.
M: É.
C: É difícil eu ter lembrança por que as vezes…
N: Sim, sim.
M: Não, mas eu acho que é isso.
N: É, pelos meus cálculos é mais ou menos isso.
M: Logo que atingiu a maioridade, logo depois. Porque pelas histórias que eu me lembro dela
contar do maestro Giannetti, da…
C: Ela era muito amiga de um padre de um convento lá em Vitória. Esse padre [inaudível] eu
era meia vesguinha [...] Aí ele ia lá em casa, a mamãe disse “a Cecilia tem uma tendência”,
ele me fazia uns exercícios. [...] Então esse padre me ajudou muito. Era muito amigo da
mamãe.
N: Isso em Vitória?
C: Vitória. Outra coisa importante: Marcos já disse que vovô tinha muito dinheiro, não é?
Então vovô tinha duas casas, uma casa na cidade e uma casa na Praia Comprida. A da cidade
ficou muito tempo lá no parque Moscoso [...]. E a da Praia Comprida, era na Praia
Comprida…
M: Ué, mãe, Praia Comprida ou Praia do Canto?
C: Não, Praia do Canto é, do Canto.
M: É que tem um lugar lá que tem a casa, virou um prédio que se chama Pietrangelo de Biase.
C: Mas é essa Praia, Praia Comprida.
M: Ah, então tá bom.
C: O fato é que vovô tinha essas duas casas. E eu me lembro que quando eu era menina eu ia
com meu primo mais velho, filho da tia Carmen, casada com [inaudível] às festas que o
Pedrinho, último filho da vovó, dava na casa da cidade. E eu me lembro do César e eu
dançando lá no meio das pessoas [inaudível].
N: Que legal!
M: Esse prédio tá lá até hoje em Vitória. O lugar que era a casa virou um prédio que se chama
Pietrangelo de Biase, que é o nome do…
C: O vovô, por causa dos irmãos da vovó, Vivacquas, vovô perdeu quase o dinheiro todo que
tinha. [...] ele emprestou o dinheiro todo para os irmãos da vovó que gastavam loucamente.
Você sabe que os Vivacqua… Mamãe mandava buscar os botões da roupa dela da França pelo
Colis Postaux.
N: Nossa…
C: Então, você imagina o dinheiro do vovô. Gastou, perdeu tudo com os irmãos da vovó, que
se fritaram com a história do café [inaudível] com o que não devia.
101
M: Ô, mãe, mas ele também, pela história nunca foi uma pessoa de... ele sempre gostou de
gastar também, imagina, fazer como ele fez com vovó, alugar o teatro municipal, pagar uma
orquestra.
C: É, ele... podia ser…
M: Não é? Não é barato...
N: Ele fazia isso constantemente?
M: Não, constantemente não.
C: Não, não.
M: Essas que você viu… duas vezes, uma vez…
C: Teve uma vez só. Eu sei de uma vez. Mamãe regeu, sabia?
N: Sim, sim.
C: E eu já grávida.
N: A senhora chegou a ver ela regendo?
C: Não, não, não… eu tava na barriga dela.
[...]
C: Ela casou com o papai e no segundo ano [inaudível] era fadado a não dar certo, que uma
“música” e um engenheiro. Não batem. Que a música tem muito de matemática também, né?
N: Tem…
M: Essas fotos aí, eu não sei onde vi essas fotos, se foi no teu trabalho, uma foto dela…
N: Em frente a orquestra?
M: É, isso, isso, isso.
[...]
N: Aqui, ó [mostrando a foto para Cecilia].
C: Tá aqui ela com a batuta?
N: Tá aqui, aham.
M: Ah, você vai pirar com isso. A batuta tá, eu acho que, na casa da minha prima no Jardim
Botânico.
N: Sério?
M: Sério.
N: Que legal!
M: Tem duas batutas. Tem uma batuta de [inaudível] sabe qual é a batuta de banda?
N: Não, não sei…
M: Que em vez dele segurar o regente da banda, não sei se chama maestro, de qualquer banda
militar?
N: É, aham.
M: Em vez dele segurar a batuta por trás, ele segura a batuta pelo meio. [...] Então tem lá uma
batuta de banda que ela ganhou de presente de alguém. Pode até ter sido de histórias de vovô
Bidart etc. Tem uma batuta de banda e tinha uma batuta bem surrada de uma madeira
obviamente maravilhosa, mas bem surrada assim, bem apanhada. Que ficava em cima do
piano.
N: Que legal! Hoje se você for lá, você tira foto pra mim?
M: Oi? Tiro, e tiro foto dos dois pianos também. Tão lá ainda.
N: E são dela, eram dela?
C: Tem a foto do casamento dela. O casamento dela tem uma foto que está lá em cima.
102
M: O ¾ de cauda, o Blüthner, tá na sala. O outro…
C: Era lá em cima…
M: É, esse eu acho que…
C: Que já foi?
M: Que já foi.
N: E esses pianos eram da onde?
M: Eu não sei, eram dela.
C: Vovô deve ter dado.
M: Vovô que deve ter dado. Um era aquele de parede…
N: O de armário, né?
M: De armário. Que é o que ela tocava, treinando…
C: Ensinava a gente a tocar.
N: Quem que ensinou? A senhora chegou a fazer aula?
C: Com ela!
N: Com ela? Ela ensinava vocês?
C: Talvez se outra pessoa tivesse ensinado…
M: Não, outras pessoas fizeram com outros… também porque lá em casa era, assim,
obrigatório.
N: Todo mundo estudou?
M: A Koca, minha prima estudou piano, tocava bem; o Toni, meu irmão, tocava muito bem
piano, depois parou; e eu adorava saxofone e fui convencido que era melhor estudar clarineta
pra depois estudar saxofone que eu teria mais facilidade. [...] Eu era uma pessoa da rua, de
bicicleta e bola etc. Não, continuei com a clarineta.
N: Entendi. Então ela, ela ensinou a Lucia e dona Cecilia. É isso?
M: Eu to sabendo por mamãe aqui também agora. Eu tive professor, a Koca e o Toni eu acho
que tiveram professor também [Inaudível].
N: E você chegou a conviver com ela bastante assim, ou não?
M: Com vovó muito, eu fui criado por ela.
N: É?
M: É, fui criado por ela.
N: Até quantos anos?
M: Porque mamãe separou do meu pai e daí foi fazer prova pro Itamaraty, passou, conheceu
Antônio Carlos, o segundo marido dela, viajou e só fui morar com mamãe de novo aos 18
anos de idade, na Alemanha. Então eu…
C: Ah, é, ela me levou o Marcos.
M: Eu, eu vivi na Santa Luiza com vovó dos 6 aos 17? Foi quando eu voltei e fui pra
Alemanha.
C: Ela me levou o Marcos. Porque quando o Marcos nasceu [...] nós morávamos, tem até um
retrato nosso passeando lá na Av. Rui Barbosa que é triste, papai tinha [inaudível], é triste,
não é, a Av. Rui Barbosa.
N: Não conheço muito bem.
M: Ah, mãe, triste? Debaixo do Pão de Açúcar!
C: Ah, é triste! Não tem vida!
M: É, é, sim. Isso, isso. Te entendo.
103
C: É um bairro morto. [...] Aí quando o Marcos ia pra casa de mamãe e eu ia pegar ele de
volta. Quando chegava na porta, ele fazia assim… uma tristeza de voltar pro apartamento.
N: Gostava de ficar na casa da vó.
C: Era um desespero.
M: Todas essas obras, esses títulos de obras que tão aí, passa pela minha cabeça, eu me
lembro das situações.
N: Ah, é?
M: É, tem a foto minha com o tal guarda no Jardim Botânico, tem… em algum álbum. Tá lá
comigo, eu acho, em São Paulo. A foto eu sentadinho numa ponte, assim, um guarda me
segurando, que alguém tirou… É, dessas histórias, do Jardim Botânico que você tem aí.
N: E o Jardim Botânico era muita inspiração pra ela?
M: Todo dia, era, todo dia inspiração pra ela. Levava a gente, era passeio diário, era o Jardim
Botânico. Diário.
N: Vocês chegavam a ir todo dia no Jardim Botânico?
M: Diário, era assim, era passeio, era uma caminhada...
C: A gente sai pra caminhar, pra ir à praia…
M: Era uma caminhada um pouquinho… quer dizer, 15 minutos você sai da Santa Heloísa e
chega no Jardim Botânico. Mas era todo dia que eu me lembre, assim, a não ser que tivesse
chovendo muito. Todo dia a gente ia.
N: Então era uma inspiração bem forte?
M: Total inspiração dela.
N: Sim.
M: Você sabe que eu demorei muito a entender isso. Assim, um dia, não me lembro quem foi
que falou assim “ah, mas sua avó era uma expressionista” e eu demorei um tempão a
entender. Depois eu fui me aprofundar mais e vi que é, que é verdade, que ela tinha essa
história, não era voltado pra ela, dela registrar as impressões que ela teve da natureza, como
os impressionistas. Era uma história dela expressar o que que a natureza, o mar…
C: Diziam a ela.
M: É... é… repercutiam nela. Por isso eu acho que isso que você está falando da união do
visual… porque era sempre uma viagem, assim, eu me lembro bem de vovó, é sempre uma,
sempre uma viagem, assim, meio lisérgica, sabe qual é? “Puts, estou olhando pra essa árvore
se mexendo...” e aí dali surgia…
N: Remete a algo.
M: É, dali surgia…
C: Ela tem uma música, Fosforescência. Tá aí no seu catálogo?
N: Não sei, tenho que olhar depois.
C: E eu me lembro muito dela…
M: De Angra?
C: Não, de Vitória!
M: De Vitória.
C: Aconteceu uma noite… [...] Tem umas algazinhas.
M: Aquela coisa que dá no mar.
C: Unfocto.
N: Ah, que fica meio neon, assim?
104
C: Brilha, é!
M: É, isso, isso, isso.
C: [Inaudível] fica tudo brilhando, brilhando, brilhando, brilhando. Parecendo estrelinhas no
céu. Aí a mamãe foi pra dentro d’água, isso era noite. Ela pegou um galho da água, galho,
esses galhos que caem de árvore, e ficou circulando dentro da água levando o galho e aquela
cintilação linda [inaudível] vendo. E aí ela escreveu essa música: Fosforescência.
M: E era tudo assim.
C: É uma expressão mesmo, como você falou.
M: A onda era essa mesmo, olhar para determinadas coisas, para determinados movimentos,
para determinadas pessoas e de uma forma muito automática traduzir aquilo em sons.
N: Legal.
C: Você sabe que ela e papai se separaram?
N: Não, não sei.
C: Ela ia pra Vitória... talvez tivesse acontecido de qualquer jeito, essas coisas tendem a
acontecer de qualquer jeito. Ela ia pra Vitória todo ano e tirava três meses de férias conosco.
Ficávamos três meses em Vitória. Papai ia pra lá uma vez, ficava quinze dias com a gente,
voltava e ela ficava mais. Não sei se foi por aí [inaudível]. Um dia nós estávamos em Bonn,
você tava lá?
M: Eu acho que tava.
C: Quem é que apareceu? Alguém, aqui do Rio, disse que a gente tinha que ir, tinha que vir ao
Rio… [...] Tia Lucia telefonou a mamãe pra voltar. Precisava dela aqui. Papai pegou, arrumou
as coisas dele todas e foi lá com uma mulher. [...] Mas ele… ela telefonava lá pra casa, falava
com ela, não disfarçava, era uma coisa horrível, horrível! Mas a Lucia chegou… “É o Paulo
Reis? Atende isso! Eu não sou [inaudível], eu não posso…” Ela precisa de um analista. Ela
foi pra dentro da casa de papai e gritava, gritava, chorava, queria levar papai de volta pra casa.
N: Uhum, ficou muito chateada…
C: Ficou pra lá de chateada… [inaudível].
M: É, porque era como, era como tantas famílias na época. Era aquela história de um choque
muito grande de valor. Eu me lembro de vovó ao telefone desolada conversando com alguém
porque vocês tinham se separado. Mamãe e tia Lucia. “Ah… grande infelicidade da minha
vida!” Então eram outros tempos, não era… então imagina acontecer com ela mesma. Só que
ela lidou melhor. Vovó sempre foi uma pessoa que lidava com muita…
C: É, eu acho que ela lidou melhor que a Lucia. E eu tava mais longe dos olhos, longe do
coração, é isso? O que os olhos não veem o coração não sente.
N: O coração não sente.
C: Isso.
N: Entendi. Vocês tem mais ou menos a data da separação ou não?
C: Eu estava em Bonn.
M: Eu… É, eu também. Eu me lembro nitidamente porque Toni também ficou mal etc. Eu
fiquei em Bonn de 74 a… eu morei na Alemanha de 74 a 79. Então isso foi mais ou menos em
78 mesmo ou 79. Tanto que eu voltei pra cá, pro Brasil, pra morar na casa dela…
C: O Toni nasceu em 75? Então isso foi em 74, que nós fomos. Quando mamãe estava lá não
sei lhe dizer. Nós fomos em 74 que o Toni nasceu lá, 8 de março.
[...]
105
C: Quando, nessa época, que nós estávamos em Bonn, todo ano nós alugávamos uma casa na
Itália. Porque em Bonn tem muito pouco sol, né, chove muito, [inaudível] na Bélgica, por
Bruxelas. Então eu já marcava para as crianças tomarem sol [inaudível]. Não eram grandes
coisas como o mar. Era o que se conseguiu com os ingleses [inaudível]. Marina de Pietra
Santa. Eu ia de avião com as crianças, babá e a mamãe ia de carro com Antônio Carlos, com
meu marido.
M: É, uma vez. Ela não foi mais de uma vez. Ela foi uma vez.
C: Foi duas vezes, eu acho.
N: É, mas em relação a essas viagens, dona Lycia chegou a viajar quando jovem pra estudar
na Europa?
C: Não, não.
[...]
N: Estudou tudo aqui?
C: Tudo aqui.
N: Depois que casou começou a ir pra lá? Foi isso?
M: Não, não.
C: Não, ela só foi lá… nós fomos quando eu tinha 15 anos, uma viagem que papai fez
[inaudível], nós fomos de navio.
[...]
M: Vovó teve esse grande professor.
C: Maestro Giannetti.
M: Italiano, é, italiano mesmo, tinha vindo pra cá, que se chamava maestro Giannetti. Isso aí
você tem, né?
N: Sim.
M: É. Que tinha a filha Fernanda, depois veio a ser professora. Eu fiz aula de canto com, com
Fernanda Giannetti. Método Vaccai.
[...]
N: Então ela não chegou a estudar fora.
C: Não.
N: Foi mais viagens a passeio mesmo.
C: Foi uma viagem com papai [Inaudível] e depois ela foi pelo menos duas vezes pra minha
casa.
N: Ah, ta, mas nada relacionado à música, nada pra estudar música?
M: Não, não.
N: Tá, ótimo. É que nessa época era muito comum essas moças de família que estudava piano
e ia estudar fora. Não foi o caso dela.
C: Não.
M: Não foi o caso dela.
N: Tá. Então, a relação dela com a música, assim, era tudo?
M: Tudo.
C: Ah, era. Fora a igreja. [...] Extremamente católica. Como vovô. Vovô era essa questão, ia à
missa todo dia. De mão dada com vovó. Os dois juntos.
M: Teu pai, Pietrangelo?
C: O vovô Pietrângelo. Vovó e vovô iam de mão dada [inaudível].
106
N: Então esse pode ser sido uma influência, né, a questão da igreja?
C: É, pode, sim, mas...
N: Mas nada garantido.
[...]
M: Você sabe que você perguntando assim, é legal você perguntar isso, mas eu não me
lembro, eu não me lembro nunca de vovó… é, eu tive perto dela compondo e essa história
dessa… aí, desse convívio, não me lembro dela compondo dizendo assim “ah estou
compondo um hino a Nossa Senhora”.
C: Ah, bom. Não, isso não. Não, ela tinha religião...
M: “Tô compondo um Réquiem”.
N: Mas sabe que tem algumas, algumas obras que tem, mas não é, não é realmente o
principal, não é o que tem mais.
[...]
C: Ela seguiu, ela ia à missa, ela ia à missa todo dia.
N: Até quando criou você [Marcos] já ou ela não ia, ou ela não ia mais tanto?
M: À missa? Ela ia… eu acho que ela ia com bastante frequência.
M: Era muito perto lá na Lopes Quintas.
C: É. ela ia todo dia.
M: Menos de dez minutos da casa tinha a Igreja da Divina Providência.
C: Um fato digno de nota é que quando ela morreu, a missa dela, a igreja ficou lotada.
N: É?
C: Mas lotada de gente. A Divina Providência. [...] E tinha gente de toda categoria. Desde
vizinhos abastados até o entregador da quitanda. Menino que levava as compras da quitanda
em casa.
N: Isso foi a missa, no velório…?
C: A missa, a missa de sétimo dia.
[...]
C: Velório não me lembro, não lembro nada.
[...]
M: Velório foi lá, eu me lembro, no Jardim da Saudade.
C: É.
M: Numa capela de lá.
C: É, você falando assim eu começo a me lembrar. Eu me lembro em termos.
N: E dona Lycia tinha alguma ocupação profissional além da música?
C: Não.
M: Não.
N: Era dona de casa, assim.
C: É, era dona de casa.
M: Ela tinha, assim, como eu contei lá atrás, eu tenho lembrança dela, da gente sair
frequentemente pra visitar uma comunidadezinha que tinha ali perto. Aquela favelinha que
tinha onde hoje são as quadras de tênis no final da rua Corcovado.
C: Ah, eu me lembro, tinha a dona Filó, dona Madalena.
M: Isso, aí ela tinha umas pessoas lá que ela ajudava, que ela visitava etc.
C: Tinha sim, era dona Madalena e dona Filó.
107
N: E essas visitas as comunidades?
M: Era assim, mais pra levar coisas, levar coisa…
C: Comida.
M: Saber como as pessoas tavam.
N: Chegou a dar aula nessas comunidades ou não?
C: Não.
M: Não, não.
N: E ela chegou a ter alunos particulares?
M: Alunos particulares. Eu acho que, é…
C: Não.
M: Fixos não. O que eu me lembro uma vez ou outra é dela orientar, fazer mentorias sobre
composição pra alguns jovens da mesma maneira que faziam com ela.
C: Ela teve aulas de piano com a Magdalena Tagliaferro.
[...]
M: Compunha muito intuitivamente. Então, eu me lembro dela com frequência chamando
músicos de determinadas especialidades que eram amigos dela. Eu me lembro ela chamando o
maestro Juarez Araújo que era um dos grandes saxofonistas de jazz, de chorinho. Saxofonista
não, que o Juarez tocava saxofone, clarinete, oboé, fagote, o que fosse de sopro…
C: De sopro.
M: Ele tocava. Mas o forte dele era saxofone. Chamando o Juarez pra dizer pra ela se as
coisas que ela tava compondo eram possíveis de ser tocadas. E não sei se isso é comum pra
compositores de orquestra. Mas ela criava, criava, criava e depois ficava na dúvida “ah, eu
não sei se essa parte aqui do oboé…” tecnicamente.
[...]
C: Olha, vovô tinha uma irmã… tava falando da religiosidade dela… Uma irmã de vovô, ela
madame, como é que se chama? Madre! Madre superiora do Imaculada Conceição.
M: Eu lembro dessa.
M: Então, isso eu me lembro, assim, com frequência. O Juarez Araújo, deixa eu ver, tinha um
violinista...
N: Ela pedia ajuda ou ela dava?
M: Ela pedia ajuda. Mas da mesma maneira ao contrário. Eu me lembro, assim, muito
raramente um outro jovem com uma peça qualquer indo conversar com ela, o que ela achava.
C: E eu me lembro também dela tendo… indo gente lá em casa. Cantar… ela tocava no piano
e a pessoa cantava…
N: Mas era aula ou era só uma brincadeira?
C: Não, não era aula.
N: Diversão, momento de recital, assim?
C: É, um recital.
N: Entendi, entendi. [Inaudível].
M: Eu me lembro também muito, muito de eu chegando do colégio, comendo, deitando do
sofá, ali antes de sair o sofá da sala e vovó tocando durante muito tempo toccatas e fugas de
Bach.
N: Ah, é? Tocava muito?
108
M: Muito! Era o exercício dela de não enferrujar as mãos pro piano. E era toccatas e fugas de
Bach.
N: Isso você tem certeza.
M: É, isso eu tenho certeza. Eu me lembro, assim, dela tocando. Ah, não ela podia tocar
outras peças de outros compositores também.
C: E ela ia dormir cedo e papai ficava até meia noite, também custava pra dormir, tendência a
ter insônia, o papai. E ele ficava ouvindo a rádio do Ministério da Educação. Música, música
e música. Ele também gostava muito de música.
N: Gostava?
C: Ele era um grande estudioso, né? Estudou alemão sozinho.
N: [...] E de quem foi a iniciativa de doar as obras pra USP?
C: Lucia e eu. As duas juntas.
N: É, mas ela ainda era viva?
C: Não.
N: Não? Não era viva?
C: Não, nós ficamos com o acervo dela e o que que a gente ia fazer? Foi depois que ela
morreu.
N: Nossa! Mas sabe que no site da USP tá falando que foi iniciativa dela mesmo. Então foi de
vocês duas, né?
M: É, eu não lembro.
C: Se ela… isso eu não sei.
N: Tá.
M: Se ela manifestou o desejo antes. Eu acho que sim.
C: Ela deve ter falado com Lucia, que a Lucia que me propôs e eu disse “tá certo”.
N: Mas um pouco difícil de confirmar, mas então foi depois do falecimento.
C: A Koca deve saber mais.
M: É, isso deve ser fácil de confirmar na USP porque alguém tem que ter assinado, entende?
C: Mas eu me lembro da Lucia me perguntando [inaudível]. Portanto não foi durante a vida
dela. Daí eu não teria que dar [inaudível].
N: Sim, tá. E tem outras obras além das que foram doadas? Que vocês ficaram?
M: Doadas não. Eu acho, você falou aquilo aquele dia, eu acho que tem uma partitura com
cada um de nós: uma com a Koca, uma comigo, não sei, uma com o Toni talvez também, meu
irmão. E a minha eu sei até onde tá. Ah! Olha o que que eu tenho. Falei da batuta da Koca, eu
tenho o banco desse piano diferente. [...] É um banco feito de pátina que abre, assim, a tampa
ele é um miniarmário com as obras dela.
N: Pra guardar, aham.
M: As partituras etc. e eu tenho esse banco até hoje.
[...]
N: Por que que eu perguntei isso. Porque eu to fazendo também uma catalogação de todas as
obras e a localização delas e tudo mais pra que se outras pessoas quiserem tocar ou estudar,
saibam onde está.
M: Sim.
[...]
109
C: Ela escreveu composições de piano pra Lucia e pra mim. Pra Lucia era Seus olhos negros...
Eu não me lembro.
N: Tem bastante.
C: Esbelta...
N: Ah, eu até ia perguntar, mas acabei nem vendo. Tem bastante referência inclusive a… aos
próprios netos.
[...]
C: Isso que eu tava me lembrando… Seus olhos negros era da Lucia…
N: Eu vou passar isso pra vocês.
M: É, eu vou gostar de saber.
C: A letra era do Gonçalves Dias.
N: Tem bastante. Tem várias.
C: Do Gonçalves Dias?
N: É. De Gonçalves Dias e de outros também. Cecília Meirelles…
C: Também.
N: Vários.
M: O Carlos Drummond de Andrade…
N: Isso.
M: Isso. Que foi uma grande inspiração pra ela durante um período. Ela foi na casa dele, do
Carlos Drummond.
N: Ah, sério?!
M: No Cosme Velho. Sim, conhecia, assim. Não eram amigos, mas eram…
C: Conhecidos.
M: Conhecidos, é.
N: Legal. Tá, agora eu vou confirmar umas últimas datas aqui [...] Têm a data de nascimento
da Lucia?
[...]
M: 28 de abril de 37.
N: E a senhora 16 de fevereiro de 35.
[...]
C: Tem um museu do som.
M: Museu da imagem e som.
C: Da imagem e som.
M: MIS.
C: Tem. Essas coisas não estão lá, não?
N: Posso dar uma olhada, mas acredito que não. Acredito que não, porque é muita coisa.
M: Esse programa da Globo seria inestimável, assim, eu acho que isso era filmado pra
apresentar. Agora não sei por quanto tempo é guardado.
N: Ah, é! Foi… ela cedeu obras…
M: Não, tinha um programa, no que era chamado Teatro Fênix, da Globo, que era ali na rua
do lado do shopping, uma ruazinha ali… qual era o nome da rua [inaudível]?
C: [Inaudível].
M: Lineu de Paula Machado.
C: De Paula Machado.
110
M: E esse Teatro Fênix tinha domingos de manhã apresentação de concerto, de música
clássica. De diversos compositores. E obras de vovó foram apresentadas lá por duas vezes. E
eu acho que era filmado. Eu me lembro que eu fui lá. Eu fui muito com vovó à Sala Cecília
Meirelles. Ela adorava esse programa. E meus colegas até hoje lembram. Meus colegas que
iam.
C: Ela tem uma coisa interessante. O concerto número 4 de Beethoven, acho extraordinário, é
o mais bonito. A Martha Argerich diz que não pode tocar de tão emocionada que ela fica com
o concerto, emocionada demais que ela não consegue tocar. E mamãe tava assistindo lá e se
levantou no meio desse concerto.
M: Caramba!
N: De admiração?
C: [Inaudível] Ah, extasiada. Tivemos que agarrá-la, assim, pra sentar. Agora tô com vontade
de ouvir de novo esse piano.
N: Logo que ela casou, ela passou a morar no Jardim Botânico no Rio?
C: Não, não. Na rua Voluntários da Pátria. Foi onde eu nasci. Número 92.
N: Botafogo?
[...]
M: É. Praia de Botafogo.
N: Tá.
M: Ô, mãe, mas pouco tempo, não foi?
C: Número 92. Tem história. Tem história aí que eu me lembrei agora que é importante de
você [inaudível].
N: Tá, vamos lá!
C: 92, uma vila. E aí Santa Rosa de Lima nessa época era quase colado [inaudível]. A parte de
trás da vila tinha um muro que comunicava com Santa Rosa. Ela me colocou no Jardim da
Infância no Santa Rosa de Lima. Depois mudou de lá, hoje tá lá ainda [inaudível]. A Lucia era
passada por cima do muro pras freiras. E ela escreveu música, faziam teatrinho, as freiras
faziam teatrinho. E ela escreveu umas músicas, que é uma assim: “Sou boneco de borracha,
não tem nisso a menor peta faço as ve… não sei o que… faço as vezes de chupeta”
[cantando].
N: Esse a Dona Lycia escreveu? Pras freiras?
C: Pras freiras [...]. Acho que não foi só essa, não, tinha outra, mas essa é a que eu me lembro
porque eu cantava essa.
N: Aham. Qual que era o nome do Jardim de Infância? A senhora lembra?
C: Santa Rosa de Lima, não, do Colégio Santa Rosa de Lima.
N: Legal.
M: Eu me lembro de uma coisa legal…
C: Na rua Voluntários da Pátria. Nós morávamos no número 92, então Santa Rosa devia ser
logo depois.
M: 92 é perto da praia ou é perto do Humaitá?
C: Não, é perto da praia, do lado da praia.
[...]
N: E daí depois dessa casa em Botafogo foram pro Jardim Botânico, isso?
111
C: Papai construiu uma casa lá no Jardim Botânico. Acredito que vovô tenha dado o dinheiro,
o terreno, alguma coisa, não sei. Porque vovô deu casa pras irmãs mais novas em Vitória,
então acredito que ele tenha compensado de alguma maneira.
N: Entendi.
C: Pro Pedrinho ele deu a maior de todas, foi a aldeia, não é? [...] Ele comprou lá a aldeia
quando eram casas de pescadores. Vovô comprou aquilo tudo. Era Guarapari. E ele, acredito
que tenha dado o terreno pra mamãe. E acredito mesmo porque as filhas, irmãs de mamãe,
Ângela, Maria e finalmente Pedrinho, vieram estudar no Rio. Lá no Jardim Botânico, na casa
de mamãe.
N: Quando, quando dona Lycia veio pra cá foi pra estudar música ou foi por causa do pai da
senhora?
C: Não, foi pra estudar música. Foi pra estudar música.
N: Foi pra estudar música.
[...]
M: É, o Nicole você sabe o que que eu lembro também? Que eu acho muito legal, depois que
você começou a perguntar e a gente foi falando e eu fui lembrando. A mesma lembrança, a
mesma cena, eu no sofá, tinha a cena de vovó… Eu gostava muito de ler, eu vivia lendo no
sofá, vovó no piano ou vovó numa mesa redonda onde ela compunha, compondo coisas. Ou,
você vê pela obra dela, tem muito quinteto, sexteto… E ela assim [fez boccachiusa] fazendo
uns barulhos com a boca e obviamente ouvindo internamente…
C: A música.
M: Tudo.
C: É, como Beethoven [inaudível].
M: Ah, eu não sei se todo mundo faz assim.
N: Ela cantava o que ela compunha?
M: Não, fazia um barulho [fez boccachiusa]. Zumbia, assim. O tempo todo os barulhos do
que ela tava…
N: E chegava a experimentar no piano?
M: De vez em quando ia ao piano e dava uma experimentada. Mas era bem… eu não sei mais
se todo compositor compõe assim, não.
M: Eu acho que existem compositores mais analíticos, sabe? Compõe a parte de um
instrumento, compõe a de outro, compõe, vai juntando elas.
N: A parte de harmonia, né?
M: Era um processo, assim, bem [fez boccachiusa] e ia escrevendo.
C: E aquela coisa que bate?
M: O metrônomo. É, é.
N: Usava bastante?
C: Usava muito.
M: Muito. Bonito o metrônomo alemão, lindo.
[...]
M: Vovó, vou te contar uma coisa que você vai gostar de saber, de colocar no trabalho. Até
hoje é quase que um mandato, assim, interno. Vovó sempre me dizia que tinha que dar
dinheiro pra músico de rua.
N: Ah, é?
112
M: Artista de rua. Até hoje não consigo…
N: Não consegue não dar dinheiro pra músico de rua.
M: Não dá, não consigo, não dá. [...] A não ser aqueles caras que você vê que obviamente
estão enganando.
N: Sim.
M: Tocando a sanfona lá, tocando sempre a mesma coisa. Mesmo assim fico com vontade de
dar, mas, é, se forem bons músicos então… e em São Paulo tem muito, né, músico de rua.
C: Mas quando eu falo pela existência é pela própria existência, porque eu ia estudar
arquitetura pra trabalhar com papai. Já tinha o escritório de engenharia e eu ia entrar. Aí ela
disse “Pra quê?” pra ver como ela mandava na gente, né “Estudar pra quê? Você vai se casar!
Então você tem é que ter prendas domésticas. Vai estudar francês.” E naquela vila da mamãe
eu fui fazer neo-latina se eu não tivesse feito isso, eu não teria conhecido seu pai.
[...]
N: Então ela era bem conservadora nessa ideia de mulher?
C: Era, era e eu também…
M: E eu desconhecia...
N: Ah, é?
C: E eu também…
M: E o vovô era o avançado. Porque mamãe e tia Lucia, pela história que eu sei, foram as
primeiras mulheres a irem de carro sozinhas pro trabalho.
[...]
N: E como é que foi quando ela se separou e ela tinha algum dinheiro guardado pra se
manter? Ela continuou no Jardim Botânico?
C: Continuou, ela ficou com a casa.
M: Ela continuou. É assim: vovô quando se separou [...] teve uma ação, tivemos advogados,
não gosto de lembrar nada dessas coisas.
N: Ah, não, claro.
C: Tivemos advogados, tudo e no final se combinou, não se foi ao tribunal, combinou-se que
mamãe ia ficar com a casa [inaudível].
M: E uma renda. Porque vovô tinha muitos imóveis, pequenos, simples, espalhados pela
cidade.
C: É, mas um era onde eu morava lá no Morro da Viúva. E tal, que você ficava triste quando
ia pra lá, voltava pra casa.
M: Eu ficava triste quando eu voltava?
C: Ia pra casa da mamãe. Quando a gente voltava pro Morro da Viúva você fazia assim [fez
careta].
M: Claro, era o maior agito. É a história que você falou, assim, a casa da vovó era o maior
agito, tinha primo.
C: É, e um apartamento triste
M: Tinha primo perto etc.
C: Jardim, cachorro…
N: Casa de vó, né?
M: [...] Ela achava que homem tinha que… era nada conservadora. A gente chegava do
colégio, eu e Toni, a gente pegava a bicicleta e saia pra andar. Perguntavam pra vovó “Mas
113
dona Lycia, a senhora não fica preocupada com esses meninos o dia inteiro na rua?” “Não,
quando eles ficam com fome eles voltam.”.
N: [Risos] Mentira não é, né?
M: [Risos] Que nem bicho né.
C: No fundo ela ficava atenta, porque nesse dia da fosforescência, Boris passou lá em casa,
Boris era um amigo inglês que tinha um barco a vela, e disse “Vamos sair de barco!”. É uma
coisa que eu não esqueço nunca mais aquelas coisas na proa do barco.
M: Tem um nome isso, eu tô tentando lembrar.
C: Fosforescência.
M: É, não fosforescência, o [inaudível] tem um nome mais…
C: Unfocto.
M: Mais poético, um pouquinho.
N: E ela era bem tranquila com vocês, assim? Brincavam muito na rua, coisa assim?
C: É, ela deixou eu ir. Deixava, brincava na rua, sim. Ela deixou ir, mas depois quando nós
voltamos de barco ela estava lá no iate olhando. Ela deixou, mas ela ficou sintonizada.
N: Que legal.
C: Nós morávamos numa travessa entre a rua Corcovado e a Engenheiro Pena Chaves que
naquela época era Tabira o nome da rua. Aí a rua era de paralepípedo.
M: A rua Santa Heloísa...
[...]
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Marcos
18/07/2020
Lembrei de uma agora que tinha que te contar. Estava ouvindo Ed Motta e lembrei que a
minha avó odiava música que tinha Lálálá como ela chamava. Vocal sem letra. Acho que ela
achava preguiça. Eu achava engraçado. Quando começava o lalala ela dizia... puxa estava
ótimo, mas este lalala...
13/08/2020
N: Bom dia, Marcos! Tudo bem? [...] Você autoriza usar as informações que me deu no dia da
entrevista para a pesquisa?
M: Bom dia! Claro que autorizo.
25/08/2020
N: Você tiver um tempinho pode me falar um pouco sobre o que lembra do processo de
surdez da sua avó?
M: Sobre o processo de surdez, vou tentar lembrar melhor depois, falando com os irmãos e a
prima. Na minha cabeça ela teve um processo normal de idade neste sentido.... Nunca ficou
totalmente surda, usava aparelho, as ouvia. Nada tipo Beethoven.
114
N: A Koca disse que foi por causa uma meningite, mas sua mãe comentou que ela já estava
ficando surda. Se puder dar uma conversada com eles seria legal então, porque é um
acontecimento importante.
M: Realmente ela teve uma meningite seríssima, quase morreu dois anos antes da morte por
câncer. Mas também na minha cabeça estes dois últimos anos de vida foram de pouquíssima
produção artística, pelo menos que eu lembre.
N: Entendi. A meningite teve relação com o câncer ou foram dois episódios separados?
M: Nicole, não posso afirmar.... Me lembro de visitá-la no hospital, mas não me lembro de
nenhum comentário neste sentido. Para mim foram dois episódios distintos e clinicamente não
sei se podem ter relação causar.
[...]
M: [Sobre o divórcio] Não sei quanto a dor era dela mesma, de amor, o quanto era moral. Me
lembro dela uma vez falando ao telefone em italiano, logo com uma irmã provavelmente,
sobre a vergonha (ou imoralidade) das duas filhas serem desquitadas. Era algo que mexia
muito com o catolicismo arraigado dela. O casamento indissolúvel.
05/07/2021
N: Você estudou clarinete com o Juarez Araújo?
M: Sim. Por um ano apenas, mas sim. Na verdade eu queria aprender saxofone, mas fizeram
esta maldade comigo de me convencer a começar pelo mais difícil. [...] Estudei canto quando
voltei da Alemanha com a Fernanda Gianetti, filha do maestro.
Cecilia
18/08/2020
C: Autorizo Nicole Manzoni Garcia a usar as informações que lhe demos, sobre a vida e obra
musical de minha mão, Lycia De Biase Bidart, bem como apresentar músicas por ela
composta.
24/08/2020
N: Estou precisando confirmar uma informação aqui. Por acaso a senhora lembra quando a
sua mãe pegou meningite e ficou surda? Em que ano?
C: Sim, teve meningite mas já era praticamente surda. Mais ou menos em 1977, não posso
afirmar.
N: Ah, ela já estava surda quando teve meningite?
C: Sim
N: Por causa da idade?
C: Eu tenho mais anos do que ela tinha quando faleceu. Uma condição física, DNA, que sei?
Acho que isso não tem importância no contexto da vida.
12/09/2020
N: A senhora se lembra em que ano seus pais se mudaram para o Jardim Botânico?
C: 1940. Eu tinha 5 anos.
115
N: Depois que vocês se mudaram para o Jardim Botânico a senhora continuou estudando no
Colégio Santa Rosa de Lima?
C: Sim. Até classe 4 porque lá nao tinha ginásio. [...] Até meus dez anos.
03/08/2021
C: [Sobre homenagem do Partido Integralista] Mamãe não tinha nenhum envolvimento
político de espécie alguma. Não sei como surgiu essa notícia.
N: [...] Outra questão que eu gostaria de saber é se o seu pai se posicionou sobre a carreira
dela no início do casamento, ou ela parou de se apresentar em público de maneira natural para
cuidar da família mesmo. Ele foi contra ela seguir carreira pública, gostava ou nunca falou
nada sobre o assunto? A senhora sabe como foi esse processo?
C: Foi inteiramente natural. Mamãe parou de se apresentar por razoes de força maior, para
cuidar da família, por pura e espontânea vontade.
116
APÊNDICE B – ENTREVISTA COM ANTONIO DE NOVAES NETO
Legenda:
A – Antonio de Novaes Neto: neto de Lycia
N – Nicole Garcia: pesquisadora
Entrevista por videochamada – 14/08/2020
[...]
N: Segunda coisa pedir autorização pra eu usar pra pesquisa acadêmica todas as informações
que forem faladas aqui.
[...]
A: Tá autorizada.
N: Então tá bom.
A: Pode, sem problema.
[...]
N: Então assim, você chegou a morar com ela, né?
A: Morei praticamente minha vida toda, porque minha mãe se separou eu era muito novo e
depois ela foi viajar pro exterior com o meu padrasto. Sou um pouco mais novo do que o
Marcos. E fiquei morando com ela, não sei nem te dizer... três anos, quatro anos, uma coisa
assim. Aí depois quando minha mãe foi para o exterior que eu tinha uns sete pra oito, eu
continuei com ela a vida inteira. Marcos ainda foi... quando ele fez, depois do vestibular, ele
foi fazer faculdade na Alemanha e voltou a morar com a minha mãe já lá pelos dezoito anos e
deve ter ficado dos oito aos dezoito morando com vovó. Mas eu fiquei direto. Eu até a
faculdade fiz e só saí de lá quando casei.
N: Ah, entendi, legal.
A: Até eu casar tava morando com ela.
N: O Marcos é mais velho que você?
A: Dois anos, dois anos.
N: Ah, tá. É que ele falou que ele morou mais ou menos dos 6, 6 anos. Acho que foi um
pouco depois então, pelo que você tá falando.
A: Ah, não, porque depois que ele foi pra Alemanha, ele voltou pro Brasil e eu já tinha saído
de casa. Porque depois que eu saí, que eu fiz faculdade e fui morar sozinho aí nunca mais
voltei a morar com ela.
N: Ah, entendi.
A: Marcos depois mais velho, quando voltou da Alemanha, voltou a morar com ela, mais
tarde.
N: E como é que era a rotina na casa, assim, de vocês? Quando criança, quando adolescente,
ela assumiu meio que o papel de mãe, foi isso, assim? Daí levava na escola e buscava... como
é que era isso?
A: Foi... ela de fato era quem fazia o papel de mãe, mas vovó era uma pessoa extremamente
caseira, então, por exemplo, essa função de ir pra rua cedo, escola e tal, no início, meu avô,
que ele trabalhava na rua [inaudível] que normalmente levava a gente. E como toda família
tradicional da alta classe média aí do Rio, na época tinha uma empregada de super confiança,
117
acho que ela veio trabalhar ainda pra ajudar minha vó a cuidar da minha mãe e da minha tia,
aquela chegada da Bahia, com 14, 15 anos de idade.
N: Então ela ficou bastante, desde que a sua mãe e sua tia eram crianças mais ou menos, tinha
essa ajudante que ficou até quando vocês nasceram e tudo o mais.
A: E aí continuou cuidando da gente.
N: Entendi.
A: Depois que as outras eram adultas, ela ajudava minha vó a cuidar da gente. Então muito o
que fazia, assim, trabalho na rua, tinha que levar pra um curso de inglês, tinha que levar pra
pegar na escola, tinha que levar na casa de amigo, normalmente era a Helena, né, a gente
chama até, sempre chamou pelo nome próprio.
N: Helena? Com certeza, aham.
A: A Helena que levava a gente pra rua. Vovó não saía muito, não. Vovó não era muito de
sair. Ela saía muito pouco, só, assim, era quem realmente me levava a médico, quem levava a
dentista, quem levava as vezes quando tinha de comprar alguma coisa. Mas ela não era muito
de sair, não, ela era muito caseira. E aí muito cedo, também, Rio de Janeiro, outras épocas,
quer dizer, muito cedo a gente com... molecada já de dez anos, onze anos de idade já tá na rua
pegando ônibus sozinho pra ir pra escola dum lado pro outro. Eram outros tempos e não tinha
problema a criançada tá na rua, né?
N: Sim, sim.
A: Então, a gente acabou que, esse trabalho de ocupação, ela dividia muito com essa
governanta que a gente tinha, com a Helena. Vovó, ela ficava muito em casa, cuidava do
jardim. Isso é memória que eu tenho, assim ela adorava. Eu acho que se ela não fosse
“música” ela seria jardineira.
N: [Risos] Legal.
A: Né, vivia lá em casa cuidando do jardim dela.
N: Então além da música esse outro hobby dela era cuidar do jardim, cuidar de flores...
A: É. Adorava. Passava horas lá cuidando todo dia, todo dia. Tinha lá os rituais dela, cuidava
de planta por planta, banquinho pra ficar sentada lá cuidando do gramado. Ela era, assim,
aficcionada.
N: Legal.
A: Mas era super tranquila, uma pessoa realmente de zero problema, entendeu? Na cabeça,
não enxergava maldade em ninguém, não, nunca [inaudível] nada. Mas todas as lembranças
que eu tenho dela são ou as férias quando a gente era criança. Meu avô tinha um apartamento
em Caxambu e normalmente nas férias a gente ia pra Caxambu direto. Então quando tava no
Rio tava em aula. Quando tava em período de ferais a gente ia pra Caxambu e passava lá
aquelas férias de no inverno, mês de julho, férias de verão ficava lá dois meses, três meses
direto em Caxambu. E quem ficava lá com a gente era minha vó, que meu avô trabalhava. Ele
ia, levava a gente, de vez em quando ia pra passar o fim de semana e a gente ficava lá com
vovó. Normalmente eu, o Marcos...
N: Lá, Caxambu é serra?
A: Caxambu é sul de Minas. Aquelas [inaudível] hidrominerais, ali, né. Caxambu, São
Lourenço. Ali perto de Itamonte, no sul de Minas.
N: Entendi. Legal.
N: E no Rio vocês moravam no Jardim Botânico, onde a Koca mora, né?
118
A: Isso. Aquela casa sempre foi a casa que a gente morou. A gente foi pra lá, eu não tenho
muita memória que eu era muito novo. O Marcos parece até que se lembra um pouco mais
disso. é a mesma casa, ela só sofreu uma ampliação. Eu devia ter uns oito anos, to com
sessenta e um, olha só, quarenta e tantos anos atrás. E meu avô comprou o terreno do lado e
fez uma ampliação. E aí a casa reformou, mas é a mesma casa, da vida inteira. Desde que
minha mãe se separou, que eu e Marcos fomos morar com ela é a mesma casa que até hoje é a
casa da Koca.
N: Legal. Eu vou combinar de depois que acabar a pandemia de ir lá visitar pra conhecer.
A: Ah... vale a pena porque é basicamente... obviamente que a decoração tá diferente, pintura
e tal, mas a estrutura e o astral de casa é o mesmo.
N: Sim, legal.
A: Vale a pena.
A: Até os pianos que tem lá!
N: Sim, sim!
A: Até os dois pianos ainda são os originais.
N: Ah, ficou com a Koca, né? Muito legal, muito legal.
[...]
N: E também uma coisa que eu percebi é que a a família dela era tudo, né? A música e a
família eram as duas coisas centrais pra ela. E isso mesmo?
A: É! Com certeza. Isso que eu te falei. Ela era muito caseira, ficava muito em casa.
Normalmente visitas que recebia, assim, pessoal de família, cuidava da gente, tinha uma
relação muito forte com a... que as filhas, mamãe tava no exterior, quando voltava do exterior
tava em Brasília, que é diplomata. E a minha tia Lucia, a mãe da Koca, é que tava mais lá. E
tinha aquele esquema tradicional de todo o fim de semana, almoço de família no domingo, aí
tia Lucia ia pra lá e levava a Koca e a gente ficava. Era eu e Koca, éramos amissíssimos.
N: Ah, que legal.
A: Eu brincava mais com Koca do que com Marcos.
N: [Risos] Legal. Vocês têm a idade mais parecida?
A: É, nos somos assim, é uma escadinha, né? Marcos acho que se não me engano... Marcos é
de 57, eu sou de 59, Koca é de 62.
N: Ah, ta. Entendi. Ela é um pouquinho mais nova, né?
A: É.
N: Legal. E o Marcos também teve a lembrança que vocês passeavam bastante no Jardim
Botânico, é isso?
A: É, a gente ia muito lá. Porque era perto do Jardim Botânico, mas vovó ia até menos, ela de
vez em quando ia. Ela gostava muito do Jardim Botânico.
N: Ah, tá.
A: Mas acabava que os horários da gente, com a gente criança, eu fui com ela algumas vezes,
mas não era assim uma... ela adorava o Jardim Botânico, até com esse negócio dela de gostar
de jardim. O Jardim Botânico era um negócio que ela era alucinada, né?
N: Entendi. E uma questão, assim, de inspiração musical. Você tem alguma noção do que
inspirava ela em relação à música? A natureza ou pessoas... [...] porque dá pra ver nas
composições dela que tem muitos nomes, inclusive de vocês mesmo, netos, filhas... você tem
essa noção? De inspiração?
119
A: Não, tenho. Eu acompanhava muito quando a gente era criança, eu acompanhava muito
que ela ficava compondo “num” piano. Ela... o ato dela, a composição dela era sentada no
piano e era um piano numa sala grande que era onde a gente estudava, onde a gente
normalmente ficava, onde eu brincava lá de desenhar e tal. Então era muito comum, ela ficava
compondo no piano e eu do lado ou brincando, desenhando, que eu adorava desenhar,
estudando... então tava sempre no mesmo ambiente. E ela contava sempre como é que era, as
músicas, mostrava o que que tava fazendo, o que que tava inspirando a ela. Então assim,
memória muito quebrada, de muito tempo atrás. Mas eu me lembro das composições dela, do
Jardim Botânico. Ela me falando, mostrava os acordes que ela tava fazendo, o que que era.
Isso eu tenho lembrança.
N: Sobre o Jardim Botânico ela chegou a falar? Porque no meu TCC eu fiz a análise de um
ballet que foi ambientado no Jardim Botânico.
A: Isso.
N: Você tem alguma lembrança dessa composição específica?
A: Não, eu me lembro, tenho muita lembrança dela comentando o que estava fazendo e
tocando acordes no piano e dizendo o que que era. “Ah, não sei o que dessa planta ou daquela
ala determinada, daquela... né, das árvores e tal”.
N: Sério? Que legal!
A: Mas assim, é o máximo que eu vou. Mas isso eu me lembro dela comentando comigo. Que
que era os acordes lá, cada parte da música que tava representando. Isso eu ouvia,
acompanhava. [...] Eu me lembro também dela, eu não sei se você chegou a pesquisar, ela
chegou a falar, ela falava comigo muito que ela sonhava que o Jardim Botânico fosse tema de
um enredo de escola de samba, de um desfile, não sei se você chegou a encontrar alguma
coisa a respeito nos [inaudível] dela.
N: Não, a princípio não. O que eu encontrei mesmo foi esse ballet.
A: Tá.
N: Sobre o Jardim Botânico mesmo. Os outros títulos não peguei nenhuma referência de
Jardim Botânico, não. Mas, talvez seja mais uma questão de procurar mesmo, né. Então, você
sabe quando ela começou os estudos na música? Ela chegou a falar algo pra você?
A: Como ela começou na música?
N: É.
A: Não, não. Ela... eu sei, assim, pelo histórico da família, de conversar com a minha mãe,
minha tia que minha vó desde cedo ela se interessava muito, ela começou a tocar música
muito cedo, foi maestrina, mas o que eu conheço é o que tá por aí na história, o que foi
contado. Ela mesmo nunca chegou a comentar isso muito com a gente, não.
N: Entendi. Tá. E vocês estudaram música? Você e seus primos?
A: Ah, todos, todos lá em casa. Eu e Koca piano. Marcos é que não chegou, não me lembro,
Marcos não chegou a tocar piano. Marcos mais velho tocou clarineta! Se interessou por sopro
e foi estudar clarineta, mas isso ele já era mais velho, não foi de criança, não. Criança eu e
Koca que estudávamos piano. Os dois. Eu parei mais cedo.
N: E a Lycia que dava aula pra você?
A: Não, que eu parei mais cedo de tocar piano e Koca ficou até, bastante tempo. Ela ainda
tocou muito tempo. Eu, aí começou a ficar difícil, escola, muito estudo. Eu até que levava
jeito. [Risos] O pessoal fala que eu levava muito jeito. Mas nunca tive muita paciência pra os
120
estudos demorados de música e de instrumento, não. Mas cheguei a tocar bastante tempo,
comecei cedo, com uns sete, oito anos no máximo, comecei e devo ter tocado até uns doze,
quatorze, por aí.
N: E ela que dava aula pra você ou era outra professora?
A: Não, ela tinha conhecido da área de música e que era quem dava aula. Ela falava que não
dava certo família dar aula. [...] Mas eram sempre conhecidos dela, o pessoal que ela conhecia
do meio aí de música que ela arranjava, contratava.
N: Entendi. E você lembra de professores ou músicos que chegavam a frequentar a sua casa?
Por exemplo, esses seus professores de música, tem nomes, será que algum ainda é vivo pra
pra contar?
A: Olha, eu me lembro, assim, alguns, mas não sei te dizer nome. Tinha essa Honorina Silva
que era a pianista que me dava aula. E quem eu me lembro claramente é o John Neschling. O
John Neschling eu me lembro que frequentava muito lá, adorava conversar muito com vovó,
ensaiava algumas coisas juntos, trocava ideia sobre música. O John Neschling eu tenho
bastante lembrança dele lá em casa.
[...]
N: Provavelmente eles deviam conversar muito.
A: Ah, com certeza. Porque a gente quando teve contato com ela, a gente era muito garoto,
né? Eu sabia que minha vó tava compondo, lá e “num” tinha muita ideia do que que era isso,
pra onde é que ia e tal. Ah, tinha mais alguns lá que apareciam de vez em quando. Que
sempre tinham, tavam com ela, mas quem realmente eu acho que foi mais marcante, que eu
via mais tempo, trocava figurinha, era o John Neschling. Se você conseguir um contato com
ele vai ser muito bom.
N: Que legal, que legal. Tá bom, ótimo, muito obrigada. Também, o que ela gostava de ouvir?
E em quem ela se inspirava, quem ela tocava? Compositores clássicos ou algum cantor mais
contemporâneo?
A: Não, olha, música contemporânea ela “num” falava. Agora quem, em termos de clássicos,
dos eruditos, ela adorava Beethoven. Que, aliás até hoje sou apaixonado por Beethoven,
sempre vi, minha vó sempre falou isso, que era o maior de todos. Era Beethoven. Essa, pra
ela, assim, a lembrança que eu tenho era dela sistematicamente falar isso pra mim. Comentar
e tal.
N: E ela tocava bastante? Beethoven?
A: Gostava muito dos outros, né, Schumann, esses alemães todos, mas Beethoven era, assim,
lugar especial.
N: Entendi, legal. E de cantores mais da MPB, assim, teve alguma coisa ou não?
A: Não, não, nada. Nada. Não me lembro dela, pra dizer a verdade não me lembro nem dela,
assim, cantarolar alguma vez uma música popular. Assim, ela gostava, assim, se a gente
tivesse ouvindo, mas “num” era ligada, não. O negócio dela realmente era clássico.
N: E de ópera por exemplo, assim.
A: Ópera ela gostava também, bastante, mas não sei te dizer, assim, se ela tinha uma
preferida. “Num” me recordo de alguém que ela, alguma vez tivesse comentado. Se comentou
não me marcou como marcou, eu me lembro ela falando de Beethoven.
N: Entendi. Então pra você ela falava bastante sobre Beethoven?
A: É, isso é, com certeza.
121
N: Legal. [...] Uma questão que talvez a Koca e a dona Cecilia possam até me falar melhor.
Mas, você comentou que ela ficava bastante em casa, né? Em relação a costumes mais
tradicionais de mulher ficar mais em casa, cuidar mais da família, ela era bem nesse sentido,
bem mais tradicional, né?
A: Era, bastante, bastante. Apesar de ser assim, muito relaxada, né? Nunca criou caso da
gente sair, de voltar de noite, ela era muito despreocupada com esse tipo de coisa, entendeu?
Mas o negócio dela era realmente “tá” em casa, cuidar da casa, cuidar da família, cuidar do
jardim e compor. Isso era o negócio dela.
N: Legal. E como é que foi pra ela quando a sua mãe, por exemplo, decidiu ir trabalhar fora?
A: Não, vovó sempre foi muito tranquila. “Num” acho que, tanto minha mãe quanto tia Lucia,
bom, elas foram trabalhar fora eu era muito garoto, né? Minha mãe foi trabalhar eu acho que
eu não era nem nascido ainda. Então, mas o que eu conheço, a história que eu sempre ouvi
falar, sempre conversamos depois, mais tarde com vovó é que nunca teve zero de problema,
apesar de ser uma coisa mais tradicional, na época não ser tão comum assim...
N: Sim.
A: Ela nunca teve nenhum [inaudível] ela “num” tinha esse tipo de grilo. Nunca teve nenhum
tipo de preocupação. Se a mulher tava tralhando fora, se a gente tava novo... Eu comecei a
trabalhar muito cedo, ela também não se incomodava nem um pouco. Nunca teve nada. Acho
que ela falou, ah, assim, tratava da coisa mais natural do mundo que mamãe e tia Lucia na
década de 60 trabalhassem fora, fossem independentes. Vovó não se incomodava nem um
pouco com isso.
N: Entendi. E o seu avô, nesse aspecto? Igual, assim?
A: Olha, vovô eu não sei. Vovô era uma pessoa muito fechada, muito fechada. Eu, assim, me
lembro de pouquíssimas vezes na vida eu ter ouvido dele emitir uma opinião, assim, pessoal
sobre alguma coisa, entendeu? Ele não dava, então não sei te dizer. Mas também, acho que
nunca foi um negócio sério, assim, nunca teve nada contra, entendeu? Pelo histórico, retorno,
comentários, a vida inteira com minha mãe, tia Lucia e tal, vovô também nunca foi uma
pessoa, assim, que se incomodasse com esse tipo de coisa, não. Mas é que realmente [risos] é
melhor se, da ausência de tia Lucia, mamãe talvez fosse a pessoa melhor pra falar. Eu nunca
percebi. Apesar que era muito garoto, né? Depois quando comecei, assim, já lá pra
adolescência, quando a gente começa a se dar conta dessas coisas, aí eu já tinha dez anos,
minha mãe já tava morando no exterior, sozinha. Então tem assuntos que não rodavam mais
em casa.
N: Entendi.
A: Mas nunca percebi nada disso. Não tenho nenhuma lembrança de alguma restrição.
N: E ele participava de alguma forma das composições dela? Ele apoiava ela ou não gostava
muito? Tem alguma lembrança disso?
A: Não, mas ele era aquele esquema, saia pra trabalhar sete da manhã, voltava de noite, ia pro
escritório dele, que ele tinha um escritório muito grande em casa também. Ele é engenheiro.
Engenheiro projetista. Então trabalhava muito em casa, também nos projetos dele e tal. Então
ele não se envolvia muito com essa parte. Eu pelo menos nunca percebi um envolvimento
maior dele com essa parte musical de vovó. Dava apoio, que precisava dar, mas “num” se
envolvia, não tava junto.
N: Era mais na dele, né?
122
A: É. Não tinha uma participação maior, assim, também não me lembro dele estimulando.
Mas acompanhava, mas “num” era participativo.
N: Entendi. E eles, mais tarde, eles chegaram a se divorciar também, né?
A: Ah, é. Bem mais tarde, bem mais tarde.
N: Foi mais ou menos em...
A: Aí eu já não morava mais com eles, já tava morando em São Paulo a trabalho. Aí eu já tava
mais distante.
N: Entendi. E você tem memória, mais ou menos, de que ano foi isso?
A: Puts... eu preciso... difícil de eu te falar. Mas deve ter sido...
[...]
A: [Risos] Eu acho que deve ter sido lá... porque, sei lá... 80? 80 e alguma coisa, acho. Se eu
pudesse dar um chute.
N: Aham. Ele me falou 79, 78...
A: 79?
N: Então tá por... tá por aí.
[...]
N: [Risos] Legal, legal. E você tem alguma lembrança a mais que queira compartilhar, assim?
O que vier na sua cabeça sobre histórias e tudo mais?
A: Olha, realmente é o que você falou. Ela no fundo foi, assim, a mãe da gente, né? Eu me
lembro. Eu aprendi a nadar com ela. Vovó ia muito pra Guarapari. A gente nas férias de vez
em quando ia pra Guarapari também. Que a família toda de Biase lá é de Vitória. E ela que
ensinou a gente a nadar. Aliás ela nadava muito bem, hein? Vovó era uma exímia nadadora.
N: Você sabia que lá em Vitória, na época que ela tinha lá pelos vinte anos um time de polo
aquático colocou o nome dela como nome do time.
A: É? Olha, não sabia. Você sabe mais da vida da minha vó do que eu.
N: [Risos].
A: Não sabia disso não. Mas ela nadava muito. Era exímia nadadora. Ensinou todo mundo. Eu
acho que Marcos também aprendeu a nadar com ela. Marcos, Koca, todo mundo lá em casa
aprendeu a nadar com ela.
N: Que legal.
A: Isso quando a gente ia pra Guarapari, que não eram tantas férias assim que a gente ia, mas
de vez em quando a gente ia lá pra Guarapari. Mas era... vovó era um misto de mãezona e
vózona, entendeu? As férias em Caxambu era uma festa, entendeu? Porque era daquela vó
que você faz rigorosamente o que você quiser que tá tudo bem, não tem problema nenhum, as
coisas dão certo...
N: Ah, então era mais vó do que mãe, então, né? [Risos].
A: É, um misto [inaudível]. Eu não sei se você viu, tem um filme que eu falo sempre para as
pessoas de brincadeira, que se fosse um filme pra retratar a vovó, ela ia ser aquele, o
Chauncey gardner, o jardineiro, não, é Muito além do jardim. Em português foi Muito além
do Jardim.
N: É um filme que te lembra muito ela?
A: Com aquele cara, o Peter Sellers. É. Porque ele era um jardineiro, que tinha uma dose
enorme de ingenuidade e acreditar que tudo dava certo e realmente, e tudo dava certo,
entendeu? Como ela acreditava que tudo ia dar certo, tudo dava certo. Então era mais ou
123
menos igual vovó [risos]. Ela não via maldade em nada, não via maldade em ninguém, era
incapaz de pensar mal de alguém. Eu me lembro direitinho, eu falo isso pra todo mundo,
assim, comentários dela, da gente na mesa do almoço, família de italiano, né, todo mundo
falando junto, aquelas discussões brabas que aconteciam de vez em quando. E vovó
perguntando, pedindo pra gente, “mas olha...”. É, a gente reclamando, falando mal de alguém
pra variar. E ela falava “Vocês têm alguma coisa boa pra falar dessa pessoa?”.
N: [Risos] Igual minha mãe.
A: “Então não... então não vamos falar nada dela, não. Vamos mudar o assunto, sabe?” Ela
não... “Pô, falar mal? Pra que falar mal? Coisa ruim não merece ser comentada.”. Então era
um astral, eu acho que era santa total. Se tem alguém que tá lá em cima sentada lá no alto é
ela, que era uma santa.
N: Que legal.
A: A maior santa que eu conheci.
N: Falando nisso, ela era bastante católica, né?
A: Muito, muito, muito. Ia à missa direto. Fim de semana é sagrado. E aí depois, muitas
vezes, independente de ter... eu não me lembro se era terça-feira, quinta-feira, tinha uma outra
missa durante a semana lá na Divina Providência que ela ia também de vez em quando lá.
Mas era muito católica. Muito amiga. os padres lá da igreja, frequentavam nossa casa. Tavam
sempre lá. Padre Lemos, Padre Lemos, esse eu me lembro o nome dele, direitinho. A gente ia
sempre quando era mais novo. Tinha que ir à missa todo o fim de semana. A missa de sábado
a gente não podia perder de jeito nenhum. Todo mundo que tava lá tinha que ir à missa.
N: Entendi. E seu vô era igual, iam os dois, né?
A: É. Todo mundo, todo mundo, não tem jeito. Não, vovô ia... eu acho que não era tão
religioso quanto ela, não. Ele era, assim, religioso, acompanhava, mas não era, ia meio que a
reboque.
N: Entendi.
A: Quem realmente era religiosa, assim, de crença, de convicção, era vovó.
N: Legal, legal. Mas, assim, a princípio, das minhas perguntas você já respondeu tudo. Então
se tiver mais alguma coisa a considerar, mais alguma história que lembrou.
A: Olha, coisas que eu acho que realmente que você sabe, que você até tá fazendo sua tese
centrada nessa obra, nessa do Jardim Botânico, que é a paixão que ela tinha pelas plantas. E
realmente se você... [risos] se eu pudesse dar uma dica, se você conseguir recuperar esse filme
e ver o filme você vai entender o que que era...
N: Vou, vou ver.
A: O que que era vovó. O aspecto dela, o espírito dela, a personagem dela, a tranquilidade, a
bondade dela com os outros, sabe? De sempre querer o bem. É uma santa criatura. Pra mim é,
Madre Teresa de Calcutá, sabe? Irmã Dulce e vovó Lycia. São pessoas, que acho que é
impossível. Ela nunca deve ter tido um pensamento maldoso sobre ninguém na vida dela. Pelo
menos isso era a impressão que eu tinha. Era uma pessoa assim de um desejar bem aos outros
impressionante, um negócio inacreditável.
N: Que legal, que legal.
A: Isso é a coisa marcante dela.
[...]
124
N: Aliás, lembrei de uma coisa agora, que o Marcos comentou que no Teatro Fênix ele
chegou a ver algumas peças dela. Você tem essa lembrança ou não?
A: Não. Eu me lembro, eu me lembro de alguém, até dessas temporadas que tinha com John
Neschling lá em casa e tal, eu me lembro de conversas, dele pegando partituras com ela,
conversando sobre ensaio que tava tendo de peça dela e tal. Isso eu tenho uma lembrança, de
ouvir conversas dela com um pessoal do meio sobre apresentações que iam ter. Mas se fui a
alguma, sinceramente...
N: Você não lembra.
A: Espaireceu-se da minha memória.
N: Mas então tá ótimo. Te agradeço realmente muito.
[...]
N: Você tem alguma foto com ela?
A: Eu tenho algumas fotos, sim. Eu vou ver se eu encontrar aqui alguma coisa, eu vou te
mandar.
N: Agradeço bastante então. Se você tiver documento, carta, assim. Eu soube que ela trocava
bastante carta com o Drummond, né? Eles eram amigos, não eram?
A: Isso. É, eram amigos por correspondência.
[...]
A: Eu tenho, coisas de família que eu tenho dela são receitas com a letrinha dela, escrita na
época. Que ela também adorava esse negócio de cozinha, quer dizer, não sei se adorava, mas
era uma ótima coordenadora. Fazia umas comidas lá, daquelas maravilhosas. Comida da
vovó, sabe como é que é, né?
N: [Risos] Sim.
A: Comida da vó é comida da vó. Isso eu tenho.
N: Então tá bom.
A: Receitas com a letrinha dela eu tenho.
N: Então, assim, se você quiser mandar o que você tem aí eu agradeço bastante. Porque as
vezes a gente tem alguma coisa na gaveta que a gente não lembra, mas acaba sendo um
documento bem importante, né?
[...]
A: Se eu encontrar alguma coisa, aí, eu te mando.
N: Tá ótimo, muito obrigada, viu?
A: Tá.
N: Tenha um ótimo final de semana, aí.
A: De nada.
125
APÊNDICE C – ENTREVISTA COM VERONICA BIDART MACHADO
V – Veronica Bidart Machado: neta de Lycia
N – Nicole Garcia: pesquisadora
Entrevista por videochamada – 14/08/2020
[...]
V: [...] “Vovó, suas histórias são tão bonitas, mas eu não sei nada do teu passado. Conta a
historiado teu passado.” Você não sabe... eu vou fotografar e te mandar [sobre a carta que
Lycia escreveu para Veronica contando sobre sua infância].
N: Ai, eu to muito ansiosa pra ver esse documento.
V: É uma coisa... e também uma coisa muito de costumes, assim dos pais dela. O avô dela
antes de se mudar pro Brasil já tinha vindo a passeio cinco vezes. A gente tá falando do final
do século XIX, início do século XX.
N: Nossa!
V: Cinco vezes, imagina a viagem. Aí vieram e tal. Aí minha avó, minha bisavó, mãe dela era
prometida a casamento pra um irmão, pra um irmão de Biase. Só que ela se apaixonou pelo
outro. Aí a família, que não podia, nos costumes, “Não, você foi prometida para fulano”.
N: A mãe dela ou a vó?
V: A mãe dela, a minha bisavó, a mãe da vovó.
N: Sim. Uhum.
V: É que eu acho que isso já é história, né?
N: [Risos].
V: Mandaram meu bisavô pra Itália, pra afastar da bisavó. Resultado: ficaram se
correspondendo durante três anos, sendo que o carteiro era o pai dele.
N: Nossa! [Risos].
V: Cúmplice desse romance [inaudível].
N: Sendo que ela tava prometida pra outro, né?
V: Aí no caso ela falando do avô dela, né? “Meu avô era um homem que já não se preocupava
com os costumes.” [trecho da carta].
N: Que lindo!
V: Isso eu achei muito lindo, né? Aí tem outro momento que ela descreve o parque que ela
brincava. Você começa a ver tudo, Nicole, assim na poesia. As alamedas... aí tinha um coreto
no meio que a banda da polícia tocava alegrando a tarde.
N: Que legal.
[...]
V: Ela era de uma bondade infinita.
N: Então, olha só. Primeiro eu vou começar a gravação de áudio. Já vi que você começou a
contar história, já ativei aqui o meu áudio.
V: Tá ótimo, tudo certo.
[...]
N: Então primeiro queria saber se é tudo o que eu ouvir aqui eu posso usar pra pesquisa, pra
fins acadêmicos. Tudo certo?
126
V: Sim. Tudo o que eu falar pode usar.
N: Então tá bom. Muito obrigada. Então primeiro quero te agradecer muito por ter se
disponibilizado, eu acho que você, o Marcos, o Toni e a dona Cecilia são, assim, essenciais
pra minha pesquisa e eu acho que juntos a gente vai construir uma memória dela muito legal.
Tá bom?
V: Ai, que bom! Fico muito feliz.
[...]
N: Então primeiro, você comentou como ela iniciou os estudos na música, né? Ela chegou a
falar disso com você na época, assim, como ela começou? O interesse dela pela música?
V: Foi a modernidade da família, né? Porque a vovó tinha, o que seria hoje em dia DDA,
déficit de atenção. Então, eu acho que eles eram até educados com tutores. Porque... ah, não!
Ela fala aqui “Voltei da escola e botei um vestidinho branco.”. Não, ela ia pra escola.
N: Mas eu acho que ela ia pra escola talvez um pouquinho mais novinha, né?
V: Aqui ela tá bem novinha.
[...]
N: Eu acho que quando ela ficou mais velha, eu acho que ela realmente foi educada por
tutores, porque eu vi isso em alguns lugares, né?
V: Porque ela tinha déficit de atenção e não conseguia acompanhar e aí alguém falou na
época, disse “Ah, coloca ela fazendo música é uma coisa... tem ritmo, né?”. Música é
matemática, né? No fundo, né? É ritmo. Então, “isso vai ajudá-la no seu desenvolvimento.”. E
eu acredito que foi assim que ela enveredou pela música. Mas, o amor pela música eu acho
que era desde pequenininha, porque ela falou aqui da banda da polícia sem ninguém mandar,
né?
N: [Risos] Que legal, que legal mesmo. E você chegava a frequentar bastante a casa dela, né?
Você não morou com ela como os meninos, mas frequentava bastante, né?
V: É, porque minha mãe trabalhava e a época eu preferia muito mais ficar aqui na casa da
vovó, que é onde eu moro hoje em dia, do que ficar sozinha no apartamento. Então, assim, eu
praticamente morava com ela, só que a noite eu voltava pra casa da mamãe. Mamãe me
pegava aqui quando saía do trabalho. E, quando mamãe viajava muito, aí eu ficava aqui. A
gente teve uma babá, que foi uma grande companheira da vovó.
N: A Helena, né?
V: Helena. E essa babá que cuidava da gente na parte prática. Porque vovó sempre foi poeta,
né? Vovó sempre foi “música”. Nunca vi vovó fazendo um café na vida dela. Fritar um ovo.
N: Ah, é?
V: Nunca. A casa era arrumada e tudo, mas quem mandava na casa mesmo era Helena, assim,
no sentido organizacional. A vovó ela era arte, poesia, literatura. Ela rezava todo dia, que no
fundo era uma meditação, né? Assim, ela sentava na cadeira, ficava horas rezando terço. Ela
não... nunca vi vovó no sentido de uma mulher do lar, sabe? Ela era uma artista, com certeza.
Mas, muito amorosa com a gente, muito. Eu que lembro que ela me acordava, quando eu
dormia aqui. Ela dormia nesse quarto aqui, que hoje em dia é o meu escritório, e meu quarto
era um pequenininho aqui do lado. Ela vinha me acordar, aí na cama ela botava minha meia,
botava minha camiseta, sabe? Me vestia todinha pra eu acordar pra ir pra escola assim. Ela
tinha essa bondade, sabe?
N: Sim.
127
V: Minha mãe, por exemplo, já ia no quarto, tirava o cobertor, acendia a luz e falava
“Acorda.”, e a vovó era essa coisa, carinhosa.
N: Pelo que eu percebi, assim, a música e a família eram os dois pilares dela, né?
V: Com certeza. Sem nenhuma dúvida. E os netos, eu Toni e Marcos, né? Eu acho, assim, que
Toni e Marcos, ela praticamente criou, porque tia Cecilia tinha vida de diplomata. E eu era a
neta mulher. Ana é dez anos mais nova do que eu, então, assim, faz uma diferença enorme,
né? Na época talvez vovó tivesse a minha idade quando eu era pequena. A gente ia pra
Caxambu, que ela tinha um apartamento em Caxambu, eu amava. E ela era tão doida que
[risos] a gente criança, cara, ela chegava, comprava um canivete pra cada um, sei lá, devia ser,
assim: seis, sete... são seis, oito e dez, tá? Comprava um canivete pra cada um e largava a
gente no parque com passe livre. Você não sabe o que que a gente aprontava.
N: [Risos].
V: E a vovó achava tudo uma maravilha “Ah, se vocês quiserem me encontrar eu tô lendo ali
na fonte Mairim”, que nunca mais esqueço o nome. Aí, ela passava a tarde lendo e a gente
tocando o terror no parque, com canivete na mão.
N: [Risos].
V: Sabe, assim, nunca teve repressão dela no sentido, não de educação, isso sempre nos
educou, mas da liberdade. Eu me lembro que mais velho a gente pegava uma bicicleta, tinha
um trenzinho que saía de Caxambu e ia sei lá pra onde, um trenzinho mesmo, não um trem de
trilho, trem de roda, né? A gente agarrava no trem na bicicleta e ia, na estrada e a vovó nem
sabia, entendeu?
N: Sim, bem liberal, assim.
V: É. Você contar isso hoje em dia, né? Que as mães todas... eu dei um celular pro meu filho
ele tinha quatro anos. Só pra monitorar, sabe? As mães são loucas hoje em dia, né?
N: Sim.
V: Eu me considero uma louca. E vovó libertária!
N: Legal. E como é que era a relação dela com as filhas? Com os netos eu sei que era bem
próximo, né? E com a sua mãe, com a dona Cecilia?
V: A mamãe era a melhor amiga dela. A mamãe era a filha de mãos dadas com ela. [...] Quem
ficou ao lado da vovó a vida toda foi mamãe. Inclusive ajudando com Toni e Marcos, né? [...]
N: Uhum.
V: E até no final da vida, quando vovô abandonou ela, foi a maior roubada, assim, porque
vovô era um grande engenheiro e ele fazia várias construções, e ele foi embora e deixou
minha vó com uma mãe na frente e outra atrás, só com essa casa aqui que a gente mora. E aí
mamãe e tia Cecilia se reuniram, né? Pra prover uma boa vida, até porque as duas já estavam
com uma vida muito estabelecida. Mas a tia Cecilia sempre esteve presente no sentido
financeiro, de ajuda, mas quem cuidava mesmo era mamãe, até o final, assim.
N: Entendi.
V: Elas eram muito amigas, muito mesmo.
N: Entendi. A Lycia chegou a se separar do João, né?
V: Sim. Vovô abandonou ela. A gente acha que ele foi sequestrado [fazendo aspas com os
dedos] pela amante. Ele tinha uma amante de anos, todo mundo sabia. Aquelas coisas de
antigamente, né?
N: Sim, sim. História de novela, né?
128
V: Todo mundo sabia que ele tinha uma amante, mas eu era muito criança, assim, eu não
posso te dizer. Depois que eu soube as histórias, né? Mas eu me lembro que quando vovô saiu
de casa, ela ficou muito triste, muito, muito triste. Aí um dia, ela se isolou, escreveu,
escreveu, escreveu, escreveu música e tal. E aí um dia ela falou “Pronto! Terminou a minha
dor.”
N: [Risos]
V: Aí eu falei “Como assim, vovó?” “Está tudo nessa música.”. Ela era muito especial, assim.
N: E você lembra que música era essa?
V: Sei lá, to falando da década de 70. Nem 80 era. Não, 70. Então, e pra vovó, religiosa do
jeito que ela era, deve ter sido muito ruim, sabe?
N: O casamento era algo mais do que só humano, né? Era uma coisa bem mais espiritual, né?
V: É. Aqui tem nesses escritos que eu vou te mandar, tem uma coisa que me impressionou
muito, assim. Quando eu era criança ela me dava a Bíblia em história em quadrinhos e ela
adorava as histórias dos mártires, né? Joana D’Arc, esses mártires católicos, né? E aí ela
escreve uma coisa que eu achei tão bonito sobre isso. Que ela falou assim “Ai, eu tive uma
infância tão feliz. Eu até achava graça nos mártires, porque eu achava que eles eram heróis.
Mas quando eu fui ficando mais velha, eu falando eu não quero crescer porque eu não quero
ser mártir” [risos].
N: [Risos] Que bonito.
V: E engraçado que ela me passou essa mesma coisa. Eu achava o máximo a vida dessas
pessoas, mas falava “Mas eu não quero.” eu falava, eu rezava de noite “Nossa Senhora, eu sei
que eu sou legal, mas não aparece pra mim que eu não quero ser mártir.” [risos].
N: [Risos] Que ótimo.
V: Claro que muito criança, né?
N: Sim, sim. Só uma questão de data. Você lembra quando foi o divórcio?
V: Eu não, mas eu sou capaz de ter por aqui, assim, algum papel que fale disso.
N: Tá. Pelo que os meninos falaram foi mais ou menos no final da década de 70 pra 80, lá por
79, talvez. Mas se você achar algum documento.
V: Não, eu acho que é, pera aí, 79, 80... eu acho que é menos, porque eu não era... 79 eu tinha
dezoito anos. Eu teria essa história muito mais vívida pra te contar, né?
[...]
N: E também em relação a hobbies que ela fazia. Além da música, assim. Ela gostava de ler,
como você falou...
V: Jardim. Jardim.
N: É?
V: Ela era louca pelo jardim dela. Até hoje o jardim dela é lindo, aqui. E o jardineiro dela até
hoje é meu empregado. Ele deve ter entrado muito jovem, Severino tem 75 anos. E eu me
lembro dele, eu, assim, adolescente, dezoito anos. Aí, sim, nessa época ele já estava separada
do vovô há um tempão. Eu me lembro eu aqui com dezessete, dezoito anos, almoçando com a
vovó, vinte anos e tal. Vovó já era separada há algum tempo. Eu acho que eles erraram. E ela
amava o jardim. A vovó acordava, botava um short, um conga, ela tinha joanete, aí ela cortava
a frente do conga, uma frente única. Nunca mais esqueço. E o cabelo dela, ela pintava de azul.
N: Pintava de azul?
129
V: O cabelo dela era branco. Aí era uma tinta que deixa o cabelo assim, prateado azulado,
sabe? Uma coisa meio de antigamente.
N: Ah, eu acho que aqueles xampus que coloca pra deixar mais branquinho e acaba
manchando, será?
V: Não, não. Era uma coisa meio platina, sabe? Só que acabava refletindo no azul. Cara, a
gente achava ela o máximo. Toda criançada que vinha aqui achava ela muito moderna. Aí ela
ia pro jardim, cuidava do jardim, isso sempre muito cedo. E depois ela ficava escrevendo. Eu
não via ela muito no piano, não. A vovó era muito mais de escrever. Claro que ela tocava o
que escrevia, né? Mas ela não era uma pessoa que sentava e ficava estudando piano,
entendeu? Nunca vi isso. E o jeito de se vestir dela era uns carstens grandes, um colar de
pérola que eu herdei. Sempre, assim, muito easy going, sabe? Uns chalés lindos que eu
também... tudo é meu.
[...]
N: A Ana e o outro Antonio são filhos da Cecilia do segundo casamento, é isso?
V: Sim, com o tio Antônio Carlos.
N: Ah, ta. E eles chegaram...
V: O pai dos meninos é Afrânio. É pernambucano.
N: Eles chegaram a ter contato com ela também?
V: Muito! O tio Antônio Carlos amava vovó. Levava ela pra passar as férias com eles na
Itália. Acho que ela foi algumas vezes. Era um lugar de praia lá que eles iam. Ana pode falar
isso melhor, porque eu não tenho essa lembrança. Mas tenho a lembrança da vovó indo passar
um mês, um mês e meio com eles na Europa. Tio Antônio Carlos sempre foi muito, muito
amoroso com ela. Demais.
N: Ah, bom.
V: Toda família Andrada sempre foi muito carinhosa com ela. Porque, não sei, vovó era uma
pessoa muito... é impossível você não amar ela. Sabe? Todo mundo gostava muito.
N: Entendi. E você lembra de músicos que frequentava a casa dela, assim?
V: Não. Nunca vi. Sarau tinha, uma coisa, assim, da família. A família de Biase frequentava
muito. A gente amava, porque era aquela irmã, era uma primalhada sem fim e eles falando
italiano e rindo. Aí tinha muita música aqui em casa. Música sempre teve. Agora, sarau, essas
coisas, eu não me lembro, não.
N: Tá. Só que você teve aula com ela, né?
V: Tive. Eu na verdade não tinha aula com ela, eu tinha aula com uma professora, amiga dela,
chamada Honorina, desde cinco, seis anos. Eu fui alfabetizada e aprendi a ler nota ao mesmo
tempo. Isso eu acho que mudou a minha inteligência. Isso eu devo a ela. Cada um de nós tinha
que tocar um instrumento. Aí a Honorina que era a minha professora. Só que quando a gente
ia passar as férias em Caxambu, ela pedia pra eu continuar com a prática de piano. E aí nesses
momentos ela virava a minha professora. Porque a gente nem tinha o piano em casa. Era um
piano que tava “num” play. Era aquela coisa bem de músico mesmo que quer fazer a neta
tocar. Mas eu amava, assim. Música é a minha maior paixão, apesar de eu trabalhar com
cinema.
N: Como é que ela era como professora?
V: Muito amorosa. E eu não me lembro uma vez... eu me lembro da vovó brigando com o
Marcos. Mas, comigo e com o Toni nunca lembro dela ter levantado a voz [...].
130
N: E o Marcos comentou que ela se inspirava bastante na natureza pra compor. Você tem
essas lembranças de inspiração? Porque tem bastante peças que tem nomes também, né?
Então acredito que ela deve ter se inspirado na natureza, em pessoas também. Você tem essas
lembranças e de outras inspirações também?
V: Tenho, tenho. Ela tinha uma coisa meio temática, né? Então as vezes ela... “Ah, agora vou
falar de mar.”, “Agora eu vou falar de rosas.”, “Agora eu vou fazer uma música pra cada
poema da Cecília Meirelles.”. Essa eu me lembro bem, porque na minha infância a literatura
era uma coisa muito mais presente na nossa vida, né? Não tinha esses devices todos que as
crianças têm hoje em dia. Então, eu me lembro que os poemas da Cecília Meirelles eu amava.
Então me encantou ver ela transformando aquilo tudo em poesia. E esses papeis aqui vão te
responder que ela conta uma história que ela fez no lombo de um cavalo, sentada de lado,
porque na época mocinhas não sentavam no cavalo assim [fez o gesto com os dedos se
referindo a pernas abertas], coisa mais linda, ela vai descrevendo a viagem, aí você entende o
amor dela pela natureza. O povo saiu a cavalo quatro horas da manhã, entrou numa coisa
meio floresta, aí ela vai falando das estrelas, da luz, entendeu, assim? Essa sua pergunta, ela
vai ser respondida você lendo aqui.
N: Legal.
V: A descrição do parque, a descrição da caça à baleia e a descrição da viagem, você fala pô,
essa mulher era realmente uma poeta, né?
N: Legal.
[...]
N: Você comentou que ela não compunha muito no piano. Ela ficava em que lugar, pra
compor?
V: Aqui numa sala que a gente tem logo aqui, ficava um piano de armário que tinha uma
grande mesa que ela ficava ali escrevendo, aí ela levantava, aí, tocava um pouquinho e
sentava. Quer dizer, ela checava o que ela estava escrevendo, mas ela não sentava no piano e
saía tocando. Eu tinha impressão que era ao contrário, que ela sentava, escrevia...
N: Era um processo muito mais mental, né? Do que prático.
V: É. É... eu acho.
N: Entendi.
V: E eu tenho muita lembrança disso. Mas tinha esse piano aqui, aí tem o piano lá embaixo
que tá aqui até hoje, né? Que é o piano de calda.
N: Legal.
V: [Inaudível] É meu.
N: [Risos].
V: [Risos].
N: Legal. E eu também soube que ela gostava muito de ópera, né?
V: Amava.
N: E alguns outros compositores clássicos, como Bach, Beethoven, Schumann... por aí
mesmo?
V: Por aí mesmo. Todo domingo. Eu amava passar os fins de semanas aqui, assim. Eu tenho
muito mais lembrança daqui do que do apartamento que eu morava. Eu tenho lembrança das
férias, da minha casa em Angra e tudo, mas porque aí era diversão. Mas diversão mesmo pra
mim era aqui. E eu me lembro que todo domingo, a gente ficava ouvindo a Rádio MEC, que
131
era uma rádio que só passava música erudita, e aí, ouvindo os concertos que iam ser da hora,
né? Então, assim, eu me lembro muito de ópera, porque eu adoro ópera. Por que que eu gosto
de ópera, meu Deus do céu? Sabe, assim, né? Ópera ou você aprende a gostar pequeno ou
você tem que, sei lá, abrir tua alma pra entender. E eu, assim, eu ouço ópera, eu choro. Então,
eu acho que é muito essa memória desse tempo. Mas eu, de compositores, assim, eu me
lembro muito dela falar muito de ópera, né? De Verdi, ela amava Beethoven. Eu me lembro
da gente ouvindo todas as sinfonias juntos como se fosse um quiz. Sabe, assim? “Ah, vamos
ouvir todas as sinfonias de Beethoven pra ver a evolução.”. E aí ela ia falando de cada uma
das músicas, então, assim, eu não me sinto habilitada pra dizer “Vovó gostava de fulano,
cicrano e beltrano.”, porque ela era múltipla. Eu me lembro de Marcos ouvindo Jethro Tull,
[...]. É aquele rock contemporâneo mesmo que é quase um heavy metal, né? Assim, esse rock
dessa época. Alto, alto na sala e eu “PÔ, DESLIGA ESSE SOM!” e ela “Veronica, música
não é barulho.”.
N: [Risos].
V: Entendeu? Assim...
N: Sim.
V: Eu reclamando e ela me dando um pito dizendo “Música não é barulho.”. Então, assim...
N: Que legal.
V: E era aquela porrada de Jethro Tull, né? De rock contemporâneo. Então, eu acho que ela
não gostaria de falar “Lycia era apaixonada por Beethoven, Mozart e Schubert.”, entendeu?
Porque se ela falou isso do Jethro Tull imagina se ela não amava Liszt, ela não amava
Debussy, né? Assim, eu acho...
N: Sim.
V: É... difícil.
N: E vocês se reuniam pra ouvir, tipo, ficava tocando ou vocês realmente sentavam pra ouvir
porque ela sentava pra explicar pra vocês o que é isso, isso, isso?
V: Sim, eu lembro perfeitamente [inaudível].
N: Era uma coisa pra sentar pra apreciar a música mesmo, a música era o evento?
V: A música era o evento. Eu acho que esse programa era até um programa meio matinal,
assim. Digamos que devia ser onze, meio-dia. Porque eu me lembro que vovô era super
atlético, ele ia pra praia, aí ele voltava, aí serviam uns drinks pra ele ali esperando o almoço.
Era esse momento, que a gente ficava ouvindo a Rádio MEC, sentada, aí conversávamos,
ouvíamos, assim. Música sempre fez parte da nossa vida. Sempre.
N: Que legal.
V: Até no final, quando ela ficou surda, eu tava morando aqui, porque foi a época do plano
Collor, e de repente eu me vi, né? “Pera aí, quanto dinheiro eu tenho?”. Você sabe que o
Collor raspou o dinheiro de todo mundo.
N: É.
V: Das contas. Aí eu não tinha dinheiro. Aí eu vim morar com ela e eu era muito amiga de
músicos e ela pedia “Fulano, toca aqui no meu ouvido pra eu ouvir.”. Aí o cara tocava flauta
aqui, assim, no ouvido dela, pra ela se deliciar com música, sabe? Então olha a paixão que ela
tinha por música.
N: Sim.
V: Isso pra gente, a gente ficava muito emocionado vendo isso. Emocionados.
132
N: E esse processo de surdez foi quando e como ocorreu, assim?
V: Tu quer saber o lado exotérico ou o lado científico? [Risos].
N: [Risos] Pode contar os dois.
V: Bom, o lado científico, vovó pegou uma meningite seríssima e essa meningite se instalou
em algum canto que ela entrou em coma. E ela ficou em coma pouco tempo, não foi muito
tempo, não, mas, assim, a gente achou que ela ia morrer. E ela voltou muito bem, se
recuperou, mas perdeu a audição.
N: Mas não perdeu cem por cento?
V: Não, ela ouvia, ela usava aparelho, ouvia um pouquinho. Mas pra músico, né, Nicole?
Pensa. Eu, por exemplo, meu marido queria me mostrar uma coisa no celular e tava a
televisão, eu falei “Vem cá, eu não consigo.”, “Ai, lá vem ela com ouvido de músico.”, eu
falei assim “Eu não consigo, a televisão falando uma coisa, você querendo me mostrar um
outro áudio no celular, o meu ouvido não consegue.”. Então, assim, eu acho que ela
desenvolveu na gente essa capacidade de ouvir música com toda sua intensidade. Eu me
lembro a gente ouvindo, acabei de lembrar, Pedro e o Lobo? De Prokofiev, que a história que
os instrumentos, cada um tem, né? Ele vai contando as coisas. Me lembro perfeitamente dela,
ela levava a gente pra ver, no Teatro Municipal João Caetano, e aí depois ela ficava “Que
instrumento é esse?” aí a gente “Clarineta!”, “Oboé!”, sabe, assim? Isso era natural pra gente
criança. “Num”... “num” era estudo, era uma coisa que a gente se divertia. “É violoncelo ou é
violino?”. E a gente criança mesmo respondendo isso.
N: Ela levava vocês bastante pra ouvir, assim, concertos?
V: Sempre. A mamãe sempre tinha ingresso pro Municipal. Levava eu tinha uma frisa, lá, ia
eu, vovó. Eu ia toda vestidinha, assim, de jump, eu era bem criança mesmo, devia ter uns oito
anos, sabe? Porque eu me lembro eu de meia três quartos, vestidinho de veludo, sabe? Uma
coisa, pequenininha vendo A flauta mágica. Eu acho que foi muito importante isso pra todos
nós. E veio dela. E a mamãe herdou essa paixão por música também acabou me incutindo.
N: E ela chegou a tocar? A sua mãe chegou a estudar instrumento?
V: Não, não. Ela não, ela não. Engraçado, com as filhas ela não fez a mesma questão que com
os netos. Eu toquei piano, Toni violino e Marcos clarineta. E aí eu continuei, e aí quando eu
tinha uns quatorze anos, que aí você vira mais adolescente, né? Eu queria continuar música, aí
eu fui pro violão porque violão é muito mais social pra um adolescente, né? “Música” eu não
era, isso eu tinha certeza, mas viver sem música pra mim é impossível. E música é tão sério
pra mim, Nicole, música me emociona tanto que eu, por exemplo, não sou uma pessoa que
consigo trabalhar ouvindo música. Porque se eu trabalhar ouvindo música, eu não consigo me
concentrar. Eu entro na música e vou. Então eu to falando de mim, mas eu to falando dela,
sabe?
N: Não, eu entendo.
V: Porque isso com certeza.
N: Sim. É o que você herdou dela, né?
V: É. Ela incutiu na gente. Foi através da educação mesmo.
N: Sim.
V: Do convívio.
N: Isso é muito legal.
V: É.
133
N: Você sabe com que idade mais ou menos ela teve essa meningite e perdeu a audição?
V: Sei... pera aí... deve ter sido 83 ou 84.
N: Ah, então ela ficou bastante tempo, uns seis, sete anos, surda, né?
V: Sim, sim. Porque esse outro momento, o Collor foi... deixa eu ver aqui no Google quando
é que foi o plano Collor. Porque aí depois do plano Collor ela viveu mais um pouquinho e
morreu.
[...]
V: Ué, 90, 92? Não pode ser. Ah, não, sim! 90, 92. Ó, olha quanto tempo. 83, 92. Eu me
lembro que essa época que ela tava internada... você não quis ouvir o lado exotérico, né?
N: Não, não, eu falei que você podia contar! [Risos].
V: [Risos] [...] Então deve ter sido isso, 83, 4, mais ou menos. O lado exotérico é o seguinte,
[...] Ela contou isso pessoalmente pra mim, que ela entrou em coma, aí ela sentiu que ela
entrou numa carruagem de flores junto com Nossa Senhora. Não, foi numa carruagem de
flores e foi até o encontro de Nossa Senhora, e quando ela encontrou Nossa Senhora ela
pediu: “Nossa Senhora, deixa eu voltar porque eu não quero deixar minha família. [...]”, e aí
ela voltou surda. Então ela acha que ela fez um mártir, assim [risos].
N: [Risos].
V: A psicologia explica, né? Ela acha que ela acha que ela fez um sacrifício em prol da
família.
N: Que legal.
V: E realmente, depois da vovó ficar doente a família toda “puff” entrou nos eixos, assim,
[...]. Então esse é o lado exotérico que ela tinha porque ela era muito, muito religiosa.
[...]
N: Eu acho que isso aí também é muito importante porque é o pessoal da fé dela, né?
V: Exatamente. E até hoje eu as vezes sinto, assim, [barulho com a boca imitando vento] rosas
passando por mim, sabe, assim? Mas eu também sou completamente exotérica, religiosa. Eu
era, ela, minha vó, a gente ia todo domingo eu ia à missa com ela. Aí eu fui assistente de
padre, eu cantei na igreja, tudo porque eu me divertia estar com ela, entendeu? As pessoas as
vezes falam da igreja católica com tanto pesar né, com tanto... “Ah, foi ruim pra mim por
causa disso, daquilo.”. Pra mim, as minhas lembranças são as melhores do mundo. Porque
adorava ajudar padre, eu me lembro que eu ficava no altar assim, de perna aberta. Sabe
quando criança fica de perna...? Em pé mesmo, né? Aí ela ficava assim pra mim, ó [mostrou o
movimento fechando dois dedos].
N: [Risos].
V: [Inaudível] Ela ficava fazendo... então esse tipo de educação de mocinha ela dava, né?
“Mocinha não fica de perna aberta!”. [Risos] E eu ficava...
N: [Risos] Já vou emendar uma pergunta, então. Queria saber se ela muito conservadora em
relação às mulheres. Porque isso era algo, de costume da época, né? Ela por exemplo não
trabalhava fora de casa, né? Ela era mais dona de casa, assim...
V: É. Mas eu acho assim, que a vovó não trabalhava porque ela trabalhava pra c*ceta, né?
Que o que ela compôs, é...
N: Sim, Sim.
V: Né, então ela...
N: Com certeza.
134
V: Não sei se ela batalharia por um emprego de música, primeiro porque ela tinha uma vida
confortável, né? Então ela podia se dar ao luxo de não correr atrás de um emprego. E eu não
posso dizer que a minha vó não trabalhava, porque ela acordava e sentava pra escrever.
N: Não, não, eu digo não trabalhava fora de casa, mesmo.
V: É, é. Mas não era por causa disso, não. Pelo contrário, minha mãe separou muito cedo.
Minha mãe ficou casada com meu pai dois anos, Tia Cecilia ficou casada com tio Afrânio
dois anos, ela sempre apoiou elas, deu apartamento pra elas, convivia com os segundos
maridos perfeitamente. Eu quando morei aqui, morei com namorado, nunca vi caretice. Só pra
você ver uma coisa. Eu, quinze anos, não, dezesseis, dezessete anos, eu tinha um namorado, a
gente passou o réveillon sei lá onde, no Rio, aqui. Aí eu vim em casa que a gente ia sair de
lancha de manhã, tipo cinco e meia da manhã, seis horas, eu cheguei aqui, entrei aqui nesse
quarto, falei: “Vó, eu já voltei do réveillon, mas agora to indo sair de lancha, tá?”, isso eu
tinha quinze anos, “Leva um casaco porque o mar é frio à beça nessa hora.”. Entendeu? Ela
era isso. Nunca “Minha filha, não pode porque são cinco horas da manhã, com quem você
está?”, mas nem perguntou com quem eu iria. E a mamãe conta a mesma coisa. Pena que a
mamãe não era viva, você ia morrer com as ideias dela. Com as histórias dela, né?
N: Sim, sim. Sobre sua mãe e sobre o João, quando foi a data de nascimento da sua mãe. Só
pra confirmar aqui, que a dona Cecilia me falou, mas só pra ter uma confirmação.
V: 28 de abril, aí eu tenho que olhar a data. Quer que eu olhe agora?
[...]
V: Essa pasta aqui, é que ficam os documentos dela. Pera aí.
[...]
V: A mamãe nasceu em 37.
N: É. Aham.
V: 28/04/37.
[...]
V: Joao Baptista. Óbito: 1981.
N: Tá, o dia tem aí?
V: Tem. 28 de abril! Dia da mamãe!
N: Nossa! Dia...
V: Morreu no dia do aniversário da mamãe! Coitada da mamãe, tadinha.
[...]
V: Certidão de casamento vovó e vovô. [...] O casamento foi em novembro de 1933.
N: Tá.
V: 24 de novembro de 1933, o casamento.
N: E o divórcio?
V: Não, essa aqui é a certidão de casamento. É porque eu li... eu li “separação de bens” e aí eu
achei que era a de separação. Ah, não, aqui: “À margem do termo conseguinte, por despacho
preferido...”, hãm... desquite. Desquite é muito bom, né? 9 de setembro de 1976.
N: Então foi um pouquinho antes mesmo. Tá. Isso provavelmente foi o burocrático, né?
Porque deve ter demorado um pouquinho pra sair isso aí também, né?
V: É, ele fugiu de casa com a amante.
N: Sim.
V: Isso era o que contava. Viu, 76! Olha como eu tenho a memória de elefante.
135
N: Tem mesmo!
V: [Inaudível] Tô te falando.
N: Legal. E a sua mãe faleceu quando foi?
V: Mamãe faleceu em 2009. 31 de maio de 2009.
N: Foi mais recente, né? Então tá. [...] O João, ele apoiava ela, assim, como musicista e tudo
mais? Ou ele era bem mais na dele, assim?
V: Deixa eu só te falar uma coisa, pra mim é muito estranho você chamar vovô Bidart de João
porque ninguém chamava ele de João.
N: Não?
V: Todo mundo chama ele de Bidart.
N: Bidart.
V: Olha, vovô, eu acho que gostava muito porque outra lembrança que eu tenho. Engraçado
que parece que eu vivi aqui, né? Agora eu falando com você, assim, não consigo lembrar nada
da minha casa e só lembro daqui. A gente terminava de jantar, aí vovô deitava no sofá, vovó
sentava na cadeira e eu ficava tocando piano pra eles. Quer dizer, vovô também gostava muito
de música. E eu acho que ele apoiava vovó, né? Vovó escreveu a vida inteira. Ele podia falar
pra ela, né? “Vai lavar uma roupa, fazer alguma coisa.”. Helena que cuidava da casa. Vovó, o
máximo que ela fazia era dar receita. Então, eu acho que vovô sempre a apoiou mesmo. E
também eu gostava muito do meu avô. Eu acho que eles se separaram porque vovó era quase
autista, né? Assim, ela realmente, ela amava a música dela, ela embrenhava naquelas músicas
ali então não sei, como é que foi. É, né? As coisas de casal a gente não sabe, né?
N: Claro, claro. Mas então tá bom. Aqui das informações que eu procurava já fiz todas as
perguntas. Você tem alguma história que você lembre mais, assim?
V: Eu tenho a do artigo da vovó, que você perguntou de hábitos, né? E que eu vi aqui. Porque
pra mim, eu achei muito bonitinho ela tão novinha andando a cavalo e contando essas
coisinhas que eu vou te mandar, que a gente ia pra Angra, a vovó devia já ter setenta anos,
setenta e tal, ela nadava da minha casa até uma praia que tem que, sei lá, deve ser uns
quinhentos metros, sabe? Mar aberto, pum, pum, pum, ela nadava até lá. Eu me lembro que,
mamãe não tava nem aí porque a mamãe também era atleta, assim, atleta nesse sentido, né?
De pessoas que amam esporte. Então ela também tinha esse lado de esporte muito arraigado
que eu acho que veio de Vitória, sabe? Ela amava mar, amava. Isso me impressionava. Vovó
nadar isso tudo, sabe? Eu quando tiver em Angra vou te mostrar a distância pra você ver.
N: O Toni chegou a comentar que ela nadava muito bem e chegou a ensinar ele a nadar
também, ela chegou a ensinar você?
V: Todos nós. Todos nós, todos nós.
N: Você sabia que na época lá, quando ela tinha vinte anos, na primeira metade da década de
30, tinha um time de polo aquático que colocou o nome dela, lá em Vitória.
V: É mesmo?
N: Sim.
V: Ih, vai ver que ela era campeã e a gente não tá nem sabendo.
N: [Risos].
V: Ela tinha uma irmã que morreu afogada.
N: Ah, sim, eu sei.
V: Em Vitória.
136
N: Aham. Foi lá em Vitória, né?
V: É.
N: A dona Cecilia chegou a comentar isso.
V: Eu nem sei se ela tava junto. Porque eram três meninas nadando e uma delas foi carregada
pela correnteza.
N: Nossa, complicado. Eles eram em oito, eu acho, né? Nove... eram em bastante irmãos.
V: Acho que nove com o tio Pedrinho. E eu te contei também que eu achei um poema pra
cada irmã, eu te mandei as fotos né?
N: Sim, me mandou, aham. Muito legal.
V: É.
N: Muito legal mesmo. Mas então tá bom, eu te agradeço muito, muito mesmo pela
disponibilidade.
[...]
V: Eu achei todos os álbuns dela criança.
N: Não acredito! E eu acho que... sabe o que eu acho que a gente vai ter que fazer? Eu vou ter
que ir aí depois que a pandemia acabar pra pegar tudo isso aí. Tirar foto de tudo isso aí [risos].
V: Eu acho também, cara, porque aí eu vou me divertir tanto com você. Mas, assim, juro por
Deus, você não sabe a quantidade de álbum. Tudo, ó... [estralando os dedos] a viagem pra
Europa, eles crianças.
[...]
137
APÊNDICE D – ENTREVISTA COM ANA BIDART DE ANDRADA
Legenda:
A – Ana Bidart de Andrada: neta de Lycia
N – Nicole Garcia: pesquisadora
Entrevista por videochamada – 13/10/2020
[...]
N: Também quero pedir autorização pra usar essas informações pra fins acadêmicos. Tudo
bem?
A: Sim, tudo bem.
[...]
N: Então, primeiro queria saber como era a sua relação com ela. Porque eu soube que você
morava na Europa, então era algo mais de férias, assim, você pode falar um pouquinho sobre
isso?
A: Eu tinha uma relação muito boa com ela. É verdade que eu morei na Europa na infância,
na Europa e depois no Paquistão. Minha família morou na Alemanha até os seis anos de idade
e depois nós fomos pra Islamabade, no Paquistão, onde nós ficamos até os meus doze anos de
idade. Aí os meus pais se separaram, eu voltei pro Rio com minha mãe e meu irmão mais
novo, Antonio, e nós moramos na casa da Lycia, no Jardim Botânico. Então morávamos todos
juntos. E eu sempre tive uma relação muito boa com ela, mesmo quando não morava no Rio,
mas aí, depois de morar juntos, ficamos mais próximas ainda. E por exemplo, no almoço,
almoçávamos todos juntos e todo mundo saía da mesa e eu ficava com ela. Ela ficava bebendo
café, bebia vários cafezinhos, e eu ficava conversando com ela. Ela contava histórias do
passado, por exemplo. Então nós duas tínhamos isso.
N: Que legal! Eu não sabia que você chegou a morar com ela. Legal, legal mesmo. Isso foi
mais ou menos com seis anos, né? E aí você ficou lá até que idade, mais ou menos?
A: É, isso foi quando eu tinha doze anos. Quando eu tinha doze anos eu voltei pro Rio com
minha mãe. E então morei nessa casa dos doze anos até os dezoito, quando eu fui pra
Inglaterra, pra estudar em Londres.
N: Ah, sim.
A: Então praticamente a adolescência inteira eu morei com minha vó. Era uma casa bem
grande. É onde... você falou com minha prima Veronica, não foi?
N: Sim, sim. Eu conversei, na verdade, já com todos eles e só falta o seu irmão mais novo
mesmo que eu ainda tô tentando contato. Mas, é onde ela mora hoje, né? Eu até pretendo ir lá.
A: É onde ela mora hoje, exato. Depois a casa passou pra minha mãe e minha tia Lucia, e a tia
Lucia comprou a parte da minha mãe e depois a minha prima Veronica herdou a casa.
N: Legal, legal. E como era a relação dela com a família? Eu sei que com os netos era
realmente muito próxima, né? Como é que funcionava, assim?
A: Uma boa relação com todo mundo, eu não sei de ninguém que não se dava bem com minha
avó. Especialmente com meu irmão mais velho, Marcos, ela também era muito próxima dele,
porque ela gostava de todos, se dava bem com todos. Mas acho que com alguns sentia mais
afinidade, né? Tinha muita afinidade com o Marcos, eles conversavam muito. Acho que ela
138
ajudou muito a ele quando ele era jovem. Ele também morou lá um tempo. E comigo, a gente
também tinha afinidade, gostávamos muito de conversar sobre música, sobre arte, sobre o
passado, sobre muitas coisas. E ela compôs uma música para mim, pelo menos uma música
que se chamava Girassol. Infelizmente eu não tenho mais essa partitura, não sei se minha
prima Veronica tem, se ela guardou. Mas eu lembro que era uma música no piano, bem leve e
tinha uma parte mais alegre e uma parte mais triste, porque ela dizia que as vezes ela via uma
tristeza em mim, uma melancolia. Então ela colocou isso nessa peça que chamava Girassol,
que imitava o movimento do girassol.
N: E era uma peça pra piano?
A: Pra piano.
N: Porque tem uma de coral chamado Girassol dela também.
A: Ah, ela pode ter adaptado.
N: Tá. Então eu vou dar uma olhada e se eu achar a partitura eu até mando ela pra você, tá
bom?
A: Tá, obrigada.
N: E como ela a personalidade dela, assim? Como ela agia, o que ela gostava de fazer?
A: Ela era muito ativa, bastante extrovertida, gostava muito de conversar com todo mundo.
Gostava muito de jardinagem, passava horas no jardim, fazendo tudo ela mesma, plantando,
cortando. Não sei o que que ela fazia, mas ela fazia muita coisa no jardim. E, claro, gostava de
compor músicas, né? Tocar piano. Era muito religiosa, muito católica.
N: Sim, sim, legal. E como era a relação dela com a música especificamente?
A: Ah, eu não sei bem explicar. Eu sei que era uma parte muito importante da vida dela. Eu
não lembro dela escutando música, dela colocar um disco, escutar, isso eu não lembro. Assim,
eu lembro dela compondo e tocando.
N: Entendi. Então você não tem memória dela ouvindo alguns compositores, nem nada disso,
né? Era mais executando mesmo.
A: Não. Não significa que ela não fazia.
N: Sim.
A: Mas eu não tenho essa memória.
N: Sim. Sim, sim, legal. Essa é a parte legal da pesquisa é que enquanto um lembra uma coisa
o outro lembra outra e a gente vai construindo a memória, né? Legal.
A: É. Vai colocando, né, as peças.
N: Isso, exatamente.
A: Juntando as peças.
N: Legal. E ela chegou a dar aula pra você? Você chegou a estudar música?
A: Eu estudei piano, sim, quando eu era criança. Infelizmente eu nunca continuei. E eu
lembro, sim, ela sentando comigo, me ajudando a fazer escalas. Mas nunca foi nada oficial,
formal, foi sempre informal.
N: Certo. E ela conversava sobre música com você?
A: Não especialmente. Não é um assunto que eu lembro.
N: Certo.
A: Eu lembro que uma vez ela... um assunto um pouco diferente. Quando eu morava na
Alemanha, a gente passava férias na Itália, numa vila no mar chamada Marina de Pietra Santa.
139
E uma vez ela foi também. E como ela falava italiano, né? Foi muito bom pra ela, ela
conversava com as pessoas.
N: Legal.
A: Ela gostou. Eu lembro que ela ficou muito feliz com essas férias.
N: Ela ia constantemente pra lá ou foi algo pontual?
[...]
A: Pontual. Acho que foi só uma vez que ela foi conosco pra Marina de Pietra Santa. Eu
lembro que ela gostava de comer uvas descascadas.
N: [Risos].
A: A única pessoa que eu conheço que fazia isso: descascava a uva e ela me ensinou a fazer
isso.
N: Legal, legal [risos].
A: Daí eu não faço mais, mas quando eu era criança fazia.
N: [Risos] Legal. E você lembra dela compor nessa viagem ou não?
A: Nessa viagem não, não lembro, não.
N: Tá certo. E você se lembra do processo de composição dela? Como ela fazia, aonde ela
ficava?
A: Infelizmente minha memória é bem vaga. Eu lembro que ela tocava muito no piano.
Porque a gente tinha um piano grande, né? Um piano de cauda no andar de baixo e um piano,
não lembro como chama, menorzinho...
N: De armário, né? Que fica na parede.
A: É. E é nesse que ficava na parede que ela usava mais pra compor, pra tocar. Ela não usava
muito o piano de cauda, não.
N: E você lembra dela falando sobre inspirações ou algo assim? Eu sei que ela gostava muito
da natureza, né? Que todo mundo falou sobre isso, sobre ela se inspirar bastante na natureza.
E também tem várias obras com o nome de vocês, dos netos, de filhas, e tudo mais.
A: Acho que o mar também. Acho que ela também fez algumas obras inspiradas pelo mar.
Mar, plantas, flor... Então tudo da natureza e pessoas. Então acho que ela combinava pessoas
com a natureza. Assim como a minha peça foi Girassol, né? A minha personalidade pra ela
lembrou o movimento do girassol.
N: Era algo sempre muito associado, né? Pelo que eu percebo, sempre muito inspirado em
algo, né? Não era do nada, assim, as composições.
A: É, não era, não era do nada, não.
N: Legal, legal. E você tem memória dela falar pra você sobre como ela começou na música?
A: Não, não tenho essa memória.
N: Tá, sem problemas. E você é um pouquinho mais nova que os seus primos, né? Você
lembra como era a relação dela como o João Bidart?
A: O marido dela, meu avô, eu lembro dele pouquíssimo porque eu acho que eu era bem
nova, sei lá, dois três anos quando ele faleceu. Então lembro dele pouquíssimo.
N: Certo, sem problemas. E você se lembra do processo de surdez dela? Como foi isso?
[...]
A: Ah, sim. Acho que foi quando eu tava morando com ela, quer dizer, então, depois dos
meus doze anos. Então, quando nós fomos morar lá, acho que ela ainda ouvia razoavelmente
bem. Mas depois de alguns anos ela começou a ficar bem surda. Nem lembro se ela usava
140
aparelho ou não, acho que no final deve ter usado. Mas, a gente, no final, tinha que gritar pra
ela ouvir.
N: Você se mudou pra lá em que ano mais ou menos?
A: Se eu lembro quando?
N: Em que ano?
A: Eu diria, talvez, 88, 87, 88.
N: Certo. E ela teve uma meningite também. Isso influenciou ou não? Foram episódios
separados?
A: Eu não lembro da meningite dela.
N: Tá, sem problemas. E você lembra de alguma história, assim, que você queira compartilhar
sobre ela compondo? Muito legal essa do Girassol, né? Muito bacana isso. Você lembra de
outros episódios, assim?
A: Em relação à música?
N: Isso. Ou em relação à vida normal, porque é um trabalho biográfico mesmo. Então tanto
em relação à música, quanto hobbies, o que ela gostava de fazer, também é bem válido.
A: Ah, eu lembro mais de detalhes da personalidade dela, do comportamento dela. Eu sei que
ela gostava de beber cafézinho muito, muito quente. Então vinha o café pelando pra mesa, e
ela meio que jogava pra dentro da garganta, né? Ela não fazia, assim, levemente, ela jogava
pra dentro [risos]. Aí pedia outro.
N: Entendi. E tinha uma senhora que ajudava ela ali, né? Na casa. Quando você morou com
ela que era a Helena, né?
A: Helena, sim. Elas eram muito próximas, acho que ela trabalhou lá muito tempo. Era
cozinheira e também ajudava minha vó com tudo. Com as roupas, com compras...
N: Ela morava na casa?
A: E tinha também o Francisco. Alguém falou pra você do Francisco?
N: Que é o jardineiro?
A: Não, um empregado também. Eu lembro que ele dormia lá, ele tinha um quarto. Aquela
época era muito diferente, né? As pessoas tinham vários empregados, os empregados
dormiam, era uma coisa quase que feudal, né? Que não existe mais ou pouquíssimas pessoas
tem isso hoje em dia. Me lembra até um pouquinho Downton Abbey. Você sabe a série
Downton Abbey?
N: Ah, sim, sim.
A: Assim, uma casa enorme. Não era assim, claro, mas me lembra um pouquinho. E ele usava
sempre uniforme, uma casaca branca, e ele também ajudava na casa, ajudava a servir quando
tinha festas, por exemplo. Ela também gostava muito dele. Ela tratava muito bem os
empregados, tratava muito bem a todo mundo.
N: Legal. E você lembra de músicos que frequentavam a casa?
A: De músicos frequentando a casa, não. Não lembro. Eu sei que ela tinha uma amizade com
Carlos Drummond de Andrade, que ela se correspondia com ele. Você sabia disso?
N: Sim, eu consegui resgatar as cartas.
A: Ah, sim. E certamente ela devia conhecer músicos, mas infelizmente eu não prestava muita
atenção nisso na época.
N: Legal.
141
A: Ela era bem italiana de temperamento. Ela ficava bastante empolgada e quando nós
assistíamos a copa do mundo, por exemplo, acho que foi 82, que o Brasil tinha uma seleção
incrível, né? Éder e Zico, e nós assistíamos todos juntos e teve uma época que ela se
empolgou tanto que ela ficou em pé e ela tinha uma bengala, tava sempre com a bengala, aí
ela colocou a bengala no ar e começou a pular [risos].
N: [Risos] Legal. Ela gostava de futebol também ou era mais uma coisa, assim, de copa
mesmo?
A: É, mais na hora da copa do mundo. Nacionalismo. Não era interesse dela, não. Eu posso te
dizer que ela tinha relação um pouco difícil com minha mãe. Com as duas filhas, eu acho que
tinha um pouco de atrito. Não dá pra saber as razões exatamente, né? Coisa de mãe e filha,
mas acho que minha mãe sentia que ela tinha casado muito cedo por pressão, que ela não
casou com quem não queria na verdade, então essas histórias.
N: Entendi, entendi.
A: Então acho que a relação dela com os netos era bem melhor do que a relação com as filhas.
N: Sim. E pelo que eu vejo, ela criou tanto o Marcos quanto o Toni, né? E vocês tem entre
vocês são dois Antonios né?
A: É verdade, é engraçado, né? O meu irmão mais velho chama Antonio e meu irmão mais
novo é Antonio Carlos, que era o nome do meu pai.
N: Ah, entendi. Então foi mais uma coincidência ali, né?
A: É, a mesma mãe, mas pais diferentes.
N: Sim, sim.
A: E a gente sempre diferencia. O mais velho é Toni e o mais novo é Toninho.
N: Ah, entendi. Legal. [...] Como é que era a rotina dela em casa, assim? Ela gostava bastante
do jardim, né? O que ela fazia em casa?
A: Ela, acho que além de ficar no jardim, ela ficava um pouco no piano. Ela gostava de
arrumar as coisas, arrumar a cozinha, ou mais gerenciar, né? Dizia “pros” empregados como
eles deveriam arrumar e ficava muito tempo conversando com a gente, conversava com os
empregados também. Não, não via muita televisão, não, não era muito de televisão.
N: Legal. E como era a questão dela com vocês meninas, ela ficava mais em casa, nunca
trabalhou fora, produziu muito em casa, mas nunca chegou a trabalhar fora, né? Ela chegou,
quando era mais nova, a reger algumas coisas no Theatro Municipal, alguns maestros regeram
obras dela também, mas ela sempre foi mais do lar, né?
A: É.
N: Ela chegou a passar isso pra vocês ou era algo mais dela, assim? Ela era mais
conservadora, como que funcionava isso?
A: Eu acho que foi mais uma coisa da época. Não é que ela era conservadora, é que era
esperado da mulher ser do lar. Acho que se ela fosse jovem hoje em dia, ela estaria regendo e
tocando no palco. Acho que ela estaria bem presente na vida pública.
N: Você acha que a época acabou, puxando um pouco ela pra trás, assim, nesse sentido
profissional?
A: Acho que sim, é. Acho que foi mais por convenção que ela acabou não... É porque a gente
vê, mesmo com o pouco que ela fez, né? Acho que você já é a terceira pessoa que se aproxima
querendo pesquisar a vida dela, então ela causou um impacto, apesar de não ter feito muito
fora de casa. Acho que hoje em dia ela teria feito um grande impacto.
142
N: Entendi, entendi.
A: Mas eu nunca senti nenhuma amargura nela, nem frustração. Acho que ela aceitava muito
bem o papel dela, o papel na sociedade. Ela não era rebelde nesse sentido.
N: Entendi. E pra vocês ela não chegou a passar isso, ela incentivava vocês a trabalhar fora e
tudo mais?
A: Incentivava, sim. O que a gente quisesse fazer, ela nunca disse “Não faça isso!”, “Não faça
aquilo!”, não, tinha a cabeça aberta, era moderna, de certa forma, mas muito religiosa.
N: Entendi, e ela passou essa questão de religiosidade pra vocês? Daí, até, assim, é que você
pegou mais um pouquinho o final da vida dela, né? Que foi ali, nos anos 70, 80, né? Foi mais
nos anos 80, né?
A: Nos anos, é, nos anos 80 foi quando eu passei mais tempo com ela. Ela não falava muito
de religião, falava um pouquinho, às vezes, quando tinha alguma discussão. Por exemplo, se a
mulher devia ser padre. Ela achava que não. Engraçado, né? Mas ela achava que só os homens
deveriam ser padres. Então era bastante conservadora nesse aspecto. Mas não tentava forçar
ninguém a pensar do jeito dela. E minha mãe fez formação religiosa católica, acho que
durante uma época ela se rebelou um pouco contra isso, e agora ela voltou, agora minha mãe é
bastante religiosa. E eu tive formação católica até a primeira comunhão, depois não mais e
acho que eu também passei uma época achando que não acreditava e agora voltei a acreditar
mais [risos].
N: Entendi. Fases, né?
A: Processo de conhecer, as pessoas passam. É.
N: Sim, entendi. E o que você acha, assim, que ela deixou pra você hoje, assim? O que que
você leva dela?
A: Eu lembro de uma presença muito doce, uma alma boa, uma alma pura. Todos gostavam
de estar ao lado dela, ela fazia todo mundo se sentir bem. Eu lembro que era uma pessoa
cercada de amor. Eu lembro do rostinho dela sorrindo, da doçura dela, então só coisas
positivas.
N: Legal, ótimo. Então, aqui no meu roteirinho acabou, você respondeu tudo o que eu tinha
previsto. Se você tiver alguma outra coisa pra contar, fique à vontade. Queria saber também
se você tem fotos com ela.
A: Aqui não tenho. Eu tenho no Rio. Minha mãe deve ter.
[...]
N: Muito obrigada mesmo, viu?
A: De nada, Nicole. Boa sorte com a pesquisa!
N: Obrigada!
[...]
APÊNDICE E – LISTAGEM DE OBRAS
Ano
Título
143
Instrumentação
Localização
Manuscrito/xerox
Número de páginas
Voz e instrumento(s)
Duração1
1927
Ave Maria
Soprano e piano/órgão
1’
Biblioteca da ECA
Ms (2p.)
1928
Vorrei dirti
Soprano e piano
1’
Biblioteca da ECA
Ms (2p.)
1931/1953
Lamento
Mezzosoprano e piano
0’30”
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (2p.)
1932
A amizade
Soprano e piano
0’30”
Biblioteca da ECA
Ms (2p.)
1932
As estrelas
Soprano e piano
0’30”
Não localizada
1932
Cedo e tarde
Soprano e piano
2’
Biblioteca da ECA
Ms (5p.)
1932
Chanaan
Coro e piano
1947
1
Desejo
Soprano e piano
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (5p. e
parte)
2’
A duração foi marcada nas próprias partituras pela compositora. Não foi possível acessar todas.
Estreia
Observação
1927, Rio de Janeiro, Igreja
N. S. Lapa
Soprano: Maria Miranda
Órgão: Giovanni Gianetti
1932, Vitória, Teatro Glória
Texto: Giovanni Giannetti
Soprano: Eleonora Irvim
Piano: Lycia de Biase Bidart
27/11/1953, Rio de Janeiro,
Texto: Augusto Frederico
Palácio da Cultura
Schmidt
Mezzosoprano: Guiomar
Versões para coro (1971, 1973,
Brancato
1977)
Piano: Lycia de Biase Bidart
27/11/1953, Rio de Janeiro,
Palácio da Cultura
Texto: Walfrido Faria
Soprano: Carmen Clare
Piano: Lycia de Biase Bidart
27/11/1953, Rio de Janeiro,
Texto: Adelmar Tavares
Palácio da Cultura
Versão para oboé e piano
Soprano: Carmen Clare
(1971)
Piano: Lycia de Biase Bidart
1932, Rio de Janeiro,
Estúdio Nicolas
Texto: Walfrido Faria
Soprano: Tina Vita
Versão para coro (1985)
Piano: Giovanni Gianetti
Original para orquestra e coro
(1932)
27/11/1953, Rio de Janeiro,
Palácio da Cultura
Texto: Gonçalves Dias
Biblioteca da ECA
Soprano: Gianninna
Versão Poema ignoto (1972)
Cópia xerox (5p.)
Giannetti
para piano
Piano: Lycia de Biase Bidart
144
1947 /
1949
És engraçada e formosa
Voz e piano
1947
Seus olhos
Voz e piano
2’
5’
Tríptico: às minhas filhas
1947
1. Cecília
2. Lúcia
3. Duas flores
Tenor e piano
Soprano e piano
Soprano e piano
1’
2’
2’
1949
Ária
Tenor e piano
2’
1951
Duas trovas
1. Sozinho
2. Domingo
2 vozes mistas e piano
1’30”
1953
Cantiga de ninar
Soprano e piano ou soprano, contralto
e piano
2’
1953
Cantiga praiana
Contralto e piano
1’30”
1953
Canto do maior amor
Soprano e piano
0’30”
1953
El burro flautista
Baixo e piano
2’30”
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (3p.)
Biblioteca da ECA
Ms (6p.)
Texto: Gonçalves Dias
Textos: 1 e 2. Trechos
27/11/1953, Rio de Janeiro,
extraídos de poemas
Palácio da Cultura
Gonçalves Dias / 3. Castro
Piano: Lycia de Biase Bidart
Alves
Não localizada
Tenor: Dante de Paola
2. Lucia: Versão Allegretto
Não localizada
Sopranos: 2. Carmen Clare
gioioso para flauta e harpa
Biblioteca da ECA
3. Gianninna Giannetti
(1966)
Cópia xerox (6p.)
27/11/1953, Rio de Janeiro,
Palácio da Cultura
Não localizada
Texto: Xavier Marques
Tenor: Dante de Paola
Piano: Lycia de Biase Bidart
27/05/1951, Rio de Janeiro,
Associação Brasileira de
Biblioteca da ECA
Texto: 1. Affonso Lopes de
Imprensa (A.B.I.)
Cópia xerox (4p.)
Almeida / 2. Luiz Octávio
Coral Atalina Ferroni
27/11/1953, Rio de Janeiro,
Palácio da Cultura
Biblioteca da ECA
Texto: Lycia de Biase Bidart
Soprano: Amabélia
Ms (3p.)
Carvalheiras
Piano: Lycia de Biase Bidart
Texto: Vicente de Carvalho
27/11/1953, Rio de Janeiro,
Versão para flauta, oboé,
Palácio da Cultura
clarineta, trompa, fagote e
Não localizada
Contralto: Elder Noronha
piano (1971) e para coro
Piano: Lycia de Biase Bidart
(1956)
1954, Rio de Janeiro, Rádio
Roquete Pinto
Não localizada
Soprano: Gianninna
Texto: Sylvio Moreaux
Giannetti
Piano: Lycia de Biase Bidart
27/11/1953, Rio de Janeiro,
Palácio da Cultura
Texto: B. Iriarte
Não localizada
Baixo: Alvarany Solano
Versão para coro (1956)
Piano: Lycia de Biase Bidart
145
1953
Flor da madrugada
Soprano e piano
0’30”
1953
O beijo
Mezzosoprano e piano
2’
1956
Sombras
Soprano, piano e violino
6’
1961
Canto da vida a chegar
Voz e piano
27/11/1953, Rio de Janeiro,
Palácio da Cultura
Não localizada
Soprano: Neyde Gomes
Piano: Lycia de Biase Bidart
27/11/1953, Rio de Janeiro,
Palácio da Cultura
Biblioteca da ECA
Mezzosoprano: Guiomar
Cópia xerox (4p.)
Brancato
Piano: Lycia de Biase Bidart
Biblioteca da ECA
Ms (7p.)
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (2p.)
1966
Canto jovem
Tenor e piano
2’
Biblioteca da ECA
Ms (4p.)
1966
Confidência
Tenor/baixo e piano
0’30”
Não localizada
1966
De minissaia
Soprano, tenor e piano
1’30”
Não localizada
1966
Salamandra
Soprano e piano
2’
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (4p.)
1966
Uma rosa para Verônica
Tenor/baixo e piano
2’
Não localizada
1967
O caranguejo
Tenor/baixo e piano
1’
Biblioteca da ECA
Ms (3p.)
1967
Uma rosa (para Verônica)
Voz aguda e piano
1968
Você
Tenor/soprano e piano
3’
1968
Último carinho
Tenor/baixo e piano
2’
Biblioteca da ECA
Ms (6p.)
Biblioteca da ECA
Ms (2p.)
Biblioteca da ECA
Ms (3p. e partes)
Texto: Sylvio Moreaux
Versão para oboé e piano
(1971)
Texto: Débora Leão
Versão para piano, flauta e
violino (1976)
Texto: Lycia de Biase Bidart
Versão para orquestra, coro e
voz solista (1967) e para coro
(1985)
Texto: Lycia de Biase Bidart
1966, Rio de Janeiro, TV
Globo
Soprano: Marília Ferraz
Macedo
Tenor: Paulo França
Texto: Lycia de Biase Bidart
Texto: Lycia de Biase Bidart
Texto: Lycia de Biase Bidart
Versão para harpa (1974), para
voz média e piano (1967) e
para voz aguda e piano (1967)
Texto: Domingos Carvalho da
Silva
Versão para coro (25/09/1985)
Original para tenor/baixo e
piano (1966) e versão para voz
média e piano (1967) e para
harpa (1974)
Texto: Antonio Fernando
Bravo
Texto: Antonio Fernando
Bravo
146
Se eu fosse rico
Tenor/baixo e piano
1’30”
Não localizada
1971
Ana
Soprano e piano
1’30”
1971
Caronte, bancarola
Soprano/tenor e piano
4’30”
Não localizada
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (6p.)
1971
O coração
Soprano e piano
1’
Biblioteca da ECA
Ms (3p.)
Texto: anônimo
Versão para soprano, piano e
violino (1972)
1972
Noite
Soprano/tenor e piano
2’
Biblioteca da ECA
Ms (3p.)
Texto: Cecília Meireles
1972
O coração
Soprano, piano e violino (optativo)
1972
Palavras aéreas (fragmentos)
Soprano/tenor e piano
2’
1972
Pedido
Soprano/tenor e piano
2’
1972
1972
Romanceiro da inconfidência:
Algumas das palavras aéreas
Série Canções de Exílio: Nº2 Uma
canção
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (3p.)
Voz e piano
Voz, violino e piano
Não localizada
Biblioteca da ECA
Ms (3p.)
Biblioteca da ECA
Ms (3p.)
Biblioteca da ECA
Ms (3p.)
Biblioteca da ECA
Ms (6p.)
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (3p.)
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (6p.)
1973
3º Motivo da rosa
Soprano/tenor e piano
3’
1973
A bailarina
Voz média e piano
2’
1973
A bailarina
2 vozes e piano
1973
As meninas
Voz média e piano
2’
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (3p.)
1973
Cantiga de embalar o papai
Cantos ameríndios brasileiros2
Ressonâncias
Madrugada
Convite tribal 1
Convite tribal 2, pássaros
Vozes na mata
Voz média e piano
1’30”
Voz e piano
2’
30”
2’
Não localizada
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (4p.)
Não localizada
Cópia xerox (4p.)
Ms (3p.)
Ms (3p.)
1973
2
Texto: Lycia de Biase Bidart
Versão Canção para
violoncelo e piano (1969)
Texto: Lycia de Biase Bidart
1969
Numeração e títulos variam entre os catálogos.
Texto: Cecília Meireles
Texto: anônimo
Versão para soprano e piano
(1971)
Texto: Cecília Meireles
Texto: Cecília Meireles
Texto: Cecília Meireles
Texto: Mário Quintana
Versão para voz e piano (1974)
Texto: Cecília Meireles
Texto: Cecília Meireles
Ver Nota 1 ao final da listagem
Texto: Cecília Meireles
Ver Nota 1 ao final da listagem
Texto: Cecília Meireles
Versão para piano (1973) e
para harpa (1974)
Texto: Maria Mazzetti
Texto: dons onomatopaicos
Original para orquestra e coro
(1973)
147
3
1973
Jogo de bola
2 vozes e piano
2’
1973
O cavalinho branco
Voz e piano
2’
1973
O cavalinho branco
2 vozes e piano
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (2p.)
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (2p.)
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (5p.)
1973
O mosquito escreve
2 vozes e piano
2’
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (2p.)
1973
O mosquito escreve
Voz e piano
1973
Ou isto ou aquilo3
2 vozes e piano
1’30”
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (4p.)
1973
Rio na sombra
Voz média e piano
1’30”
Biblioteca da ECA
Ms (2p.)
1973
Rio na sombra
2 vozes e piano
1973
Rômulo Rema
Voz e piano
1973
Rômulo Rema
2 vozes e piano
1973
Último andar
Voz(es) média(s) e piano
3’30”
1973
Vitrine
Soprano/mezzosoprano e piano
1’30”
Não localizada
Biblioteca da ECA
Ms (2p.)
1974
Paredão
Mezzosoprano e piano
2’
Não localizada
1974
Parêmia de Cavalo
Mezzosoprano e piano
2’
Biblioteca da ECA
Ms (4p.)
Biblioteca da ECA
Ms (4p.)
Biblioteca da ECA
Ms (2p.)
1’30”
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (2p.)
Biblioteca da ECA
Ms (2p.)
Há uma série na Biblioteca da ECA com esse título e instrumentação. Tal agrupamento deverá ser conferido em pesquisas posteriores.
Texto: Cecília Meireles
Texto: Cecília Meireles
Ver Nota 1 ao final da listagem
Texto: Cecília Meireles
Ver Nota 1 ao final da listagem
Texto: Cecília Meireles
Versão para voz e piano
(1973), para piano (1973) e
para harpa (1974)
Texto: Cecília Meireles
Versão para duas vozes e piano
(1973), para piano (1973) e
para harpa (1974)
Texto: Cecília Meireles
Ver Nota 1 ao final da listagem
Texto: Cecília Meireles
Versão para duas vozes e piano
(1973)
Texto: Cecília Meireles
Versão para voz e piano (1973)
Texto: Cecília Meireles
Versão para duas vozes e piano
(1973) e para piano (1973)
Texto: Cecília Meireles
Versão para voz e piano (1973)
e para piano (1973)
Texto: Cecília Meireles
Texto: Antonio Fernando
Bravo
Texto: Carlos Drummond de
Andrade
Versão para coro (1974)
Texto: Carlos Drummond de
Andrade
Versão para coro (1974)
148
1974
Série Canções do Exílio
1. Canção do Exílio
2. Uma canção
3. Nova Canção do Exílio
Soprano/mezzo e piano
Soprano e piano
Soprano e piano
5’
2’30”
1’
1’30”
Biblioteca da ECA
Ms e cópia xerox
(6p., 3p., 4p. e partes)
1974
Solitude
Soprano e piano
2’
Biblioteca da ECA
Ms (3p.)
1975
A saga da terra gaúcha
Coro SMTB e piano
1975
Braúna
Soprano/mezzosoprano e piano
1967
Uma rosa (para Verônica)
Voz média e piano
1976
A rosa
Voz média feminina e piano
1’30”
1976
A flor amarela
2 vozes e piano
30”
1976
1976
Carta
Deus cuidou do Rio
Voz média feminina e piano
Soprano/mezzosoprano e piano
1’
1’30”
1976
Evocação
Voz e piano
1976
Mensagem de Natal
Voz média e piano
0’30”
Não localizada
1976
Misterioso coração
Soprano/mezzosoprano e piano
1’30”
1976
O colar de Carolina
2 vozes e piano
1’
1976
Onde, gente?
Soprano/mezzosoprano e piano
1’
Biblioteca da ECA
Ms (2p.)
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (2p.)
Biblioteca da ECA
Ms (3p.)
Biblioteca da ECA
Ms
2’
Biblioteca da ECA
Ms (4p.)
Biblioteca da ECA
Ms (6p.)
Não localizada
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (2p.)
Não localizada
Não localizada
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (4p.)
Texto: 1. Gonçalves Dias / 2.
Mário Quintana / 3. Carlos
Drummond de Andrade
06/11/1974, Rio de Janeiro,
2. Uma canção: versão Série
Casa de Ruy Barbosa
Canções de Exílio: Nº2 Uma
Soprano: Maria Fátima
canção para voz, piano e
Alegria
violino (1972)
Piano: Miriam Ramos
Versão Sonata Fantasia nº 3:
Modinha para piano (1976)
Texto: Lycia de Biase Bidart
Versão para piano e trompete
(1977) e Solidão para oboé e
piano (1975) e para coro
(1987)
Original para orquestra e coro
(1975)
Texto: Carlos Drummond de
Andrade
Versão para coro (1975)
Original para tenor/baixo e
piano (1966), para voz aguda e
piano (1967) e para harpa
(1974)
Texto: Lycia de Biase Bidart
Texto: Cecília Meireles
Texto: Lycia de Biase Bidart
Texto: Ecila de Faria Teixeira
Texto: Lycia de Biase Bidart
Versão para coro (1976)
Texto: Ecila de Faria Teixeira
Texto: Cecília Meireles
Texto: Ecila de Faria Teixeira
149
1976
Quero possuir o Azul, quero o Azul
Soprano ou tenor e piano
10’
Biblioteca da ECA
Cópia Xerox (6p.)
1976
Uma canção de amor
Voz média feminina e piano
1’
Não localizada
1977
Cantiga de roda
Voz média e piano
1’
Não localizada
1977
Canto da noite
Contralto, barítono e piano
20’
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (27p.)
1977
Morrerei quando me faltar música
Voz e piano
3’
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (4p.)
1977
O grande momento
Piano e dueto de soprano e contralto
2’30”
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (4p.)
1977
Poema
Voz masculina (falada), piano e flauta
10’
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (12p.)
1977
Por que chorar?
Contralto/barítono e piano
5’
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (9p.)
1977
Quando?
2 trompas, dueto de soprano e
contralto ou tenor e barítono
2’
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (4p.)
1977
Quatro
Voz e piano
3’
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (5p.)
1978
Amanhecer
Voz e piano
Biblioteca da ECA
Ms (2p.)
Texto: Augusto Frederico
Schmidt
Versão para voz e orquestra
(1976)
Texto: Lycia de Biase Bidart
Melodia de Cantiga de
embalar o papai para voz
média e piano (1973)
Texto: Mário Quintana
Versão para coro (1977) e coro
infantil (1982)
Texto: Augusto Frederico
Schmidt
Original para voz e orquestra
(1977)
Texto: Augusto Frederico
Schmidt
Versão para voz e quarteto de
cordas (1977)
Texto: Augusto Frederico
Schmidt
Versão para dueto de soprano e
contralto, e orquestra (1977)
Texto: Augusto Frederico
Schmidt
Versão para voz, flauta, harpa
e cordas (1976)
Texto: Augusto Frederico
Schmidt
Versão para contralto/barítono
e quinteto de sopro (1977)
Texto: Augusto Frederico
Schmidt
Texto: Augusto Frederico
Schmidt
Versão para voz e quarteto de
cordas (1977)
Texto: Carlos Drummond de
Andrade
Versão para coro (1978)
150
1978
O pinheiro de meu jardim
Voz e piano
Biblioteca da ECA
Ms (4p.)
1979
Cantiga para duas irmãs: Dorme,
Cecilia, Dorme, dorme Lucia
Voz e piano
Biblioteca da ECA
Ms (2p.)
1979
Máquina do tempo
Voz e piano
1980
Inscrição para uma lareira
Voz e piano
1980
Uma notícia
Voz e piano
1983
Bilhete
Voz e piano
1983
Serra de Maracaju
Voz e piano
4’
Biblioteca da ECA
Ms (1p.)
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (3p.)
1985
Neste fim de ano
Voz e piano
2’
Biblioteca da ECA
Ms (3p.)
02/09/1985
Preâmbulo e Liberdade!
Piano e voz falada
Biblioteca da ECA
Ms (22p.)
1986
Cantata de Natal
Coro SMTB e piano
Biblioteca da ECA
Ms (20p.)
1986
Invocação
Voz e piano
1986
Prepare seu sorriso...
Voz aguda e piano
1986
Prepare seu sorriso...
Voz média e piano
1’
Biblioteca da ECA
Ms (3p.)
1986
Ta voix
Voz e piano
2’
1986
Uma ode ao meu pai
Voz e piano
1986
Vi a poesia passar
Voz e piano
Biblioteca da ECA
Ms (4p.)
Biblioteca da ECA
Ms (7p.)
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (10p. e
parte)
1’
Biblioteca da ECA
Ms (2p.)
Biblioteca da ECA
Ms (3p.)
Biblioteca da ECA
Ms (2p.)
2’
Biblioteca da ECA
Ms (3p.)
Biblioteca da ECA
Ms (3p.)
5’30”
Versão para coro feminino
(1979)
Versão Dorme Cecilia para
coro (1986) e Dorme, dorme
Lucia para coro (1986)
Texto: Carlos Drummond de
Andrade
Versão para coro (1980)
Versão para coro (05/03/1986)
Texto: Carlos Drummond de
Andrade
Versão para coro (1985)
Original para orquestra e voz
falada (1985)
Original para orquestra e coro
(1986)
Medidas do documento: 38cm
x 28cm
Versão para coro infantil
(1986)
Texto: Yolanda Barbosa Dias
Versão para voz média e piano
(1986)
Texto: Yolanda Barbosa Dias
Versão para voz aguda e piano
(1986)
Versão para coro (1986)
Texto: Antonio Carlos Bidart
de Andrada
151
1986
Vícios: Café, Cigarro e Paixão
Voz e piano
1987
Bilhete 3: Querida Lycia
Voz aguda e piano
2’30”
1987
Bilhete 3: Querida Lycia
Voz média e piano
2’30”
1987
Descoberta
Voz e piano
1988
Para nós, os poetas do mundo
Voz e piano
1989
Bilhete... num ramo de rosas
Voz e piano
1989
Para-choque de caminhão
Coro SMTBr
1989
Porque te vejo!
Voz e piano
1989
Visão poética
Voz e piano
Sem data
A noiva do mar
Voz e piano
Biblioteca da ECA
Ms (7p.)
Biblioteca da ECA
Ms (3p.)
Biblioteca da ECA
Ms (3p.)
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (2p.)
Biblioteca da ECA
Ms (5p.)
Versão para voz média e piano
(1987)
Versão para voz aguda e piano
(1987)
Versão para coro (1988)
Texto: Antonio Bidart de
Andrada
Versão para coro (1989)
Biblioteca da ECA
Ms (3p.)
1’30”
Biblioteca da ECA
Ms (6p.)
Biblioteca da ECA
Ms (4p.)
Biblioteca da ECA
Ms (2p.)
Biblioteca da ECA
Cópia xerox
Versão para coro (1989)
Versão para coro (1989)
Original ópera (1939)
Coro a capella
1938
Panis Angelicus
Coro SABar
1’
Não localizada
1956
Cantiga praiana nº3
6 vozes mistas
2’
Não localizada
1956
El burro flautista
Coro SMTB
2’30
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (6p.)
1971
Lamento
Coro SMTB
1’
Biblioteca da ECA
Ms (3p.)
27/11/1933, Rio de Janeiro,
Igreja Sagrado Coração de
Jesus
Regente: José Vieira
Brandão
Texto: Vicente de Carvalho
Versão Cantiga Praiana para
voz e piano (1953) e versão
para flauta, oboé, clarineta,
trompa, fagote e piano (1971)
Texto: B. Iriarte
Original para voz e piano
(1953)
Texto: Augusto Frederico
Schmidt
Original para voz e piano
(1931) e versões para coro
(1973, 1977)
152
1973
Convite tribal: canto ameríndio
brasileiro
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (3p.)
Coro SMTB
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (3p.)
1973
Lamento
Coro SSATB
1974
Canto de louvação
Coro SMTB
3’
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (10p.)
1974
Paredão
Coro SMTB
2’
Biblioteca da ECA
Ms (5p.)
1974
Parêmia de cavalo
Coro SMTB
2’
Biblioteca da ECA
Ms (5p.)
1975
3 Cantos Tupis
Coro SMTB
3’
Não localizada
1975
Braúna
Coro SMTB
2’
Biblioteca da ECA
Ms (6p.)
1975
Canto de roda tupi: Tumburutaca
Coro SATB
1975
Ecos indígenas
Flor verde, trova tupi, primeira
versão
3 vozes femininas
2’
Biblioteca da ECA
Ms (4p.)
Não localizada
Biblioteca da ECA
Ms (3p.)
1976
Mensagem de Natal
SATB ou SMTB
0’30”
Não localizada
1976
Serenga: canto dos remadores do
Rio Tietê
Coro SMTB
2’
Não localizada
1976
Serenga, Fantasia sobre Canto de
Remadores Do Rio Tietê, Primeira
Versão
Coro masculino a três vozes
1975
Coro SATB
Biblioteca da ECA
Ms (4p.)
Texto: Augusto Frederico
Schmidt
Original para voz e piano
(1931) e versões para coro
(1971, 1977)
Texto: Lycia de Biase Bidart,
da ópera A noiva do mar
Texto: Carlos Drummond de
Andrade
Original para voz e piano
(1974)
Texto: Carlos Drummond de
Andrade
Original para voz e piano
(1974)
Coletânea: Poemas e Canções
Índios Tupis, de Wilson Pinto
Texto: Carlos Drummond de
Andrade
Original para voz e piano
(1975)
Texto: Lycia de Biase Bidart
Original para voz e piano
(1976)
Texto: onomatopaico
Fonte: Luiz da Câmara
Cascudo
Versão para quarteto de sopros
(1976)
153
1977
As flores do jambeiro estão caindo
SMTB
4’
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (6p.)
1977
Cantiga de roda
STBrB
1’
Biblioteca da ECA
Ms (2p.)
1977
Ladainha do mar
SATBarB ou coro misto
16’
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (19p.)
1977
Lamento
Coro SATB
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (3p.)
1978
Amanhecer
Coro SATB
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (2p.)
1978 /
1985
Carta
Coro SMTB
1978
Mensagem de Natal
Coro misto
1979
No morro azul
4 vozes femininas
1979
O cachorrinho
Coro SATB
1979
O voto de amor
Coro misto
1979
O pinheiro de meu jardim
4 vozes femininas
1980
Cantando o Natal
Coro SMBB
1980
Uma notícia
Coro SMTBrB
1982
Cantai
Coro SATB
1982
Ou isto ou aquilo
2 vozes
15/05/1983
Poema à primavera, a pedido do
meu neto Antoninho
Coro SMTB
2’30”
Biblioteca da ECA
Ms (7p.)
Biblioteca da ECA
Ms (2p.)
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (3p.)
2’
Biblioteca da ECA
Ms (3p.)
Biblioteca da ECA
Ms (1p.)
Biblioteca da ECA
Ms (5p.)
Biblioteca da ECA
Ms (4p.)
Biblioteca da ECA
Ms (3p.)
Biblioteca da ECA
Ms (11p.)
Biblioteca da ECA
Ms (17p.)
Biblioteca da ECA
Ms (6p.)
Texto: Augusto Frederico
Schmidt
Texto: Mário Quintana
Original para voz e piano
(1977) e coro infantil (1982)
Texto: Augusto Frederico
Schmidt
Texto: Augusto Frederico
Schmidt
Original para voz e piano
(1931) e versões para coro
(1971, 1973)
Texto: Carlos Drummond de
Andrade
Versão para voz e piano (1978)
Medidas do documento: 10cm
x 16cm
Versão Britando pedra no
morro azul para coro feminino
ou infantil intitulado (1979) e
para piano (1978)
Medidas do documento: 15cm
x 22cm
Versão para voz e piano (1978)
Medidas do documento: 10cm
x 21cm
Texto: Carlos Drummond de
Andrade
Versão para voz e piano (1980)
Texto: Cecília Meireles
Ver Nota 1 ao final da listagem
154
1985
A rosa
Coro SMTB
2’
Biblioteca da ECA
Ms (3p.)
Biblioteca da ECA
Ms (4p.)
1985
Canto jovem
Coro SMTB
1985
Cedo e tarde
Coro SMTB
2’
1985
Confidência
Coro SMTB
2’
1985
Neste fim de ano
Coro SMTB
25/09/1985
O caranguejo
Coro SMTB
1’30”
Biblioteca da ECA
Ms (3p.)
1985
Parceria
Coro SMTB
2’30”
1985
Se eu fosse rico
Coro SMTB
4’
1986
Cantiga praiana nº1
Coro SMTB
3’
1986
As estrelas
Coro SMTB
2’
05/03/1986
Bilhete nº1
Coro SMTB
1’
1986
Bilhete nº 2
Coro SMTB
2’
1986
Dorme Cecilia
Coro SMTB
1986
Dorme, dorme Lucia
Coro SMTB
1986
Feliz Natal
Coro SMTB
1986
Rio de Janeiro
Coro SMTB
1986
Ta voix
Coro SMTB
1987
Natal!...
Coro misto
Biblioteca da ECA
Ms (7p.)
Biblioteca da ECA
Ms (7p.)
Biblioteca da ECA
Ms (6p.)
Biblioteca da ECA
Ms (4p.)
Biblioteca da ECA
Ms (2p.)
Biblioteca da ECA
Ms (3p.)
Biblioteca da ECA
Ms (2p.)
Biblioteca da ECA
Ms (1p.)
Biblioteca da ECA
Ms (1p.)
Biblioteca da ECA
Ms (6p.)
Biblioteca da ECA
Ms (8p.)
Biblioteca da ECA
Ms (1p.)
Biblioteca da ECA
Ms (5p.)
Biblioteca da ECA
Ms (3p.)
Biblioteca da ECA
Ms (4p.)
3’
3’
Texto: Lycia de Biase Bidart
Versão para voz e piano (1966)
e orquestra, coro e voz solista
(1967)
Texto: Walfrido Faria
Versão para voz e piano (1932)
Versão para orquestra e voz
solista (sem data)
Texto: Carlos Drummond de
Andrade
Versão para voz e piano (1985)
Texto: Domingos Carvalho da
Silva
Versão para voz e piano (1967)
Versão Bilhete (1983) para voz
e piano
Versão Cantiga para duas
irmãs (1979) para voz e piano
Versão Cantiga para duas
irmãs (1979) para voz e piano
Medidas do documento: 10cm
x 28cm
Versão para voz e piano (1986)
Medidas do documento: 12cm
x 33cm
155
Texto: Lycia de Biase Bidart
Versão para oboé e piano
(1975) e Solitude para soprano
e piano(1974) e para trompete
e piano (1977)
1987
Solidão
Coro SMTB
3’30”
Biblioteca da ECA
Ms (6p.)
1988
Cantando com os anjos o rosário de
São Miguel
Coro SMTB
6’
1988
Feliz Natal
Coro misto
1988
Panem dal caebo verum
Coro SATB
1988
Para ninar Carolina
2 vozes
Biblioteca da ECA
Ms (13p.)
Biblioteca da ECA
Ms (1p.)
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (10p.)
Biblioteca da ECA
Ms (2p.)
1988
Para nós, os poetas do mundo
Coro SMTB
Biblioteca da ECA
Ms (4p.)
Versão para voz e piano (1988)
Medidas do documento: 38cm
x 28cm
1988
Peça para o IV Prêmio de
composição coral Juan Bautista
Gomes, Castelon, Espanha
Coro SMTB
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (3p.)
Medidas do documento: 26cm
x 17cm
1989
Ave Maria
Coro SMTB
Biblioteca da ECA
Ms (3p.)
1989
Bilhete... num ramo de rosas
Coro SATB
Biblioteca da ECA
Ms (5p.)
1989
Não sei...
Coro SMTB
1989
Nasceu Maria
4 vozes
1989
Natal!...
Coro SMTB
1989
Porque te vejo!
Coro SATB
1989
Visão poética
Coro SMTB
1990
Natal!...
Coro SMTB
1991
Ressureição
Coro SMTB
3’
3’
Biblioteca da ECA
Ms (5p.)
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (4p.)
Biblioteca da ECA
Ms (2p.)
Biblioteca da ECA
Ms (6p.)
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (4p.)
Biblioteca da ECA
Ms (2p.)
Família
Medidas do documento: 11cm
x 33cm
Texto: Antonio Bidart de
Andrada
Versão para voz e piano (1989)
Medidas do documento: 13cm
x 24cm
Versão para voz e piano (1989)
Versão para voz e piano (1989)
Medidas do documento: 11cm
x 24cm
156
Sem data
Serenga, barcarola
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (6p.)
Coro STBrB
Coro infantil
1979
Britando pedra no morro azul
Coro feminino ou infantil a 4 vozes
1979
Chove esperança!
2 vozes
1979
Estorieta
2 vozes
1979
Estorieta
4 vozes
1979
O girassol
2 vozes
1982
Medo de barata
3 vozes
1982
Canção
Cantiga de roda
Voz e piano
2 vozes
1982
Série coral de peças didáticas
infantis apresentadas como
coletânea de exercícios vocais
2 vozes
1984
Cantar de Natal
3 vozes
1986
Invocação
4 vozes
Biblioteca da ECA
Ms (4p.)
Biblioteca da ECA
Ms (2p.)
Biblioteca da ECA
Ms (2p.)
Biblioteca da ECA
Ms (2p.)
Biblioteca da ECA
Ms (3p.)
Biblioteca da ECA
Ms (2p.)
30”
30”
Biblioteca da ECA
Ms (2p.)
Versão para piano (1978) e No
morro azul (1979) para coro
feminino
Versão para coro infantil a 4
vozes (1979)
Versão para coro infantil a 2
vozes (1979)
Texto: Antonio Carlos Bidart
de Andrada
Original para voz e piano
(1977) e versão para coro
(1977)
Biblioteca da ECA
Ms (6p.)
2’
Instrumento solo
Flauta
5’
1974
Cantabile
Flauta
1976
Estudo
Flauta
5’
1976
Estudo para flauta solo
Flauta
6’
1976
O mosquito: estudo n.1
Flauta
1’
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (3p.)
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (2p.)
Não localizada
Biblioteca da ECA
Ms (5p.)
Biblioteca da ECA
Ms (5p.)
Biblioteca da ECA
Ms (2p.)
Versão para voz e piano (1986)
157
4
Estudo para flauta solo
Flauta
?4
Evocação
Flauta
1974
Série didática Cantos poéticos
Pedido
Pedido, jogando pedrinhas
Berceuse
O mosquito escreve5
As meninas6
Dádiva
Escalas
Harpejos
Oitavas
O rio7
Harpa
1974
Estudo escalas
Harpa
1974
Estudo harpejos
Harpa
1974
Estudo oitavas
Harpa
1974
Rosa em mês de abril
Harpa
1979
O girassol
Harpa
1981
Pequenos segredos
Nº 1
Nº 2
Nº 3
Harpa
Biblioteca da ECA
Ms
1989
Lamento e réplica
Harpa
Biblioteca da ECA
Ms (6p.)
Versão Série Lamento e
réplica para piano (1976)
Sem data
Série folhas no outono: As folhas
estão caindo, As folhas estão
bailando, As folhas são recolhidas
Harpa
Biblioteca da ECA
Ms
Versão para piano (1979)
Não localizada no acervo, provável erro de catalogação.
Três versões.
6
Duas versões.
7
Duas versões.
5
Biblioteca da ECA
Ms (3p.)
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (4p.)
1979
Harpa
15’
0’30”
0’30”
1’
4’
1’
2’
1’
2’
3’
Biblioteca da ECA
Ms (3p.)
Ms (2p.)
Ms (2p.)
Ms (7p.)
Ms (4p.)
Ms (4p.)
Não localizada
Não localizada
Não localizada
Ms (5p.)
Biblioteca da ECA
Ms (3p.)
Biblioteca da ECA
Ms (5p.)
Biblioteca da ECA
Ms (10p.)
Biblioteca da ECA
Ms (3p.)
Biblioteca da ECA
Ms (2p.)
Versão para flauta e harpa
(1987)
O mosquito escreve: Versão
para voz e piano (1973), para 2
vozes e piano (1973) e para
piano (1973)
As meninas: Versão para voz e
piano (1973)
Versão para piano (1979)
158
Órgão
1977
Evocando “Maria Lach” e
“Kreuzberg”
Órgão
1977 /
1987
Série germânica: Andante giulivo
Órgão
1988
Rimas para São Francisco
Órgão
7’
Não localizada
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (10p.)
Biblioteca da ECA
Ms (7p.)
Piano
1931
Estudo abstrato: Anelo
Piano
1931
Estudo abstrato: Interlúdio
Piano
1943
O passeio
Piano
2’
1949
Estudo expressionista: Devaneio
Piano
5’
Piano
10’
10’
10’
10’
20’
1949/1970
1950
1950
1970
8
9
Técnica:
1. Sonoridade
2. Trinados e arpejos
3. Harpejos
4. Oitavas
5. Intervalos: 2ªs, 3ªs, 4ªs, 5ªs, 6ªs8,
7ªs, vários9
6. Escalas e harpejos (Estudo
fantasia)
Noite em Salamanca
1949
1949
1949
1969
1970
Biblioteca da ECA
Ms (4p.)
Biblioteca da ECA
Ms (2p.)
Biblioteca da ECA
Ms (3p.)
Biblioteca da ECA
Ms (7p.)
Biblioteca da ECA
Ms e cópia xerox
(6p., 10p., 5p., 5p.,
12p., 26p., 8p.)
10’
Piano
3’
Não localizada
Soneto Santo Bambino de Aracoeli
Piano
4’
Biblioteca da ECA
Ms (6p.)
1951
Estudo expressionista: Matinal
Piano
6’
1960
Estudo abstrato: O caminho
Piano
5’
Biblioteca da ECA
Ms (7p.)
Biblioteca da ECA
Ms (9p.)
Duas versões.
Catalogados separadamente como Série intervalos musicais.
Versão para 2 pianos (1950)
Em outros documentos consta
o título Soneto ao Menino
Jesus de Aracoeli
Versão Rimas para o Menino
Jesus (1988) para orquestra de
cordas
159
1961
Estudo abstrato: Bruma (evocando
Claude Debussy)
Piano
3’
Biblioteca da ECA
Ms (3p.)
1961
Noite (evocando Maurice Ravel)
Piano
2’
1961
Outonal (evocando Ottorino
Respighi)
Piano
5’
29/11/1974, Brasília,
Departamento de Música da
Biblioteca da ECA
Universidade de Brasília
Cópia xerox (2p.)
Piano: Paulo Affonso de
Moura Ferreira
Biblioteca da ECA
Ms (6p.)
1961
Sonata Fantasia nº1: ao Mar
Piano
20’
Biblioteca da ECA
Ms
1966
Veleiro Dois Irmãos
Piano
5’
1967
Rosas dentro da noite...
Piano
Biblioteca da ECA
Ms (14p.)
Biblioteca da ECA
Ms (4p.)
1967
Tarde!...
Piano
5’
Biblioteca da ECA
Ms (6p.)
1968
Sempre...
Piano
1969
Andante cantabile e Allegro
cantabile
Piano
1969
Interlúdio cantábile
Piano
1970
Interlúdio nº2
1971
1971
1971
Não localizada
Piano
3’30”
Biblioteca da ECA
Ms (16p.)
Biblioteca da ECA
Ms (3p.)
Canto breve
Piano
2’30”
Não localizada
Em sons musicais
Piano
Piano
Versão como 1º tempo do Trio
Som Esquecido para piano,
violino e trompa (1975)
Biblioteca da ECA
Ms (15p.)
6’
Sons musicais dos sinais gráficos
Prêmio menção honrosa no
XX Concurso Internazionale di
Musica Gian Battista Viotti –
Arezzo Itália, janeiro de 1975
Versão para orquestra (1989) e
redução para piano (1989)
Versão para orquestra de
cordas (1971)
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (5p.)
15’
Não localizada
Versão Pensamentos poéticos
para clarineta, fagote, trompa,
violino, viola, violoncelo e
contrabaixo (1976) e Momento
musical dos sinais gráficos
para orquestra de cordas
(1971)
160
1972
Estudo jogral
Piano
1972
Poema ignoto
Piano
4’
Biblioteca da ECA
Ms (5p.)
Biblioteca da ECA
Ms (4p.)
1972
Som esquecido
Piano
2’
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (5p.)
1973
As meninas
Piano
Biblioteca da ECA
Ms (3p.)
1973
Estudo sinfônico
Piano
Biblioteca da ECA
Ms (16p.)
1973
O mosquito escreve
Piano
Biblioteca da ECA
Ms (2p.)
1973
Rômulo rema
Piano
Biblioteca da ECA
Ms (2p.)
1973
Série Lamento e réplica
n.1
n.2
n.3
Piano
1975
Canto breve nº2
Piano
1975
Estudo Expressionista: Dilema
Piano
1975
Pensamentos poéticos
Piano
15’
5’
Versão para violino e piano
(sem data)
Versão Desejo para voz e
piano (1974)
Versão do 2º tempo do Trio
Som Esquecido para piano
violino e trompa (1975)
Interpretação poético musical
das palavras de Cecília
Meireles
Versão para voz e piano (1973)
e para harpa (1974)
Original para orquestra e piano
(1973)
Interpretação poético musical
das palavras de Cecília
Meireles
Versão para voz e piano
(1973), para 2 vozes e piano
(1973) e para harpa (1974)
Interpretação poético musical
das palavras de Cecília
Meireles
Versão para 2 vozes e piano
(1973) e versão para voz e
piano (1973)
Biblioteca da ECA
Biblioteca da ECA
Ms e cópia xerox
(6p., 6p., 9p.)
Biblioteca da ECA
Ms (2p.)
Biblioteca da ECA
Ms (4p.)
Biblioteca da ECA
Ms (11p.)
Versão Lamento e réplica para
harpa (1989)
20/09/1984, Brasília,
Embaixada do Canadá
Piano: Paulo Affonso de
Moura Ferreira
161
1975
1976
Sonata Fantasia nº 3
1. Galáxia
2. Rosal sideral
3. Asteróides
Ballet Fantasia: Simbolismo e
Vivência do Jardim Botânico do
Rio de Janeiro
Piano
20’
6’
4’
10’
Biblioteca da ECA
Ms
Biblioteca da ECA
Ms
Piano
1976
Canto Breve nº2
Piano
2’
Biblioteca da ECA
Ms (2p.)
1976
Estudos para piano solo
Harpejos
Escalas – execução simultânea em
tons maiores e menores
Piano
8’
1976
Meditação, estudo harpejos
Piano
1976
Mosquitos
Piano
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (5p.,
3p.)
Biblioteca da ECA
Ms (4p.)
Biblioteca da ECA
Ms (2p.)
1976
1976
1976
Preâmbulo e Epigramas para três
anjos
1. Gabriel
2. Rafael
3. Miguel
Prismas do Dragão de sete cabeças
coroadas
Sonata Fantasia nº3: Sonata
Campestre
1. Paisagem
2. Modinha
3. Rancheira
9’
Piano
3’
3’
3’
Biblioteca da ECA
Ms (7p., 5p., 5p.)
Piano
6’
Biblioteca da ECA
Ms (8p.)
30’
Piano
10’
10’
10’
Biblioteca da ECA
Ms
4’
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (6p.)
1977
Estudo Expressionista: Apelo
Piano
1978
Britando pedra no morro azul
Piano
1978
Letras
Piano
1979
Estudo
Piano
Biblioteca da ECA
Ms (6p.)
30’
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (35p.)
Biblioteca da ECA
Ms (4p.)
Original para orquestra (1976)
2. Versão Canção do Exílio
(1974) para voz e piano
3. Versão Saga da Terra
Gaúcha (1975) para orquestra
Versão para coro feminino ou
infantil (1979) e No morro
azul (1979) para coro feminino
162
1979
Momentos infantis
1. Levadice
2. Ternura
3. Brincadeira
Piano
Biblioteca da ECA
Ms (3p., 3p., 5p.)
1979
O girassol
Piano
Biblioteca da ECA
Ms (2p.)
Versão para harpa (1979)
1979
Série folhas no outono: As folhas
estão caindo, As folhas estão
bailando, As folhas são recolhidas
Piano
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (4p.)
Versão para harpa (sem data)
1980
Miragem
Piano
1980
Tema e variações
Piano
1981
A sereia santa
Piano
1982
Oh! Minha flor!
Piano
1982
Oh! Veja a lua!
Piano
1’
1983
Santuário (a floresta), concerto
Piano
10’
1985
Nasce uma flor
Piano
4’30”
1985
No parque... a oração
Piano
1985
Traços
Piano
1986
“
“
“
“
1987
“
1989
1988
Série retratos
Nº 1 para Cristina, com amor
Nº 2 Leila
Nº 3 para Waldiza, Val de flores
Nº 4 para Paulo Reis
Nº 5 Ana
Nº 6 Veronica
Nº 7 Lucia
Nº 8 ao meu irmão
Nº 9 trio motor
Piano
“
“
“
“
“
“
Violoncelo
Voz e piano
1987
Ascenção
Piano
4’
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (4p.)
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (10p.)
Biblioteca da ECA
Ms (4p.)
Biblioteca da ECA
Ms (1p.)
Biblioteca da ECA
Ms (2p.)
Biblioteca da ECA
Ms (20p.)
Biblioteca da ECA
Ms (7p.)
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (10p.)
Biblioteca da ECA
Ms (6p.)
Biblioteca da ECA
Ms e cópia xerox
(7p., 6p., 7p., 10p.,
6p., 22p. 10p., 13p.,
7p.)
Biblioteca da ECA
Ms (7p.)
Nº 4: versão para piano e
trompete (1986)
163
1987
Bilhete perdido e entendimento
Piano
1987
Estudo improviso
Piano
6’
Biblioteca da ECA
Ms (5p.)
Biblioteca da ECA
Ms (6p.)
1989
Interlúdio cantábile (2ª versão)
Piano
8’
Biblioteca da ECA
Ms (7p.)
?
Noite de fosforescência na praia
comprida
Piano
Primeira versão para piano
(1969) e original para
orquestra (1989)
Não localizada
Trompete
1984
Quaerens, concerto
Biblioteca da ECA
Ms
Trompete
Duo
Piano e instrumento
1932
Andante Cantabile
Violoncelo e piano
3’
1950 /
1978
Noite em Salamanca
2 pianos
3’
1951
Na Pérgola
2 pianos
4’
1965
O lago
Viola e piano
5’
1969
Canção
Violoncelo e piano
2’
1969
O lago
Violoncelo e piano
5’
1969
Violão do céu
Violoncelo e piano
1970
Sonata: Recitativo, Introito, 2º
tempo, Resxurexis
Violino e piano
30’
1971
Adagio cantábile
Oboé e piano
3’
25/05/1932, Vitória (ES),
Teatro Glória
Versão de Viola do céu para
Não localizada
Violoncelo: Bruno Waldbch
viola e piano (1974)
Piano: Lycia de Biase Bidart
27/11/1953, Rio de Janeiro,
Palácio da Cultura
Biblioteca da ECA
Original para piano (1950)
Pianos: Ilara Gomes Grosso
Ms (11p.)
e Lourdes Gonçalves
27/11/1953, Rio de Janeiro,
Palácio da Cultura
2ª versão (1976)
Pianos: Ilara Gomes Grosso
Não localizada
e Lourdes Gonçalves
Biblioteca da ECA
Versão para violoncelo e piano
Cópia xerox (9p.)
(1969)
Biblioteca da ECA
Versão de Se eu fosse rico,
Ms (3p.)
para canto e piano (1969)
Original para viola e piano
Não localizada
(1965)
Biblioteca da ECA
Ms (3p.)
Biblioteca da ECA
Ms
Biblioteca da ECA
Ms (p. 1-3)
164
1971
Allegretto gioioso
Oboé e piano
3’
1971
As estrelas
Oboé e piano
1’
1971
Cantabile
Oboé e piano
1971
Flor da madrugada
Oboé e piano
1’
1971
Uma rosa
Oboé e piano
2’30”
1973
Concertino
Flauta e piano
6’
1974
Concerto
Violoncelo e piano
1974
Serenata
Viola e piano
4’
Biblioteca da ECA
Ms (p. 1-6)
Biblioteca da ECA
Ms (p. 11-12)
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (4p.)
Biblioteca da ECA
Ms (p. 9-10)
Biblioteca da ECA
Ms (p. 7-11)
Biblioteca da ECA
Ms
Biblioteca da ECA
Ms (14p. e partes)
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (5p.)
1974
Sonata Fantasia
1. Allegro molto
2. Adagio
3. Allegro molto
Violoncelo e piano
11’
Não localizada
1974
Viola do céu
Viola e piano
3’
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (3p.)
1975
Rosal (Andante Cantabile)
Violino e piano
4’
Não localizada
1975
Solidão
Oboé e piano
2’
Biblioteca da ECA
Ms (3p.)
25/08/1975
1976
Uma canção para Renata (2ª
versão)
Escalas – execução simultânea em
tons maiores e menores – Allegro e
Largo catabile
Biblioteca da ECA
Ms (3p.)
Flauta e piano
Clarineta e piano
4’
Não localizada
Biblioteca da ECA
Ms (8p. e parte)
Biblioteca da ECA
Ms (9p. e parte)
Biblioteca da ECA
Ms (27p.)
1976
Estudo
Clarineta e piano
6’
1976
Meditação
Flauta e piano
8’
1976
Na Pérgola (2ª versão)
2 pianos
10’
Original para voz e piano
(1932)
Original para voz e piano
(1953)
Ver Nota 1 ao final da listagem
Versão do Andante Cantabile
para violoncelo e piano (1932)
Primeira versão do 2º tempo da
Sonata Fantasia: Galáxia para
piano (1974)
Tema de Solitude para soprano
e piano (1974), versão para
piano e trompete (1977) e para
coro (1987)
Primeira versão de 1976
Primeira versão (1951)
165
1976
Uma canção para Renata
Flauta e piano
1’30”
1977
Concerto
Trompete e piano
25’
Biblioteca da ECA
Ms (2p.)
Biblioteca da ECA
Ms (1 parte)
1977
Solitude
Trompete e piano
Biblioteca da ECA
Ms (3p. e partes)
1978
Concerto (2ª versão)
Trompete e piano
Biblioteca da ECA
(2 partes)
1978
Série sortilégio
Nº 1
Nº 2
Nº 3
2 pianos
15/09/1980
Eco
Trompa e piano
1982
Adagio cantabile
Oboé e piano
1984
Concertino fantasia
Trompa e piano
1984
Concerto ao ar livre:
A noite
Ao entardecer
Nasce uma flor
Fagote e piano
1986
Série retratos: nº 4, para Paulo Reis
Trompete e piano
Sem data
Canto de ninar
Flauta e piano
Sem data
Estudo jogral
Violino e piano
5’
3’30”
Segunda versão (1975)
Texto: Lycia de Biase Bidart
Versão para soprano e piano
(1974) e Solidão para oboé e
piano (1975) e para coro
(1987)
Biblioteca da ECA
Ms (11p., 6p., 4p. e
partes)
Biblioteca da ECA
Ms (4p. e partes)
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (4p.)
Biblioteca da ECA
Ms
Biblioteca da ECA
Ms (13p., 4p., 11p. e
partes)
Biblioteca da ECA
Ms (12p. e partes)
Biblioteca da ECA
Ms (4p.)
Biblioteca da ECA
Ms (12p.)
Versão para piano (1986)
Versão para piano (1972)
Outros duos
1966
Allegretto gioioso
Flauta e harpa
3’
Não localizada
1966
Berceuse
Flauta e harpa
2’
Não localizada
1966
Duas rosas
Flauta e harpa
3’
1974
A bailarina
2 flautas
2’
Não localizada
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (3p.)
Tema de Lúcia para canto e
piano (1947)
Tema de Cantiga de ninar para
voz e piano (1953)
Ver Nota 1 ao final da listagem
166
1974
Danças ameríndias brasileiras:
estudo em quartas
Violino e viola
1974
Estudo
2 violas
1974
Estudo em quintas
Violino e viola
10’
1974
O cavalinho branco
2 flautas
2’
1975
Criança e adulto
Flauta e contrabaixo
2’
1975
Criança e adulto
Oboé e fagote
2’
1975
Duo matinal
2 clarinetas
2’
Biblioteca da ECA
Ms (3p.)
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (4p.)
Biblioteca da ECA
Ms (5p.)
Biblioteca da ECA
Ms (4p.)
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (3p.)
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (4p.)
Biblioteca da ECA
Ms (3p.)
2 trompas
4’
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (6p.)
1975
1980
1987
Estudos expressionistas:
Espelho
Eco
Sombra e luz
Duas peças fáceis:
Cantilena
Conversa de bonecas
2 violinos
Violino e viola
Evocação
Flauta e harpa
4’
Biblioteca da ECA
Ms (2p., 1p.)
Biblioteca da ECA
Ms (9p.)
Trio
1973
1973
1973
1974
Estudos sobre os intervalos de 2ªs
3ªs
4ªs
5ªs
6ªs
7ªs
Loetitia ou trio jogral
Série intervalos musicais: 2ªs, 3ªs,
4ªs, 5ªs, 6ªs, 7ªs, Várias
Série Esboço:
Allegro e Andante molto
Andante appassionato
Allegro cantábile
Molto lento
Ver Nota 1 ao final da listagem
Violino, viola e piano
25’
Biblioteca da ECA
Ms (7p., 7p., 4p.,
11p., 7p., 5p. e
partes)
Piano, violino e violoncelo
20’
Não localizada
Piano, violino e violoncelo
20’
Não localizada
Piano, violino e violoncelo
20’
Não localizada
Versão para flauta (1987)
167
Flauta, clarineta e trompa
15’
1975
Cantos Tupis:
Tumurutaca
Flor verde
Canção sensual
Cantiga de roda
Fantasia
Colóquio
Piano, violino e violoncelo
2’
1975
Ecos indígenas
Trompa e 2 clarinetas
1’30”
1975
1975
Trio som esquecido
2ª parte
3ª parte
Piano, violino e trompa
1976
Serenga, fantasia sobre canto de
remadores do rio Tietê
Clarineta, fagote e trompa
1976
Sombras, adágio cantábile
Piano, flauta e violino
10’
1976
Trio Loetitia ou trio jogral (2º
tempo)
Piano, violino e violoncelo
20’
1983
Verso e reverso
Clarineta, violoncelo, piano
1984
1987
Sonata ao ar livre:
A cascata
O lago
Noturno
Painel sonoro:
Lúcia
Verônica
30’
Biblioteca da ECA
Não localizada
Cópia xerox (2p.)
Não localizada
Cópia xerox (2p.)
Cópia xerox (8p.)
Não localizada
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (4p.)
Coletânea: Poemas e Canções
dos Índios Tupis, de Wilson
Pinto.
27/09/1976, 1º movimento,
Brasília, Auditório da Escola
Biblioteca da ECA
de Música de Brasília
Ms (18p.)
Piano: Neusa França
Violino: Flávio Gontijo
Trompa: Raymundo Martins
Original para coro a capella
(1976) e versão para quarteto
(1976)
Original para soprano, piano e
violino (1965)
Biblioteca da ECA
Ms (4p.)
Biblioteca da ECA
Ms (14p.)
Biblioteca da ECA
Ms
Biblioteca da ECA
Cópia xerox
Biblioteca da ECA
Ms (22p., 14p., 15p.
e partes)
Clarineta, violoncelo, piano
Biblioteca da ECA
Ms (24p., 28p. e
partes)
Clarineta, violoncelo e piano
Sax tenor e piano
Quarteto
1974
1975
Quarteto Albatroz:
O mar
A tarde
A noite
Série Brasília
1ª parte – Cidade Progressão
2ª parte – Cidade Paz
3ª parte – Cidade Louvação
Quarteto de cordas
Quarteto de trompas
21’
Biblioteca da ECA
Ms (4 partes)
30’
Biblioteca da ECA,
Cópia xerox (15p.
dividida em 7 partes,
8p., 11p.)
27/09/1976, Brasília,
Embaixada da Alemanha
Quarteto de cordas da
Universidade de Brasília
168
1975
Canção da Baraúna (1ª versão)
2 clarinetas e 2 trompas
10’
Biblioteca da ECA
Ms (6p.)
1976
Serenga: fantasia sobre canto de
remadores do Rio Tietê
Flauta, clarineta, fagote e trompa
2’
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (5p.)
1977
Morrerei quando me faltar música
Quarteto de cordas
1984
Solitate
Quarteto de cordas
1984
Colloquium
Quarteto de cordas
?
Canção da Baraúna (2ª versão)
2 clarinetas e 2 trompas
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (8p.)
Original para coro a capella
(1976) e versão para trio
(1976)
Texto: Augusto Frederico
Schmidt
Versão para voz e piano (1977)
Biblioteca da ECA
Ms (6p. e 4 partes)
Biblioteca da ECA
Ms (8p. e 4 partes)
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (6p.)
Quinteto
1966
Elegia
1966
Estudo abstrato
1966
Interlúdio de Natal
1970
Série Danças
1974
Cantos ameríndios nº 2
Flauta, oboé, clarineta, fagote e
trompa
Flauta, oboé, clarineta, fagote e
trompa
5’
Não localizada
6’
Não localizada
Flauta, oboé/ottavino, clarineta, fagote
e trompa
5’
Quinteto de sopros: Flauta, oboé,
clarineta, fagote e trompa
Flauta, oboé, clarineta, fagote e
trompa
15’
2’
24/11/1966, Rio de Janeiro,
Concertos para a Juventude
– Auditório Rádio Globo
Flauta: Lenir Siqueira
Biblioteca da ECA
Oboé: Braz Limongi
Ms (3p.)
Clarineta: José Botelho
Trompa: Jairo Ribeiro
Fagote: Noel Devos
Biblioteca da ECA
Medidas do documento: 38cm
Ms (18p. e 5 partes)
x 28cm
Biblioteca da ECA
Ms (5p.)
169
1974
Dedicando: pequenos trechos
musicais
1º Alfa
2º Cantiga de roda
3º O rio
4º Claro-escuro
5º Polêmica
6º Reflexão
7º Sete Notas
8º Ômega
1988
A cachoeira
1971
Flauta, oboé, fagote, trompa e
clarineta
15’
27/08/1975, Brasília, Sala
Martins Penna
Quinteto de Sopros da UNB
Flauta: Odette Ernst Dias
Biblioteca da ECA
Oboé: Vaclav Vinecky
Cópia xerox (10p.)
Fagote: Jean Pierra Berlioz
Clarineta: Luiz Gonzaga
Carneiro
Trompa: Bohumil Med
Flauta, clarineta, violoncelo, violino e
Biblioteca da ECA
piano
Ms (25p.)
Outros conjuntos
Série intervalos
2ªs e 3ªs
4ªs, em forma de dança indígena
brasileira
Flauta, oboé, clarineta, trompa, fagote
5ªs, Scherzo
e piano
6ªs
7ªs
Final, vários
20’
Biblioteca da ECA
Partitura manuscrita
(4p. e 6 partes, 13p.,
3p., 10p., 6p., 4p.,
5p.)
1971
Canto Praieiro
Flauta, oboé, clarineta, trompa, fagote
e piano
2’
Biblioteca da ECA
Partitura (4p. e 6
partes)
1976
Pensamentos poéticos
Clarineta, fagote, trompa, violino,
viola, violoncelo e contrabaixo
10’
Biblioteca da ECA
Ms (20p.)
1976
Nonada e toada
Flauta/clarineta, oboé, fagote, trompa,
2 violinos, viola, violoncelo e
contrabaixo
10’
Biblioteca da ECA
Ms (25p.)
10’
Biblioteca da ECA
Ms (25p.)
1984
Noite na campina
Oboé, clarineta, fagote, trompa, 2
violinos, viola, violoncelo e
contrabaixo
Medidas do documento: 41cm
x 28cm
Original Cantiga Praiana para
canto e piano (1953) e para
coro (1956)
Original Sons musicais dos
sinais gráficos para piano
(1971) e versão Momento
musical dos sinais gráfico para
orquestra de cordas (1971)
Medidas do documento: 38cm
x 28cm
Há versão com 2 flautas
substituindo o oboé (não
encontrada)
170
Banda
Flautim, requinta, 2 clarinetas em Sib,
2 saxofones-contralto, saxofone
soprano, 2 saxofones-tenor, saxofone
Biblioteca da ECA
10’
barítono, 3 bombardinos, 2 barítnos, 2
Ms
trompas, trombone (solista), 2
trombones baixos, caixa clara e pratos
Flautim, requinta, 2 clarinetas em Sib,
saxofone contralto, saxofone tenor,
saxofone barítono, 4 trompetes em
Biblioteca da ECA
Sib, 2 bugles e Sib, 2 trombones em
10’
Ms (12p.)
Dó, trompa, 3 bombardinos, barítono
em Sib, contrabaixo em 10’Sib, caixa
clara, bombo e pratos
Orquestra
Orquestra de cordas
Orquestra de cordas
3’
Não localizada
Orquestra de cordas
2’30”
Não localizada
1931
Prelúdio nº1, Ré maior
1931
Prelúdio nº2, Fá maior
1967
1967
Estudo abstrato
Intermezzo
1971
Canto breve
Orquestra de cordas
2’30”
Não localizada
1971
Momento de Mefisto
Orquestra de cordas
2’30”
Não localizada
1971
Momento musical do jogral
Orquestra de cordas
3’
Não localizada
1971
Momento musical dos sinais
gráficos
Orquestra de cordas
3’
Não localizada
1976
Canção sensual – Tema Tupi
Orquestra de cordas
10’
Não localizada
1976
Flor verde – Tema Tupi
Orquestra de cordas
10’
Não localizada
Original para orquestra (1967)
Original para orquestra (1931)
Versão Canto breve para piano
(1971)
Original Sons musicais dos
sinais gráficos para piano
(1971) e versão Pensamentos
poéticos para clarineta, fagote,
trompa, violino, viola,
violoncelo e contrabaixo
(1976)
Coletânea Poemas e Canções
dos Índios Tupis, de Wilson
Pinto
Coletânea Poemas e Canções
dos Índios Tupis, de Wilson
Pinto
171
Biblioteca da ECA
Ms (21p.)
1988
Bonn coroada de rosas
Orquestra de cordas
1988
Rimas para o Menino Jesus
Orquestra de cordas
196710
Prelúdio nº 1, Ré menor
Flautim, 2 flautas, 2 oboés, 2
clarinetas, 2 fagotes, 4 trompas, 3
trombones, tuba-baixo, tímpanos,
bombo, pratos, caixa-clara, harpa e
cordas
4’
1931
Intermezzo, em Ré maior
Flautim, 2 flautas, 2 oboés, 2
clarinetas, fagote, 4 trompas, 2
trompetes, tímpanos, harpa e cordas
4’
Prelúdio nº 2, Fá maior
Flautim, 2 flautas, 2 oboés, 2
clarinetas, 3 fagotes, 4 trompas, 3
trompetes, tuba-baixo, pratos,
tímpanos, harpa e cordas
4’
Prelúdio nº 3, Dó maior
Flautim, 2 flautas, 2 oboés, 2
clarinetas, 3 fagotes, 4 trompas, 3
trompetes, 3 trombones, tuba-baixo,
tímpanos, harpa e cordas
4’
Anchieta, Poema Sinfônico
Flautim, 2 flautas, 2 oboés, corne
inglês, 2 clarinetas, 2 fagotes, contrafagote, 4 trompas, 4 trompetes, 3
trombones, tuba-baixo, tímpanos,
tantã, celesta, harpa e cordas
30’
10’
Biblioteca da ECA
Ms (21p. e 5 partes)
Versão Série Germânica: 2.
Canção das rosas – À cidade
de Bonn para orquestra de
cordas (1977) e Bonn von
rosen gekront para orquestra
(1988)
Versão Soneto Santo Bambino
de Aracoeli (1950) para piano
Orquestra
1931
1931
1934
10
18/08/1930, Rio de Janeiro,
Theatro Municipal
Versão para banda militar
Não localizada
Orquestra Sinfônica do
(1931)
Theatro Municipal
Regente: Francisco Braga
20/08/1931, Rio de Janeiro,
Theatro Municipal
Não localizada
Orquestra Sinfônica do
Theatro Municipal
Regente: Giovanni Giannetti
20/08/1931, Rio de Janeiro,
Theatro Municipal
Biblioteca da ECA
Versão para banda militar
Orquestra Sinfônica do
Ms (20p. e 19 partes)
(1931)
Theatro Municipal
Regente: Giovanni Giannetti
20/08/1931, Rio de Janeiro,
Theatro Municipal
Orquestra Sinfônica do
Não localizada
Theatro Municipal
Regente: Giovanni Giannetti
30/09/1934, Rio de Janeiro,
Theatro Municipal
Orquestra Sinfônica do Medidas do documento: 38cm
Biblioteca da ECA
Theatro Municipal
Ms (45p.)
x 28cm
Regente: Lycia de Biase
Bidart
A peça foi estreada em 1930, mas no Catálogo do Itamaraty está com a data de 1967. Provavelmente ela mudou algo na partitura nessa segunda data e a deixou registrada dessa
forma.
172
1934
1944
1945
1951
Angelus, Momento Sinfônico
Flautim, 2 flautas, 2 clarinetas, 2
fagotes, 4 trompas, 4 trompetes,
tímpanos, harpa e cordas
Flautim, 2 flautas, 2 oboés, corne
Variações sobre o tema “Notturno
inglês, 4 fagotes, 4 trompas, 4
per la mano sinistra” de Giovanni
trompetes, celesta tímpanos, cordas e
Giannetti
piano
Flautim, 2 flautas, 2 oboés, corne
inglês, 2 clarinetas, 2 fagotes, 4
Overture “O mar”
trompas, 4 trompetes, 3 trombones,
tuba-baixo, tímpanos, harpa, sinos e
cordas
Quadrilha
Momentos Sinfônicos
Angelus
1966
2º Mefisto
3ª matinas meio dia
1970
1971
Flautim, flauta, oboé, clarineta, fagote,
voz celeste, harpa, sinos e arcos
Variações sinfônicas
Adagio Improviso
4’
4’
Não localizada
20’
Não localizada
5’
Não localizada
Flautim, flauta, oboé, clarineta, fagote,
harpa, celesta, sinos e cordas
Mefisto: Flautim, 2 flautas, oboé,
fagote, 4 trompas, 4 trompetes, 4
trombones, 3 tubas-baixo, tímpanos
Biblioteca da ECA
Ms (6p.)
15’
Matinas e Meio dia: flautim, 2 flautas,
2 oboés, corne inglês, 2 clarinetas, 2
fagotes, 4 trompas, 4 trompetes, 3
trombones, tímpanos, harpa, celesta,
sinos, cordas
2 flautins, 2 flautas, 2 oboés, 2
clarinetas, 2 fagotes, contrafagote, 4
trompas, 2 trompetes, 4 trombones,
tuba baixo, tímpano e cordas
Flauta, 2 oboés, fagote, 2 trompas e
cordas
30/09/1934, Rio de Janeiro,
Theatro Municipal
Orquestra Sinfônica do
Biblioteca da ECA
Theatro Municipal
Ms (6p. e 11 partes)
Regente: Lycia de Biase
Bidart
Ms (11p.)
Não localizada
Não localizada
4’
Não localizada
14/09/1971, Rio de Janeiro,
Sala Cecília Meireles
Orquestra de Câmara do Rio
de Janeiro
Regente: John Luciano
Neschling
173
1971
Intermezzo
Flauta, 2 oboés, fagote, 2 trompas e
cordas
1974
Série: O momento sugere
1. Berceuse
2. Mefisto
3. Caronte
4. Aleluia
Flauta, oboé, 2 trompas, 5 violinos I, 4
violinos II, 3 violas, 2 violoncelos e
contrabaixo
1976
1977
1977
2 flautas e harpa solista, 3 oboés, e
Fantasia Sinfônica sobre ritmos de
clarinetas, 2 fagotes, 4 trompas, 4
dança: Baião, Valsa, Polca,
trompetes, 4 trombones, 4 tímpanos,
Rancheira e Galope
pandeiro e cordas
flautim, 2 flautas, 2 oboés, 2
clarinetas, 2 fagotes, 4 trompas, 3
Canto sinfônico – À catedral de
trompetes, 3 trombones, tuba-baixo,
Colônia
harpa, tímpanos e cordas
F=Flautim, 2 flautas, 2 oboés, 2
clarinetas, 2 fagotes, 4 trompas, 3
Canto sinfônico – À cidade de
trompetes, 3 trombones, tuba-baixo,
Colônia
harpa, tímpanos e cordas
Série Germânica
1.
Prelúdio Sinfônico
1977
2.
3.
1982
Canção das rosas – À
cidade de Bonn
Às colinas de Bonn
Caminhos
Biblioteca da ECA
Ms (8p.)
20’
Biblioteca da ECA
Ms (25p.)
15’
Biblioteca da ECA
Cópia xerox
6’
Biblioteca da ECA
Ms (47p.)
5’
Não localizada
Medidas do documento: 42cm
x 28cm
Medidas do documento: 48cm
x 33cm
Medidas do documento: 48cm
x 33cm
Medidas do documento: 44cm
x 28cm
14’
Flautim, 2 flautas, 2 oboés, 2
clarinetas, 2 fagotes, 4 trompas, 3
trompetes, 3 trombones, tuba-baixo,
harpa, caixa, pratos, tímpanos e cordas
4’
Orquestra de cordas
3’
Flauta, 2 oboés, fagote, 2 trompas e
cordas
2 flautas, 2 clarinetes, 2 trompas, 2
trompetes, 2 trombones e cordas
7’
Medidas dos documentos:
45cm x 29cm, 38cm x 28cm,
45cm x 29cm
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (17p.,
5p., 17p.)
2. Canção das rosas: versão
Bonn von rosen gekront (1988)
para orquestra e Bonn coroada
de rosas (1988) para orquestra
de cordas
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (32p.)
1988
Bonn von rosen gekront
2 clarinetes, 2 fagotes, trompa e cordas
Biblioteca da ECA
Ms (38p.)
1989
Poema sinfônico Cecília Meireles
Orquestra
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (54p.)
Versão Série Germânica: 2.
Canção das rosas – À cidade
de Bonn para orquestra de
cordas (1977)
Medidas do documento: 45cm
x 32cm
174
?11
1969
1969
1970
1970
1971
Biblioteca da ECA
Ms (15p.)
Orquestra e instrumento solista
Piano solista, flautim, 2 flautas, 2
oboés, 2 clarinetas, 3 fagotes,
contrafagote, 4 trompas, 4 trompetes,
Andante e Allegro Cantabile
10’
Não localizada
3 trombones, tuba-baixo, tímpanos e
cordas
Piano solista, flautim, 2 flautas, 2
clarinetas, 3 fagotes, 4 trompas, 4
Interlúdio Cantando
15’
Não localizada
trompetes, 4 trombones, tuba-baixo,
tímpanos e cordas
Biblioteca da ECA
Concerto introito
Orquestra, piano e violino
Ms (32p.)
Piano e violino solistas, flautim, 2
flautas, 2 oboés, corne inglês 2
Concerto Rio 70
10’
Não localizada
clarinetas, 2 fagotes, 4 trompas, 2
trompetes, tímpanos e cordas
Piano solista, flautim, 2 flautas, 2
oboés, 2 clarinetas, 2 fagotes, 4
Estudos sobre intervalos musicais
6’
trompas, 2 trompetes, 3 trombones,
- Intervalos de 2ª
2’
Não localizada
tuba-baixo, 2 pares de tímpanos e
- Intervalos de 3ª
4’
cordas
O lago, abertura
Orquestra
1973
Estudo sinfônico
Orquestra e piano
Biblioteca da ECA
Ms (44p.)
1989
Interlúdio cantabile
Orquestra e piano
Biblioteca da ECA
Ms (27p.)
Sem data
Sempre cantabile
1967
Canto jovem!...
11
A data não pode ser confirmada.
Biblioteca da ECA
Ms (38p.)
Orquestra/conjuntos e voz solista
Flauta, oboé, clarineta, 2 trompas, 4
Biblioteca da ECA
pistões, 3 trombones, tuba, tímpano,
Ms (21p.)
bateria, cordas, voz solista e coro
misto (optativo)
Orquestra e piano
Medidas do documento: 43cm
x 30cm
Medidas do documento: 47cm
x 32cm
Redução para piano (1973)
Versão para piano (1969) e
redução para piano (1989)
Medidas do documento: 46cm
x 28cm
Medidas do documento: 44cm
x 30cm
Texto: Lycia de Biase Bidart
Versão para voz e piano (1966)
e coro (1985)
175
Texto: Augusto Frederico
Schmidt
Versão para voz, piano e flauta
(1977)
Texto: Augusto Frederico
Schmidt
Versão para voz e piano (1977)
Texto: Augusto Frederico
Schmidt
Original para voz e piano
(1976)
Texto: Augusto Frederico
Schmidt
Versão para piano e 2 vozes
(1977)
Texto: Augusto Frederico
Schmidt
Versão para voz e piano (1977)
Texto: Augusto Frederico
Schmidt
Versão para voz e piano (1977)
1976
Poema
Voz masculina, flauta, harpa e cordas
10’
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (13p.)
1977
Canto da Noite (em forma de
cantata)
Contralto, barítono, clarineta, harpa e
cordas
20’
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (37p.)
1977
Quero possuir o Azul, quero o Azul
Soprano ou tenor, flautim, 2 flautas, 2
oboés, 2 clarinetas, 2 fagotes e 2
trompas
10’
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (21p.)
1977
O grande momento
Soprano, mezzosoprano e orquestra
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (4p.)
1977
Por que chorar?
Mezzosoprano, campanas tubulares,
flauta, oboé, clarineta, trompa e fagote
Biblioteca da ECA
Ms (11p.)
1977
Quatro
Soprano e quarteto de cordas
1985
Preâmbulo e Liberdade!
Flautim, 2 flautas, 2 oboés, cornoinglês, 2 clarinetas, clarineta baixo, 2
fagotes, contra-fagote, 4 trompas, 3
trompetes, 3 trombones, tuba,
tímpano, harpa, cordas, percussão e
voz falada
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (52p.)
Redução para piano (1985)
Sem data
Confidência
Orquestra e voz solista
Biblioteca da ECA
Ms (7p.)
Versão para coro (1985)
3’
Biblioteca da ECA
Cópia xerox (8p.)
Orquestra e coro
1932
1969
Chanaan (Poema sinfônico)
3 Flautas, 3 oboés, 2 clarinetas, 3
fagotes, 4 trompas, 4 trompetes, 3
trombones, tuba, 4 tímpanos, coro
feminino e cordas
20’
31/10/1932, Rio de Janeiro, Texto: Lycia de Biase Bidart
Theatro Municipal
Medidas do documento: 42cm
Biblioteca da ECA
Orquestra Sinfônica do
x 31cm e 14 partes
Ms (29p.)
Theatro Municipal
Versão para coro e piano
Regente: Giovanni Giannetti
(1932)
Polifonia Coral “Rio de Janeiro”
Flautim, 2 flautas, 2 oboés, corne
inglês, 2 clarinetas, 2 fagotes, 4
trompas, 2 trompetes, 4 trombones,
tímpanos, harpa, cordas e coro
(SATBarB)
15’
Biblioteca da ECA
Ms (59p.)
Texto: Lycia de Biase Bidart
Medidas do documento: 43cm
x 29cm
176
Cantos ameríndios brasileiros
1. Ressonâncias
1973
2.
3.
1975
Madrugada
Convite tribal
A saga da terra gaúcha
Evocação
Ecos indígenas
Epopéia luso-brasileira
Primícias e canto do trabalho
Danças: Polca, Rancheira
Interlúdio lírico
Cantos gaúchos
2 Flautas, 2 oboés, 2 clarinetas, 2
fagotes, contrafagote, 2 trompas, 2
tímpanos, 4 contrabaixos, coro
(SMTBarB)
2 Flautas, 2 oboés, 2 clarinetas, 2
fagotes, 1 par de tímpanos, 4
contrabaixos, sopranos e
mezzosopranos
2 Flautas, 2 oboés, 2 clarinetas, 2
fagotes, 4 contrabaixos e coro
(SATBarB)
Flautim, 2 flautas, 2 oboés, corne
inglês, 2 clarinetas, clarineta, baixa, 2
fagotes, contrafagote, 4 trompas, 4
trompetes, 3 trombones, tuba, baixo,
harpa, cordas e coro (SATB)
7’
45’
Biblioteca da ECA
Ms
Fontes: Rondônia, de Roquette
Pinto e História do Brasil, de
Rocha Pombo
Versão para voz e piano (1973)
Biblioteca da ECA
Ms (6 cadernos)
Texto: Lycia de Biase Bidart
Redução para coro e piano
(sem data)
Medidas do documento: 48cm
x 33cm
1986
Cantata de Natal
Orquestra e coro SMTB
Biblioteca da ECA
Ms (40p. e 33 partes)
1988
Sanctus
Orquestra e coro SMTB
Biblioteca da ECA
Ms (82p.)
Redução para coro e piano
(1986)
Medidas do documento: 28cm
x 44cm
Medidas do documento: 30cm
x 43cm
Ópera
1939
A noiva do mar
Abertura
Primeiro ato
Segundo ato
Terceiro ato
1971
Som e cor: interpretação nas cores
do Arco-Íris servindo de fundo
musical – sério Intervalos musicais
em forma de sexteto ou trio
3 flautas, 3 oboés, 2 clarinetas, 2
fagotes, 4 trompas, 4 trompetes, 3
trombones, tuba baixo, 4 tímpanos,
harpa, cordas, coro e solistas
2 horas
Biblioteca da ECA
Ms (49p., 83p., 45p.,
74p.)
Balé
Piano, violino e violoncelo
20’
Não localizada
Libreto extraído da novela de
Xavier Marques A noiva do
golfinho
Versão para piano (sem data)
Medidas do documento: 43cm
x 29cm
177
1976
Ballet Fantasia: Simbolismo e
Vivência do Jardim Botânico do
Rio de Janeiro
Ato 1: Simbolismo
1. Jogos de Luz e sombra
2. Palmas
3. A flor e o beija-flor
4. Insetos
5. Evocação poética
6. Vento e ramagens
Ato 2: Vivência
1. O poeta
2. Crianças
3. Pintores
4. Turistas
5. O guarda e a babá
6. Namorados
7. Professor de Botânica e alunos
8. Jardineiros
9. Final feérico ao cair da tarde
Flautim, 2 flautas, 2 oboés, corne
inglês, 2 clarinetas, 3 fagotes, 4
trompas, 4 trombones, 2 pares de
tímpanos, harpa e cordas
45’
Redução para piano (1976)
Medidas do documento: 48cm
x 33cm
Biblioteca da ECA
Ms (60p.)
Obras didáticas escolares – teatro
1941
Bazar de bonecos
30’
Não localizada
1941
Revista infantil
20’
Não localizada
1942
Louvor matinal (ato lírico em
forma de balé)
30’
Não localizada
1976
1976
Momentos de recreação
Aprendizado no lazer
10’
10’
Não localizada
Não localizada
1941, Rio de Janeiro,
Crianças do Jardim de
Infância do curso Santa Rosa
de Lima
1942, Rio de Janeiro,
Crianças do Jardim de
Infância do curso Santa Rosa
de Lima
Peça para rádio
Peça para televisão
Nota 1: Segundo os documentos, as peças O cavalinho branco, para duas flautas (1974), para voz e piano (1973) e para 2 vozes e piano (1973), Ou isto ou aquilo, para 2 vozes e
piano (1973) e para 2 vozes (1982), Concertino, para flauta e piano (1973), e A bailarina, para voz média e piano (1973), para 2 vozes e piano (1973) e para 2 flautas (1974), são
versões da mesma peça. Tal informação deve ser verificada em estudos posteriores.
178
ANEXO A – FOTOS CEDIDAS PELA FAMÍLIA
Lycia e irmã, sem data
Lycia e sua irmã na Barra da Tijuca, 1926
Lycia em Lambari, 1929
Lycia em Vitória, 1929
179
Lycia e família em Botafogo, 1929
Lycia e João Bidart no Rio de Janeiro, 1931
Lycia no Parque Moscoso, em Vitória, 1932
180
Lycia e João Bidart em passeio a Chanaan, 1932
Lycia e João Bidart na Praia da Costa, 1932
Lycia em Paineiras, 1933
181
Lycia a direita ao lado de suas irmãs em Caxambu, 1933
Lycia em seu casamento, 1933
182
Lycia, a segunda da esquerda para a direita, com suas irmãs e primas no Corcovado, 1933
Lycia e João Bidart no Corcovado, 1933
183
Lycia e Lucia, 1935
Lucia e Cecilia, respectivamente, sem data
João e Lycia, sem data
184
Família De Biase em Vitória, Lycia à esquerda com Lucia e Cecilia de tranças com o avô, sem data
Lycia e João na primeira fileira à esquerda em um avião para a Argentina, sem data
185
João, Lycia, Cecilia e Lucia em viagem à Versalhes, sem data
Lycia e Lucia em obra na casa do Jardim Botânico,
sem data
Lycia e João à esquerda no casamento de Lucia, sem data
186
Lycia, Marcos e Antonio, aproximadamente em 1962
Lycia com Antonio, Cecilia e o marido, Marcos no meio, Lucia e o marido, aproximadamente 1962
187
Lycia, Antonio e Veronica em Caxambu, 1968
Lycia em Caxambu, 1968
Lycia e Marcos em Caxambu, 1968
188
Veronica, Marcos e Lycia, decada de 1980
Lycia, Cecilia, Marcos com Ana no colo e namorada de Marcos com Antonio Carlos no colo, sem data
189
Lycia e Lucia, 1989
Foto 3x4 de Lycia, sem data
Piano de Lycia, atualmente
Batutas de Lycia, atualmente
190
ANEXO B – CARTA DE LYCIA SOBRE SUA FAMÍLIA E INFÂNCIA ESCRITA
PARA A NETA VERONICA
Parte 1 – Sem data
Nasci a 10 de fevereiro de 1910, no interior do Estado do Espírito Santo, na então
Vila do Espírito Santo, hoje intitulada Muniz Freire. 2 meses após meu nascimento meus pais,
Pietrangelo De Biase e Mariarchangela Vivacqua De Biase se mudaram para Vitória, capital
do Estado. Por esta razão considero Vitória como minha cidade de origem. Pois aí me criei e
me desenvolvi, ali hauri o que a vida dá em seus primórdios, de belo e de bom.
Foram meus avós paternos Vicente e Tereza De Biase, e os maternos Giuseppe e
Margherita Vivacqua, ambos italianos.
Meu avô paterno foi um turista nato, no tempo em que nem se falava em turismo.
Antes de vir se estabelecer no Brasil já havia feito para cá cinco viagens de recreio, e afinal
gostando, aqui se estabeleceu. Veio com a família, tendo meu pai ficado na Itália para
completar os estudos.
Meu avô Giuseppe veio só. Aqui se refugiou por motivos políticos. Tendo contraído
a febre amarela no Rio de Janeiro, para restabelecer-se foi-lhe aconselhado por amigos a ida
para os bons ares do Estado do Espírito Santo. Índole prática de se dar a negócios logo
adquiriu um belo baú cheio de artigos vários para vende-los no local onde se domiciliasse em
definitivo. Em princípio passou tempos em uma fazenda acolhedora onde acabou de ficar
bom. Esta fazenda era nos arredores de Cachoeira do Itapemirim e o dono era Vieira de
sobrenome. Quando restabelecido instalou-se na Vila do Espírito Santo. Homem alto, claro,
dos cabelos negros, era forte e bonita pessoa. Corajoso, orgulhava-se de não usar armas de
fogo. Sua defesa era o metro de madeira que usava para medir as mercadorias. Com ele
desbaratava os assaltantes, (nesta época já os havia) que se atrevessem a invadir a loja. Certa
vez foi atacado por um bandido de cavanhaque, ao qual barbicha ele se agarrou com
veemência, fazendo-o rodopiar muitas vezes, até atirá-lo à praça defronte à loja. Qual não foi
a surpresa, ao ver que em sua destra de aviso aos incautos pregou o cavanhaque na parede da
loja!
Passaram-se três anos. Os lucros da loja não apareciam, pois meu avô era dado a
gastos com convidados, etc... Assim sendo minha avó resolveu vir com a família que veio aos
poucos ficando na Itália os filhos Domingos e Egydio para liquidação de algumas
propriedades. Com a vinda de Dona Margherita os fatos entraram nos eixos. A dívida da Casa
191
Vivacqua que era de três contos de reis foi saldada e tudo começou a dar resultado. A minha
mãe Mariarchangela nasceu aqui no Brasil e após ela ainda vieram Pedro, Manoel e Maria.
Parte 2 - Sem data
Quando meu pai veio para o Brasil, após o término dos estudos, aqui encontrou o seu
irmão mais velho, Nicolau, noivo de minha mãe, noivado combinado pelas respectivas
famílias, conforme usança dos tempos.
Apenas se encontraram Pietrangelo e Mariarchangela se apaixonaram. Foi um Amor
Daqueles! Resistiu à pressão familiar que logo cuidou de enviar papai para exercer funções
longe, para assim afastá-lo do convívio com mamãe. Este afastamento durou três anos! Mas
os dois se correspondiam e desmentindo o ditado “Longe dos olhos, longe do coração”, não
arrefecia o mútuo amor.
O curioso é ter sido o meu avô Vivacqua a pessoa encarregada das cartas, o nada
fácil em época na qual o correio organizado não existia para o interior. Bela compreensão teve
o meu avô! Revelou-se contra os costumes da época para ajudar os apaixonados (É curioso
observar que a 3ª geração da família Vivacqua, nos seus folguedos de Teatro Infanto Juvenil
representava o “Drama e Vitória de 2 corações”, vim ter conhecimento desta ocorrência aos
12 anos de idade).
Passados três anos do afastamento de papai certificaram-se as famílias que era inútil
resistir e consentiram no casamento. Aa 1ª filha desta união foi Carmem e eu a segunda.
Contou-me o primo Attilio Vivacqua que na pequenina loja ao lado da casinha de meus pais
se vendiam guloseimas feitas por mamãe e que aí se reuniam habitualmente pessoas de bom
gosto e ávidas de conhecimento para folhear e ouvir comentários sobre livros da literatura
italiana que papai possuía. Dentre estes era predileto o ilustrado por gravuras “Orlando
Furioso” de Ariosto.
Observe-se que mesmo em lugares isolados em pleno interior pode existir um anseio
de cultura da Arte.
Logo após o meu nascimento os meus tios Vivacqua receberam como sócio ao meu
pai, e nós viemos para Vitória onde cresceu a figura de papai como exemplo extraordinário de
Cidadão e Cristão.
Nossas moradias, exceto uma próxima ao Palácio Anchieta foram sempre em frente
ao Parque Moscoso, o que muito concorreu sadiamente para a formação nossa de crianças.
Minhas irmãs e eu muito brincamos aí. Este Parque, desenhado pelo urbanista capixaba Paulo
Motta, veio em belo exemplar da “Belle Epoque”: amplo, dividido por duas largas alamedas
192
que o cortavam em cruz; estas alamedas eram ladeadas por “ficus” verdejantes que davam
sombra agradável para o descanso nos bancos, sob a ramagem frondosa. Ainda sobrava muito
espaço, onde passeavam moças, ao entardecer. Os rapazes preferiam vê-las desfilar,
comodamente sentados. E lá iam elas, álacres a rir e pilheriar, contentes no verdor dos anos.
Nestas quadras que formavam as áleas, havia o lado direito de quem vem para Av.
Cleto Nunes, um lago e nele uma ilha, denominada “Dos Amores”. Pontes ligavam a ilha ao
restaurante do Jardim. Um pequeno riacho corria entre a vegetação para desaguar no lago. Na
outra extremidade do Parque, onde começa a Rua José de Anchieta, no topo de uma pequena
elevação, circuncidada por arbustos verdejantes, num pequeno lago, sapos grandes
esguichavam água pelas bocas. Em torno belos tinhorões de folhas fartas, verdes e brancas,
completavam o quadro, lindo e tranquilo.
Na junção das alamedas, ao lado esquerdo, a banda de música da Polícia, se
apresentava no coreto aí existentes, aos domingos e feriados, animando os passeantes.
Note-se que este Parque que descrevo é o original. Ao correr do tempo muitas
modificações foram feitas e mesmo ignoro a situação atual.
Nas alamedas, ruas e ruelas do Jardim, muito brincamos em nossa infância. Aí
aprendemos a pedalar bicicletas, a amar o verde e as flores. Foi tudo muito bom.
Recordo-me da minha 1ª comunhão. Tinha 7 anos e dentre os conhecimentos
adquiridos em nossa História Cristã muito me impressionou o relato sobre os Mártires.
Cheguei a invejá-los, pois achava que eles conquistaram o Céu, com dor, é verdade, mas
depressa e sem passar pelas lutas e dificuldades que eu via assoberbar os adultos. Eu achava a
vida de criança muito boa, mas... a outra não me seduzia.
Aos 9 anos fui em visita aos meus avós paternos que residiam no interior, em Rio
Pardo. Veio buscar-me o tio Vicentinho. De trem viajamos um dia até Cachoeiro do
Itapemirim, fazendo baldeação para outro trem menor que nos levou até Castelo. Aí
pernoitamos em casa meu tio Braz Vivacqua.
Então... veio a parte realmente original da viagem. Acabaram-se as estradas de ferro.
A cavalo se deveria ir em frente. Foi-me destinado o melhor animal do grupo, um cavalo
pampa, branco com placas castanho dourado de nome Leão, muito bonito, manso e de boa
índole.
Nosso grupo era pequeno. Meu tio, eu, um capataz, seu ajudante e um animal de
carga.
No dia da partida fomos acordados às 3 hs da madrugada. Após farta alimentação
galgamos as montarias. Neste tempo o sexo feminino, mesmo em se tratando de crianças, só
193
montava de lado, em silhão. Assim fomos nós pela estrada afora. Não era noite de lua, mas as
estrelas eram numerosíssimas. A escuridão não era total. Não sei se efeito estrelar ou mesmo
que houvesse certa luminosidade no ar, o fato é que se distinguem os vultos das árvores e a
estrada era um largo risco no chão.
Paulatinamente fomos subindo as franjas da serra do mar.
Pouco a pouco uma luz difusa se infiltrava entre o arvoredo, desenhando os
contornos. O céu se tingia em tons rosa dourado e com força se manifestou a claridade do dia.
E com o sol veio o calor. Era verão. Sempre subindo a serra, lá no mais alto contemplávamos
a exuberância da floresta descendo a encosta e lá embaixo uma forte caudal cristalina luzia em
borbulhas brancas, correndo pela mata virgem. Ai que vontade de naquelas águas tomar um
banho! Claro que este desejo era impossível. Mas de outro modo a sensação do banho veio.
Foi quando se ouviu uma voz: - Vamos entrar numa Noruega.
A estrada se bifurcou e nos encontramos num atalho onde os altos ramos das árvores
se uniam projetando uma sombra ponteada de luz tremendo sobre um riacho convertido agora
na própria estrada. Os animais pisavam o cascalho coberto de água e se ouvia um som claro,
penetrante. Um frescor tudo invadiu, invadiu até a alma! Quanta beleza! Nas árvores, em
cachos desabrochavam orquídeas em profusão. Outras floriam esparsas pelos galhos, dando a
impressão que boiavam no ar. Nas frestas das pedras marginais cresciam samambaias
gigantes. Begônias se enlaçavam e suas flores coloridas enfeitavam o fundo verde.
Dentro deste cenário incrível de Mata Atlântica cavalgamos algum tempo, enquanto
o curso do riacho coincidia com o caminho da estrada que encontramos adiante. Então o
riacho se desviou para descer a encosta e se juntar abaixo à caudal cristalina que aí corria.
Ficou-me a sensação boa do frescor num mergulho na Mater Natura, mergulho que
confortou e ajudou a enfrentar o restante do caminho.
O sol já ia a pino quando chegamos em Muniz Freire. Fomos simpaticamente
acolhidos por tio Carmo e tia Filomena De Biase. Esta bondosamente fez preparar para mim
num bacião grande, um banho morno, onde sal grosso fora diluído na água. Isto era usança
naqueles tempos, após viagens longas a cavalo.
A maior etapa da viagem já estava cumprida. De Castelo a Muniz Freire 9 léguas
foram vencidas. Restavam 7 léguas até atingir a meta final, Rio Pardo, onde habitavam meus
avós e padrinhos, Vicente e Tereza De Biase.
Dentre as recordações da meninice, ficou-me em imagem forte a lembrança do
aparecimento nas águas do porto, de uma baleia com baloete ao lado. Foi extraordinário! A
cidade parou para ver o cetáceo e seu filhote. O comércio fechou. Os colégios idem. Os
194
funcionários públicos procuravam janelas e posições do alto de onde se avistasse o mar.
Carmem e eu logo fomos para casa com a tal licença escolar concedida. Aí chegadas, trocadas
os uniformes por vestidos brancos, usuais nos passeios marítimos, fomos com papai e mamãe
para o Cais do Schmidt onde nossa lancha nos esperava. Margarida, a terceira irmã não foi
porque não foi achada no momento. Quando a lancha começou a singrar o mar, oh! Que
surpresa! Vislumbrar no meio das águas a baleia que esguichava ao lado do baleote, e ao
longe, na beira de um cais abandonado, quem? Margarida! Na velha amurada, cercada de
populares, com seu vestido branco, sentada, as perninhas penduradas, a ver desfilar baleia e
baleote! Foi aquele Olá!!! E seguimos adiantes. Nesta primeira etapa fiquei impressionada
com a cor vermelha do mar. Ferida por um arpão rudimentar, o sangue da baleia tingira as
águas. Que pena! Por quê?! Tão mais belo seria deixá-la soberana nas águas! Mas... seguimos
adiante. A baleia saiu do porto e se dirigiu para o alto mar. Então trocamos de embarcação
passando para a maior lancha de Vitória, a “Alice”, que fazia o trabalho de rebocar “fundas”
com sacas de café, pertencente ao empresário trapicheiro Antenor Guimarães e lá fomos nós.
Desta lancha fora lançado um arpão poderoso, amarrado em uma corda grossa e era a baleia
quem puxava a embarcação!, em vez de ser a lancha quem arrastasse a baleia. Fomos até bem
alto mar. Houve vez em que a baleia submersa se elevou, justo por baixo da lancha “Alice”,
fazendo-a balançar-se e sendo atirada de lado, quase desgovernada. Nesta altura dos
acontecimentos, quando todos tremiam de frio, pois ninguém estava aparelhado para enfrentar
a temperatura ambiente, mandou o bom senso, enfim acordado! Foi desligada a corda da
baleia e retornamos. Junto aos fatos ficou-me na lembrança a figurinha resoluta e
independente de minha irmã Margarida e o caráter aventureiro corajoso de meus pais... e
muita pena da baleia!
Nota de edição: a ortografia foi corrigida para o português atual e os parágrafos organizados
conforme a numeração definida pela compositora.