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A TRAJETÓRIA DA COMPOSITORA LYCIA DE BIASE BIDART (1910-1991) NICOLE MANZONI GARCIA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO AGOSTO DE 2021 NICOLE MANZONI GARCIA A trajetória da compositora Lycia de Biase Bidart (1910-1991) Dissertação submetida ao Programa de PósGraduação em Música do Centro de Letras e Artes da UNIRIO, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Martha Tupinambá de Ulhôa. Rio de Janeiro 2021 Dedico essa pesquisa aos meus pais, Leonel Martinez Garcia Junior e Sylvia Mara Manzoni Garcia. Obrigada por não medirem esforços para dar a mim e às minhas irmãs as melhores oportunidades de estudo e nos mostrarem que a educação transforma. Obrigada por sempre acreditarem em mim. Tenho orgulho por ter pais professores e ter me tornado uma. A vocês todo o meu amor e admiração. AGRADECIMENTOS A Deus por me guiar e me direcionar desde o início na minha caminhada musical. Em cada passo sei que Ele estava comigo, especialmente no período do mestrado, que envolveu a mudança para o Rio de Janeiro, o distanciamento da família e a pandemia. Agradeço por sempre cuidar de mim. Aos meus pais Leonel Junior e Sylvia Manzoni, minhas irmãs Rebeca e Carolina Manzoni Garcia e meu companheiro Marcos Vinicius Sodré, o meu amor e gratidão por todo o apoio e ensinamentos, por estarem sempre comigo e por me ajudarem no processo de mudança. Acima de tudo agradeço por se interessarem pela minha pesquisa, me ouvirem falar sobre ela por horas, estarem presentes nas apresentações de congressos e se orgulharem por cada uma das minhas conquistas. Aos meus amigos, que sempre acreditaram em mim, me apoiaram e me deram suporte. À Prof.ª Dr.ª Martha Tupinambá de Ulhôa pela orientação, instruções, dedicação e incentivo. Obrigada por me direcionar nos estudos e por sempre considerar a minha opinião em primeiro lugar. Os encontros semanais e estudos foram essenciais para o andamento da dissertação. À Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro por oferecer ensino público e gratuito de qualidade. Meus agradecimentos e admiração a todos os funcionários da UNIRIO e do Instituto Villa-Lobos, principalmente ao corpo docente, em especial o professor Marcos Lucas, e ao secretário do PPGM, Leonardo Felix. Agradeço também a minha professora de piano Patrícia Mol e aos colegas que fiz ao longo do curso pela troca de experiências. À CAPES por se manter firme apesar de todas as dificuldades políticas do período atual. Meu sincero agradecimento pelo financiamento dessa pesquisa. Aos integrantes dos grupos de pesquisa Música: história, memória e acervos da UNIRIO, liderado pela Prof.ª Dr.ª Martha Ulhôa, e ao Grupo de estudos e prática da música dos séculos XX e XXI da UFPR, liderado pela Prof.ª Dr.ª Zélia Chueke, pessoa fundamental na construção da minha pesquisa. Obrigada pela troca de conhecimentos que tivemos ao longo de todo o período de estudos. À Biblioteca da ECA, da USP, que reúne todas as partituras doadas por Lycia. Em especial à bibliotecária chefe, Marina Macambyra, meus sinceros agradecimentos por toda a ajuda prestada desde o início da minha pesquisa na graduação, em 2017, me recebendo na Biblioteca com muita atenção, respondendo todos os meus e-mails com cuidado, esclarecendo todas as minhas dúvidas e sendo, por muitas vezes, meu braço dentro da Biblioteca pelas dificuldades geradas pela pandemia. Meu carinho e admiração a você pelo seu serviço prestado à ciência e à memória de uma mulher inspiradora. À família da Lycia, por me ajudarem a reconstruir a sua história com documentos e lembranças. Agradeço especialmente ao Marcos Bidart e à Veronica Machado, que se tornaram amigos queridos ao longo desse processo, sempre dispondo tempo e dedicação para me ajudar em tudo o que precisei. Por fim, agradeço à banca de defesa composta pela minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Martha Ulhôa, o Prof. Dr. Carlos Alberto Figueiredo Pinto e a Prof.ª Dr.ª Eliana Maria de Almeida Monteiro da Silva, por lerem o meu trabalho, me ajudarem com orientações e com os seus conhecimentos. Encontrar na sublimação da experiência a alegria de viver e transmitila em sons. Lycia de Biase Bidart RESUMO Lycia de Biase Bidart (1910-1991) foi uma compositora, pianista e maestrina brasileira que teve grande produção composicional ao longo do século XX. A presente dissertação é resultado da pesquisa sobre sua vida e obra e tem como objetivo apresentar sua trajetória pessoal e musical a partir do conceito de trajetória de Pierre Bourdieu. Devido à omissão da produção artística de mulheres ao longo da história, a compositora foi pouco estudada no meio acadêmico, por isso, para a pesquisa foram utilizadas fontes escritas e orais, como jornais da época acessados pela Hemeroteca Digital, entrevistas com familiares, documentos públicos, como catálogos e partituras, e documentos fornecidos por familiares, como fotos e cartas. Além do capítulo sobre sua trajetória pessoal, com dados sobre sua vida cotidiana e familiar, um capítulo foi dedicado aos aspectos musicais encontrados nas fontes analisadas, com informações sobre as críticas de concertos, inspirações da compositora a partir dos comentários da própria e dos entrevistados, observações sobre peças específicas em comunicação com outros artistas etc. Também foi realizada uma listagem com os títulos e informações básicas a respeito de todas as composições encontradas em catálogos e na Biblioteca da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, onde se encontram a maioria das partituras doadas pela compositora. Vários dos capitais descritos por Bourdieu puderam ser identificados na trajetória da compositora, que contribuíram para o seu sucesso no início da carreira e por sua alta produção composicional até os últimos anos de sua vida. Inicialmente Lycia foi bem recebida no campo artístico, mas optou por passar a maior parte da vida reclusa compondo e se dedicando à família, algo esperado de uma mulher na época. Palavras-chave: Trajetória; Compositora brasileira; Lycia de Biase Bidart. ABSTRACT Lycia de Biase Bidart (1910-1991) was a composer, pianist and Brazilian maestra with a career spanning many decades through the 20th century. This dissertation is the result of biographical and compositional research and aims to present her personal and musical trajectory by the light of trajectory concept from Pierre Bourdieu. Due to the lack of visibility of women’s artistic production through the human history, this composer was not too much studied in the academic field, for this purpose were used written sources, as 20th century journals on Hermeroteca Digital, interviews with the family’s composer, public documents, such as catalogue of compositions and sheet music, and family documents, as pictures and letters for example. Beside the chapter about her personnel trajectory, with familiar’s information, one chapter was dedicated for musical aspects analyzed on these sources, which include concert’s information, compositional inspirations written by herself and by the interviewed, observations about her opus and contact with other artists from that period. A brief list was made with music title and basic information about all her compositions founded on catalogues and the School of Communications and Arts’ Library (ECA/USP), where most of her sheet music was donated and still preserved. Many of the characteristics descripted by Bourdieu were identified in the composer’s trajectory, which contributed for her success in the beginning of her career and for her production until her last years of life. Lycia was, initially, well received in the artistic field, but opted out to spend most of her life in private writing music and dedicating her strengths for the family, something expected for women in her time. Keywords: Trajectory; Brazilian composer; Lycia de Biase Bidart. LISTA DE QUADROS, DIAGRAMAS, FIGURAS E ILUSTRAÇÕES Quadro 1 – Exemplo de registro do Catálogo do Itamaraty ................................................ 20 Quadro 2 – Exemplo de registro do Catálogo da ECA ........................................................ 21 Quadro 3 – Quadro comparativo entre as informações do Catálogo do Itamaraty e Catálogo da ECA .............................................................................................. 22 Diagrama 1 – Níveis de organização do Catálogo do Itamaraty ......................................... 21 Diagrama 2 – Níveis de organização do Catálogo da ECA ................................................. 22 Figura 1 – Lycia de Biase em 1931 ..................................................................................... Figura 2 – Lycia no Vale de Chanaan em fevereiro de 1932 .............................................. Figura 3 – Lycia e João Bidart no dia do casamento ........................................................... Figura 4 – Lycia em frente à orquestra na noite de estreia das composições Anchieta e Angelus ............................................................................................................. Figura 5 – Registro da família anos mais tarde. João Bidart, Lucia, Cecilia e Lycia, respectivamente ........................................................................................ Figura 6 – Lycia com os netos Marcos no meio e Antonio à direita ................................... Figura 7 – Lycia nos últimos anos de sua vida .................................................................... 37 38 39 40 41 43 47 Ilustração 1 – Partitura de Paredão (c. 1-7) .......................................................................... 63 Ilustração 2 – Cartão de Natal enviado por Lycia a Drummond .......................................... 64 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 11 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ................................................................................... 2.1 Metodologia ......................................................................................................... 2.1.1 Revisão bibliográfica ................................................................................... 2.1.2 Entrevistas .................................................................................................... 2.1.3 Fontes e análise de fontes ............................................................................ 2.1.4 Listagem de obras ........................................................................................ 2.2 A construção de biografias ao longo da história .................................................. 2.2.1 Fontes orais .................................................................................................. 2.2.2 Fontes escritas .............................................................................................. 2.3 Pierre Bourdieu e o conceito de trajetória ........................................................... 13 13 13 14 17 19 24 25 27 28 3 A TRAJETÓRIA DE LYCIA DE BIASE BIDART ....................................................... 3.1 Ascendência ......................................................................................................... 3.2 Infância e adolescência em Vitória ...................................................................... 3.3 Mudança para o Rio de Janeiro ............................................................................ 3.4 Família e música .................................................................................................. 3.5 Maturidade ........................................................................................................... 3.6 A trajetória a partir de Bourdieu .......................................................................... 33 33 34 35 40 46 48 4 ASPECTOS MUSICAIS .................................................................................................. 50 4.1 Críticas de jornais na década de 1930 .................................................................. 50 4.1.1 Oscar Guanabarino ....................................................................................... 50 4.1.2 Outros críticos ............................................................................................... 55 4.1.3 O feminino .................................................................................................... 58 4.2 Comunicação com outros artistas ......................................................................... 62 4.2.1 Carlos Drummond de Andrade ..................................................................... 62 4.2.2 Outros artistas ............................................................................................... 65 4.3 Comentários feitos pela compositora ................................................................... 68 4.3.1 Concursos de composição ............................................................................. 68 4.3.2 Programas de concerto e outros documentos ................................................ 72 4.4 Entrevistas ............................................................................................................. 75 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 80 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 83 APÊNDICES APÊNDICE A – Entrevista com Cecilia De Biase Bidart e Marcos Bidart de Novaes ....... 95 APÊNDICE B – Entrevista com Antonio de Novaes Neto .................................................. 116 APÊNDICE C – Entrevista com Veronica Bidart Machado ................................................ 125 APÊNDICE D – Entrevista com Ana Bidart de Andrada .................................................... 137 APÊNDICE E – Listagem de obras ...................................................................................... 143 ANEXOS ANEXO A – Fotos cedidas pela família ............................................................................... 178 ANEXO B – Carta de Lycia sobre sua família e infância escrita para a neta Veronica ....... 190 11 1 INTRODUÇÃO Lycia de Biase Bidart foi uma compositora, pianista e maestrina brasileira que atuou no cenário musical brasileiro no século XX. Nasceu no interior do Espírito Santo em 1910, e passou a infância e adolescência em Vitória. Ainda jovem, perto dos 18 anos, mudou-se para a casa de uma tia no Rio de Janeiro para estudar música, onde teve o seu principal mentor, o compositor italiano Giovanni Giannetti. Na capital carioca, onde construiu família e carreira musical, permaneceu até o final de sua vida, falecendo aos 81 anos, em 1991. Escreveu mais de 400 obras com diversas formações instrumentais. Estreou e regeu algumas de suas composições no Theatro Municipal do Rio de Janeiro e em outras instituições, principalmente no Rio de Janeiro (RJ) e em Vitória (ES). Suas obras também foram tocadas em outras cidades do Brasil e do mundo. Lycia doou a maioria de suas composições para a Biblioteca da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), em 1989. Dentre o material, disponível para consulta, encontram-se aproximadamente 400 manuscritos de partituras para orquestra, coro, instrumentos solistas, entre outros. Ao longo de sua trajetória musical, a compositora apareceu diversas vezes em jornais da época, principalmente de Vitória e do Rio de Janeiro, que informaram sobre suas estreias e concertos. Sua vida pública foi registrada nessas reportagens que, em sua maioria, se restringiram a estreias e concertos pontuais, não se aprofundando em sua vida pessoal nem na maioria da sua produção musical. As informações iniciais da pesquisa foram retiradas de alguns desses jornais da época por meio da Hemeroteca Digital Brasileira da Biblioteca Nacional. Essas fontes jornalísticas demonstram uma grande defasagem de informações. Por essa razão, a realização de entrevistas com a família e o acesso a documentos pessoais mostraram-se ser um dos caminhos viáveis para a continuidade da pesquisa. A entrevista é o principal método utilizado para a documentação de fontes orais, como nos mostra Maurício Selau (2004, p. 221): A história oral pode ser entendida como uma metodologia capaz de contribuir para esta atividade de análise das memórias por intermédio das entrevistas realizadas com pessoas de um determinado grupo, envolvido com temas de interesse para a pesquisa. O termo “história oral” gera muitos debates entre historiadores. Para a presente dissertação será utilizado o termo “fontes orais”, proposto por Joan Garrido (1993, p. 33), em concordância com o autor que as fontes orais não são uma história única, mas uma das muitas fontes que constroem a história, como no caso desta pesquisa. 12 O desenvolvimento da pesquisa sistemática a partir das fontes orais no âmbito da história ocorreu no final do século XX e teve como uma de suas motivações o interesse pelas histórias das minorias. A história de mulheres, imigrantes e outros grupos marginalizados passaram a despertar a curiosidade dos historiadores (MATOS; SENNA, 2011, p. 100). Vanda Freire e Angela Portela (2010, p. 76) destacam que muitos nomes de mulheres musicistas são omitidos ou pouco estudados na história da música brasileira. Devido às poucas fontes escritas encontradas sobre a compositora Lycia de Biase, as fontes orais, recolhidas a partir dos relatos de seus familiares, foi uma solução encontrada para suprir a defasagem de fontes escritas. Outra fonte que compôs a pesquisa são os documentos pessoais encontrados na casa em que a compositora morou. Esses documentos incluem álbuns de fotografias e cadernos de recortes, onde a própria compositora reuniu trechos de jornais sobre ela, cartas e documentos de concursos de composição. Tais documentos são chamados por Angela Gomes (2004, p. 1011) de “escrita autorreferencial” (termo que será aprofundado na seção 2.2.2), já que a própria compositora reuniu memórias que materializaram sua história a partir de sua própria percepção e intenção. A presente pesquisa tem o objetivo de estudar a vida e obra da compositora, a partir do conceito de trajetória de Pierre Bourdieu. Como objetivos específicos, busca-se escrever a sua trajetória a partir de fontes orais e escritas, realizar um estudo preliminar de aspectos musicais a partir dos documentos e apresentar uma listagem de todas as composições já encontradas, com informações gerais, como o título, ano, instrumentação, localização etc. Devido à falta de material acadêmico sobre Lycia, foram utilizados três tipos de fontes: os jornais da época, acessados pela Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional; entrevistas com a família da compositora; documentos públicos e documentos pessoais fornecidos pela família. A pesquisa foi estruturada da seguinte maneira: (1) Introdução; (2) Fundamentação teórica, com a metodologia, a apresentação dos estudos já realizados sobre a construção de biografias e o referencial teórico escolhido para nortear a pesquisa; (3) A trajetória de Lycia de Biase Bidart, com a trajetória em si; (4) Aspectos musicais, em que são analisadas críticas de jornais, cartas, descrição de concursos de composição, textos de programas de concerto, anotações pessoais da própria compositora a respeito de suas peças e as entrevistas; e (5) Considerações Finais. 13 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA O capítulo está dividido em Metodologia, no qual são descritos os procedimentos escolhidos para casa fase da pesquisa, A construção de biografias ao longo da história, com uma revisão da evolução das biografias ao longo da história, e Pierre Bourdieu e o conceito de trajetória, em que são apresentados os conceitos-chave para compreender a teoria de Bourdieu. 2.1 Metodologia Esta dissertação dá continuidade à pesquisa feita durante o curso de Licenciatura em Música, na Universidade Federal do Paraná, intitulado Os elementos interartísticos na obra da compositora brasileira Lycia de Biase Bidart (1910-1991), realizado em 2018. A pesquisa iniciou em 2017 com a intenção de localizar compositoras mulheres que faziam referência às artes visuais. A partir dos Catálogos do Itamaraty, sobre os quais será falado a respeito ao longo da dissertação, foi selecionado o nome da compositora Lycia de Biase, principalmente pela acessibilidade dos manuscritos. As primeiras informações sobre vida e obra da compositora foram retiradas de jornais da época por meio da Hemeroteca Digital. Além disso, foi analisado o Ballet fantasia: Simbolismo e Vivência do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (1974), pelo viés interartístico, relacionando a música registrada na partitura com os elementos visuais descritos pela compositora a partir do método de análise proposto por Sandra Loureiro de Freitas Reis, SAAC - Sistema de Análise da Arte Comparada (2001). Esta pesquisa dá sequência à anterior com o intuito de estudar a vida e a obra de Lycia a partir dos documentos, listagens de obras disponíveis e entrevistas com os familiares. 2.1.1 Revisão bibliográfica A revisão bibliográfica se baseou nos artigos indicados nas orientações e nos artigos encontrados por meio da plataforma do Google Acadêmico sobre a construção de biografias. Em uma dessas buscas, foi encontrado um artigo chave para o processo de revisão bibliográfica, intitulado Biografia como gênero e problema (2013), da historiadora Lilia Schwarcz. Esse artigo foi o primeiro contato com o referencial teórico da pesquisa: o conceito de trajetória, desenvolvido pelo sociólogo Pierre Bourdieu. Após esse primeiro contato, foram iniciados os estudos nos livros e artigos do próprio sociólogo, em que ele desenvolve os conceitos citados. 14 A partir do conceito de trajetória, que será aprofundado posteriormente, baseado na ideia de que a narrativa biográfica não deve ser realizada apenas com acontecimentos sucessivos e isolados sobre a vida de alguém, mas também devem ser levados em conta os fatores externos que auxiliaram a formação daquela personalidade, foi considerada essencial a contextualização histórica e social em que a compositora estava. Por isso, ao longo do texto foram abordadas informações sobre a música do século XX e a inserção de mulheres compositoras ao longo da história. Para tal pesquisa, foi realizada a procura por meio de plataformas digitais através de palavras-chave, com especial destaque para os verbetes do Grove Dictionary of Music and Musicians, como “Impressionism” e “Harmony”. Também foram solicitadas indicações de bibliografia a professores e outros pesquisadores da área, além de consultas na seção de referências dos artigos consultados. 2.1.2 Entrevistas Para ampliar a biografia realizada a partir dos jornais, foram entrevistados os familiares da compositora, que se dispuseram a compartilhar lembranças e documentos para agregarem na construção da memória de Lycia. Foram realizadas quatro entrevistas, sendo elas: a primeira com a filha Cecilia de Biase Bidart e o neto Marcos Bidart de Novaes, a segunda com o neto Antonio de Novaes Neto, a terceira com a neta Veronica Bidart Machado e a quarta com a neta Ana Bidart de Andrada. Apenas a primeira entrevista foi presencial devido à quarentena causada pela pandemia de coronavírus, fazendo com que essa parte do método precisasse ser adaptado. Optou-se pelo formato de entrevista qualitativa visando um maior aprofundamento nos assuntos abordados, já que nesse tipo de pesquisa há uma maior troca entre as duas partes e o entrevistado pode participar ativamente do processo de interpretação das informações. Como destaca Márcia Fraser e Sônia Gondim (2004, p. 140): A entrevista na pesquisa qualitativa, ao privilegiar a fala dos atores sociais, permite atingir um nível de compreensão da realidade humana que se torna acessível por meio de discursos, sendo apropriada para investigações cujo objetivo é conhecer como as pessoas percebem o mundo. Em outras palavras, a forma específica de conversação que se estabelece em uma entrevista para fins de pesquisa favorece o acesso direto ou indireto às opiniões, às crenças, aos valores e aos significados que as pessoas atribuem a si, aos outros e ao mundo circundante. Também foi utilizada a entrevista semiestruturada, com um roteiro de perguntas previamente elaborado como orientação para a entrevista, mas com uma maior abertura para a interação e expressão por parte dos entrevistados. As autoras pontuam que apenas com uma 15 relação de proximidade o pesquisador poderá compreender a perspectiva do entrevistado, para assim poder conhecer suas opiniões, motivações, significados e valores. Para isso, é necessária uma postura menos diretiva e mais aberta por parte do entrevistador (FRASER; GONDIM, 2004, p. 144-146). Além disso, a maioria das entrevistas, exceto a primeira por questões logísticas, foram entrevistas individuais. Adotou-se esse método para que pudessem ser coletadas diferentes percepções individuais sobre o mesmo assunto para depois compará-las. Cada entrevista teve seu próprio roteiro de perguntas baseado em informações faltantes entre as fontes coletadas anteriormente. As perguntas não foram feitas na ordem em que foram escritas, mas conforme o desenvolvimento da conversa. Além das perguntas previstas, outras surgiram conforme os entrevistados falavam. Todas as entrevistas foram gravadas, transcritas e estão anexadas à dissertação (APÊNDICES A a D). Os entrevistados compartilharam principalmente memórias afetivas, tanto do relacionamento entre eles e Lycia quanto da relação dela com a música. As poucas informações objetivas que forneceram como nomes, datas e lugares, foram de perguntas previamente programadas e conferidas em documentos pessoais pelos próprios entrevistados. A primeira entrevista foi realizada com a filha, Cecilia de Biase Bidart, e o neto, Marcos Bidart de Novaes. A conversa aconteceu na casa de Dona Cecilia em um apartamento na zona sul do Rio de Janeiro, dia 31 de outubro de 2019, das 11h até aproximadamente 12h30 (APÊNDICE A – Entrevista com Cecilia de Biase Bidart e Marcos Bidart de Novaes). As perguntas preparadas para a primeira entrevista foram feitas a partir de lacunas nas fontes escritas. São elas: 1. Como Lycia começou os estudos na música? 2. Qual era a relação de Lycia com a música? 3. Ela tinha outra ocupação profissional além da música? 4. Vocês se lembram de ter ido a concertos dela? 5. Qual a data de nascimento e falecimento dela e das filhas? 6. De quem foi a iniciativa da doação das obras para a biblioteca da USP? 7. Existem outras obras além das doadas? Os dois entrevistados se mostraram muito receptivos. Cecilia relatou que estava um pouco nervosa já que não entendia de música, mas ela foi informada que a entrevista tinha outro intuito. Logo no início ela ficou mais tranquila e se animou ao relembrar de histórias. Por ter sido o primeiro contato com a família, foi a primeira vez que foi obtida uma perspectiva pessoal da compositora. A segunda entrevista foi com o neto da compositora, Antonio de Novaes Neto, dia 14 de agosto de 2020, das 14h às 14h45, por videochamada (APÊNDICE B – Entrevista com Antonio de Novaes Neto). As perguntas preparadas para a segunda entrevista foram pensadas 16 a partir da primeira entrevista e de fontes escritas, visando confirmar informações e obter informações novas: 1. Como era a rotina da casa quando você morou com Lycia? 2. Como era a relação dela com a família? 3. Quais eram os hobbies dela? 4. Como ela era em relação a costumes tradicionais femininos? 5. João Bidart a apoiava em sua carreira como musicista? 6. Como foi o processo de divórcio dos dois? 7. Como Lycia começou os estudos na música? 8. Quais eram as inspirações para suas composições? 9. Lycia deu aula de música para você? 10. Você se lembra de professores e músicos que frequentavam sua casa? 11. O que ela costumava ouvir? A entrevista foi mais formal que a anterior possivelmente por ter sido feita por videochamada. Antonio também se mostrou receptivo e colaborou com suas lembranças. A entrevista foi importante para a confirmação de informações ditas pelos primeiros entrevistados. A terceira entrevista foi com a neta Veronica Bidart Machado, no mesmo dia da entrevista de Antonio, dia 14 de agosto de 2020, das 17h às 18h, por videochamada (APÊNDICE C – Entrevista com Veronica Bidart Machado). As perguntas foram parecidas com a entrevista anterior por terem sido realizadas no mesmo dia e a pesquisa não ter tido grandes avanços em termos de conteúdo. São elas: 1. Como era a relação dela com a família? 2. Com que frequência vocês se viam? 3. Quais eram os hobbies dela? 4. Como ela era em relação a costumes tradicionais femininos? 5. João Bidart a apoiava em sua carreira como musicista? 6. Como foi o processo de divórcio dos dois? 7. Como Lycia começou os estudos na música? 8. Quais eram as inspirações para suas composições? 9. Lycia deu aula de música para você? 10. Você se lembra de professores e músicos que frequentavam sua casa? 11. O que ela costumava ouvir? Veronica parecia já estar habituada à tecnologia trazida pela pandemia de reuniões virtuais, já que sugeriu aplicativos de vídeo que já utilizava, além de não se mostrar retraída ao longo da entrevista. Iniciou a conversa muito animada e com muitas informações novas. Agregou a pesquisa com várias de suas histórias. Como Veronica atualmente mora na casa em que Lycia morou, compartilhou vários documentos de sua avó que estavam guardados com ela. A quarta entrevista foi com a neta Ana Bidart de Andrada, dia 13 de outubro de 2020, das 9h50 às 10h20, horário oficial de Brasília, por videochamada (APÊNDICE D – Entrevista com Ana Bidart de Andrada). A entrevistada mora em Londres, por isso houve diferença de cinco horas pelo fuso-horário. As perguntas preparadas para direcionar a entrevista foram: 17 1. Como era a sua relação com Lycia? 2. Com que frequência vocês se viam? 3. Como era a relação dela com a família? 4. Como era a personalidade dela? 5. Como era a relação dela com João Bidart? 6. Como foi o processo de surdez dela? 7. Como era a relação dela com a música? 8. O que ela gostava de ouvir? 9. Ela compunha nas viagens? 10. Ela deu aula de música para você? Ana teve uma maior convivência com Lycia em um período posterior aos outros netos por ser mais nova, por isso trouxe lembranças de outra época. Durante a conversa, contou que morou com a Lycia por alguns anos, por essa razão, ao longo da entrevista foram inseridas perguntas relacionadas à rotina da casa. Além dessas entrevistas, tentou-se contato com outro neto, Antonio Carlos, e com o maestro John Neschling, por meio de redes sociais e e-mail, porém ambos não deram retorno. 2.1.3 Fontes e análise de fontes Além das entrevistas, foram utilizados documentos fornecidos por familiares, documentos públicos, listagens de obras e jornais. Os familiares disponibilizaram fotos, certidões, cartas e partituras. Ao longo de todo processo auxiliaram com a confirmação de informações e esclarecimento de dúvidas por meio de mensagens de texto. Dia 26 de fevereiro de 2021, das 14h30 às 16h30, na atual casa de Veronica no Jardim Botânico, mesma casa em que Lycia morou a maior parte de sua vida, foi realizada uma visita com o objetivo de recolher arquivos e documentos relevantes para a pesquisa. Entre os arquivos, foram encontrados álbuns de fotos, partituras originais e um álbum de recortes feito por Lycia, com cartões de artistas, jornais que a citaram, programas de concertos e descrições de peças para concursos de composição. Tais materiais forneceram informações de novos concertos que não aparecem em jornais da hemeroteca, como concertos estrangeiros, e as descrições de composições para concursos auxiliaram no estudo preliminar do estilo composicional de Lycia. Na semana seguinte à defesa, Veronica encontrou mais um álbum de recortes com fotos e documentos, principalmente cartas. Por isso, dia 09 de setembro de 2021, das 14h às 15h30, foi realizada mais uma visita para recolher esses arquivos. Nenhum desses documentos possui informações detalhadas sobre as composições, por isso foram incluídas na seção de “Comunicação com outros artistas” e nas fotos em anexo a título de curiosidade. O Catálogo do Itamaraty, onde o nome da compositora foi encontrado pela primeira vez, foi confeccionado pela Divisão de Difusão Cultural do Ministério das Relações Exteriores 18 (Itamaraty) em parceria com a Sociedade Brasileira de Música Contemporânea (SBMC). Tal acesso se deu por meio da consulta ao acervo pessoal da Prof.ª. Zélia Chueke, a qual realizou a orientação da citada monografia. Os títulos e informações das obras muito provavelmente foram enviados pela própria compositora, já que o material estava em sua posse, por isso foi uma fonte importante. Desde o início da pesquisa a colaboração dos funcionários da Biblioteca da ECA, da USP se mostrou essencial, já que a maior parte da obra da compositora foi doada para a instituição. A bibliotecária Marina Macambyra, em especial, auxiliou na separação das partituras e esclarecimento de dúvidas. No site da biblioteca foi disponibilizada uma listagem de obras da compositora que compõe o acervo da Universidade e tal listagem foi constantemente consultada. O acervo da Casa Rui Barbosa foi consultado para o acesso às cartas enviadas por Lycia à Carlos Drummond de Andrade. Devido à pandemia de coronavírus, o acesso ao acervo estava restrito, por essa razão, os funcionários colaboraram enviando-as por e-mail. Apesar da maior parte da pesquisa em jornais da Hemeroteca ter sido realizada na monografia anteriormente citada, ao longo de todo processo mostrou-se necessário recorrer a eles novamente tanto para a comparação de fontes quanto para recolher mais informações que passaram despercebidas. Os jornais que continham críticas musicais foram analisados com mais cuidado seguindo algumas das etapas do método proposto por Luiz Goldberg e Amanda Oliveira (2019, p. 25): rastreio, com a pesquisa do nome da compositora e variações como “Licia”; sistematização, verificando o tema de cada notícia; e transcrição, apenas dos jornais que publicaram críticas. A trajetória da compositora foi construída a partir do diálogo entre as fontes. Segundo Júlia Matos e Adriana Senna (2011, p. 101-103), há necessidade de se realizar um diálogo entre as fontes orais e as fontes escritas, para que as fontes orais ganhem suporte teórico. A partir desse ponto levantado pelas autoras, foi realizado um cuidadoso trabalho de comparação de fontes entre jornais, documentos, listagens de obras e entrevistas, buscando uma maior precisão de informações sobre a vida da compositora. Na seção sobre a trajetória de Lycia, por haver uma quantidade muito grande e variada de fontes, optou-se por colocar as referências em formato reduzido nas notas de rodapé e em formato completo ao final do trabalho, juntamente com comentários adicionais. Ao longo do texto biográfico, foram inseridas fotos publicadas em artigos de jornais e de arquivos da família, para ilustrar e tornar o texto mais vívido para o leitor. 19 Para o capítulo de Aspectos musicais foi analisado todo o material que possui informações a respeito do processo composicional de Lycia e das composições em si, incluindo críticas de jornais, cartas, descrição de concursos de composição, textos de programas de concerto, anotações pessoais da própria compositora a respeito de suas peças e entrevistas. 2.1.4 Listagem de obras Atualmente existem duas listagens de obras disponíveis em que constam as obras de Lycia de Biase. A primeira foi feita em 1978 e faz parte de uma série de catálogos de obras de compositores produzidos pela SBMC em parceria com o Ministério das Relações Exteriores com o objetivo de divulgar obras brasileiras entre pesquisadores e compositores. A segunda listagem, foi produzida pela própria Biblioteca da ECA, em 2010, constando os títulos de partituras da compositora que estão disponíveis na biblioteca para consulta. Para realizar a diferenciação entre as duas listagens, serão adotadas as nomenclaturas: Catálogo do Itamaraty e Catálogo da ECA. Esses documentos, apesar de serem chamadas de Catálogo, são apenas listagens de obras conforme a nomenclatura adotada atualmente. A partir da definição dada pelo Dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivística (DIBRATE), um arquivo é um conjunto de documentos que tiveram a mesma origem, enquanto uma coleção é um conjunto de documentos unidos com uma intenção específica (ARQUIVO, 2005, p. 52, 97 apud COTTA, 2017, p. 14). Os documentos que serão descritos aqui pertencem a um fundo arquivístico. No caso do Catálogo do Itamaraty, as partituras estavam em posse da própria compositora, e no caso do Catálogo da ECA os documentos vieram todos por meio da doação da compositora, por essa razão, pertencem a uma mesma origem e não foram desmembrados. Segundo André Cotta (2017, p. 14), a vantagem de se tratar de um arquivo é que as partituras são agrupadas de maneira natural e orgânica, fornecendo ao pesquisador informações históricas para além do que o documento apresenta explicitamente; e a organização dessas partituras dentro do arquivo é realizada a partir de uma análise minuciosa dos documentos. Os Catálogos do Itamaraty, foram financiados pela Divisão de Difusão Cultural do Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty) e confeccionados pela SBMC1. Publicados em 1978, cada volume foi dedicado exclusivamente a um compositor. Foram distribuídos na 1 A SBMC foi idealizada pela Rádio Ministério de Educação e Cultura e criada em 1971 no I Encontro Nacional de Compositores realizado no Rio de Janeiro. Teve como objetivo valorizar a música nacional, promovendo concertos e reuniões com compositores brasileiros e divulgando suas obras (SAMPAIO, 1971, p. 22). 20 segunda metade do século XX àqueles que o solicitassem, com o objetivo de divulgar compositores brasileiros a pesquisadores e músicos interessados (FERREIRA, 1980). Na introdução do Catálogo do Itamaraty há uma foto da compositora, uma curta biografia em espanhol, alemão e inglês e uma partitura ilustrativa. Após essa introdução inicia a listagem das obras organizadas em uma tabela que contém as seguintes informações: ano, título, instrumentação, duração, edição ou onde o material pode ser obtido e observações, sendo a maioria a data de estreia e a autoria do texto, caso seja uma canção (Quadro 1). Ao todo o catálogo possui 230 títulos ordenados por instrumentação e ordem crescente do ano de composição. Quadro 1 – Exemplo de registro do Catálogo do Itamaraty Fonte: MINISTÉRIO, 1978. O Catálogo da ECA foi feito com o objetivo de organizar os manuscritos disponíveis na Biblioteca. As informações do material se encontram na base de dados seguindo princípios básicos de catalogação de documentos, adaptado para a linguagem musical (MACAMBYRA; RECINE, 2010, p. 01). Além da base de dados, foi feita pela Biblioteca uma listagem simplificada disponibilizada em PDF apenas com as obras da compositora. Por estar sistematizada, ela foi mais utilizada. As informações introdutórias do Catálogo da ECA não estão no catálogo em si, mas no site da biblioteca. A página contém uma pequena biografia da compositora, um texto contextualizando a doação dos manuscritos, uma foto da compositora e, por fim, a foto da carta de doação escrita pela própria Lycia. As informações sobre as composições que constam no catálogo são: instrumentação, título, manuscrito/xerox, número de páginas e, quando há, o número de partes individuais para grupos instrumentais (Quadro 2). Ao todo há 426 títulos ordenados por ordem alfabética. 21 Quadro 2 – Exemplo de registro do Catálogo da ECA Fonte: SERVIÇO, 2010. Paulo Castagna (2004, p. 9) sugere níveis de organização que serão utilizados nessa descrição. A estrutura proposta é chamada de níveis de organização biológica, uma organização que vai do maior para o menor grupo. Aqui será aplicado a análise no catálogo como um todo e não em cada obra separadamente. Os dois catálogos seguem critérios de organização diferentes que serão apresentados a seguir. O Catálogo do Itamaraty é dividido apenas pela formação (F) e as composições (C) listadas pela ordem cronológica (Diagrama 1): Diagrama 1 – Níveis de organização do Catálogo do Itamaraty Fonte: Autoria própria. 22 Já o Catálogo da ECA é organizado primeiramente pela formação (F), seguido pela instrumentação (I) e, por fim, as composições (C) são listadas por ordem alfabética (Diagrama 2): Diagrama 2 – Níveis de organização do Catálogo da ECA Fonte: Autoria própria. O Catálogo da ECA possui um nível a mais de categorização na listagem de obras, facilitando a procura por instrumentos específicos. Porém, o Catálogo do Itamaraty possui mais informações específicas de cada obra, como o ano de composição, que não consta em todas as obras do outro catálogo. O quadro abaixo (Quadro 3) foi realizado para uma melhor visualização informações específicas que constam em cada um: Quadro 3 – Quadro comparativo entre as informações do Catálogo do Itamaraty e Catálogo da ECA Catálogo do Itamaraty Catálogo da ECA Ano X Título X X Instrumentação X X Duração Tempo Nº de páginas Edição (manuscrito ou xerox) X X Fonte: Autoria própria. 23 Na base de dados da ECA há mais informações que as descritas acima, como a foto da primeira página do manuscrito, que foi consultada quando houve dúvidas. Outro ponto a ser destacado é a considerável diferença no número de obras em cada lista. Como mencionado anteriormente, o Catálogo do Itamaraty possui um total de 230 títulos, já o Catálogo da ECA possui 426 títulos. Uma das causas dessa diferença é o ano de produção de cada catálogo. Quando o Catálogo do Itamaraty foi publicado, a compositora tinha 68 anos, ou seja, contém apenas os títulos compostos até então. Já o Catálogo da ECA possui títulos de manuscritos compostos até o ano de morte da compositora, aos 81 anos, em 1991. Um segundo motivo para essa diferença, é que no Catálogo do Itamaraty várias composições estão agrupadas como movimentos de uma única peça, enquanto no Catálogo da ECA foram registradas separadamente. A partir dos dois catálogos descritos, foi realizada uma primeira listagem em formato de tabela unindo as informações dos dois catálogos, com as seguintes informações: ano, título, instrumentação, duração, localização, número de páginas, data da estreia e observações (constando principalmente o autor do texto, caso seja uma canção, e se há versão para outras instrumentações). Algumas informações eram divergentes de um catálogo para o outro e cada divergência foi anotada para que posteriormente pudesse ser verificada e corrigida. Além das informações que constavam neles, posteriormente foram adicionadas informações que estavam nas próprias partituras, como o ano e detalhes da instrumentação, que em alguns títulos não apareciam nos catálogos. O acesso a essas partituras se deu por meio de um pequeno acervo digital pessoal de partituras que foram escaneadas ao longo da pesquisa e com a ajuda da bibliotecária Marina Macambyra, que tirou dúvidas a respeito de datas que não constavam no Catálogo da ECA e acessou partituras que não estavam disponíveis para acesso ao público devido à pandemia. Algumas informações não puderam ser consultadas e poderão ser acrescentadas em pesquisas futuras, como a minutagem de todas as peças, que a compositora costumava registrar na própria partitura. Também foram adicionados títulos de composições que estavam em posse da família. Para a versão final foram realizadas algumas subdivisões dentro das instrumentações para facilitar a localização de títulos. A versão final ficou com os mesmos níveis de organização do Catálogo do Itamaraty (Diagrama 1). A listagem, que consta no final da dissertação (APÊNDICE E – Listagem de obras), é apenas um estudo inicial e tem o objetivo de oferecer a músicos e pesquisadores um panorama 24 da produção musical de Lycia. Tal listagem também é um primeiro passo para uma possível catalogação completa a ser realizada posteriormente. 2.2 A construção de biografias ao longo da história Diversos pesquisadores dissertam sobre a construção de uma biografia e suas problemáticas. Nessa seção será feita uma revisão bibliográfica sobre o assunto para depois ser abordado o referencial teórico escolhido para nortear a pesquisa. Desde os gregos, no século IV a.C., até o início do XIX d.C., as biografias tinham o objetivo de apresentar exemplos do passado como forma de ensinar e guiar o presente. Na Idade Média, por exemplo, os historiadores utilizavam as biografias de santos, conhecidas como hagiografias, para mostrar à população modelos de virtude e fé (SCHMIDT, 2003, p. 58-59). Com a ascensão do iluminismo e seus ideais no século XVIII, as biografias passaram a adotar personagens mais comuns. A partir da noção de que todos os homens são iguais, as pessoas foram incentivadas a escrever sobre si mesmos, apesar de não terem participado de grandes feitos. Nesse período, a meta de aprender com os ensinamentos do passado foi trocada pela perspectiva de futuro e progresso (LEJEUNE, 1993, p. 9-11 apud SCHMIDT, 2003, p. 59). Durante século XIX, o indivíduo era visto como fonte de inspiração e reflexão, popularizando o estudo de cartas, diários e autobiografias de grandes personalidades (SCHMIDT, 2003, p. 60). O gênero se desenvolveu com o novo intuito de exaltar o biografado, que eram geralmente pessoas nobres ou do governo. No Brasil, a prática de textos biográficos era comum no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), com o objetivo de enaltecer o Império. Entretanto, paralelo a isso, também eram realizados textos biográficos dos sócios locais, principalmente após o seu falecimento (Schwarcz, 2013, 53-54). Tal século foi também um período em que a História passou a se firmar como disciplina, deixando de lado o estudo de indivíduos e, por consequência, preterindo as biografias: O século XIX foi marcado pela discussão a respeito do papel do indivíduo na História. Essa, à medida que se constituía como uma disciplina autônoma e com pretensões científicas, acabou menosprezando o estudo de trajetórias individuais, estigmatizando a biografia como um gênero menor, mais próximo do anedótico e do antiquarismo dos amadores (SCHMIDT, 2003, p. 61). No início do século XX, a Escola de Chicago, formada por grupos de sociólogos da Universidade de Chicago, teve um importante papel no desenvolvimento do gênero biográfico, 25 com grande contribuição de Clifford Shaw, William Thomas e Robert Park. Os sociólogos de Chicago acreditavam que as biografias poderiam auxiliar no aprofundamento das teorias sociológicas e, por meio delas, encontrar novas áreas de investigação (ABRANTES; ANÍBAL; PALIOTES, 2010, p. 10). A primeira geração da Escola de Chicago propôs que trabalhos de campo fossem realizados nos estudos sociológicos, pois acreditava que só era possível entender um objeto em seu contexto. A segunda geração desenvolveu essa ideia de forma mais científica (SILVA; BARROS; NOGUEIRA; BARROS, 2007, p. 30), aplicando, por exemplo, o método de pesquisa de campo ao entrevistar pessoas marginalizadas para compreender melhor seus modos de vida (PENEFF, 1990 apud ARTIÈRES, 1998, p. 16). Na Europa, a primeira parte do século XX foi marcado pelo “presentismo”, com a ideia de que nem o passado, nem o futuro, tinham mais importância que o presente. A sociedade de consumo se aproveitou desse ideal, incentivando a produção e a propaganda em excesso. A partir da década de 1970, o presente se mostra dependente do passado e participante do futuro. A conservação da memória e as políticas de ecologia passam a ser vistas como essenciais para a preservação da História e do futuro do meio ambiente (HARTOG, 1997, p. 13, 15). As biografias então, voltam a ter força junto com o retorno da valorização da memória, utilizando histórias individuais para compreender os acontecimentos históricos (SCHMIDT, 2003, p. 62). Segundo Benito Schmidt (2003, p. 65), as biografias recentes tiveram renovações a partir da consideração das críticas já feitas ao gênero. A partir de estudos a respeito e de sua própria experiência como biógrafa, a historiadora Lilia Schwarcz (2013, p. 52) pontua os três principais problemas encontrados na construção de uma biografia. O primeiro é a tendência do autor em inventar falsas continuidades na vida da personagem e situações que não aconteceram exatamente da forma narrada, na tentativa de criar um relato envolvente e linear. O segundo problema é limitar a importância da pesquisa em constatar a relevância da personagem, sendo que ela não necessariamente foi destaque na época e nem atualmente, mas, independentemente disso, pode ter valor histórico. O terceiro e último ponto levantado pela historiadora, também relacionado ao anterior, é uma tentativa de defesa da personagem, colocando-o em um patamar elevado a ponto de desumanizá-lo e transformá-lo em herói. Tais problemáticas levantadas pela historiadora foram consideradas ao longo de toda a presente pesquisa. 2.2.1 Fontes orais As fontes orais são um método baseado na memória humana e suas vivências a partir da reconstrução do passado. Por meio de entrevistas, pessoas determinadas pelo pesquisador 26 compartilham suas memórias com o intuito de enriquecer estudos históricos e científicos. Essas lembranças individuais, que são construídas coletivamente, fazem com que a História se torne mais real e vívida, complementando e conversando com as fontes escritas (MATOS; SENNA, 2011, p. 96-97). Segundo Sônia Freitas (1998, p. 17-19), as fontes orais têm potencial para contribuir de maneira significativa para diversas áreas de pesquisa, em especial para a história nacional. A historiadora ressalta que a memória e a interpretação dos que vivenciaram os fatos estudados são uma das formas de construir a história, porque a memória humana é tão importante quanto a memória documentada. Somado a isso, todo indivíduo está inserido em um contexto social e sua memória tem influência coletiva (MATOS; SENNA, 2011, p. 96-97). Quando vários indivíduos possuem a mesma memória, criam o que Sônia Freitas (1998, p. 17, 19) chama de “fatos coletivos”, sendo uma evidência para sua veracidade. Michael Pollak (1989, p. 4) acredita que as fontes orais são uma alternativa para as minorias poderem apresentar suas narrativas em oposição à memória nacional coletiva, que privilegia a narrativa das classes dominantes. Segundo ele, os grupos marginalizados têm as fontes orais como principal método de pesquisa para a construção de sua história e, ao ganhar destaque entre os pesquisadores, essas narrativas auxiliam a reinterpretação do passado (p. 912). Um exemplo desse processo citado pelo autor são os livros da vencedora do prêmio Nobel de literatura, a escritora russa Svetlana Aleksievitch. A jornalista dedicou a sua vida a recolher relatos orais de pessoas que vivenciaram vários fatos históricos, como a Segunda Guerra Mundial, o desastre nuclear de Chernobyl e a queda da União Soviética. Os livros são uma coletânea de relatos pessoais sobre esses acontecimentos que demoram de cinco a dez anos para serem colhidos. Segundo a autora, ela vê “a grande história por meio de pequenas histórias” e usa os relatos orais para “humanizar a história” (ALEKSIÉVITCH, 2018). Existem muitos historiadores que questionam a credibilidade dos relatos orais. Tais pesquisadores acreditam que esse tipo de fonte é subjetiva e parcial. Entretanto, todos os tipos de fontes históricas são de alguma forma subjetivas e, no caso das fontes orais, cabe ao pesquisador fazer as análises necessárias em relação a possíveis omissões e seletividades feitas pelo entrevistado (FREITAS, 1998, p. 18). Segundo Júlia Matos e Adriana Senna (2011, p. 101103), apesar das fontes orais possuírem dados muitas vezes imprecisos, elas também possuem informações que não podem ser encontradas em outras fontes. Por isso, é necessário a precisão na transcrição das entrevistas para que possa ser realizado um bom diálogo delas com as fontes escritas e, assim, as informações ganharem suporte teórico. Além disso, cabe ao pesquisador se atentar às intenções por trás de todos os relatos realizados pelo entrevistado, porque os relatos 27 orais fornecem diferentes perspectivas do mesmo fato e o pesquisador deve se manter o mais imparcial possível. 2.2.2 Fontes escritas A vida é registrada e arquivada em papeis de diversas maneiras, sejam em diários, documentos, panfletos, cartas e cartões que são guardados com o objetivo de formar uma memória. Em contrapartida, também são descartados muitos desses papeis, assim como em diários também são descartadas muitas histórias, para que apenas as histórias memoráveis, ou que de fato são pessoalmente importantes, sejam lembradas. Essa prática de guardar documentos e formar suas próprias memórias é chamada por Philippe Artières (1991, p. 11 e 31) de intenção autobiográfica. A ideia de memória e biografia está presente no cotidiano como forma de registrar como cada ser é e como gostaria de ser lembrado. Durante muito tempo, as mulheres não tiveram abertura para se expressar publicamente, e utilizaram a escrita como meio de expressão. Por isso, a partir do século XX, por influência da historiografia francesa, historiadores brasileiros passaram a se interessar pela investigação histórica no âmbito privado, tanto de mulheres quanto de homens comuns. A pesquisa em ambientes privados tem a escrita como fonte importante para conhecer seus objetos de investigação. Essa recente valorização das fontes escritas pessoais apresentou a demanda de novas metodologias e centros de pesquisa para tratar desses documentos (GOMES, 2004, p. 910). Segundo Angela Gomes (2004, p. 10-11), o hábito da construção da sua própria memória pela escrita e seus documentos é chamada de “escrita autorreferencial” ou “produção de si”. O processo envolve a reunião de autobiografias, diários, objetos, fotografias, cartõespostais e outros documentos que materializam a história daquele indivíduo. Essa prática ganhou força com o individualismo moderno. As cartas, especificamente, estão relacionadas à comunicação, sendo uma prática relacional. Nesse caso, o destinatário é o responsável pelo arquivamento da memória. Na maioria das vezes esse tipo de documento não é encontrado organizado, apesar de ser importante fonte de informação. A autora, como exemplo para a importância das correspondências na construção da história, cita as cartas trocadas por Carlos Drummond de Andrade e Mário de Andrade durante 20 anos. Tais correspondências auxiliaram na compreensão do Modernismo enquanto movimento político e intelectual (GOMES, 2004, p. 7 e 20-21). 28 Os estudos sobre cartas devem considerar a pluralidade do objeto e o contexto em que ele foi produzido e recebido, por isso há várias maneiras de analisar o material dependendo da situação e do autor (GALVÃO; GOTLIB, 2008, p. 398). Assim como as fontes orais, a escrita autorreferencial tem que ser analisada com cuidado, já que todo documento escrito é produzido pela perspectiva do autor e com base em uma intenção específica: Está descartada a priori qualquer possibilidade de se saber “o que realmente aconteceu” (a verdade dos fatos), pois não é essa a perspectiva do registro feito. O que passa a importar para o historiador é exatamente a ótica assumida pelo registro e como seu autor se expressa. Isto é, o documento não trata de “dizer o que houve”, mas de dizer o que o autor diz que viu, sentiu e experimentou, retrospectivamente, em relação a um acontecimento (GOMES, 2004, p. 15). Outra fonte escrita utilizada na pesquisa foram os jornais e revistas. Segundo Heloiza Herscovitz (2005, p. 126-127 e 139), a análise de conteúdo jornalístico é um método que reúne e estuda textos e imagens encontrados na mídia com foco para o objeto estudado. A análise jornalística obtém maiores resultados ao ser feita pelo viés quantitativo, observando o volume de textos que abordam aquele assunto, e qualitativo, pela avaliação do conteúdo dos jornais e seus contextos. Os pesquisadores que optam por utilizar essas fontes, devem procurar significados aparentes ou implícitos e deixar claro os interesses, ideologias e ambiguidades presentes no material. A vantagem da análise de conteúdo jornalístico é a possibilidade de estudar uma grande quantidade de informações, de diferentes épocas e fontes, porém, tal trabalho demanda dedicação e uma análise minuciosa, para que sejam evitadas interpretações equivocadas. As fontes escritas utilizadas nessa pesquisa foram jornais que citaram o nome da compositora, fotos do acervo pessoal da família, cartas, documentos pessoais, catálogos e documentos públicos, como as partituras. 2.3 Pierre Bourdieu e o conceito de trajetória No texto intitulado A ilusão biográfica, traduzido para o português em 1988, Pierre Bourdieu desenvolve algumas das questões encontradas na construção de uma biografia. A partir de conceitos relacionados ao tema, o autor critica o modo tradicional como historiadores e escritores narram a história dos personagens pesquisados. Segundo Bourdieu, existe a preocupação do narrador em produzir um relato lógico e linear da vida do sujeito da biografia, sendo que isso não condiz necessariamente com a realidade. Essa ilusão da trajetória 29 cronológica foi algo que romances modernos buscaram romper ao perceber que a vida não tem necessariamente uma coerência e fatos interligados, mas é muitas vezes inconstante e aleatória, por isso, segundo o sociólogo, biógrafos devem se inspirar em romancistas para romper com essa tradição lógica (BOURDIEU, 1998, p. 184-185). A esta tendência ao relato lógico e individual Bourdieu dá o nome de ilusão biográfica. Partindo dos questionamentos levantados, Bourdieu desenvolve o conceito de trajetória, que é uma “série de posições sucessivamente ocupadas por um mesmo agente (ou um mesmo grupo) num espaço que é ele próprio um devir, estando sujeito a incessantes transformações” (BOURDIEU, 1998, p. 189). Segundo esse conceito, a narrativa não deve ser realizada apenas com acontecimentos sucessivos e isolados sobre a vida de alguém, mas também devem ser considerados os fatores externos que auxiliaram a formação daquela personalidade. Assim, os acontecimentos biográficos passam a ser diferentes posições do sujeito no espaço social. Bourdieu (1996, p. 292) exemplifica: Tentar compreender uma carreira ou uma vida como uma série única e em si suficiente de acontecimentos sucessivos sem outro elo que não a associação a um “sujeito” cuja constância não pode ser mais que a de um nome próprio socialmente reconhecido é quase tão absurdo quanto tentar explicar um trajeto no metrô sem levar em conta a estrutura da rede, isto é, a matriz das relações objetivas entre as diferentes estações. Para dar sequência a essa teoria é necessário abordar de três conceitos constantes nos estudos de Bourdieu. São eles: habitus, campo e capital. Vários pesquisadores e sociólogos usaram a palavra latina habitus em diferentes contextos, mas utilizaremos a definição feita por Bourdieu, seguindo o referencial teórico escolhido para a pesquisa. O autor desenvolveu o conceito definindo habitus como um conciliador entre o mundo externo e o mundo individual, isto é, um sistema de constante troca entre o sujeito e o seu meio, constituído de arranjos sociais e mentais formados pelas experiências práticas do indivíduo (SETTON, 2002, p. 63). O habitus possui uma importante influência do meio social, considerando que ele é um “conjunto de condicionamentos duráveis assimilados durante a socialização (especialmente a primária)” (SOBRAL, 2017, p. 14). O campo é um espaço formado por grupos que ocupam diferentes posições sociais e disputam o poder entre si. É um espaço autônomo e, em um microcosmo, tem suas próprias leis, diferente das leis do macrocosmo (BOURIDEU, 2004, p. 20-21; SETTON, 2002, p. 6364). Bourdieu (1989, p. 66), a partir das estruturas de relações objetivas que explicavam as interações dentro do campo intelectual e religioso, passou a aplicar o modo de pensamento em diferentes domínios. No caso do campo artístico, Bourdieu es--pecifica que é “o universo no 30 qual estão inseridos os agentes e as instituições que produzem, reproduzem ou difundem a arte” (BOURDIEU, 2004, p. 20). Por fim, os capitais são os diversos tipos de bens que os indivíduos possuem, sendo os mais usados pelo autor: o capital cultural, os conhecimentos intelectuais adquiridos; o capital econômico, os bens materiais; o capital social, as relações e contatos que o indivíduo mantém socialmente (sejam eles de amigos, familiares, profissionais etc.), e o capital simbólico, que se trata da boa reputação do sujeito em relação aos outros indivíduos e está ligado ao reconhecimento por terceiros da sua posse dos outros tipos de capital citados (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2009, p. 36-43). Todos esses diferentes capitais são distribuídos de maneira desigual dentro do campo, criando relações de poder. O campo se torna, assim, um espaço estruturado de posições de poder baseado nos capitais adquiridos pelo indivíduo (LAHIRE, 2002, p. 47-48). A partir das definições anteriores, Bourdieu se aprofunda no conceito base, definindo que a trajetória são as posições e deslocamentos do indivíduo pelos diferentes espaços e tipos de capital que estão no campo naquele momento e, além disso, no decorrer do processo também são encontrados diferentes habitus (BOURDIEU, 1996, p. 292). Como complemento a essa relação, Bernard Lahire (2002, p. 48) diz que cada indivíduo que está presente no campo, é caracterizado por sua trajetória, por seu habitus e pela posição de poder que ocupa no campo. E com relação aos estados correspondentes da estrutura do campo que se determinam em cada momento o sentido e o valor social dos acontecimentos biográficos, entendidos como colocações e deslocamentos nesse espaço ou, mais precisamente, nos estados sucessivos da estrutura da distribuição das diferentes espécies de capital que estão em jogo no campo [...] (BOURDIEU, 1996, p. 292). Lilia Schwarcz (2013, p. 56) propõe a troca do termo “biografia” pelo conceito de “trajetória” definido por Bourdieu, para que sejam consideradas as relações sociais do indivíduo de modo a situá-lo em seu contexto social ao ser realizado o processo biográfico. Assim, são abordados tanto os processos individuais do personagem, como sua posição em relação aos grupos sociais que o cercam. Segundo Bourdieu (2007, p. 103), a formação de um indivíduo se dá pelos habitus que permanecem com ele e pela relação entre os capitais de origem, posição original no espaço social, e os capitais de chegada, posição atual no espaço social. Se dois indivíduos estão na mesma posição social, mas vieram de origens diferentes, aparecerão diferenças que irão indicar as diferentes trajetórias sociais que eles vieram, já que a origem tem influência em sua formação. Os indivíduos se deslocam pelo espaço social porque são influenciados pelas forças 31 externas que orientam sua permanência nesse espaço e pelos elementos internos relacionados aos capitais contrários às forças daquele campo. O tipo de capital herdado determina o campo dos possíveis, que é a alta possibilidade daquele indivíduo de seguir por uma trajetória específica: A determinado volume de capital herdado corresponde um feixe de trajetórias praticamente equiprováveis que levam a posições praticamente equivalentes – tratase do campo dos possíveis oferecido objetivamente a determinado agente; e a passagem de uma trajetória para outra depende, muitas vezes, de acontecimentos coletivos (guerras, crises etc.) ou individuais (encontros, ligações amorosas, privilégios etc.) (BOURDIEU, 2007, p. 104). O autor exemplifica que o indivíduo com um elevado capital social, por meio de suas relações já estabelecidas, tem a tendência de manter ou aumentar esse capital. Porém, não é apenas sua origem que direciona a sua trajetória, mas também há a influência das posições sociais e das disposições dos agentes no espaço, por isso “nem todas as posições de chegada são igualmente prováveis para todos os pontos de partida”. São vários os fatores que determinam a trajetória de um indivíduo, apesar do campo dos possíveis. Uma classe com a mesma origem de capital econômico e cultural tem a tendência de seguir determinada trajetória escolar e social, porém, uma parte não irá aderir a tais expectativas seguidas pela maioria, assumindo a trajetória mais frequente para outra classe, de modo que a sua trajetória individual se sobrepõe à trajetória coletiva. A posição de origem, com fortes influências familiares, são o ponto de partida para a trajetória, que posteriormente terá influências da experiência social do indivíduo. Essas variantes é o que fazem que irmãos criados com os mesmos princípios tenham trajetórias diferentes, por exemplo (BOURDIEU, 2007, p. 105-106). A combinação entre os capitais também influencia na trajetória do indivíduo. A relação entre diferentes capitais culturais herdados e o mesmo capital escolar, por exemplo, possui diferentes resultados, já que a escola encaminha a transformação do capital cultural herdado em capital escolar. Aqueles que possuem um capital cultural mais desenvolvido e a oportunidade de adquirir um bom capital escolar possuem grandes privilégios. Porém, entre o capital cultural e o capital escolar, Bourdieu dá um valor maior ao capital cultural herdado, já que ele é determinante para a qualidade da aquisição do capital escolar. Segundo o autor, essas diferenças da trajetória social pelo volume de capital cultural herdado são visíveis entre a burguesia, formada por descendentes da própria burguesia ou por descendentes das classes populares (BOURDIEU, 2007, p. 78-80). 32 Para essa dissertação, visando identificar a trajetória de Lycia de Biase, foram considerados fatores externos à biografia pessoal da compositora, como o contexto das mulheres musicistas ao longo da história, além dos capitais por ela adquiridos e o campo em que ela estava inserida. 33 3 A TRAJETÓRIA DE LYCIA DE BIASE BIDART Nesse capítulo serão apresentados aspectos sobre a vida pessoal e trajetória musical da compositora. Ao longo do texto foram inseridas fotos para ilustrar os trechos. Como os familiares disponibilizaram várias imagens, as que não entraram no corpo do texto foram anexadas ao final da dissertação (ANEXO A – Fotos cedidas pela família). 3.1 Ascendência Em carta escrita a pedido de sua neta Veronica (BIDART, [19--]a), com o objetivo de conhecer mais sobre o seu passado, Lycia descreve a vinda de seus avós para o Brasil e o relacionamento entre os seus pais (ANEXO B – Carta de Lycia sobre sua família e infância escrita para a neta Veronica). O avô paterno de Lycia, Vicente de Biase, havia vindo da Itália para o Brasil a passeio algumas vezes antes de se mudar definitivamente junto com sua esposa, Tereza, e seus filhos. Pietrangelo, pai de Lycia, na época permaneceu na Itália para concluir seus estudos. O avô materno de Lycia, Giuseppe Vivacqua, se refugiou no Brasil por questões políticas. Fixou-se no Espírito Santo, onde abriu uma loja de artigos variados que, entretanto, não dava lucros. Devido às dificuldades, sua esposa também veio da Itália para o Brasil. Diferente de Pietrangelo, a mãe de Lycia, Mariarchangela, nasceu no Brasil, na então chamada Vila do Espírito Santo do Rio Pardo, hoje conhecida como Muniz Freire. Mariarchangela era noiva do irmão de Pietrangelo, Nicolau, quando seu futuro esposo chegou ao Brasil. Como os pais de Lycia logo se apaixonaram, a família enviou Pietrangelo para trabalhar longe, para afastá-lo de Mariarchangela. Porém, os dois trocaram cartas em sigilo durante três anos com a ajuda de Giuseppe, pai da noiva. Após esse período de afastamento, as famílias aceitaram o casamento. Quando se casaram, Pietrangelo se tornou sócio da empresa da família de Mariarchangela, Vivacqua Irmãos & Cia, que eram grandes comerciantes de alimentos, e chegaram a ser o segundo principal exportador de café do Espírito Santo entre 1927 e 1935 (LIMA, 2009, p. 103). O casal passou a ter destaque na alta sociedade, aparecendo constantemente nos jornais da época principalmente por suas relações comerciais e seu envolvimento com causas sociais (LORENÇÃO, 2020, p. 13-14). 34 3.2 Infância e adolescência em Vitória Lycia Vivacqua de Biase nasceu dia 18 de fevereiro de 1910, em Muniz Freire. Quando tinha apenas dois meses, sua família se mudou para a capital do estado, Vitória2. Mariarchangela Vivacqua De Biase e Pietrangelo De Biase tiveram nove filhos: Carmen, Lycia, Thereza, Margarida, Maria de Lourdes, Ignez, Angela, Maria e Pietrangelo3. Em sua infância, embora sua família tivesse diversos imóveis, Lycia passava a maior parte do tempo em Vitória, próximo ao Parque Moscoso, onde frequentava com suas irmãs para brincar. Nesse parque havia um coreto onde Lycia via apresentações musicais semanais da banda da Polícia4. Em carta, Lycia recorda alguns momentos de sua infância, apresentando desde cedo sua percepção poética a respeito dos acontecimentos de seu dia a dia: Aos 9 anos fui em visita aos meus avós paternos que residiam no interior, em Rio Pardo. [...] Acabaram-se as estradas de ferro. A cavalo se deveria ir em frente. Foi-me destinado o melhor animal do grupo, um cavalo pampa, branco com placas castanho dourado de nome Leão, muito bonito, manso e de boa índole. Nosso grupo era pequeno. Meu tio, eu, um capataz, seu ajudante e um animal de carga. No dia da partida fomos acordados às 3 hs da madrugada. Após farta alimentação galgamos as montarias. Neste tempo o sexo feminino, mesmo em se tratando de crianças, só montava de lado, em silhão. [...] Pouco a pouco uma luz difusa se infiltrava entre o arvoredo, desenhando os contornos. O céu se tingia em tons rosa dourado e com força se manifestou a claridade do dia. E com o sol veio o calor. Era verão. Sempre subindo a serra, lá no mais alto contemplávamos a exuberância da floresta descendo a encosta e lá embaixo uma forte caudal cristalina luzia em borbulhas brancas, correndo pela mata virgem. Ai que vontade de naquelas águas tomar um banho! Claro que este desejo era impossível. Mas de outro modo a sensação do banho veio. [...] O sol já ia a pino quando chegamos em Muniz Freire. Fomos simpaticamente acolhidos por tio Carmo e tia Filomena De Biase. Esta bondosamente fez preparar para mim num bacião grande, um banho morno, onde sal grosso fora diluído na água. Isto era usança naqueles tempos, após viagens longas a cavalo (BIDART, [19--]a)5. Lycia iniciou os estudos de piano e violino aos sete anos como uma forma de desenvolver sua concentração6. A partir da adolescência, devido ao seu possível déficit de atenção, Lycia parou de frequentar a escola e passou a ter aulas domiciliares com professores contratados para matérias obrigatórias e para a música7. 2 BIDART, [19--]a. Nessa carta Lycia escreveu que nasceu dia 10 de fevereiro de 1910, porém todos os seus familiares afirmaram que o aniversário era comemorado dia 18 de fevereiro, que é a data que consta em sua identidade. 3 BIDART, [19--]b. 4 BIDART, [19--]a. 5 Todas as transcrições de documentos foram corrigidas para o português atual. 6 MACHADO, 2020; MINISTÉRIO, 1978. 7 BIDART; NOVAES, 2019; MACHADO, 2020. 35 Aos 17 anos passou por uma difícil situação ao perder a irmã, Margarida. Segundo o jornal Diário da Manhã (out. 1927, p. 4), em um passeio na praia com amigos da família, suas duas irmãs Carmen e Margarida se afogaram. Carmen conseguiu se salvar, porém, Margarida morreu, aos 15 anos, junto com um amigo da família, que tentou salvá-la. Mais tarde, Lycia escreveu uma série de poemas para cada uma de suas irmãs, e em um deles fala sobre sua perda: Margarida Aos quinze anos tu te fostes Ficou somente a lembrança Dum vulto longo, moreno Olhos verdes e os cabelos Em corações de ouro velho Fértil em Inteligência E tanta bondade... tanta! (BIDART, [19--]b) No mesmo ano da tragédia, em 1927, Lycia teve a sua primeira estreia musical registrada em documentos. A composição Ave Maria (1927)8, para soprano e piano/órgão, foi estreada na Igreja Nossa Senhora da Lapa, no Rio de Janeiro. Foi cantada pela soprano Maria Miranda e acompanhada pelo seu futuro professor, Giovanni Giannetti. A peça é a primeira da compositora registrada em catálogos, sendo possivelmente, além de sua primeira estreia, uma de suas primeiras composições9. Ao longo de toda a sua vida, ela seguiu o catolicismo rigorosamente10 e isso se reflete em parte de sua produção, como nesse título. 3.3 Mudança para o Rio de Janeiro Lycia se mudou, perto dos 18 anos, para a casa de uma tia no Rio de Janeiro para aprofundar seus estudos na música11. Na cidade iniciou suas aulas de composição e regência com o maestro Giovanni Giannetti12 e, em paralelo, aulas de piano e violino com outros professores não identificados13. Segundo matéria publicada no jornal A Esquerda (jun. 1931, p. 5), Giannetti (18691934) estudou composição com o maestro Paulo Serrao, em Nápoles, mesmo local onde estreou sua primeira composição, a ópera Erebo. Na Europa, regeu várias de suas composições e atuou como diretor artístico em alguns teatros, como o teatro São Carlos, em Lisboa, e o Instituto 8 A maior parte das partituras citadas aqui podem ser encontrados na Biblioteca da USP (ECA) e estão discriminadas na listagem ao final da dissertação. 9 MINISTÉRIO, 1978. 10 BIDART; NOVAES, 2019; MACHADO, 2020; NETO, 2020. 11 BIDART; NOVAES, 2019. 12 LYCIA, 1932. 13 MINISTÉRIO, 1978. 36 Nacional de Música, em Siena. Em 1904, foi contratado como diretor artístico do Teatro Lírico, no Rio de Janeiro, onde permaneceu até a data de sua morte (GIANNETTI, 2000). O maestro participou ativamente da vida musical de Lycia, orientando-a em suas composições e regendo várias de suas estreias. Em carta publicada pelo jornal Diário da Manhã (jul. 1932, p. 4), a compositora conta um pouco sobre como era a metodologia adotada por ele: Foi em 92814 que comecei meus estudos de harmonia com o maestro Giannetti. Encantada com a inspiração maravilhosa desse músico profundo por ele me deixei guiar no mundo da arte musical. Nunca tive meu estudo sujeito a rigores de compêndios e tratados. Pelo contrário, meu professor deixou, sempre, diante de mim o campo livre, aberto às minhas pesquisas. Procurou sempre explicar-me o que minha curiosidade descobria. Ou então era ele próprio quem a fazia despertar, interessandose por tudo. Assim se explica que, com tão pouco tempo de estudo começasse a escrever minhas primeiras peças sinfônicas [...] (LYCIA, 1932). Ao todo, Lycia teve cinco concertos no Theatro Municipal do Rio de Janeiro que foram anunciados em jornais. Seu pai, Pietrangelo, em alguns desses concertos, alugou o Theatro e a orquestra para que Lycia pudesse realizar as suas estreias15. Em 23 de agosto de 1930, a compositora teve sua primeira peça estreada no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, o Prelúdio (196716), sob regência do maestro Francisco Braga. Os jornais da época divulgaram o sucesso da estreia com elogios. O crítico Oscar Guanabarino, publicou no Jornal do Commercio (ago. 1930, p. 2) que a “composição revela grande talento da artista” e “deixa prever o esplêndido futuro” da compositora. O Correio da Manhã (ago. 1930, p. 5) publicou que a composição demonstra “qualidades espontâneas e curiosas da compositora”, além de a técnica orquestral ser “segura e variada”. Dia 20 de agosto de 1931, foi estreada no Theatro Municipal a composição Intermezzo (1931), composta pelo Prelúdio nº 1, estreado no ano anterior, e mais dois. A composição foi regida por seu professor Giovanni Giannetti, e mais uma vez recebeu ótimas críticas dos jornais: “[...] entre aplausos, Lycia apareceu no palco. Atingira o fim da sua composição e o começo da sua glória: ao calor das palmas e cercada de flores...” (CARVALHO, 1931, p. 1). Em foto publicada naquele ano (Figura 1), Lycia se mostra sorridente e aparentemente confiante, apesar de não olhar de frente para a câmera. 14 No Catálogo do Itamaraty (1978) consta que iniciou seus estudou com Giannetti em 1927, mas será considerada a data de 1928 por ser uma informação mais perto da data em questão e por ter sido retirada de uma carta escrita pela própria compositora. 15 BIDART; NOVAES, 2019. Segundo os jornais, Lycia teve suas composições executadas no Theatro Municipal cinco vezes. Não é possível saber se Pietrangelo alugou o Theatro em todas as vezes, ou em alguma delas a filha se apresentou a convite de terceiros. No acervo do Theatro municipal constam apenas dois programas, dos concertos de 1933 e 1934. 16 A peça foi estreada em 1930, mas no Catálogo do Itamaraty está com a data de 1967. Provavelmente ela mudou algo na partitura nessa segunda data e a deixou registrada dessa forma. 37 Figura 1 – Lycia de Biase em 1931 Fonte: UMA COMPOSITORA, 1931, p. 28. A compositora adquiriu tanta visibilidade, que em 1931 foi personagem de algumas crônicas sobre o Espírito Santo como figura musical de destaque no jornal Vida Capichaba17. Além disso, um time de polo aquático do Espírito Santo foi batizado em sua homenagem18. No ano seguinte, dia 25 de junho de 1932, em concerto organizado por Giannetti, Lycia retornou à Vitória para reger, no Theatro Glória, o Prelúdio nº 1, em ré menor, e nº 2, em fá maior, que já haviam sido estreados anteriormente no Rio de Janeiro (PROGRAMA, 1932b). Dia 31 de outubro de 1932 foi a estreia da sua composição mais aclamada e elogiada por jornais na época, Chanaan (1932)19, regida por Giovanni Giannetti. O poema sinfônico foi inspirado no romance de Graça Aranha, Canaã, que tem como cenário o Vale de Canaã, situado no Espírito Santo, local que a compositora visitou pessoalmente (Figura 2). O livro conta a história de dois imigrantes alemães que se fixaram no local para buscar a prosperidade da 17 NICOLUSSI, 1931, p. 15; SOMBRA, 1931, p. 23. WATER-POLO, 1931, p. 5. 19 “Canaã” na ortografia atual. 18 38 terra20. Lycia, em sua composição, conta a história da conquista do vale como apresenta o crítico Saul de Navarro (1932, p. 19): No prelúdio surgem os efeitos dolorosos da investida humana contra a virgindade da terra. É o drama áspero de sua conquista violenta. [...] Árvores abatidas. Pássaros em fuga. Flores e folhas juncando o chão, numa reminiscência do extermínio vegetal. E a flora magnífica reduz-se a cinza, pelo ímpeto brutal das queimadas. [...] Depois da graça epitalâmica da sua união feliz, depois do intermezzo floral [...] o amor adquire o dom genésico da pluralidade: a semente faz-se onda verde de cafezal [...]. E na parte final eleva-se um magnificat, em que todas as vozes cantam em coro de bênçãos e louvores, vibrando numa apoteose à terra de Chanaan. Figura 2 – Lycia de Biase no Vale de Chanaan em fevereiro de 1932 Fonte: Arquivo familiar. Em 1933, foi anunciada uma homenagem que ocorreria à Lycia no Distrito Federal feita pelo chefe local da Ação Integralista Brasileira21, Madeira de Freitas (O CONCERTO, 1933, p. 7). Apesar de tal homenagem, não foram encontradas outras relações diretas entre Lycia ou sua família e partidos políticos. Dia 30 de setembro de 1933, Chanaan foi executado novamente no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, dessa vez regido pela própria compositora. No mesmo programa, Lycia foi a solista do concerto para piano e orquestra de Giovanni Sgambati. Segundo crítica publicada 20 RESENDE, 1932, p. 2. O Integralismo foi um movimento político de extrema direita inspirado no fascismo, que se desenvolveu no Brasil na década de 1930, com ideais conservadoras e nacionalistas (BARBOSA, 2006, p. 69, 73). 21 39 por João Itiberê da Cunha no jornal Correio da Manhã (out. 1933, p. 8), como maestrina Lycia deu “vida, alma e colorido, infundiu um pouco sua personalidade à bela obra que criou” e como pianista apresentou “excelente e segura técnica e expressão”. Lycia casou-se com o engenheiro João Baptista Bidart dia 24 de novembro de 193322 na Igreja do Sagrado Coração de Jesus (Figura 3). Os dois conheceram-se mais jovens, em Vitória, quando João viajou para a cidade como atividade da escola militar. Logo após o casamento passaram a morar no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro23. Figura 3 – Lycia e João Bidart no dia do casamento Fonte: Arquivo familiar. Dia 29 de setembro de 1934, Lycia ficou mais uma vez em frente à orquestra no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Dessa vez, regeu o programa completo, que continha: a 1ª Sinfonia de Beethoven; Angelus (1934) e Anchieta (1934), da própria Lycia; e A gruta Fingal, de Mendelssohn. Todas as peças foram regidas de memória e com muita segurança, segundo os jornais. Suas duas composições também foram muito aplaudidas e elogiadas (CUNHA, 1934a, p. 5). Nesse concerto, já estava grávida de sua primeira filha. Na foto tirada na noite do 22 MACHADO, 2020. Os jornais da época, como em O Paíz (nov. 1933, p. 5), anunciaram o casamento no dia 25 de novembro de 1933, porém, na certidão de casamento consta a data de 24 de novembro de 1933. Provavelmente casaram-se no religioso um dia depois do casamento civil. 23 BIDART; NOVAES, 2019. 40 concerto (Figura 4) Lycia olha para a câmera segurando sua batuta em frente a orquestra, composta apenas por homens. Figura 4 – Lycia em frente à orquestra na noite de estreia das composições Anchieta e Angelus Fonte: FON-FON, 1934, p. 43. Dois meses após o sucesso do último concerto, seu mentor Giovanni Giannetti falece em 10 de dezembro de 193424. No ano seguinte, em memória a um ano de sua morte, foi realizado um recital das obras do compositor, no qual Lycia participou executando ao piano as peças Bolero e In Montagna. Na mesma cerimônia participaram também como intérpretes a cantora e ex-aluna de Giannetti Tina Vitta e suas filhas Clara, Wanda e Fernanda Giannetti25. 3.4 Família e música Lycia e João tiveram sua primeira filha em 16 de fevereiro de 1935, Cecilia, que recebeu esse nome em homenagem à padroeira da música. Lucia, sua segunda filha, nasceu dia 24 25 GIANNETTI, 2000. ANNIVERSARIO, 1935, p. 7. 41 28 de abril de 1937. Após o nascimento das filhas, a família se mudou para o bairro Jardim Botânico, em 194026. Entre 1935 e 1948, segundo depoimento da filha, por causa da maternidade e por opção própria27, Lycia parou de aparecer nos jornais, não realizando grandes concertos nem estreias. Nessa época, sua produção composicional também diminuiu comparada aos outros períodos. A compositora era extremamente dedicada à família e isso se reflete em suas composições. Na foto abaixo, anos mais tarde, Lycia demonstra a felicidade por estar em família (Figura 5). Figura 5 – Registro da família anos mais tarde. João Bidart, Lucia, Cecilia e Lycia, respectivamente Fonte: Arquivo familiar. Segundo as entrevistas dos netos, que vivenciaram a relação em anos posteriores, João Bidart era muito reservado e, apesar de gostar de música, não se envolvia na carreira musical de Lycia: Antonio: Ele era aquele esquema, saia pra trabalhar sete da manhã, voltava de noite, ia pro escritório dele, que ele tinha um escritório muito grande em casa também. Ele é engenheiro. [...] Então ele não se envolvia muito com essa parte. Eu pelo menos 26 27 BIDART; NOVAES, 2019. BIDART; NOVAES, 2019. 42 nunca percebi um envolvimento maior dele com essa parte musical de vovó. Dava apoio, que precisava dar, mas “num” se envolvia, não tava junto. [...] Não tinha uma participação maior, assim, também não me lembro dele estimulando. Acompanhava, mas não era participativo (NETO, 2020). Durante os primeiros anos das suas filhas, Lycia escreveu duas peças teatrais para serem encenadas pelas professoras de onde elas estudavam28. Bazar de bonecos (1941) e Louvor matinal (1942) foram estreadas no Colégio Santa Rosa de Lima no mesmo ano em que foram escritas29. Dia 22 de novembro de 1945, na Cidade do Cabo, África do Sul, foi executada a peça Chanaan pela City of Cape Town Municipal Orchestra, conduzida pelo maestro William J. Pickerill30. Tal concerto ocorreu por influência do cunhado de Lycia, marido de Thereza, que trabalhava no país31. Entre 1945 e 1949 teve aulas com Neusa França32 e Magdalena Tagliaferro33 para aperfeiçoar a técnica pianística34. Dia 27 de novembro de 1953, no Ministério da Educação e Cultura, no Rio de Janeiro, aconteceu um concerto para piano e voz apenas com as composições de Lycia. Dentre outras foram executadas as peças: Desejo (1947), para soprano e piano; O beijo (1953), para mezzosoprano e piano; e Noite em Salamanca (1950), para dois pianos35. Na década de 1960, sua filha Cecilia iniciou suas viagens como diplomata. Seus dois primeiros filhos, Marcos e Antonio, ainda crianças, passaram a morar com Lycia, que os criou até a juventude (Figura 6). Além dos dois netos mais velhos, Lycia ainda teve mais três. Veronica, filha única de Lucia, que frequentava a casa diariamente, e Ana e Antonio Carlos, filhos do segundo casamento de Cecilia, que também moraram com ela anos mais tarde36. BIDART; NOVAES, 2019. MINISTÉRIO, 1978. Partituras não localizadas. 30 PROGRAMA, 1945. 31 BIDART; NOVAES, 2019. 32 Neusa França (1920-2016) foi uma conceituada pianista, professora e compositora brasileira que atuou principalmente no Rio de Janeiro e em Brasília. Assim como Lycia, foi aluna da pianista Magdalena Tagliaferro. Em 1960 compôs o Hino de Brasília (FRANCISS, 207, p. 13, 34, 61). 33 Magdalena Tagliaferro (1893-1986) foi uma pianista e professora brasileira. Estudou e deu aula no Conservatório de Paris, além de tocar em diversos palcos do mundo (DAHER, 2019, p. 2). 34 Algumas fontes, como o Grove Music (BIDART, 1994, p. 62) dão a entender que Lycia iniciou os estudou de piano com Neusa França no início de sua carreira, porém Lycia iniciou os estudos de música em 1917 e Neusa França nasceu em 1920 e se tornou professora em meados de 1938 (FRANCISS, 2007, p. 35-37). Por isso, a informação do Catálogo do Itamaraty de que Lycia fez aulas com ela entre 1945-1949, provavelmente enviada pela própria compositora, é mais plausível (MINISTÉRIO, 1978). 35 MINISTÉRIO, 1978. 36 ANDRADA, 2020; BIDART; NOVAES, 2019. 28 29 43 Figura 6 – Lycia com os netos Marcos no meio e Antonio à direita Fonte: FONTANA, 2014, p. 10. Lycia tinha uma governanta que morava com ela e ajudou na criação das filhas e dos netos. Com isso, apesar de passar muito tempo em casa, conseguia se dedicar às composições: Antonio: Ela [Lycia] de fato era quem fazia o papel de mãe, mas vovó era uma pessoa extremamente caseira [...]. E como toda família tradicional da alta classe média aí do Rio, na época tinha uma empregada de super confiança, acho que ela veio trabalhar ainda pra ajudar minha vó a cuidar da minha mãe e da minha tia, aquela chegada da Bahia, com 14, 15 anos de idade. [...] Vovó não saía muito, não. Vovó não era muito de sair, [...] ela era muito caseira (NETO, 2020). Veronica: A gente teve uma babá, que foi uma grande companheira da vovó. [...] Helena. E essa babá que cuidava da gente na parte prática. Porque vovó sempre foi poeta, vovó sempre foi “música”. Nunca vi vovó fazendo um café na vida dela. [...] Nunca. A casa era arrumada, mas quem mandava na casa mesmo era Helena [...]. A vovó era arte, poesia, literatura. Ela rezava todo dia, que no fundo era uma meditação. Assim, ela sentava na cadeira, ficava horas rezando terço. Nunca vi vovó no sentido de uma mulher do lar, sabe? Ela era uma artista, com certeza (MACHADO, 2020). Lycia criou os netos com muita liberdade e amor. Todos a descreveram como uma pessoa introvertida, mas tranquila e muito amorosa: Antonio: O aspecto dela, o espírito dela, a personagem dela, a tranquilidade, a bondade dela com os outros, sabe? De sempre querer o bem. É uma santa criatura. Pra mim é Madre Teresa de Calcutá, Irmã Dulce e vovó Lycia. São pessoas que acho que é impossível. Ela nunca deve ter tido um pensamento maldoso sobre ninguém na vida dela. Pelo menos isso era a impressão que eu tinha. Era uma pessoa de um desejar bem aos outros impressionante, um negócio inacreditável37 (NETO, 2020). 37 Como exemplo para a personalidade da avó, Antonio cita o protagonista do filme Muito além do jardim, de 1979, que segundo ele, é um bom retrato de Lycia. 44 Ana: Eu lembro de uma presença muito doce, uma alma boa, uma alma pura. Todos gostavam de estar ao lado dela, ela fazia todo mundo se sentir bem. Eu lembro que era uma pessoa cercada de amor. Eu lembro do rostinho dela sorrindo, da doçura dela. Então só coisas positivas (ANDRADA, 2020). Junto com os netos, Lycia visitava uma comunidade no final da Rua do Corcovado para levar mantimentos aos moradores38. Também foram encontradas correspondências com a igreja católica solicitando doações. Na época, ela costumava fazer suas composições em uma mesa ao lado do piano, enquanto os netos estudavam e brincavam. A compositora tinha um piano de armário, que usava mais, e um piano de cauda, Blüthner. Seu processo composicional era muito mais mental do que prático no instrumento39. Ela costumava escrever cantarolando em bocca chiusa e, às vezes, experimentava no piano. A maior parte de suas composições utilizava elementos da natureza, poemas e pessoas como inspiração40. Lycia era uma grande amante da natureza. A região onde morava era muito arborizada e ela possuía um jardim em sua casa, que cuidava diariamente41: Veronica: Ela era louca pelo jardim dela. Até hoje o jardim dela é lindo, aqui. [...] E ela amava o jardim. A vovó acordava, botava um short, um conga. Ela tinha joanete e ela cortava a frente do conga, uma frente única. Nunca mais esqueço. E o cabelo dela, ela pintava de azul. [...] O cabelo dela era branco. Aí era uma tinta que deixa o cabelo assim, prateado azulado, sabe? Uma coisa meio de antigamente. [...] Ela ia pro jardim, cuidava do jardim, isso sempre muito cedo. E depois ela ficava escrevendo (MACHADO, 2020). Em pesquisa feita na antiga residência de Lycia, foram encontradas inscrições de peças no I e II Festival de Música da Guanabara, que ocorreram em 1969 e 1970. Para 1969, Lycia inscreveu as seguintes composições, acompanhadas de notas composicionais42: Sempre (sem data)43, para piano e orquestra; Interlúdio Cantando (1969)44, para piano e orquestra; e Polifonia Coral Rio de Janeiro (1969), para coro e orquestra. Para o ano seguinte, Lycia utilizou o pseudônimo Rio/70 e enviou as peças: Música para violino e piano45; Scherzo46; Concerto 38 BIDART; NOVAES, 2019. BIDART; NOVAES, 2019. 40 MACHADO, 2020; MINISTÉRIO, 1978. 41 ANDRADA, 2020; MACHADO, 2020; NETO, 2020. 42 As notas composicionais não estão assinadas, porém, em conversa com o professor Marcos Lucas, foi dito que é comum que o compositor faça observações para anexar às suas peças em concursos de composição. 43 Registrada como Sempre Cantabile. 44 Partitura não localizada. 45 O único duo para violino e piano encontrado escrito por ela até 1970, ano do concurso que consta na ECA é o Sonata: Recitativo, Introito, 2º tempo, Resxurexis (1970). 46 A única peça encontrada com esse título faz parte da Série intervalos musicais (1971), com o título do trecho Quintas, Scherzo. Como a peça tem outros estudos de intervalos, pode ter sido finalizada no ano seguinte do concurso. 39 45 para violino, piano e orquestra47; e Danças (1970), para quinteto de sopros. Sobre o segundo concurso, foram encontradas duas notas, uma delas sem título e outra se referindo às “peças para violino e piano”. Lycia manteve amizades com músicos como o saxofonista Juarez Araújo48 e o maestro John Neschling49. Dia 5 de junho de 1971, Neschling regeu seu Prelúdio nº1 no Teatro Municipal de São Paulo, tocado pela Orquestra Filarmônica da cidade50 e, no mesmo ano, estreou uma de suas composições, Adagio Improviso51, tocado pela Orquestra de Câmara do Rio de Janeiro, dia 14 de setembro, na Sala Cecília Meireles52. Entre 1972 e 1986, Lycia também trocou cartas com o escritor Carlos Drummond de Andrade53, em sua maioria pedindo autorizações para musicar e executar os seus poemas. Algumas das composições citadas nas cartas são Nova canção do exílio (1974), para soprano e piano54; Paredão (1974), para mezzosoprano e piano55 e para coro; Parêmia de cavalo (1974), para mezzosoprano e piano e para coro; e Braúna (1975), para mezzosoprano e piano e para coro. Em janeiro de 1975, Lycia ganhou uma menção honrosa no XX Concorso Internazionale di Musica Giovan Battista Viotti56, na Itália, com a Sonata Fantasia nº1: Sonata ao Mar (1961)57. No mesmo ano, em agosto, Lycia participou do I Encontro Nacional de compositores em Brasília. Em um dos concertos do evento, foi estreada no Teatro Nacional Claudio Santoro 47 O concerto que consta em documentos para violino e piano solistas e orquestra tem o título de Rio 70 (MINISTÉRIO, 1978), mesmo pseudônimo usado por Lycia no concurso. Partitura não localizada. 48 Juarez Araújo (1930-2003) foi um saxofonista e compositor brasileiro. Quando jovem se mudou de sua terra natal, Pernambuco, para trabalhar no sudeste, onde atuou em rádios e orquestras locais na área da música popular, tocando também outros instrumentos de sopro (JUAREZ, 2020). 49 BIDART; NOVAES, 2019; NETO, 2020. John Neschling (1947-) é um regente e compositor brasileiro. Fez aulas de regência na Academia de Música de Viena e nos Estados Unidos, além de atuar como diretor artístico em várias orquestras europeias. No Brasil foi diretor artístico do Theatro Municipal do Rio de Janeiro e do Theatro Municipal de São Paulo, além da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), a qual ajudou a estabelecer como uma das maiores orquestras do país (JOHN, 2021). Foi tentado contato com o maestro por e-mail e redes sociais com o objetivo de entrevistá-lo, porém não houve retorno. 50 PROGRAMA, 1971. 51 Partitura não localizada. 52 MINISTÉRIO, 1978. 53 Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) foi um dos maiores escritores brasileiros e representante da segunda fase do modernismo no Brasil. Apesar de ter se formado em farmácia, nunca exerceu a profissão, seguindo o trabalho de escritor e tradutor (CARLOS, 2021). 54 A partitura faz parte da Série Canções do Exílio (1974). 55 Partitura não localizada. 56 O Concorso Internazionale di Musica Giovan Battista Viotti foi fundado em 1950, em Vercelli, na Itália, e está na ativa até a presente data premiando jovens músicos do mundo todo (THE MUSIC, 2019). 57 BIDART, 1994, p. 62; MINISTÉRIO, 1978. 46 sua peça Dedicando: Pequenos trechos musicais (1974), composta especialmente para o Quinteto de Sopros da Universidade de Brasília (UNB), que apresentou a peça58. Constam em documentos que o pianista e presidente da SBMC entre 1974 e 1981 Paulo Affonso de Moura Ferreira, inseriu composições de Lycia em seu repertório como no concerto que ocorreu dia 29 de novembro de 1974 na UNB59, com a estreia de Noite (1961); dia 15 de outubro de 1978 no Círculo Militar de Macapá60, com a estreia de Cavalinho Branco61; e dia 20 de setembro de 1984 na Embaixada do Canadá em Brasília62, com a estreia de Estudo Expressionista: Dilema (1975). 3.5 Maturidade Lycia e João Bidart se divorciaram oficialmente em 9 de setembro de 1976. A família costumava viajar de férias para outras cidades, enquanto João ficava no Rio de Janeiro para trabalhar. Em uma dessas viagens, Lycia recebeu uma ligação dizendo que seu marido havia ido embora de casa com outra mulher. Ao receber a notícia, a compositora se isolou para compor e expressar seus sentimentos por meio da música63. Após o divórcio, os dois tiveram pouco contato. No mesmo ano, dias depois do aniversário de casamento de Lycia, Lucia a envia uma carta sobre o assunto: Querida mamãe, Quero lhe oferecer estas flores em nome de todos nós – Antonio Carlos, Cecilia, Marcos, Toni, Koca, Ana e Antonio Carlos bebê (viu quanta gente!) como símbolo de nosso agradecimento pelo dia 27-11-3264. Graças a esse dia, em que você e Papai se casaram, nós existimos. Graças à soma da personalidade de vocês somos o que somos, e graças à educação que nos deram conseguimos superar algumas falhas da nossa natureza e conquistar novas características. Por isso queremos que você saiba, no dia de hoje, que vivemos à sua volta num permanente sentimento de gratidão. Saiba que você é o símbolo vivo de uma união conjugal bem-sucedida, por tudo o que gerou à sua volta de vida. Beijos, Lucia. Rio, 26-11-76. Apesar da separação, até o final de sua vida Lycia continuou assinando todas as suas composições com o sobrenome de casada, por essa razão, o sobrenome também é utilizado 58 PROGRAMA, 1975. MINISTÉRIO, 1978. 60 PROGRAMA, 1978. 61 Nos catálogos não consta esse título para piano solo. 62 PROGRAMA, 1984. 63 BIDART; NOVAES, 2019; MACHADO, 2020. 64 Segundo os documentos o casamento ocorreu nos dias 24 e 25 de novembro de 1933, como dito anteriormente. 59 47 nessa pesquisa como meio de atender à sua decisão. João Bidart morreu dia 28 de abril de 198165. Após os 60 anos, Lycia começou a perder a audição progressivamente. No início da década de 1980, ela teve uma séria meningite que intensificou essa perda. Devido a uma complicação, a compositora ficou em coma por alguns dias. Segundo ela, durante esse período de coma teve um encontro com Nossa Senhora. Ela teve uma visão em que estava em uma carruagem de flores indo ao seu encontro. Ali pediu a ela que não morresse naquele momento porque sua família estava passando por momentos difíceis e precisava dela. Lycia acreditava que para poder retornar do coma precisou renunciar à sua audição66. Figura 7 – Lycia nos últimos anos de sua vida Fonte: Arquivo familiar. Em junho de 1989, Lycia doou a maior parte das suas composições para a Biblioteca da ECA, da USP, junto com uma carta formalizando a doação. O acervo contém mais de 400 composições, entre manuscritos originais e cópias, das mais variadas formações instrumentais e está aberto ao público para consulta no local. Mesmo com a perda parcial da audição, Lycia compôs até o final da sua vida (Figura 7). Faleceu aos 81 anos por consequência de um câncer, dia 10 de julho de 1991, no Rio de Janeiro67. 65 MACHADO, 2020. MACHADO, 2020. 67 MACHADO, 2020. 66 48 3.6 A trajetória a partir de Bourdieu Lycia iniciou seus estudos de música ainda criança no Espírito Santo, mas logo se mudou para a capital do país para aprofundar os estudos na música. Com a mudança, ela ocupou outra posição no espaço social ao se aproximar de um dos maiores centros culturais do Brasil na época, o que resultou em um maior desenvolvimento musical com professores renomados, grandes concertos e constantes aparições na mídia. Poucos anos depois, assumiu uma terceira posição social, ao ficar reclusa em casa se dedicando às composições e à família, tendo uma redução significativa nas aparições públicas. A compositora adquiriu diversos tipos de capitais, principalmente por ter nascido em uma família abastada que a apoiou em sua carreira, proporcionando a ela capital cultural, econômico e social, resultando em um elevado capital simbólico. No caso do campo musical, um importante fator para a legitimação do agente no meio é a validação pelos seus pares, algo que Lycia conquistou logo no início da carreira ao obter quase unanimidade de comentários positivos vindos dos críticos musicais. Posteriormente, ao optar por permanecer em casa e se relacionar pouco presencialmente com outros artistas, Lycia deixou a “disputa pelo poder” no campo musical, como disserta Bourdieu, não compondo para ganhar visibilidade ou dinheiro, mas apenas por amor à arte. Pelo elevado acúmulo de capital que Lycia obteve logo no início de sua trajetória musical, seu campo dos possíveis a direcionava para uma trajetória de sucesso público e visibilidade no campo da música, porém o fator de gênero e suas opções pessoais à levaram para a reclusão. Assim, apesar de sua grande produção, não adquiriu reconhecimento duradouro, o qual teve apenas nos primeiros anos de atuação, quando optou por uma carreira pública. Nenhum dos entrevistados deu detalhes sobre a relação de João Bidart com a vida musical de Lycia, mas vale destacar que nenhum deles vivenciou a transição de sua carreira pública, para a vida doméstica, que ocorreu no início do casamento. Os entrevistados o descreveram como alguém que gostava de música, não se opunha à sua carreira, mas se isentava em relação ao trabalho de sua esposa. Era esperado de uma mulher da época a dedicação à família e, apesar de seus pais a incentivarem e até financiarem o seu trabalho, não é possível saber exatamente a posição de seu marido, algo que redirecionaria o seu campo dos possíveis para, de fato, uma vida doméstica. Lycia, na sua trajetória ocupou três posições principais no espaço social: no início dos estudos da música, em Vitória; no seu desenvolvimento e destaque público como musicista, no 49 Rio de Janeiro; e como uma compositora reclusa com poucas aparições públicas. Os fatores externos a levaram a essa trajetória que, apesar da maior parte ter sido afastada das relações sociais que o campo musical proporcionava, resultaram em um grande volume de composições. 50 4 ASPECTOS MUSICAIS Para o presente capítulo, são analisados documentos que possuem uma perspectiva musical a respeito de Lycia. A compositora provavelmente, assim como outros compositores, passou por fases composicionais, que pela limitação de tempo de pesquisa, não poderão ser analisadas minuciosamente. Abordaremos aqui a visão dos críticos de jornais, registros feitos por ela mesma e percepção de familiares a respeito da obra da compositora. 4.1 Críticas de jornais na década de 1930 Principalmente nos anos iniciais de sua carreira, Lycia recebeu várias avaliações de seus concertos feitas por críticos de jornais da época. Essas críticas fornecem um panorama de como foi a recepção de suas peças tanto para o público, quanto para os seus pares. Para essa pesquisa, foram estudadas colunas de música de 23 edições de jornais do Rio de Janeiro e Vitória sobre cinco obras da compositora. A primeira seção é sobre um dos críticos mais renomados da época, Oscar Guanabarino, que também foi quem escreveu um número maior de críticas sobre os concertos da Lycia; a segunda seção será sobre outros críticos que escreveram sobre ela; e, por último, serão levantados comentários feitos pelos críticos relacionados ao fato de ser uma compositora mulher. 4.1.1 Oscar Guanabarino Oscar Guanabarino (1851-1937) estudou piano desde os seis anos, foi professor do instrumento, atuou como dramaturgo, com peças teatrais estreadas no Rio de Janeiro, e trabalhou em outras funções relacionadas às artes (GUANABARINO, 2000, p. 349). O ofício pelo qual se tornou mais conhecido foi o de crítico de arte. Atuou nos jornais O Paiz, entre 1884 e 1917, no Jornal do Commercio, entre 1917 e 1936, além de participações em vários outros jornais (GOLDBERG; OLIVEIRA, 2019, p. 20). André Egg (2012, p. 46, 50), destaca que Guanabarino foi o primeiro crítico profissional que teve uma longa carreira no Brasil. Ele se manteve defensor dos padrões europeus tradicionais de composição, criticando severamente compositores que se afastassem desse modelo. O crítico não compactuou com os novos movimentos artísticos nacionalistas do início do século XX que surgiram no Brasil, como o Modernismo. 51 A volta de alguns artistas da Europa no início do século XX que tiveram contato com as vanguardas europeias desenvolvidas no final do século anterior, construiu um cenário propício para uma mudança na arte produzida no Brasil. O Modernismo foi iniciado por artistas, que tinham entre os seus principais objetivos se desvincular dos estudos acadêmicos, das influências tradicionais, do sentimentalismo e combater a crítica profissional da arte. Os modernistas buscaram compreender o povo brasileiro por meio de suas origens. Porém, se por um lado criticavam as influências europeias, por outro sabiam que ela fazia parte da formação da cultura nacional. A Semana da Arte Moderna foi um marco para o movimento. Aconteceu no Teatro Municipal de São Paulo em fevereiro de 1922 e teve em sua programação exposições, conferências, sessões de leitura de poemas e concertos. O evento tinha o objetivo de reafirmar as reinvindicações dos jovens artistas e estabelecer uma consciência artística nacional. Mário de Andrade, um dos maiores representantes do movimento, considerava apenas Villa-Lobos um compositor com características brasileiras de fato, porque desde antes do desenvolvimento do Modernismo no Brasil tinha muitas ideias em comum com ele, como o nacionalismo, uso do folclore, esquemas harmônicos complexos e politonalidade (NEVES, 1977, p. 47-77). Segundo Maria Passamae (2013, p. 63-66), Guanabarino considerava que a estética Modernista apresentava uma “cacofonia musical”. Para ele, tal técnica era anterior ao contraponto, por isso não era uma inovação. A ausência de cadências perfeitas, uso dos modos gregos, ausência de forma tinha um resultado “tão ridículo como enfadonho e repugnante ao ouvido educado”. Guanabarino era rígido em suas análises e fez severas avaliações a compositores conceituados, como Heitor Villa-Lobos, um compositor que ganhava destaque como uma das figuras centrais do movimento. A autora apresenta ainda a visão de José Miguel Wisnik (1977, p. 87-91), que diz que Guanabarino considerava a ruptura com certas normas estéticas um “atentado ao código natural, movida por [...] pessoas de má fé”, com o intuito de corromper a arte. Nessa visão, a tonalidade, em especial, é detentora da ordem e tem associação direta com a naturalidade em oposição à distorção. Apesar de sua rigidez e vários questionamentos de suas críticas, suas opiniões eram importantes para o meio artístico: Artista que ele amparou com a custodia de um elogio seu, pode logo contar com os favores e as simpatias do público. Também o desventurado que não caiu sob a égide protetora do paraninfo das multidões, pode também contar com o de profundis, porque está irremediavelmente perdido. Oscar não gostou do músico, este que abandone barcos e redes e vá cuidar de outra vida (BONAFUS, 1897, p. 2 apud GOLDBERG; OLIVEIRA, 2019, p. 20). 52 Oscar Guanabarino esteve presente em todos os cinco concertos orquestrais que Lycia participou no Theatro Municipal, de 1930 a 1934. Em todos eles teceu grandes elogios a ela como compositora e maestrina, os quais foram publicados no Jornal do Commercio. No primeiro concerto, em 1930, o crítico faz uma nota curta em sua coluna Pelo mundo das artes. Na estreia do Prelúdio (1930), diz que a compositora tem “grande talento” e um “esplêndido futuro” manifestado pela orquestração da obra. Segundo ele o tema da composição é “feliz e inspirado” e se desenvolve com “naturalidade” (GUANABARINO, 1930, p. 2). No ano seguinte, na estreia da série de três prelúdios, intitulada Intermezzo (1931), Guanabarino (1931, p. 2) pontua o concerto como “o mais importante e talvez o mais belo” daquele ano, e diz que os prelúdios são “belíssimos, espontâneos, graciosos e cheios de frescura”. O autor ainda destaca que as peças foram fortemente apreciadas, inclusive pelos músicos da orquestra, que a aplaudiram de pé e ressalta que não havia claques presente no teatro, ou seja, pessoas contratadas para aplaudir as apresentações, evidenciando o caráter espontâneo da reação da plateia. Em publicação feita pelo crítico Eduardo de Carvalho (1931, p. 1), é possível perceber que não foi apenas o público e a orquestra que manifestaram suas honras à compositora, mas também o próprio Oscar Guanabarino: “Quando as últimas notas se apagaram no salão em penumbra e os lampadários de cristal faiscaram, o primeiro a cumprimentar a jovem compositora, com o prestígio da velhice, foi o crítico erudito Oscar Guanabarino: O inverno dando a mão à primavera...”. Eduardo de Carvalho ressalta com a metáfora do inverno, a experiência de Guanabarino, já conhecida pelo meio artístico da época, em contraposição ao florescer da primavera, representado por Lycia. Em 1932, estreia do poema sinfônico Chanaan (1932), Guanabarino (1932, p. 6) inicia a crítica dizendo que o título da matéria deveria ser “Concerto orquestral, regido pelo maestro Giovanni Giannetti”, porém, pelo grande talento de Lycia, optou por intitular com o nome da compositora, que estava em “uma esteira luminosa prestes a condensar-se em astro de primeira grandeza”. O colunista exalta de forma poética a maneira em que Lycia expressa a natureza por meio da música: [O gênio artístico] animado pela robusta poesia que sente e canta a floresta virgem; que vê no delírio das suas inspirações o préstito que marcha em busca da terra da Promissão, e com ele sente a sinfonia das matas virgens dos trópicos, e soluça e chora e, sem saber porque – grita, por meio da sonoridade de uma grande orquestra, beijando o solo abençoado da sua pátria, onde floresceram seus pais, vindos das terras das melodias; grita com as vozes de um coro, e transforma esse grito no brado que o eco das serras repete – Chanaan! Chanaan! (GUANABARINO, 1932, p. 6, grifo nosso). 53 No texto, ele elogia a forma com que Lycia associa os elementos da natureza, como as matas virgens e o solo de sua pátria, e a sua expressão interna, como o choro e grito, através dos elementos musicais, como a sinfonia, a orquestra, a melodia e o coro. A expressão da natureza por meio da música foi algo que Lycia fez ao longo de toda a sua produção musical, fato que pode ser constatado nas entrevistas com os familiares da compositora e nos próprios títulos das obras. Guanabarino finaliza a crítica expressando sua grata surpresa pela apresentação, já que tinha o receio de que a compositora, inspirada pela literatura nacional, tivesse utilizado algum trecho regionalista para dar à peça características locais. Esse receio reforça a visão tradicional que o crítico possuía e a rejeição às inovações trazidas pelas vanguardas brasileiras, em especial o Modernismo, que tinha como um de seus objetivos criar uma consciência artística nacional e realizar uma releitura da música regionalista brasileira (NEVES, 1977, p. 70-72). No concerto que ocorreu em 1933, em que Lycia regeu Chanaan e foi a solista do concerto para piano e orquestra de Giovanni Sgambati, o crítico mais uma vez faz elogios à compositora. Diz que ela está “destinada a invadir todo o Brasil com o seu nome já glorioso” e que “revelou mais uma face do seu gênio artístico” como “regente de habilidade rara”. Nesse concerto, Guanabarino não se aprofunda em sua atuação como nos outros textos, porém faz a única ressalva dentre todos os concertos em que Lycia participou, não diretamente a ela, mas à obra de Sgambati. Segundo ele, em uma primeira escuta não é possível compreender o concerto, porque “o estilo moderno de que se acha revestida a partitura de Sgambati escapa à rápida compreensão”, mas elogia as belezas sinfônicas da peça (GUANABARINO, 1933, p. 8). Mais uma vez o crítico demonstra incompreensão em relação às inovações utilizando o termo “moderno” em um contexto de incerteza. Na última crítica feita por Guanabarino (1934, p. 9) à Lycia, no concerto de 1934, relembra a sua estreia com sua aparência jovem em contraposição à sua segurança: “a estreante apareceu segura e forte, sem hesitações; de físico débil, quase infantil ainda, mas senhora de si, orgulhosa [...] de seu astro”. Sobre esse último concerto, em que Lycia regeu o programa completo, o crítico aponta que como regente ela é uma “bela promessa”, destacando a condução da 1ª Sinfonia de Beethoven, “executada nos seus justos andamentos e com os coloridos expressivos de acordo com as melhores tradições”, ainda a elogiando por ter dirigido todas as peças de memória. Sobre as estreias de suas composições, Guanabarino dá especial destaque. No poema sinfônico religioso Angelus (1934), diz que a peça impulsiona o homem ao “misticismo”, com a orquestra descritiva que “une a poesia à oração”. 54 Na segunda peça, Anchieta (1934), em que são narrados os conflitos entre jesuítas e indígenas, Guanabarino diz que ela realizou um difícil feito ao “traduzir pela arte sonora um personagem de grande complexidade [jesuítas], agindo na catequese, pregando o cristianismo, consolando os aflitos, criando hospitais [...]”. Tal saudosismo em relação aos jesuítas no período de invasão das terras indígenas no Brasil foi algo compartilhado pela própria compositora, que também descreve o índio como um grupo feroz e selvagem e, apesar de admitir a invasão e opressão que passaram, acrescenta que tiveram a paz resgatada pelos jesuítas, como mostra o texto da compositora publicado no jornal Correio da Manhã (out. 1934b, p. 7): A nobreza austera dos jesuítas [...] em seu profundo amor pela humanidade, é a fonte que nos dá “Anchieta”, a figura sublime, de doçura infinita. [...] É ele o ser privilegiado pela sensibilidade extrema do bem e do belo [...]. Quadro sedutor, que abriga, porém, a constante ameaça do índio revoltado, feroz contra os invasores de sua terra e opressores de sua gente. Onde o ódio impera, a sede de luta é espantadora, cresce terrível, em fantástica vertigem, alastra-se em loucura de ímpeto selvagem, e ribomba com furor um tremendo rugido de ameaça. Força titânica, tempestade de raiva bravia, mas sobre ela paira a figura enérgica e suave do jesuíta: desde então abranda-se o furor, amainam-se os ódios e a tranquilidade vem aos poucos... É importante destacar aqui o conservadorismo do pensamento compartilhado por Lycia e Guanabarino sobre a história do Brasil. Ao chegar ao Brasil, os portugueses utilizaram duas maneiras principais de reprimir os povos indígenas: pela escravização e pela catequização, feita pelos jesuítas. O objetivo era transformar os índios em cristãos e impor a eles os costumes europeus. Embora os jesuítas tenham criticado a escravidão indígena, criando desavenças com os colonos, eles também não respeitavam a cultura nativa, chegando ao ponto de duvidar que os indígenas fossem seres humanos. Tais coerções foram recebidas com legitima resistência pelos povos nativos (FAUSTO, 1995, p. 49-50). No texto acima Lycia descreve os indígenas como selvagens e os jesuítas como pacificadores, compartilhando a visão colonizadora e conservadora da época, reforçada pela crítica de Oscar Guanabarino. No decorrer do texto, Guanabarino segue elogiando Anchieta, dizendo que muitos músicos experientes não seriam capazes de compor os contrapontos presentes na peça, e que apesar das frases polifônicas serem curtas, criam “o belo de ordem dentro da rigidez do claríssimo”. Finaliza a crítica dizendo que por ser muito nova, a compositora ainda irá “compreender o valor da inspiração” e terá outras influências, como o sofrimento, o amor e o patriotismo. Em todos os concertos assistidos e avaliados por Oscar Guanabarino, o crítico exalta Lycia como compositora e maestrina. Se mostra admirador do seu talento composicional e 55 destaca diversas vezes a beleza de suas composições. A todo momento o crítico ressalta a grande promessa como compositora e o futuro promissor que Lycia teria pela frente. Pelo histórico tradicional de Guanabarino e todas as suas críticas positivas às composições de Lycia, é possível supor que ao menos nessa primeira fase, a compositora seguiu os padrões tradicionais europeus de composição, influenciada pelo seu mentor italiano Giovanni Giannetti. Apesar do crítico demonstrar receio às inovações modernas, nunca teve motivos de fato para criticar as composições de Lycia nesse sentido, e apenas se manteve exaltando suas características tradicionais, inspirações, contrapontos e harmonizações. 4.1.2 Outros críticos João Itiberê da Cunha (1870-1953) foi um crítico e compositor paranaense, irmão do compositor Brasílio Itiberê. Quando criança estudou na Europa e, mais tarde, participou do movimento simbolista belga. Ao retornar ao Brasil, no final do século XX, exerceu inicialmente a função de diplomata, posteriormente abandonando a carreira para trabalhar com o jornalismo. Foi um dos fundadores do jornal Correio da Manhã onde possuía uma coluna de críticas musicais, assinada por “JIC” (JOÃO, 2021). A primeira matéria que escreveu sobre Lycia foi em 1933, quando ela regeu o seu poema sinfônico Chanaan e tocou piano no concerto de Sgambati. O crítico classifica o concerto como “uma das manifestações mais atraentes, interessantes e significativas” daquela temporada. Segundo ele, como regente Lycia não fez apenas movimentos mecânicos e simbólicos, mas colocou a sua própria personalidade na interpretação, dando “vida, alma e colorido” à obra que considerou como um “poema de amor e patriotismo”. No concerto de Sgambati, João Itiberê diz que Lycia teve um “profundo senso artístico” com “excelente e segura técnica e expressão característica na ‘romanza’” (CUNHA, 1933, p. 8). As duas críticas seguintes, trataram do concerto de 1934. Itiberê diz que na regência da 1ª Sinfonia de Beethoven, Lycia teve o cuidado de inserir características que o compositor utiliza apenas nessa obra dentre todas as sinfonias, influenciado por Haydn e Mozart (CUNHA, 1934a, p. 5). Sobre as estreias de Angelus e Anchieta, o crítico pontua várias características instrumentais das peças. Segundo ele, Angelus possui uma orquestração que transmite a sensação de piedade por meio do contraste entre os “efeitos insistentes de sinos e a suavidade angélica da celesta”, ainda destaca como a composição foi bem trabalhada, em especial pelos instrumentos de arco. Ao detalhar os efeitos orquestrais da peça Anchieta, diz que diferente de outros compositores que compõe mecanicamente, a compositora compõe poeticamente: 56 O poema inicia-se por um coral religioso, ao qual se segue uma fuga, em belo desenvolvimento, atingido a efeitos grandiosos. A notar a original passagem de um canto em ‘quartas’ sobre um pedal de ‘quinta’. A orquestração é cuidada e sempre oferece maior interesse. Todos os naipes são excelentemente tratados e os violinos (ainda mais uma vez) com inegável maestria (CUNHA, 1934b, p. 7). Nas críticas apresentadas, João Itiberê da Cunha evidencia o conhecimento de Lycia como regente e intérprete em relação aos aspectos estilísticos das obras e como compositora com o cuidado com os naipes da orquestra e a orquestração de modo geral. Eduardo de Carvalho68, no jornal Diário da Manhã, do Espírito Santo, escreveu apenas duas críticas sobre a compositora, mas carregadas de elogios e poesia. Comenta que apesar de ser jovem, Lycia tem experiência na música. Na série Intermezzo o crítico diz que a música apresenta com a dinâmica uma “teia de sutilezas” desenhando os temas escolhidos pela autora. Segundo ele, as peças possuem “técnica orquestral de coloridos e cambiâncias, reveladores [...] de estados da alma” e a compositora conseguiu fazê-lo com “delicadeza e suavidade”. Assim como outros críticos, faz associações com a natureza, como no trecho: “Se as vezes nem a combinação de notas lembra um ímpeto de íntima revolta, pouco a pouco se amaina e a nuvem desfaz-se, irisa-se de cores suaves o éter azulado, antes de ser tempestade...” (CARVALHO, 1931, p. 1). Por fim, acrescenta que a música possui uma grande “unção espiritual” e reflete “o harmonioso temperamento da autora”. No concerto seguinte, estreia de Chanaan, em 1932, Eduardo de Carvalho pontua a dificuldade em expressar por meio da música a natureza de Chanaan, como o ritmo das folhas, o canto das águas, o vento nas árvores, formando uma “harmonia dos contrastes” que obteve grande sucesso. Comparando o concerto anterior a esse, o crítico diz que Lycia progrediu e foi mais “viva” (CARVALHO, 1932). O crítico Oscar D’Álva, pseudônimo de Reis Carvalho, trabalhou na revista Fon-Fon, Kosmos e na Revista Brasileira de Música. Se dizia leigo nas artes, apesar de dar informações detalhadas nas suas críticas (TUMA, 2017, p. 12, 47). Na estreia de Chanaan, em 1932, exalta as “combinações de cordas e sopros” e diz que superou a peça seguinte, Sinfonia de Rossini. Ele ainda elogia o afastamento de Lycia das novas tendências da época: É de louvar-se a aparição da compositora do futuro, mas não compositora futurista, o que é simplesmente retrogradar, pois o futurismo não passa de ultrapassadismo... Felizmente, quem escreveu o Prelúdio n. 2 e Chanaan está seguindo a verdadeira trilha da verdadeira arte. Sabe ser original, sem ser esquisita; moderna, sem ser modernista... (D’ÁLVA, 1932, p. 48). 68 Não foram encontradas informações sobre o crítico. 57 No Brasil, o termo Futurismo era associado ao Modernismo, com uma conotação diferente da que teve com o movimento Futurista europeu. A crítica brasileira da época utilizava o termo de forma pejorativa e chamava de futurista todos os artistas que buscavam uma reformulação das artes se afastando do tradicionalismo e academicismo. Na década de 1920, os artistas modernistas adotaram o termo, passando a se denominar futuristas como forma de confronto, em defesa da liberdade de expressão e modernização da arte (NEVES, 1977, p. 5152). No trecho acima, ao dizer que Lycia não era futurista nem modernista, Oscar D’Álva afirma que Lycia, naquele momento, não adotou as inovações trazidas pelo Modernismo, confirmando o que Oscar Guanabarino havia dado a entender em suas críticas. Em anúncio não assinado no Jornal do Commercio (set. 1933, p. 9) do concerto que ocorreria em 1933, a partir do comentário da autora que Chanaan representa uma “geração de homens fortes” que criam a ambientação para o “destino esplêndido de um povo”, o autor diz que na obra a compositora soube “traduzir os anseios da alma coletiva” e que faz parte do grupo que deixa sua obra pessoal para dar voz a uma causa coletiva, tornando-se “intérprete de uma época ou de um povo”. A única crítica encontrada feita por uma mulher, foi escrita por Anttonieta de Souza, que foi cantora, professora, crítica no jornal A Noite, escreveu livros de canto e além de publicações em outras revistas. Ao lado de outros músicos, também foi cofundadora do Conservatório Nacional de Música, em 1936, atual Conservatório Brasileiro de Música (CBM), e eleita diretora após o falecimento do diretor e cofundador Lorenzo Fernandez69 (MONTI, 2017, p. 109-110). Apesar de até o momento não terem sido encontrados estudos a respeito da professora, o fato de ter trabalhado ao lado de outros músicos no Conservatório ligados ao movimento Modernista, como Lorenzo Fernandez, a coloca em um contexto musical progressista para a época. Anttonieta escreveu sobre a série Intermezzo. Diferente dos outros críticos, faz apenas comentários negativos. Diz que a compositora é “uma criança” e não possui originalidade nem inspiração, apenas conhecimento técnico. Segundo ela, Lycia não compôs “nenhuma frase que tivesse o frescor da sua juventude” e finaliza dizendo que ela “tem composições de valor intrínseco teórico-musical, porém, destituídas de qualquer lampejo de personalidade própria” (SOUZA, 1931, p. 8). 69 Lorenzo Fernandez (1897-1948) foi um maestro, compositor e professor brasileiro. Em sua produção, equilibrou a música tradicional com as inovações do Modernismo. Trabalhou com Villa-Lobos em projetos de educação musical nacionais e liderou outros músicos na fundação do Conservatório Nacional de Música (IGAYARA, 1997, p. 60, 65-66) 58 Essa crítica mais uma vez reforça o tradicionalismo das composições de Lycia na época. Enquanto outros críticos analisaram esse conservadorismo composicional como algo bom, Anttonieta, a partir do seu possível contexto progressista, avaliou como falta de personalidade e jovialidade. 4.1.3 O feminino Lucy Green em seu livro Music, gender, education (1997, p. 93), diz que historicamente as mulheres foram associadas ao corpo e os homens à mente. A chamada “tecnologia” do conhecimento estaria historicamente ligada ao masculino, por isso quanto mais complexo o estudo, mais distante socialmente ele estaria das mulheres. A composição musical estaria ligada à “tecnologia” de vozes e instrumentos, por isso, sua proximidade com as mulheres não seria bem recebida a partir de tais pensamentos patriarcais a respeito da feminilidade. Segundo a autora, as composições mais complexas feitas por mulheres, envolvendo orquestras, por exemplo, não eram bem recebidas até o século XVII, e a saída era a composição mais simples, como apenas para voz solista. Principalmente na segunda metade do século XIX, a educação para as mulheres se tornou mais diversificada no Brasil, visando conquistar um bom casamento. As mulheres das classes abastadas passaram a ter acesso à educação sistemática, apesar de ser por um período mais curto e com currículo diferente dos homens. Além disso, suas leituras eram fiscalizadas por seus pais e maridos, e havia a preferência para setores que não exigissem reflexão intelectual. O estudo da música era aprovado, em especial do piano, símbolo da reunião familiar. Os romances e folhetins publicados diariamente nos jornais, consumidos predominantemente por mulheres, reforçavam esses valores patriarcais (FREIRE; PORTELA, 2010, p. 65-66). Ao longo do século XIX, um ambiente que ofereceu maior abertura às mulheres pianistas e cantoras foram os Salões Aristocráticos. Membros da elite abriam suas casas para reuniões, promovendo momentos de lazer entre amigos, familiares e pessoas influentes (NEEDELL, 1993, p. 130-131). Os Salões associavam o público ao privado, e cabia às esposas, como anfitriãs, fazer essa mediação por meio da sua “graça e amabilidade feminina”. Geralmente o evento acontecia em cômodos amplos com um piano a disposição. As mulheres solteiras e casadas eram bem-vindas a esses encontros para mostrar sua boa educação e melhores vestimentas, além de apresentarem performances artísticas como cantoras ou pianistas (FREIRE; PORTELA, 2010, p. 67-68). 59 O domínio do piano passou a ser visto como uma característica importante dentro da educação feminina para conseguir um bom casamento. Devido ao sucesso dos salões e a valorização desse dote, as aulas particulares de música se tornaram mais recorrentes no final do século XIX. As mulheres eram bem aceitas como professoras, já que esse papel era visto como um desdobramento da maternidade, porém, as outras áreas de profissionalização continuaram restritas, principalmente as de composição e regência (FREIRE; PORTELA, 2010, p. 65-69). No século XX, muitas mulheres começaram a lecionar em instituições de renome, como no Imperial Conservatório de Música e no Instituto Nacional de Música (FREIRE; PORTELA, 2010, p. 67). Mas, apesar de atuarem principalmente como professoras de música, as mulheres gradativamente conquistaram reconhecimento público como intérpretes e compositoras, algumas delas com projeção internacional. As musicistas que tinham boas condições financeiras e fizeram sua formação no exterior, eram mais bem recebidas nos ambientes teatrais, como foi o caso de Dinorá de Carvalho (1905-1980), pianista, compositora e regente que estudou piano em Paris. Chiquinha Gonzaga (1947-1935) foi outra mulher que combateu os valores da época e ganhou visibilidade entre o século XIX e XX, se tornando a primeira mulher a reger uma orquestra no Brasil. Muitas outras compositoras do século XX são registradas em concursos de composição e periódicos, como Leontina Torres e Ernestina Índia do Brazil (FREIRE; PORTELA, 2013, p. 293-295). Apesar do aumento das mulheres compositoras, Vanda Freire e Angela Portela (2013, p. 300) apresentam a “necessidade de se recuperar a memória da atuação feminina” para que sejam revistos os preconceitos e recuperada a história nacional. Todos esses fatores históricos de gênero se refletem nas análises dos críticos musicais publicadas sobre composições feitas por mulheres. Segundo Lucy Green (1997, p. 97-100), ao saber que irão analisar uma compositora, os críticos têm a tendência de procurar características ligadas socialmente a feminilidade, estas vistas por eles como negativas ou positivas dependendo da situação. A autora pontua três formas em que os críticos, principalmente do século XIX, utilizavam o discurso ligado à masculinidade e feminilidade para analisar peças de mulheres. Em primeiro lugar, quando uma composição era vista como técnica ou esteticamente pobre era chamada de “feminina”, mesmo não havendo nenhuma justificativa para o termo a não ser o fato de ter sido composta por uma mulher. Em segundo lugar, caso a composição fosse reconhecida como tendo uma boa qualidade, os críticos atribuíam o sucesso justamente às características positivas vistas como femininas, utilizando expressões como “graça”, “delicadeza” e “encanto”. Em último lugar, o talento das compositoras em determinadas peças 60 era visto como uma exceção e elas eram frequentemente comparadas a homens como forma de elogio ao seu conhecimento musical. Algumas dessas observações de Lucy Green, podem ser encontradas nas críticas publicadas nos jornais sobre Lycia de Biase na primeira metade da década de 1930, quando alguns autores usaram várias expressões preconceituosas ligadas ao gênero da compositora. O crítico Saul de Navarro70 (1932, p. 19), em avaliação a Chanaan, em 1932, exalta o poema sinfônico utilizando termos questionáveis. Inicia o texto se referindo à Lycia como “fada suave do ritmo universal” e posteriormente diz que o evento foi a expressão maravilhosa de um “surto de sensibilidade feminina”. Ainda acrescenta: [...] para musicá-lo [o poema Chanaan], senti-lo em toda a sua potencialidade imprevisível, só uma alma eleita de mulher, porque a mulher tem o dom profético de penetrar o sentido oculto de todas as coisas e a volúpia lírica de deixar escapar, num sorriso de esfinge indiscreta, os mais profundos segredos. [...] Lycia de Biase – por ser mulher – conta sonoramente, com doçura itálica e expressão brasílica [...]. Segundo Judith Tick (1986, p. 333 apud GREEN, 1997, p. 97) a música é conhecida como a “arte das emoções” e as mulheres podem ser associadas a ela por serem vistas como mais sentimentais que os homens. Tal percepção cria um paradoxo, já que as mulheres não são bem recebidas no meio da composição mesmo sendo associadas ao sentimentalismo da música. Lucy Green então pontua que no senso comum essa emotividade não é algo positivo, mas está ligada à superficialidade e histeria. Saul de Navarro destaca que apenas uma mulher teria a sensibilidade necessária para musicar o poema de Graça Aranha, concordando com a ideia de que as mulheres são mais emocionais que os homens. O autor ainda utiliza o termo “surto de sensibilidade feminina”, relacionando a sensibilidade ao “histérico” abordado por Lucy Green. Garcia de Resende fez duas críticas sobre os concertos de Lycia. Em uma delas, ao elogiar a compositora, diz que a música é uma arte essencialmente feminina e logo em seguida apresenta como contraditória sua aparência física e o seu talento musical: Vendo no palco aquela figurinha gentil, frágil, como uma pequenina flor desambientada, eu fiquei a pensar no estranho poder do talento. Como pode aquela deslumbrada almazinha de moça multiplicar-se, criando vozes diferentes para a grossa multidão de instrumentos empenhados em dar ao som, ora rumoroso, ora em surdina, a verdade de um grande sentimento de beleza? (RESENDE, 1931, p. 10). 70 Como os críticos dessa seção são citados de maneira pontual, suas informações pessoais não serão abordadas. 61 Arthur Imbassahy foi outro crítico que fez comentários duvidosos nos dois concertos que escreveu sobre ela. No primeiro concerto, após elogiar a parte musical, elogia suas características físicas: A jovem patrícia, para cujo formoso talento, só posso achar confrontoso na boniteza das suas feições, realçada pela jovialidade do seu rosto, por sua extrema modéstia absolutamente desafetada, e pela cativante amenidade do seu trato [...] (IMBASSAHY, 1931, p. 24). No segundo concerto, estreia de Chanaan, o crítico diz que “se chegaria a ter dúvida sobre a verdadeira autoria desse trabalho se já não se conhecesse a seriedade da [...] compositora brasileira [...] e já não se possuíssem provas [...] abonadas [...] pelo testemunho de seu abalizado professor, o maestro Giannetti” (IMBASSAHY, 1932, p. 15). O crítico ficou tão impressionado com o poema sinfônico que cogitou a possibilidade de não ter sido feito por Lycia, ao passo que ele mesmo desmente a informação pelo histórico da compositora e pela comprovação da legitimidade de outro homem que a acompanhou de perto, seu professor Giovanni Giannetti. João Itiberê (1934a, p. 5), já citado anteriormente, elogia Lycia e um grupo seleto de mulheres ao mesmo tempo que inferioriza as outras compositoras: “São muito raras as compositoras com individualidade, aquelas que fogem ao diletantismo inócuo e, às vezes pernicioso”. O trecho confirma as análises históricas de Lucy Green (1997, p. 100) que quando uma mulher era reconhecida como uma boa compositora, isso era visto como uma exceção, exatamente como demonstrou João Itiberê. Muitas críticas falaram sobre as características vistas como “femininas” nas composições de Lycia e foram utilizados termos problemáticos para elogiar a compositora. Alguns críticos até comentaram sobre as suas características físicas, que não tem relação alguma com o seu trabalho como musicista e não seriam feitas caso a compositora fosse um homem. Apesar de Lycia fazer parte de uma classe social abastada e ter grande capital cultural e econômico, os quais abriram várias portas principalmente na sua formação inicial como musicista, sua participação como mulher em um ambiente predominantemente masculino se refletiu no vocabulário e nas expressões utilizadas nas avaliações que recebeu. Apesar dos comentários pontuais abordados, pelas críticas de jornais é possível perceber que Lycia foi bem recebida como musicista pelos seus pares. Alguns críticos utilizaram alguns termos questionáveis, como “sensibilidade” e “doçura”, outros, como Arthur Imbassahy, fizeram críticas carregadas de estereótipos, e outros não utilizaram nenhuma linguagem ligada ao gênero, como Oscar Guanabarino71. Foram poucas as críticas que 71 Apesar de Oscar Guanabarino de não destacar características ligadas ao gênero nos concertos de Lycia que analisou, não significa que não o tenha feito com outras musicistas. A pesquisadora Amanda Oliveira (2017), por 62 continham comentários ligados ao fato da compositora ser uma mulher em comparação ao tamanho do acervo de jornais analisado, mas devido ao tema é importante pontuá-los. 4.2 Comunicação com outros artistas por cartas Ao longo de toda a sua vida, Lycia se comunicou com outros artistas pessoalmente e através de cartas. Nessa seção, serão abordados os aspectos musicais descritos nos documentos encontrados, em sua maioria correspondências. 4.2.1 Carlos Drummond de Andrade A compositora trocou cartas com o poeta Carlos Drummond de Andrade entre 1972 e 1986. Nessas cartas Lycia e Drummond dão felicitações em datas comemorativas, conversam sobre autorizações para musicar seus poemas e a compositora dá algumas explicações ao escritor a respeito do seu trabalho com as peças. Em carta enviada ao escritor datada de 4 de novembro de 1974, a compositora descreve brevemente como é o seu trabalho ao musicar um texto: Ofereço-lhe pois, estas interpretações poético-musicais. Neste modo de expressão procuro na própria poesia a fonte sonora; dela deve brotar como um todo único; develhe fidelidade, sendo moldada à sua imagem e semelhança; nela está a sua verdadeira inspiração (BIDART, 1974). A seguir, Lycia dá alguns detalhes sobre o seu trabalho em duas peças específicas. Diz ao escritor que por questões harmônico-melódicas, ao musicar o poema Paredão, precisou inserir três exclamações e uma afirmação que não estão presentes no texto original, porém, segundo ela, “elas em nada alteram a expressão poética do trecho”. Há duas versões que constam em catálogos para essa peça, são elas para mezzosoprano e piano, que não foi localizada, e outra para coro, as duas datadas do mesmo ano, 1974. A partir da partitura para coro, da Biblioteca da ECA, as exclamações a que a compositora se refere são um contracanto feito pelas vozes que acompanham harmonicamente a melodia (Ilustração 1). Enquanto o texto original de Drummond, cantado pela soprano, é “Uma cidade toda paredão. Paredão em volta das casas.”, as outras vozes cantam “Ah! Ah! Ah! São casas.”: exemplo, aborda diversos trechos em que Guanabarino faz comentários relacionados em análises de mulheres pianistas. 63 Ilustração 1 – Partitura de Paredão (c. 1-7) Fonte: manuscrito transcrito pela pesquisadora. Na mesma carta, Lycia diz que ao musicar Parêmia de cavalo repetiu a palavra “paixão” para reforçar a expressão e fez uma cadência para acentuá-la. Também há duas versões da peça datadas de 1974: para mezzosoprano e piano e outra para coro. Dia 7 de novembro de 1975, em uma das respostas a uma carta enviada por Drummond, Lycia se mostra emocionada por ter sido referida como “Boa amiga D. Lycia”: “Pensar que nos conhecemos apenas através da palavra e da música e que isto pode levar a uma amizade verdadeira é admirável, maravilhoso.” (BIDART, 1975a), e a partir de então, passa a assinar todas as cartas como “Sua amiga, Lycia.” e variações. A compositora a todo momento se mostra admiradora do escritor ao longo das cartas e demonstra a preocupação em alcançar a beleza dos poemas de Drummond por meio da música, como mostra a transcrição a seguir: Caro amigo Carlos Drummond de Andrade: Musicando os seus versos só desejaria alcançar o nível de beleza pura, qual emana deles. Consegui-lo será possível?!... Mas a esperança é amiga e nos sorri. Por isto me atrevo a esta empresa tão importante e querida ao meu coração. Espero não ter traído a expressão do Poeta. Foi ela a guia inspiradora do poema musical. Foi a fonte de onde brotaram os sons para compor a peça. Por tudo lhe agradeço, infinitamente. Sua amiga Lycia (BIDART, 1978). Em carta datada de 19 de dezembro de 1979, Lycia fala mais uma vez sobre a experiência de musicar um poema que causa impacto no compositor: “Na pessoa que escreve música este impacto determina logo a rítmica peculiar aos versos e em especial aliada à expressão melódica da poesia. Assim nasce o poema musical. Desabrocha dos versos.” (BIDART, 1979b). Lycia deixa claro que ao lidar com um texto, tira a inspiração rítmica da própria prosódia da poesia, tentando traduzir musicalmente as palavras do autor. 64 Lycia também tinha o costume de enviar composições curtas como um cartão de final de ano aos seus amigos. No acervo de Drummond constam dois deles, um deles no exemplo abaixo (Ilustração 2): Ilustração 2 – Cartão de Natal enviado por Lycia a Drummond Fonte: BIDART, 1979b. Sobre direitos autorais, Lycia faz solicitações a respeito de situações específicas. São elas: autorização para Paulo Affonso de Moura Ferreira em parceria com a Difusão Cultural do Itamaraty traduzir e editar a versão de Braúna (1975) para coro na Alemanha (BIDART, 1975b) (o escritor escreveu uma nota autorizando e renunciando aos valores financeiros); autorização para a utilização de peça natalina, não especificada, pela Embaixada do Brasil no Canadá em benefício da Unicef (BIDART, 1983); e autorização para utilizar os versos “Que me acode à cabeça e ao coração / neste fim de ano, entre alegria e dor? / Que sonho, que mistério, que oração? / Amor.” Em sua Cantata de Natal (1986) com a intenção de enviar para o concurso promovido pela secretaria de cultura da Paraíba (BIDART, 1986). 65 Foram encontradas sete cartas de Carlos Drummond endereçadas à Lycia72. A maior parte delas são felicitações de Natal e ano novo, várias delas com poemas (ANDRADE, 1978, 1979, 1980, 1985, 1986). Em certa ocasião, Drummond envia a carta de agradecimento transcrita abaixo: À querida amiga Lycia de Biase Bidart, que conseguiu interpretar de música os meus versos nem sempre harmoniosos. Um abraço de afetuoso agradecimento pelos seus votos a este octogenário. Carlos Drummond de Andrade Rio, 22.XI.1982 (DRUMMOND, 1982). No ano de 1982, Drummond completou 80 anos e agradeceu à Lycia pelos seus cumprimentos. A carta que ela enviou na ocasião o parabenizando não foi encontrada, assim como outras referenciadas nos documentos, abrindo a possibilidade de mais cartas endereçadas ao poeta e à compositora haverem se perdido e não constarem no acervo. Em 1983, Drummond pede desculpas por não ter respondido a última carta de Lycia porque estava internado devido uma cirurgia e a envia os direitos autorais de uma peça não especificada. A carta estava colada em um caderno e por questões de preservação do documento não foi possível realizar a leitura integral. Pelas datas das cartas escritas por ela, provavelmente ele se refere a peça a ser utilizada pela Embaixada do Brasil no Canadá em benefício da Unicef, já citada anteriormente. 4.2.2 Outros artistas Há registros de outros artistas que trocaram cartas com Lycia, mas de forma pontual. As cartas aqui comentadas foram encontradas na casa em que a compositora morou e são todas destinadas a ela. Lycia se comunicou com o poeta Xavier Marques73, autor de A noiva do golfinho74, conto que a inspirou a escrever sua única ópera, A noiva do mar (1939). Foram encontradas duas cartas do escritor destinadas à compositora. Na primeira, de 1939, Xavier inicia elogiando Lycia, falando que recebeu a carta da “consagrada musicista” e que dá a ela a autorização para 72 Até o momento da defesa, tinham sido encontradas apenas duas cartas. Como nenhuma das cinco cartas encontradas posteriormente tinham um conteúdo detalhado sobre as composições, serão citadas ao longo do texto de modo breve. 73 Xavier Marques (1861-1942) foi jornalista, político e escritor. Tinha como temática principal a região praieira baiana, onde nasceu. Foi eleito em 1919 para ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras (BIOGRAFIA, 2021a). 74 O conto A noiva do golfinho é inspirado na lenda brasileira do boto, em que o animal se transforma em homem para conquistas as mulheres (SILVA, 2016, p. 69). 66 utilizar a “fantasia praieira”, como se refere à Noiva do golfinho, e ainda expressa o desejo de “ouvi-la valorizada e celebrada” (MARQUES, 1939). Na segunda carta, enviada no ano seguinte, em 1940, faz comentários após a leitura do libreto extraído da ópera escrita por Lycia. Diz que envia algumas correções, mas que o texto ficou bem arranjado. Destaca ainda que compreende a necessidade e aprova as alterações para a cena lírica, em especial as quadrinhas feitas pela compositora, que não estavam no texto original. O escritor parabeniza Lycia, “distinta e festejada autora de Chanaan”, comentário que evidencia sua fama pelo poema sinfônico estreado na década anterior. Segue desejando que a ópera seja executada em breve, inclusive ressaltando que como Lycia “já se fez largamente conhecida do público, da imprensa e dos meios artísticos do Rio de Janeiro”, não encontraria grandes dificuldades para a estreia. Xavier se oferece para apresentá-la a jornais, porque segundo ele a imprensa ajudaria na propaganda da obra. Por fim, agradece à compositora e se diz seu admirador (MARQUES, 1940). Apesar de dar dicas para estrear a ópera, A noiva do mar até o momento não foi estreada, e Lycia não voltou a escrever novas óperas, apenas peças de teatro infantis. Em 1947, Lycia recebeu uma foto de sua professora de piano, Magdalena Tagliaferro, com uma dedicatória: “À minha querida aluna Lycia de Biase Bidart, afetuosa lembrança de Magdalena Tagliaferro.” (TAGLIAFERRO, 1947). Não foram encontrados outros registros da comunicação de Lycia com a professora. O pianista alemão Wilhelm Kempff75 enviou uma carta em seu idioma à Lycia em 1949 que não pode ser lida integralmente devido às condições do documento (KEMPFF, 1949). Porém, anos mais tarde ela utilizou os elogios feitos na ocasião para introduzir a descrição de uma peça feita para um concurso de composição que será descrito na seção 4.3.1 (BIDART, [19--]c). No acervo pessoal de Lycia, também foi encontrada uma carta de recomendação em inglês do maestro Isaac Karabtchevsky76, na época maestro assistente da Orquestra Sinfônica Brasileira, em que o músico diz que ouviu e analisou composições de Lycia e a caracteriza como “interessante e representante dos compositores brasileiros” e que “pode interessar ao Wilhem Kempff (1895-1991) foi um famoso pianista alemão conhecido mundialmente por suas interpretações do repertório clássico e romântico. Além de intérprete, também foi professor e diretor da Stuttgart Musikhochschule e compositor (PHILIP, 2001). 76 Isaac Karabtchevsky (1934-) foi maestro da Orquestra Sinfônica Brasileira durante 26 anos, atuou como diretor artístico em orquestras e teatros europeus, foi diretor da Orquestra Petrobrás Sinfônica e participou de outros projetos musicais paralelos (BIOGRAFIA, 2021b). 75 67 público internacional” (KARABTCHEVSKY, 1966). Não é possível saber pelo texto para que Lycia utilizou a carta de recomendação. Em 1974, a compositora recebeu um cartão postal assinado pelo Stuttgart Piano Trio77 (1974), enviado do Canadá, agradecendo a composição, que não é especificada, e falando da possibilidade de o grupo realizar um recital com músicas brasileiras e inserir a composição de Lycia. Apesar do cartão, não foram encontradas outras correspondências ou registros do recital. Em carta de 11 de maio de 1977, o já citado músico Paulo Affonso de Moura Ferreira diz que gravou a peça Noite, de Lycia, para a Rádio Bremen, e fala da possibilidade de ela ser transmitida em outras rádios alemãs (FERREIRA, 1977). Em um dos livros de documentos foi colado um cartão musical de Natal que Lycia enviou aos amigos em 1978, similar ao apresentado anteriormente de 1979, e, em seguida, as respostas recebidas por ela de amigos e artistas conhecidos. Ricardo Tacuchian78 a agradece e insere, assim como ela, uma pequena composição de dois compassos com a letra “Muito obrigado, Lycia Bidart.” (TACUCHIAN, [19--])79. Outra resposta foi da compositora Najla Jabor80, que diz que a ideia do cartão musical foi “muito feliz – genial! [...] Lindo de morrer!”. Elogia longamente a passagem em que Lycia deseja “espírito de luta”, porque diz que esse espírito de luta “nos dá coragem até de nos sentirmos invencíveis” (JABOR, 1978). Um cartão de agradecimento assinado por Luís, diz que seu trabalho de divulgação de compositores também exige muito “espírito de luta” e deseja que Lycia mantenha a sua “vontade de viver em plenitude e trabalhar, sempre criando” (MILANESI, 1978). A assinatura não possui sobrenome, mas entre os nomes dos elaboradores do Catálogo do Itamaraty, que tem exatamente o objetivo de divulgar compositores brasileiros, publicado em fevereiro daquele ano, está o nome do bibliotecário Luís Augusto Milanesi. Por fim, Lycia também recebe o agradecimento de Waldemar Henrique, diretor do Teatro da Paz, de Belém (HENRIQUE, 1978). Pelas cartas encontradas e pelas entrevistas, que serão comentadas em seção posterior, é possível perceber que Lycia manteve contato com vários artistas, se preocupava com os 77 O Sttutgart Piano Trio foi um grupo fundado em 1968, na época formado por um violinista, um violoncelista e uma pianista. Ganharam prêmios na Alemanha e tocaram um várias cidades do mundo. Não há muitas informações disponíveis sobre o grupo, mas há gravações na internet de suas performances de peças de outros compositores (STTUTGART, 2021). 78 Ricardo Tacuchian (1939-) é pianista, maestro, compositor e professor doutor. Compôs mais de 250 obras e teve várias delas tocadas em diversos lugares do mundo. Atualmente ocupa uma cadeira na Academia Brasileira de Música (RICARDO, 2021). 79 Não há data na carta, mas pela lógica da organização do livro, é a resposta do cartão de 1978. 80 Najla Jabor Maia de Carvalho (1915-2001) foi uma compositora brasileira graduada pela atual UFRJ. Escreveu peças principalmente para piano e para orquestra. Em 1952 ganhou um prêmio na competição Internacional Courrier, nos Estados Unidos, com uma peça para piano (JABOR, 2005). 68 direitos autorais dos textos que utilizava, com as recomendações dos autores e buscava que suas peças fossem tocadas e divulgadas no exterior. 4.3 Comentários feitos pela compositora A partir de registros feitos pela própria compositora é possível extrair informações sobre o seu processo de criação, como em anotações de concursos de composição e comentários sobre peças específicas. 4.3.1 Concursos de composição Foram encontrados documentos de concursos de composição de 1969, de 1970 e um não datado. Os documentos descrevendo as composições não estão assinados, mas é possível supor que foi a própria compositora que fez anotações sobre suas peças para anexar às partituras. A maior parte das descrições se refere às instrumentações utilizadas, mas aqui serão feitos recortes apenas do que é considerado relevante. Para o I Festival de Música Guanabara, foram encontradas informações a respeito de três peças orquestrais. A primeira, intitulada Sempre: Andante e Allegro cantábile81 em sol maior para piano e orquestra, tem a duração de 15 minutos. A compositora a descreve como uma peça expressionista, com “caráter subjetivo, puramente expressiva” que “interpreta o estado de espírito propenso a exteriorizar em sons o sentimento interior”. É descrito com detalhes a entrada dos naipes, dinâmicas e articulações, como no trecho abaixo: Então é chegado o momento da verdadeira expressão da peça. A frase cantante se define em ppp súbito. Daí em diante esta frase impera. O piano canta, ora só, ora junto com a orquestra. Ao avizinhar-se o final, ele em pontilhados sonoros acompanha a voz maciça dos violoncelos em uníssono que se apoderam da frase (BIDART, 1969). A segunda composição tem o título de Cantando: Interlúdio em dó maior82, com duração de dez minutos. Ela inicia dizendo que essa também é uma peça expressionista. É “moldada em tema simples” iniciando com o piano e alternando-o com os naipes da orquestra. No texto são explicadas as modulações que ocorrem ao longo da música (BIDART, 1969). Segundo o verbete do Grove Music, o Expressionismo foi um movimento artístico, principalmente da literatura e artes visuais, que abrangeu o período em torno da Primeira Guerra 81 A peça encontrada na Biblioteca da ECA para piano e orquestra com título similar se intitula Sempre Cantabile (sem data). 82 A peça similar encontrada em catálogos se intitula Interlúdio Cantando (1969) e não foi localizada. 69 Mundial, aproximadamente de 1908 a 1921. Apesar de ser difícil definir o movimento com precisão, utiliza-se o termo para músicas que apresentam características extravagantes e caóticas e que “transmitem turbulência na psique do compositor”; o sofrimento e a manifestação da dor são suas principais inspirações. Alguns jornalistas da época utilizaram o termo de maneira abrangente se referindo à música com intensa autoexpressão que não possui coerência e não segue os padrões tradicionais. O Expressionismo musical engloba a produção pós-tonal de Schoenberg e alguns trabalhos de seus alunos. Tem como base os cromatismos e harmonia de Wagner, evitando cadências, repetições, frases equilibradas e modelos formais. O período inclui a música livre-atonal da Segunda Escola de Viena, mas também outros compositores, como Mahler, Stravinsky e Bartók (EXPRESSIONISM, 2001). No caso de Lycia, apesar de ela utilizar o termo “expressionista” para definir suas duas peças, não é possível saber se de fato são composições expressionistas com as características que conhecemos hoje, pois análises aprofundadas de composições específicas não fazem parte do escopo da presente pesquisa e poderão ser realizadas em estudos posteriores. Entretanto, com essas observações é possível perceber a visão de Lycia a respeito de suas próprias composições83. A última peça submetida ao concurso daquele ano é intitulada Polifonia Coral “Rio de Janeiro” (1969), sem especificações de duração. Em meio às explicações teóricas, Lycia destaca a presença da harpa representando o mar: Inicia-se lentamente em ré bemol maior com a exposição temática surgindo dos naipes orquestrais até formar-se ampla, sonora dentre os instrumentos conjugados, sempre acompanhada pelo dedilhar da harpa lembrando a presença do mar, permanente, contínua. É o amplexo oceânico cingindo a “Cidade Maravilhosa” (BIDART, 1969). Assim como a anterior, essa peça também é descrita com muitas modulações, porém, diferente das outras, tem em sua formação um coral. É anexado à explicação, a letra da música, que contém frases de exaltação ao Rio de Janeiro. Para o ano seguinte, em 1970, no II Festival de Música Guanabara, foram encontrados documentos a respeito de quatro submissões assinadas com o pseudônimo de Rio/70. A peça Scherzo não possui especificações, apenas a ficha de inscrição, e a série Danças (1970) possui comentários breves com os títulos dos movimentos. Sobre as composições Música para violino e piano e Concerto para violino, piano e orquestra há uma nota curta destacando os efeitos diferenciados que a compositora alcançou com o piano e o violino: “As peças para Violino e Piano [...] apresentam em possibilidades melódicas, harmônicas e técnicas peculiares aos dois 83 Lycia possui quatro composições para piano que se intitulam Estudo Expressionista, com os subtítulos Devaneio (1949), Matinal (1951), Dilema (1975) e Apelo (1977) e outra para um duo de trompas intitulada Estudos Expressionistas (1975). 70 instrumentos, [...] transmitem a expressão musical na busca de vibrações sonoras criadoras do equilíbrio fônico e emotivo.” (BIDART, 1970). Além desse texto, há uma página falando sobre os objetivos da compositora com as suas peças submetidas naquele ano, sem se referir a uma em especial. O documento inicia com o objetivo central: “Meta Musical: encontrar na sublimação da experiência a alegria de viver e transmiti-la em sons.”. E continua pontuando os objetivos específicos: 1º - Usar, para tal fim, os conhecimentos adquiridos através de escolas diversas, desde os primórdios musicais que, evoluindo no tempo, chegaram a nos dar o acervo rico de variedade que é a antologia sonora de nossos dias. 2º - Usar a música harmônica e melodiosamente com preferência polifônica. Haurir dela tudo que se possa, sem exclusão de formas, sejam elas subjetivas, objetivas, folclóricas, populares e eruditas. Nesses dois primeiros pontos, Lycia se mostra aberta a explorar as diferentes características estilísticas de cada período artístico. Ainda destaca a possibilidade do uso da música folclórica e popular, algo que pode ser percebido em sua composição Danças, em que cada movimento representa um gênero da música popular: Baião, Valsa, Galope, Ária e Maxixe. 3º - Seguindo sua tendência natural, o autor [pseudônimo Rio/70] evita o uso sistemático de sons alheios aos instrumentos componentes da orquestra. (Salvo o caso de efeitos característicos necessários para marcar situações especiais, são usados como meio e não como fim”). A autora não se propõe a utilizar os instrumentos de formas não convencionais, mas empregar apenas os sons tradicionais de cada instrumento. Essa prática de exploração dos sons é comum na música contemporânea, por exemplo utilizar instrumentos de corda como percussão. 4º - Admitindo que, assim como os números dão combinações infinitas o mesmo acontece com as notas musicais, usá-las então, para encontrar novas formas de expressão. Esta variedade de forma é exequível através da riqueza inesgotável da harmonização; pelo desenho melódico que fuja de fórmulas já exploradas; pela busca de sonoridades diferentes, inéditas. 5º - Sendo a dissonância a característica simbólica dos nossos tempos [...], é lógico que ela tenha um papel preponderante. Mas como a meta musical de Rio/70 é a superação dos dramas, para transmitir uma expressão de coragem, de paz, de redenção, as dissonâncias se apresentam alternadamente esmaecidas ou marcantes, para frisar a finalidade total da obra, o equilíbrio da emoção. Nesses últimos pontos, ao mesmo tempo em que se mostra aberta a explorar novas combinações de harmonizações, diz que utilizou as dissonâncias com cuidado devido ao caráter pacífico das peças. 71 Entre essas descrições, foi encontrado um documento similar aos descritos acima, porém sem haver a especificação do concurso a que se referia (BIDART, [19--]c). Como se trata da Sonata ao Mar84 (1961), que ganhou uma menção no XX Concorso Internazionale di Musica Giovan Battista Viotti, em 1975, é possível que tenha sido feito para esse concurso. Apesar de ser uma peça para piano solo, na primeira parte do documento há uma poesia assinada por Lycia, pelo pseudônimo Albatroz, para descrever os dois primeiros tempos da peça: Largo e Andante. A compositora inicia: “Para melhor compreensão e interpretação dessa sonata o [ilegível] abreviou em versos a parte impressionista inspiradora.” No primeiro trecho, intitulado Noite, descreve a visão do mar na escuridão, no segundo trecho, Balada do cego, descreve um cego que se aproxima do mar para cantar. Mais uma vez, Lycia faz referência explícita a um estilo europeu de finais do século XIX e primeira metade do XX. Segundo o Grove Music (IMPRESSIONISM, 2001), “Impressionismo” foi um termo que iniciou nas artes visuais, sendo usado pela primeira vez pelo crítico de arte Jules-Antoine Castagnary, em 1874, observando que os artistas impressionistas não pintavam a paisagem, mas a sensação que ela transmitia a eles. O termo impressionismo logo se tornou genérico, referenciando a certos artistas, principalmente franceses, das décadas de 1870 e 1880. O que os ligava era o questionamento a valores tradicionais, “a sensualidade delicada, o imediatismo e a ideia da arte como um convite ao prazer. Eles procuraram renovar o sentido do mistério da vida e da beleza do mundo através da própria percepção, usando a arte para revelar as profundas intuições do inconsciente”. No caso da música, os compositores impressionistas buscavam elementos sonoros para representar elementos da natureza. Para transmitir o fluxo do tempo, por exemplo, utilizavam trinados, ostinatos e diferentes ritmos e a nebulosidade era expressa pelo pedal do piano. A linha melódica ganhou função decorativa, com motivos curtos e figurações repetitivas. As texturas gerais da peça eram mais importantes que notas ou ritmos individuais, dando a ideia de improvisação. Ainda segundo o verbete, os compositores não ficavam presos à harmonia tradicional, adotando por vezes escalas modais, pentatônicas e de tons inteiros. Os músicos também passaram a se interessar pela ressonância e pelas vibrações, a partir dos estudos sobre a análise espectral do som. O estudo analítico e estilístico da Sonata de Lycia também poderá ser aprofundado posteriormente. O segundo documento, com a descrição musical da peça, faz uma introdução sobre a boa recepção da compositora e cita uma avaliação feita pelo pianista alemão Wilhelm Kempff: 84 Registrada posteriormente como Sonata Fantasia nº 1: Sonata ao Mar. 72 “As suas composições me deram um grande prazer. Elas revelam uma fina sensibilidade, profunda compreensão do nosso maravilhoso instrumento e o senso da forma. Avante nestes dons que enriquecem a existência.”. Segue-se a descrição sobre a primeira parte, Noite, da Sonata ao Mar sobre a aplicação dos arpejos, escalas e sonoridades, que, segundo ela, possui uma expressão melódica com “harmonias amplas”. No segundo trecho, Balada do cego, apenas pontua a necessidade do pianista “ligar a melodia e a harmonia sem confusão de vozes ou acordes”. Na última parte, A Fonte e o Mar, pede que o pianista tenha “legato, leveza e brilhantismo”. O trecho se inspira em uma fonte, constante e presente, porém em um breve momento antes do final, ele se apaga como “o cintilar do sol acendendo estrelas no mar”. Assim como em várias outras composições Lycia se inspira na natureza, como os impressionistas, e, segundo ela, utiliza uma harmonia forte com muitas escalas, arpejos e exploração de diferentes sonoridades, algo de fato característico do movimento. Os concursos ocorreram aproximadamente trinta anos depois das críticas de concertos analisadas na primeira seção desse capítulo. Enquanto em uma fase inicial os documentos mostram a compositora ligada aos métodos tradicionais de composição, os documentos de concursos mostram uma musicista mais aberta às inovações trazidas pelo século XX, com a exploração de novas sonoridades e o uso dos gêneros populares e da música folclórica. Em certo momento, Lycia utiliza os termos “expressionista” e “impressionista” para se referir às suas composições. Devido ao tempo e aos objetivos desse trabalho não é possível identificar se as obras são de fato pertencentes aos movimentos com as características que conhecemos hoje, porém foi como ela definiu as suas peças. 4.3.2 Programas de concerto e outros documentos Em suas composições Lycia costumava adotar um tema e compor sobre ele. Esse processo de representar conceitos extramusicais por meio da música instrumental é conhecido como música programática. O termo foi criado por Liszt para se referir à uma peça instrumental que possui um programa escrito pelo autor, como um prefácio, para que a música seja interpretada pelo ouvinte da maneira correta. Ela pode ser narrativa/descritiva ou fazer referências extramusicais, de objetos e sentimentos, por exemplo, sem necessariamente haver uma narrativa. A música programática, então, se desenvolve de acordo com o tema e não com princípios autônomos (PROGRAMME, 2001). Nas composições já citadas anteriormente, Lycia utilizou esse método de composição. No programa de Intermezzo (1931), por exemplo, cada um dos Prelúdios tinha a descrição de 73 um tema: o primeiro “Todo anelo de quem busca o ideal”; o segundo “E por ele luta, sofre”; e o terceiro: “Um raio de luminosidade sutil aparece débil, incerto, para depois expandir-se plenamente em luz. Luz essa que traz a esperança e fé alentadoras, luz que desvenda uma estrada imensa, capaz de conduzir ao sublime das aspirações artísticas” (PROGRAMA, 1931). Já em Chanaan (1932), em que se inspirou no livro de Graça Aranha, no próprio programa de concerto Lycia descreve a história que quis transmitir ao compor a peça: O imenso vale de Chanaan, com sua beleza, sua história, que é toda a vida de uma geração de homens fortes [...]. / Nele, a música com sua acuidade penetrante, vai ao mais íntimo da sensibilidade desses homens iniciadores de uma nova era que no seio da natureza procuram o bálsamo para o seu angustioso e profundo sofrer. Em notas lancinantes evolam-se tristemente as vibrações de seus ânimos doloridos [...]. À terra possante lançam seu desafio. Abatem-lhe as árvores, uma após a outra, sem trégua [...]. E todas as potências da Natureza se unem em clamor que protesta contra a violência do Santuário Virgem da Floresta [...]. / Então o recurso supremo! O fogo! [...] E em torno às chamas ardentes o Homem luta contra a força que ateiou! [...] [O fogo] depois diminui de intensidade. Extingue-se lentamente num leve crepitar... E fica a desolada angústia. Notas de tristeza aguda, penetrante e profunda. / A terra em suas entranhas germina. Ouve-se o ressoar perdido de uma trompa de caça. E surgem os ecos de sofrimentos passados [...]. Mas tudo isto se perde na placidez de um cantar tranquilo, amoroso. É o cantar dessa terra de promissão [...]. Dá vida, traz esperança! É a expressão de Chanaan, Terra Prometida! [...] São suas lendas [...]. É a voz amorosa da Yara! É o Saci, símbolo da energia [...] É de Chanaan, o hino à vida, ao amor! (PROGRAMA, 1932a). A partir da música instrumental, a compositora narra o conflito do homem com a natureza, a invasão da terra, o fogo e, por fim, a calmaria. Na partitura em si, o único trecho em que a história aparece literal, sendo cantada, é na parte final, em que o coro feminino inicia em bocca chiusa e depois canta o seguinte texto: Chanaan, Terra prometida, Em tuas florestas vívidas ressoam o amor No canto da Yara e o Saci encarna teu vigor Ah... Ah... Ressoam o amor no canto que encarna o teu vigor Ah... Amor... Amor... Lycia também fez comentários sobre Anchieta (1934), já citados anteriormente, com base na narrativa da relação entre os jesuítas e os indígenas. Ela apresenta o jesuíta como uma figura doce e sensível em contraste ao indígena revoltado com os invasores de sua terra. Ao longo do texto os indígenas variam entre a raiva e a calma, segundo ela, proporcionada pelos jesuítas (CUNHA, 1934). Assim como na maioria dos outros casos, a história acima descrita, contada por ela e publicada no jornal Correio da Manhã, é apresentada no poema sinfônico sem o uso de palavras, apenas com música instrumental. 74 Em folha não datada encontrada em seu acervo pessoal, Lycia inicia o texto com o título “Considerações sobre a peça ‘Britando pedra no Morro Azul’ – Piano Solo – Homenagem ao ano I da criança brasileira85”. A compositora escreve que assistiu na televisão uma reportagem a respeito do Morro Azul, região de Minas que, segundo ela, já fora prospera, porém se tornou muito pobre. O meio de subsistência dos habitantes da região era britar pedras manualmente com uma marreta, o qual Lycia disse que era algo “de tocar o coração”. Ela classifica como mais comovente a entrevista com uma criança de quatro anos que precisava trabalhar no local para conseguir comida. Após relembrar a reportagem fonte de sua inspiração, Lycia descreve a sua composição de 1978: Assim, esta peça musical transmite a evocação do marretar pela pedreira e entremeado ao plano da obra, ergue-se uma melodia que seria o consolo de trabalhar cantando, dada a musicalidade do povo brasileiro. Soam vozes femininas, vozes infantis e vozes masculinas, para em seguida retornar e finalizar, a exposição do motivo de tinir das marretas sobre a rija pedreira (BIDART, 197-). No trecho acima, Lycia descreve o que quis expressar com a música. Primeiro há o som de marretadas, depois os trabalhadores começam a entoar melodias, conhecidas como cantos de trabalho, que auxiliam nas tarefas repetitivas, para, por fim, voltar ao som das marretadas. Os próprios títulos das obras também oferecem informações a respeito das inspirações da compositora. Em algumas composições Lycia deixa registrado no subtítulo os compositores que usou como inspiração, como em Outonal (1961), para piano, que evoca Ottorino Respighi, Noite (1961), para piano, que evoca Maurice Ravel, e Bruma (1961), para piano, que evoca Claude Debussy. A religião, tão presente na vida da compositora, é referenciada em algumas peças, como em Ave Maria (1927), para piano/órgão e voz, e Vorrei dirti (1928), para soprano e piano. Sua personalidade poética, paixão pela natureza e por sua família é algo visível. Grande parte dos títulos possuem referências a elementos da natureza como O lago (1965), para viola e piano, e Estrelas (1971), para oboé e piano. Lycia também tem composições que citam nomes de familiares em seus títulos, como Uma rosa para Veronica (1966)86, para tenor/baixo e piano, e a Série retratos (1986-1989), composta por oito partituras para piano e uma para violoncelo cujos títulos são os nomes de familiares. 85 A Assembleia Geral das Nações Unidas declarou 1979 como o Ano Internacional da Criança (HISTÓRIA, 2021), ano seguinte em que Lycia fez a composição Britando Pedra no Morro Azul. 86 Partitura não localizada. 75 4.4 Entrevistas Cecilia e Veronica contaram que Lycia, por causa de seu provável déficit de atenção teve educação domiciliar com professores contratados após o primário, para matérias obrigatórias e para a música. O estudo da música foi um meio que a família achou de desenvolver sua concentração87 (BIDART; NOVAES, 2019; MACHADO, 202088). Apesar de não se recordarem de nenhuma outra influência musical direta na família, Marcos e Cecilia disseram que era da cultura italiana ouvir ópera, então Lycia cresceu em um ambiente que a ofereceu intenso capital cultural, principalmente por meio do seu pai, Pietrangelo que, como reforça Cecilia: “Eu nunca ouvi falar em um italiano que deixasse de gostar de música.” Segundo Cecilia e Marcos, perto da maioridade, Lycia se mudou para o Rio de Janeiro para aprofundar os estudos na música e morou com uma tia. Cecilia não soube precisar a data, mas em uma carta escrita pela compositora e publicada em jornal, ela diz que iniciou seus estudos com o Maestro Giannetti aos 18 anos (LYCIA, 1932, p. 4) como Marcos disse que ela começou seus estudos com ele no Rio de Janeiro, foi por volta dessa idade que ela se mudou para a cidade. A família era abastada e o pai da compositora, Pietrangelo, alugou o Theatro Municipal do Rio de Janeiro e uma orquestra algumas vezes, para que sua filha pudesse estrear suas composições, fato descoberto por meio das entrevistas. Cecilia contou que além das aulas com o maestro Giovanni Giannetti, Lycia também teve aulas com a pianista Magdalena Tagliaferro, mas não mencionou datas. Vários outros músicos também frequentavam sua casa, como o saxofonista Juarez Araújo. Segundo Marcos, era prática comum da compositora apresentar suas composições a amigos instrumentistas para saber se o que ela escreveu era possível de ser executado na prática. Outro músico citado por Marcos e Antonio foi o maestro John Neschling, que era amigo de Lycia e estava em sua casa constantemente para conversar sobre música (NETO, 2020). Veronica, em determinado momento diz que a avó era “quase autista” e que se “embrenhava” em suas músicas. Diferente do déficit de atenção, que foi justificado pelos familiares, o termo “autista” não se referiu à doença, mas foi usado no senso comum se referindo à sua característica introspectiva. 88 Como nessa seção será falado apenas das entrevistas, as referências serão mencionadas apenas na primeira citação de cada entrevista, posteriormente serão referenciados apenas os nomes dos entrevistados. 87 76 A música era muito presente na rotina da família. Veronica recordou que todos os domingos pela manhã eles se reuniam para ouvir a Rádio MEC89. Nessas reuniões, Lycia explicava aos netos a evolução dos compositores, características dos instrumentos etc. Veronica: Eu me lembro a gente ouvindo Pedro e o Lobo, De Prokofiev [...]. Ela levava a gente pra ver, no Teatro Municipal João Caetano, e depois ela ficava “Que instrumento é esse?” aí a gente “Clarineta!”, “Oboé!”. Isso era natural pra gente criança. Não era estudo, era uma coisa que a gente se divertia. “É violoncelo ou é violino?”. E a gente criança mesmo respondendo isso (MACHADO, 2020). Os entrevistados disseram que Lycia apreciava muito a música erudita e citaram vários compositores que ela costumava escutar, como Beethoven, Monteverdi, Bach e Schumann. Cecilia se recordou de uma vez em que Lycia estava assistindo o Concerto nº 4 de Beethoven e se levantou “extasiada” no meio da apresentação. A família precisou puxá-la novamente para a cadeira tamanha a admiração da compositora. Mas Veronica ainda destacou que: Veronica: Ela era múltipla. Eu me lembro de Marcos ouvindo Jethro Tull, [...] aquele rock contemporâneo que é quase um heavy metal. [...] E eu: “Pô, desliga esse som!”, e ela: “Veronica, música não é barulho!”. [...] Então, eu acho que ela não gostaria de falar “Lycia era apaixonada por Beethoven, Mozart e Schubert.”, porque se ela falou isso do Jethro Tull imagina se ela não amava Liszt, ela não amava Debussy (MACHADO, 2020). Por mais que os entrevistados tenham citado alguns títulos e compositores, foram poucas as lembranças em relação às composições em si ou técnicas musicais usadas por Lycia. Essas memórias mostraram-se mais afetivas do que propriamente técnicas. Segundo Marcos, quando ele chegava da escola, se deitava no sofá para ler enquanto Lycia estudava toccatas e fugas de Bach ou compunha em uma mesa. Ele se recorda dela fazer bocca chiusa enquanto compunha para ouvir as linhas melódicas. Antonio também se lembrou de ficar no mesmo ambiente que ela brincando ou estudando enquanto a avó fazia suas composições. Veronica tem memórias parecidas: Veronica: Aqui numa sala que a gente tem, ficava um piano de armário que tinha uma grande mesa que ela ficava ali escrevendo, aí ela levantava, tocava um pouquinho e sentava. Quer dizer, ela checava o que ela estava escrevendo, mas ela não sentava no piano e saía tocando. Eu tinha impressão que era ao contrário, que ela sentava, escrevia... Entrevistadora: Era um processo muito mais mental do que prático? Veronica: É. É... eu acho (MACHADO, 2020). A rádio MEC foi fundada em 1923 com o objetivo de transmitir temas educacionais e culturais, com destaque para a música de concerto (RÁDIOS, 2020). 89 77 Ao ler os títulos de algumas obras, Marcos relembrou situações em que viveu com sua avó. O Ballet Fantasia (1974), por exemplo, em que os títulos das danças são cenários dentro do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, remeteu aos passeios que Lycia fazia com os netos no local, que era uma grande inspiração para ela. Ele disse que com o tempo viu que sua avó expressava por meio da música o que a natureza transmitia a ela: Marcos: Um dia, [alguém] falou assim “ah, mas sua avó era uma expressionista” e eu demorei um tempão a entender. Depois eu fui me aprofundar mais e vi que é verdade, que ela tinha essa história, não era voltado pra ela, dela registrar as impressões que ela teve da natureza, como os impressionistas. Era uma história dela expressar o que a natureza, o mar, repercutiam nela. [...] Eu me lembro bem de vovó, é sempre uma viagem meio lisérgica. [...] A onda era essa mesmo, olhar para determinadas coisas, para determinados movimentos, para determinadas pessoas e de uma forma muito automática traduzir aquilo em sons (BIDART; NOVAES, 2020). Foi um consenso entre os entrevistados que ela se inspirava na natureza. Cecilia relembrou uma história de quando Lycia foi de noite a uma praia em Vitória onde havia algas brilhando no mar. Ela entrou na água e começou a brincar com as algas com um galho para admirar o que pareciam ser “estrelinhas no céu”. Cecilia diz que aquela noite inspirou Lycia a compor Fosforescência. A composição com esse título, citada por Cecilia, não foi localizada em nenhum dos catálogos em que constam as obras da compositora. Porém, no programa de concerto de 1953 que ocorreu no Ministério da Educação e Cultura, consta a composição Noite de fosforescência na Praia Comprida90 (PROGRAMA, 1953; COMPOSIÇÃO, 1953, p. 11). Essa peça pode ter sido posteriormente adicionada à Sonata Fantasia nº1: Sonata ao Mar, para piano, já que o primeiro movimento da peça, intitulado Noite tem a seguinte poesia anexada: É noite... que há no mar?!... Na escuridão cintila!... Em miríades fulgores Surgem n’água inesperada, Estiram-se na areia, Luzes nas pedras... somem... E de novo vêm, voltam [...] A magia destas luzes Límpidas, rutilantes, Leves ou incandescentes, Sussurrantes a cantar É noite... Fosforesce... ... O Mar!... (BIDART, 1970). Cecilia também se recordou da ópera A noiva do Mar que lembrou com o título do conto de Xavier Marques, que inspirou o libreto: “Eu só conheço como A noiva do golfinho, 90 Partitura não localizada. 78 que era uma moça que ficava lá esperando por um golfinho que se transforma em um príncipe. Existe uma lenda a respeito e eu me lembrava como A noiva do golfinho.”. Segundo Veronica, as composições de Lycia eram sempre temáticas. Ela contou que ficou encantada ao ver sua avó fazer uma série de canções baseadas nos poemas de Cecília Meireles91, já que a literatura era muito presente em sua vida quando criança. Antonio também recordou momentos em que ela compunha e apresentava para ele suas ideias e inspirações: Antonio: Ela contava sempre como era, as músicas, mostrava o que estava fazendo, o que estava inspirando a ela. [...] Mas eu me lembro das composições dela, do Jardim Botânico, ela me falando... mostrava os acordes que ela estava fazendo, o que era... isso eu tenho lembrança (NETO, 2020). Lycia possui muitas músicas dedicadas a membros de sua família e amigos. Ana disse que sua avó compôs uma música para ela inspirada em sua personalidade, intitulada O girassol (1979), para piano: Ana: Eu lembro que era uma música no piano, bem leve e tinha uma parte mais alegre e uma parte mais triste, porque ela dizia que as vezes ela via uma tristeza em mim, uma melancolia. Então ela colocou isso nessa peça que chamava Girassol, que imitava o movimento do girassol (ANDRADA, 2020). Lycia incentivou as filhas e os netos a estudarem música. Deu aulas para Cecilia e Lucia, que estudaram piano, e os netos estudaram com outros professores. Marcos estudou clarinete, com Juarez Araújo, e canto, com Fernanda Giannetti, filha do maestro Giovanni Giannetti, e Antonio e Veronica estudaram piano com a professora Honorina Silva, amiga da compositora. Porém, apesar de não dar aulas formais aos netos, dava instruções esporádicas: Veronica: Quando a gente ia passar as férias em Caxambu, ela pedia pra eu continuar com a prática de piano. E nesses momentos ela virava a minha professora. Porque a gente nem tinha o piano em casa, era um piano que estava num play. Era aquela coisa bem de músico mesmo que quer fazer a neta tocar. Mas eu amava [...]. Entrevistadora: Como ela era como professora? Veronica: Muito amorosa (MACHADO, 2020). Marcos disse que aprendeu com a avó a sempre dar dinheiro para músicos de rua. Segundo ele, era um mandamento de Lycia. Um momento marcante para todos os entrevistados foi o divórcio entre Lycia e João Bidart. Cecilia contou que em uma viagem de férias, Lycia recebeu uma ligação dizendo que seu marido tinha ido embora de casa com outra mulher. Isso a feria não só no nível emocional, 91 Entre 1971 e 1976 Lycia fez uma série de composições para voz e piano baseado nos poemas da Cecília Meireles (MINISTÉRIO, 1978). 79 mas em nível moral, por motivos religiosos. Veronica recordou que, ao receber a notícia, Lycia se refugiou na música: Veronica: Mas eu me lembro que quando vovô saiu de casa, ela ficou muito triste, muito, muito triste. Aí um dia ela se isolou, escreveu, escreveu, escreveu, escreveu música. E um dia ela falou: - Pronto! Terminou a minha dor. - Como assim, vovó? - Está tudo nessa música92 (MACHADO, 2020). A neta também contou que no início da década de 1980 Lycia contraiu uma séria meningite e ficou em coma por alguns dias. Segundo ela, ao acordar, ela havia perdido parte da audição. Esse processo de surdez foi lembrado por Cecilia e Marcos de outra maneira. Segundo eles, Lycia já estava perdendo a audição antes da meningite e a doença apenas intensificou essa perda. Quando Lycia já estava parcialmente surda, Veronica lembrou-se de ver sua avó pedindo para que seus amigos músicos tocassem seus instrumentos perto de seu ouvido para que pudesse escutar melhor e “se deliciar com a música”. Apesar de não ter desenvolvido sua carreira no meio público ao longo da vida, possivelmente por causa da maternidade, como foi pontuado na maioria das entrevistas, segundo Ana, Lycia não demonstrava frustração: Ana: Eu acho que foi mais uma coisa da época. Não é que ela era conservadora, é que era esperado da mulher ser do lar. Acho que se ela fosse jovem hoje em dia, ela estaria regendo e tocando no palco. Acho que ela estaria bem presente na vida pública. Entrevistadora: Você acha que a época acabou puxando um pouco ela pra trás nesse sentido profissional? Ana: Acho que sim, é. Acho que foi mais por convenção [...] ela causou um impacto, apesar de não ter feito muito fora de casa. Acho que hoje em dia ela teria feito um grande impacto. Mas eu nunca senti nenhuma amargura nela, nem frustração. Acho que ela aceitava muito bem o papel dela, o papel na sociedade. Ela não era rebelde nesse sentido (ANDRADA, 2020). Os entrevistados tiveram várias lembranças que contribuem com uma perspectiva pessoal sobre Lycia. Como ela passou a maior parte de sua vida compondo em casa, seus familiares acompanharam de perto o seu processo como musicista. 92 Partitura não localizada. 80 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Lycia de Biase Bidart foi uma compositora com alta produção, bem aceita por seus pares na época, mas que possui poucos estudos acadêmicos a seu respeito. A presente pesquisa buscou suprir parte dessa defasagem e dar mais visibilidade à compositora. A partir do estudo da trajetória de Lycia, é possível perceber a presença de vários dos capitais descritos por Bourdieu, que tiveram influência na sua carreira como musicista. Lycia adquiriu um bom capital cultural, tendo acesso ao ensino de música ainda criança e incorporando um habitus comum nas famílias de classe alta da época, que era a forte presença da cultura erudita importada da Europa, ambos fatores que influenciaram o seu desenvolvimento como compositora. Lycia teve a oportunidade de se mudar para o Rio de Janeiro, a capital do Brasil na época, e lá teve acesso a bons professores de música, como o maestro Giovanni Giannetti. Algo que contribuiu para isso, foi a sua situação financeira favorável, chamada por Bourdieu de capital econômico. Além disso, logo no início de sua carreira, sua família alugou o Theatro Municipal do Rio de Janeiro e a orquestra para realizar ao menos um de seus concertos. Essas aparições em um espaço cultural de destaque na época, a colocaram em evidência nos jornais e no campo musical, fazendo-a conhecida entre os críticos e o público, aumentando o seu capital social e simbólico. Depois do casamento e da maternidade, Lycia ficou mais reclusa em relação à vida pública. Tal posição era esperada dela socialmente como mulher e, segundo as entrevistas, ela adotou a postura sem demonstrar frustrações. Todos esses fatores, somados à sua paixão e vocação pela música, contribuíram para a formação de Lycia como compositora e deram a ela a possibilidade de estudar música e dedicar-se praticamente de forma integral às suas composições e à sua família. O material analisado apresentou diferentes perspectivas a seu respeito. As informações coletadas nos jornais sobre os concertos da compositora no Theatro Municipal, na primeira metade da década de 1930, se ativeram a sua repercussão e críticas artísticas e mostraram a boa recepção da compositora no início de sua carreira entre seus pares no campo musical. A aceitação de suas composições entre críticos conservadores também indicou o estilo tradicional de composição que Lycia utilizava nesse período, provavelmente influenciada pelo seu professor Giovanni Giannetti. 81 As fontes orais demonstraram-se essenciais para uma perspectiva pessoal a respeito da compositora, com informações que não foram apresentadas nos jornais da época. Os relatos trouxeram informações inéditas que contribuíram para o enriquecimento de sua biografia. Muitas informações foram repetidas em todas as entrevistas, como os gostos pessoais e a personalidade serena e amorosa da compositora. Essa repetição, embora muitas vezes não agregue qualitativamente à pesquisa, faz com que o pesquisador possa identificar uma estrutura de sentido e representações compartilhadas pelo mesmo grupo a respeito do objeto pesquisado (GASKELL, 2002; GONDIM, 2002 apud FRASER; GONDIM, 2004, p. 147). Ao longo da análise, também foram encontrados conflitos entre as informações dadas pela família, como a forma que aconteceu a surdez da compositora que foi lembrado por cada um de maneira diferente. Esses conflitos de informação são recorrentes na história oral, já que em relatos individuais os entrevistados buscam realizar uma narração linear e ordenar os fatos, mesmo que em sua memória eles se confundam (POLLAK, 1989, p. 13). A relação com as fontes escritas se mostrou eficaz para a confirmação de algumas informações que eram lembradas por cada um de maneira diferente, como o ano do divórcio de Lycia e João Bidart, que foi confirmado em documentos pessoais. Além disso, as fontes escritas e orais se provaram complementares, já que muitas informações específicas da juventude da compositora e suas estreias não foram vividas pelos entrevistados, mas constam nos jornais. Por outro lado, os entrevistados forneceram informações pessoais, como características de sua personalidade, relações familiares, procedimentos de composição e hobbies de Lycia, informações estas que não constam nas fontes escritas. Os álbuns de fotos e os cadernos de recortes encontrados na casa em que a compositora morou, fazem parte de uma escrita autorreferencial. Ao guardar e organizar esses documentos, Lycia produziu um material autobiográfico, reunindo as informações que gostaria que fossem lembradas sobre sua vida musical. A variedade de arquivos contribuiu significativamente para a pesquisa. As cartas trocadas com outros artistas mostraram que, apesar de não ser muito presente na vida pública ao longo da vida, Lycia manteve o contato pessoal com músicos e escritores, se mostrando sempre solícita às trocas intelectuais e disposta a fazer com que suas peças fossem executadas. As descrições de peças para concursos de composição e as anotações pessoais apresentaram a perspectiva da compositora a respeito do seu próprio trabalho na década de 1970. Como já dito anteriormente, esses registros não necessariamente mostram os fatos com a visão e definições de movimentos estilísticos que conhecemos hoje, mas retratam a experiência 82 e vivência da compositora sobre o assunto (GOMES, 2004, p. 15). Lycia demonstra ter acatado certas inovações da música do século XX, citando o Impressionismo e o Expressionismo como inspirações, por exemplo. Em outra passagem, ao dizer que deseja “encontrar na sublimação da experiência a alegria de viver e transmiti-la em sons”, Lycia apresenta uma inspiração que não se refere apenas àquele concurso em específico, mas que pode ser identificada em toda a sua obra. Essas descrições, somadas às informações de entrevistas e títulos das peças, também demonstram que Lycia sentia grande admiração pela natureza e a utilizava como inspiração para compor. O seu apego pela família também está presente nos títulos de composição e dedicatórias das peças. Nessa seção de “Aspectos musicais” o objetivo foi analisar as considerações que Lycia, seus familiares e outros artistas fizeram a respeito de suas composições, e não analisar as peças propriamente ditas. Essas análises documentais apresentaram um panorama inicial para que pesquisas posteriores mais aprofundadas sobre as peças possam ser feitas. Para a listagem de obras, foram reunidos todos os títulos encontrados com informações gerais sobre as composições de Lycia. Espera-se que tal listagem contribua para uma catalogação posterior e facilite a busca feita por outros pesquisadores e instrumentistas que tenham o interesse de encontrar títulos e instrumentações específicas. Devido à falta de estudos a respeito de Lycia e sua obra, as possibilidades de continuidade da pesquisa são amplas. A maior parte de suas composições, com variadas formações instrumentais, foram doadas para a Biblioteca da ECA, da USP, e estão disponíveis para pesquisadores e instrumentistas para consulta. 83 REFERÊNCIAS ABRANTES, Pedro; ANÍBAL, Alexandra; PALIOTES, Flávia. Do método biográfico em Sociologia da Educação. Sociologia da Educação: Revista Luso-Brasileira, Rio de Janeiro, n. 2, p. 5-31, 2011. ALEKSIÉVITCH, Svetlana. Svetlana Aleksiévitch: entrevista. Entrevistador: Tag Livros. 2018. Disponível em: <https://www.taglivros.com/blog/entrevista-svetlana-aleksievitch-tag-livros/>, 2018. Data do acesso: 14/07/2020. ALMEIDA, Julia Lopes. Livro das noivas. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1896. ANDRADA, Ana Bidart de. Ana Bidart de Andrada: depoimento [13 out. 2020]. Entrevistadora: Nicole Manzoni Garcia. Londres: 2020. Gravação pelo celular. Skype. 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São Paulo: Duas Cidades, Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia, 1977. 95 APÊNDICE A – ENTREVISTA COM CECILIA DE BIASE BIDART E MARCOS BIDART DE NOVAES Legenda: C – Cecilia de Biase Bidart: filha de Lycia M – Marcos Bidart de Novaes: neto de Lycia N – Nicole Garcia: pesquisadora Entrevista presencial – 31/10/2019 M: Eu vi obras de vovó sendo tocadas no Teatro Fênix da TV Globo, fui com ela ver. C: Bom, isso pode ter sido, mas... M: Maestro Neschling tocou um monte de coisa dela. C: Ah, isso eu não sabia. M:Tocou. C: O que eu sei é que tia Therezinha era casada com o diretor do Instituto de Café [com hesitação]. Representante do Instituto de café em Cape Town, na África do Sul. N: Ah, entendi! E daí conseguiram mandar para lá? C: Aí ele tinha uma projeção e ela conseguiu que tocassem lá. Acho que foi Chanaan. Ela mandou pra gente um dia [inaudível]. M: Nossa, mas isso aí seria uma preciosidade se alguém achasse. N: Isso aí foi quando? C: Tia Thereza esteve lá, ela foi pra lá durante a guerra. Todo mundo comenta a coragem dela. Tem aqui um livrinho dela. Vê se tá ali, se você acha. [...] M: Livro de que? C: De tia Thereza. M: Mas pra que? C: Porque ela quer saber a época que ela foi. Então eu lhe digo aproximadamente. Foi na época da guerra porque ela foi em um navio [inaudível] que tinha tábuas lá no meio, um navio cargueiro. N: Sim. [...] M: Tia Therezinha é irmã… C: De mamãe. M: De vovó. C: É a terceira. Tem a mais velha, tia Carmen, depois vem a mamãe... Vovó teve nove ou dez filhos. N: Caramba! C: A tia Carmen… M: Não, nove ou oito? C: Não, teve uma que morreu, né… C: Teve outra que ela perdeu, ela ia ter ainda. Morreu. Deixa eu contar. Mamãe… Tia Carmen, mamãe, aí uma que se chamava Margarida, depois tia Lurdes. 96 [...] C: Inês. [...] Ângela. Maria. [...] Aí Pedrinho. Pedrinho, acho, que era Pietrangelo também. O nome do pai. Pedrinho, entre parêntesis Pietrangelo, ou Pietrangelo, entre parêntesis Pedrinho. Que se casou com Fininha. Que nós consideramos tão irmã, quer dizer, tão igual tanto quanto, quanto a mamãe. N: Sim, que legal. C: Aí a tia Margarida morreu afogada numa praia que nós nem podíamos mencionar o nome. Camburi. Quase o nome de uma praia de Santa Catarina. Camburiu, não é? Mas é Camburi. N: Camburi. C: Nós nem podíamos falar o nome dessa praia em casa porque vovó, que tava grávida, perdeu. Foi pra Caxambu de maca e perdeu a última filha. Por isso que falei, que ela estaria esperando. Que seria uma menina também. Então só dava mulheres. N: Aham. É, bastante! São nove, né? C: E vovô queria ter... M: Só um homem, né. C: Vovô queria ter um filho homem, não é? Mania de italiano. M: Insistiu. C: Filho macho! Filho macho! [imitando sotaque italiano]. M: Insistiu até ter Pedrinho, o mais novo, não é? C: Não, depois teve essa que ela perdeu. [Silêncio] M: É, eu não encontro, mãe, aqui nessa lista das obras da USP... C: A Noiva do Golfinho? [ópera que Dona Cecilia havia citado e Marcos foi procurar no catálogo da ECA]. M: A Noiva do Golfinho. Só se por algum motivo… N: Vou dar uma olhada nesse outro catálogo que eu tenho. C: Que pena que a Lucia já morreu porque eu não tenho com quem conversar sobre uma porção de coisas da infância. [Inaudível]. N: Faz tempo que ela morreu? [...] M: Mãe, tia Lucia faleceu há… dez anos? [...] N: Achei aqui A noiva do mar. Será que é essa? C: Essa. N: A noiva do mar. C: Então é isso. Eu só conheço como A noiva do golfinho que era uma moça que ficava lá esperando por um golfinho que se transforma em um príncipe. Existe uma lenda a respeito e eu me lembrava como A noiva do golfinho. N: É a do boto, né? Boto cor de rosa. C: Boto! É! N: É? Acho que sim. M: Depois se você quiser eu encontro a [data de morte da] Tia Lucia. N: Eu até queria confirmar algumas datas porque tem algumas coisas, assim, que é importante ter registrado. 97 C: Por exemplo? N: [...] Vou confirmar com vocês tudo, né, porque como peguei em outros lugares… A data de nascimento e de falecimento. C: Ela nasceu 18 de fevereiro. [...] M: É muito fácil de guardar aqui em casa porque mamãe é 16… C: Ela é 18. M: E ela é 18. N: Tá. M: Pelo menos sempre comemoramos 18 a vida inteira. C: É, e eu sempre disse “a mamãe nasceu dois dias depois de mim”. N: Então é 18 de fevereiro… C: Agora, quanto...? N: De 1910? Isso? [...] C: É, é sim. N: Tá. E de falecimento? Vocês têm isso? M: Posso descobrir pra você depois. [...] É, eu não sei. Quem é que será que tem a certidão de óbito? [...] É, to tentando imaginar porque alguém cuidou dos, dos procedimentos. C: Foi Lucia. C: A Lucia que cuidava de tudo. M: E ela tá enterrada lá no… Jardim da Saudade? C: É. M: Em Jacarépaguá? C: Isso. M: Jacarépaguá não, Campo Grande etc. C: Tem outro nome. Mas é Jardim da Saudade. [...] M: Zona Oeste. Chama Jardim da Saudade. Tá aqui já, chama Jardim da Saudade. [...] C: Eu já tinha ido para o exterior. Sou diplomata. N: Ah, é, né! C: Me casei com um diplomata. M: Eu hoje mesmo vou tá com a minha prima, com a Koca. Vou jantar na casa dela. N: Ah, legal. M: É muito provável que esse documento esteja lá, porque a casa tava no nome de vovó. Passou pra vocês. Em todos esses lugares têm que ter lá “ah, não sei o que, nascida em…”. C: Depois eu vendi minha parte pra Lucia, que comprei minha casa em Petrópolis. M: Isso, isso, em todos esses lugares… C: E depois passou pra Koca. Agora você sabe como ela conheceu papai? N: Não, pode me contar! C: Ela conheceu papai, ele foi na escola militar e foi fazer essas viagens como nós fizemos também por aquela estrada lá… aí papai foi lá e conheceu mamãe. [...] Foi lá em Vitória. Nessas excursões que tinha. 98 N: O pai da senhora estudava lá? C: Não, estudava aqui no Rio na escola militar. E foi numa viagem à Vitória. Então ele conheceu mamãe. Exatamente quando eu não sei. Deve ser nesses jantares que eles dão, e a família do vovô era muito conhecida. N: Mas dona Lycia também estudava em escola militar? M: Não… C: Ele! M: Ah, vovó… C: Ele foi à Vitória! N: Mas, mas dona Lycia não estudava em escola militar? Só ele? M: Não, se encontraram… C: Não, mamãe só estudou... M: É… se encontraram… C: Mamãe só estudou o primário e depois música. Ele estudava aqui no Rio, em escola militar. Ele foi em uma viagem… M: Mas a, a Nicole tá tentando entender como é que alguém que estuda em escola militar encontra uma outra pessoa do nada. Passeando na praia… C: Porque ele foi à Vitória. M: Isso tá claro, que é uma cidade grande… C: E aí a mamãe tava lá. Grande? Vitória? M: Ah… Ô Nicole, essa história que mamãe tava contando é genial porque vovó não foi à escola. A vovó era… C: Ah, ela tinha esse problema… N: Estudava em casa? M: Estudava em casa. C: Eu esqueci. Ela tinha aquela falta de atenção. M: Dislexia. C: Super… atividade. M: Ah, essas doenças modernas. C: Não, ansiedade, ela tinha, um negócio assim. N: Ah, é? C: É. M: Ah, eu não lembro disso. C: Dislexia como é que eles chamavam, de quem não aprende a ler…? N: Dislexia é quem troca letra. C: Não, não é ela. Ela não ficava parada no banco da escola. N: Ah, acho que deve ser hiperatividade. C: É, hiperatividade! [...] M: Então, eu acho essa parte da história de vovó genial, super disruptiva. N: E daí os professores vinham em casa? M: É, o pai dela pagava as aulas que ela, que... Parece que tinham algumas obrigatórias pelo que ela contava… C: Ela estudou francês. 99 M: É, tinham línguas ou matemática, sei lá, tinham algumas coisas, história… que eram obrigatórias e aí fora isso ela estudava harmonia, composição, violino… C: Mas harmonia ela veio ao Rio pra estudar. M: Ela continuou a estudar mais no Rio de Janeiro. C: Ela veio estudar no Rio, porque onde ela ficava, na casa da irmã do vovô, que é minha tia avó, eu tenho até que lembrar o nome dessa senhora, morava na rua São Clemente, em uma casa linda, colonial na São Clemente, quase em frente ao Santo Inácio. M: Ah, tem tantas, mãe. C: Ah, mas essa deve ter pouco tempo. Irmã do vovô, minha tia avó, to tentando lembrar o nome dela [Teonilda]. M: Mas ela veio estudar com o maestro Giannetti? C: Ela começou a estudar aqui no Rio. Aí começou a estudar com o maestro Giannetti. M: Bom, o fato é que ela estudava música em casa e algumas outras disciplinas. [...] N: E ela começou a estudar música por que, assim, tinha alguma influência? As outras irmãs chegaram a estudar também? C: Não! [Há ocorrências de recitais de suas irmãs nos jornais]. M: Não... N: Só ela? C: Não tinha ninguém musical assim, nem tocava violão. M: E o teu avô, você lembra se ele gostava de música? C: Eu nunca ouvi falar em um italiano que deixasse de gostar de música. M: É verdade. C: Ela me deu o meu nome por causa da padroeira da música. N: Ah, é? C: Cecilia. A padroeira da música é Santa Cecilia. N: Que legal… que bom... C: Então, ela conheceu papai... N: Então nenhuma influência direta, assim… C: Não… M: Não, eu não acredito, não… deve ter sido gostar… e essa história… gostar, ir a concerto, ouvir música… C: Mas lá em Vitória não tinha tanto. O pouco que tinha... M: Mas vovô Pietrângelo devia, como tantas pessoas, botar ópera no domingo… C: Ah, com certeza. Com certeza. Tinha rádio, não é? M: É. C: Porque ela já veio pro Rio para estudar música e ficou na casa dessa tia. Como é o nome dela…? Eu lembro que ela tinha uma história linda. Ela tinha por volta de 90 anos, foi passear no parque da cidade, fica na Tijuca, floresta da Tijuca. M: Floresta da Tijuca. C: Parque da cidade é aqui. Floresta da Tijuca. [inaudível] Voltou de lá, encostou numa bergera, no dia seguinte [inaudível] “parece que eu estou no paraíso” [inaudível] aí morreu. N: Não acredito. C: Que coisa linda, linda! 100 M: Quem foi essa, mãe? C: A irmã de vovô. N: A tia que adotou ela aqui no Rio, né? C: É, é [inaudível]. N: E a senhora tem lembrança de mais ou menos com quantos anos ela veio pra cá? Uns vinte? C: Não mais do que isso. N: Em torno de 20, né? C: Isso. M: É. C: É difícil eu ter lembrança por que as vezes… N: Sim, sim. M: Não, mas eu acho que é isso. N: É, pelos meus cálculos é mais ou menos isso. M: Logo que atingiu a maioridade, logo depois. Porque pelas histórias que eu me lembro dela contar do maestro Giannetti, da… C: Ela era muito amiga de um padre de um convento lá em Vitória. Esse padre [inaudível] eu era meia vesguinha [...] Aí ele ia lá em casa, a mamãe disse “a Cecilia tem uma tendência”, ele me fazia uns exercícios. [...] Então esse padre me ajudou muito. Era muito amigo da mamãe. N: Isso em Vitória? C: Vitória. Outra coisa importante: Marcos já disse que vovô tinha muito dinheiro, não é? Então vovô tinha duas casas, uma casa na cidade e uma casa na Praia Comprida. A da cidade ficou muito tempo lá no parque Moscoso [...]. E a da Praia Comprida, era na Praia Comprida… M: Ué, mãe, Praia Comprida ou Praia do Canto? C: Não, Praia do Canto é, do Canto. M: É que tem um lugar lá que tem a casa, virou um prédio que se chama Pietrangelo de Biase. C: Mas é essa Praia, Praia Comprida. M: Ah, então tá bom. C: O fato é que vovô tinha essas duas casas. E eu me lembro que quando eu era menina eu ia com meu primo mais velho, filho da tia Carmen, casada com [inaudível] às festas que o Pedrinho, último filho da vovó, dava na casa da cidade. E eu me lembro do César e eu dançando lá no meio das pessoas [inaudível]. N: Que legal! M: Esse prédio tá lá até hoje em Vitória. O lugar que era a casa virou um prédio que se chama Pietrangelo de Biase, que é o nome do… C: O vovô, por causa dos irmãos da vovó, Vivacquas, vovô perdeu quase o dinheiro todo que tinha. [...] ele emprestou o dinheiro todo para os irmãos da vovó que gastavam loucamente. Você sabe que os Vivacqua… Mamãe mandava buscar os botões da roupa dela da França pelo Colis Postaux. N: Nossa… C: Então, você imagina o dinheiro do vovô. Gastou, perdeu tudo com os irmãos da vovó, que se fritaram com a história do café [inaudível] com o que não devia. 101 M: Ô, mãe, mas ele também, pela história nunca foi uma pessoa de... ele sempre gostou de gastar também, imagina, fazer como ele fez com vovó, alugar o teatro municipal, pagar uma orquestra. C: É, ele... podia ser… M: Não é? Não é barato... N: Ele fazia isso constantemente? M: Não, constantemente não. C: Não, não. M: Essas que você viu… duas vezes, uma vez… C: Teve uma vez só. Eu sei de uma vez. Mamãe regeu, sabia? N: Sim, sim. C: E eu já grávida. N: A senhora chegou a ver ela regendo? C: Não, não, não… eu tava na barriga dela. [...] C: Ela casou com o papai e no segundo ano [inaudível] era fadado a não dar certo, que uma “música” e um engenheiro. Não batem. Que a música tem muito de matemática também, né? N: Tem… M: Essas fotos aí, eu não sei onde vi essas fotos, se foi no teu trabalho, uma foto dela… N: Em frente a orquestra? M: É, isso, isso, isso. [...] N: Aqui, ó [mostrando a foto para Cecilia]. C: Tá aqui ela com a batuta? N: Tá aqui, aham. M: Ah, você vai pirar com isso. A batuta tá, eu acho que, na casa da minha prima no Jardim Botânico. N: Sério? M: Sério. N: Que legal! M: Tem duas batutas. Tem uma batuta de [inaudível] sabe qual é a batuta de banda? N: Não, não sei… M: Que em vez dele segurar o regente da banda, não sei se chama maestro, de qualquer banda militar? N: É, aham. M: Em vez dele segurar a batuta por trás, ele segura a batuta pelo meio. [...] Então tem lá uma batuta de banda que ela ganhou de presente de alguém. Pode até ter sido de histórias de vovô Bidart etc. Tem uma batuta de banda e tinha uma batuta bem surrada de uma madeira obviamente maravilhosa, mas bem surrada assim, bem apanhada. Que ficava em cima do piano. N: Que legal! Hoje se você for lá, você tira foto pra mim? M: Oi? Tiro, e tiro foto dos dois pianos também. Tão lá ainda. N: E são dela, eram dela? C: Tem a foto do casamento dela. O casamento dela tem uma foto que está lá em cima. 102 M: O ¾ de cauda, o Blüthner, tá na sala. O outro… C: Era lá em cima… M: É, esse eu acho que… C: Que já foi? M: Que já foi. N: E esses pianos eram da onde? M: Eu não sei, eram dela. C: Vovô deve ter dado. M: Vovô que deve ter dado. Um era aquele de parede… N: O de armário, né? M: De armário. Que é o que ela tocava, treinando… C: Ensinava a gente a tocar. N: Quem que ensinou? A senhora chegou a fazer aula? C: Com ela! N: Com ela? Ela ensinava vocês? C: Talvez se outra pessoa tivesse ensinado… M: Não, outras pessoas fizeram com outros… também porque lá em casa era, assim, obrigatório. N: Todo mundo estudou? M: A Koca, minha prima estudou piano, tocava bem; o Toni, meu irmão, tocava muito bem piano, depois parou; e eu adorava saxofone e fui convencido que era melhor estudar clarineta pra depois estudar saxofone que eu teria mais facilidade. [...] Eu era uma pessoa da rua, de bicicleta e bola etc. Não, continuei com a clarineta. N: Entendi. Então ela, ela ensinou a Lucia e dona Cecilia. É isso? M: Eu to sabendo por mamãe aqui também agora. Eu tive professor, a Koca e o Toni eu acho que tiveram professor também [Inaudível]. N: E você chegou a conviver com ela bastante assim, ou não? M: Com vovó muito, eu fui criado por ela. N: É? M: É, fui criado por ela. N: Até quantos anos? M: Porque mamãe separou do meu pai e daí foi fazer prova pro Itamaraty, passou, conheceu Antônio Carlos, o segundo marido dela, viajou e só fui morar com mamãe de novo aos 18 anos de idade, na Alemanha. Então eu… C: Ah, é, ela me levou o Marcos. M: Eu, eu vivi na Santa Luiza com vovó dos 6 aos 17? Foi quando eu voltei e fui pra Alemanha. C: Ela me levou o Marcos. Porque quando o Marcos nasceu [...] nós morávamos, tem até um retrato nosso passeando lá na Av. Rui Barbosa que é triste, papai tinha [inaudível], é triste, não é, a Av. Rui Barbosa. N: Não conheço muito bem. M: Ah, mãe, triste? Debaixo do Pão de Açúcar! C: Ah, é triste! Não tem vida! M: É, é, sim. Isso, isso. Te entendo. 103 C: É um bairro morto. [...] Aí quando o Marcos ia pra casa de mamãe e eu ia pegar ele de volta. Quando chegava na porta, ele fazia assim… uma tristeza de voltar pro apartamento. N: Gostava de ficar na casa da vó. C: Era um desespero. M: Todas essas obras, esses títulos de obras que tão aí, passa pela minha cabeça, eu me lembro das situações. N: Ah, é? M: É, tem a foto minha com o tal guarda no Jardim Botânico, tem… em algum álbum. Tá lá comigo, eu acho, em São Paulo. A foto eu sentadinho numa ponte, assim, um guarda me segurando, que alguém tirou… É, dessas histórias, do Jardim Botânico que você tem aí. N: E o Jardim Botânico era muita inspiração pra ela? M: Todo dia, era, todo dia inspiração pra ela. Levava a gente, era passeio diário, era o Jardim Botânico. Diário. N: Vocês chegavam a ir todo dia no Jardim Botânico? M: Diário, era assim, era passeio, era uma caminhada... C: A gente sai pra caminhar, pra ir à praia… M: Era uma caminhada um pouquinho… quer dizer, 15 minutos você sai da Santa Heloísa e chega no Jardim Botânico. Mas era todo dia que eu me lembre, assim, a não ser que tivesse chovendo muito. Todo dia a gente ia. N: Então era uma inspiração bem forte? M: Total inspiração dela. N: Sim. M: Você sabe que eu demorei muito a entender isso. Assim, um dia, não me lembro quem foi que falou assim “ah, mas sua avó era uma expressionista” e eu demorei um tempão a entender. Depois eu fui me aprofundar mais e vi que é, que é verdade, que ela tinha essa história, não era voltado pra ela, dela registrar as impressões que ela teve da natureza, como os impressionistas. Era uma história dela expressar o que que a natureza, o mar… C: Diziam a ela. M: É... é… repercutiam nela. Por isso eu acho que isso que você está falando da união do visual… porque era sempre uma viagem, assim, eu me lembro bem de vovó, é sempre uma, sempre uma viagem, assim, meio lisérgica, sabe qual é? “Puts, estou olhando pra essa árvore se mexendo...” e aí dali surgia… N: Remete a algo. M: É, dali surgia… C: Ela tem uma música, Fosforescência. Tá aí no seu catálogo? N: Não sei, tenho que olhar depois. C: E eu me lembro muito dela… M: De Angra? C: Não, de Vitória! M: De Vitória. C: Aconteceu uma noite… [...] Tem umas algazinhas. M: Aquela coisa que dá no mar. C: Unfocto. N: Ah, que fica meio neon, assim? 104 C: Brilha, é! M: É, isso, isso, isso. C: [Inaudível] fica tudo brilhando, brilhando, brilhando, brilhando. Parecendo estrelinhas no céu. Aí a mamãe foi pra dentro d’água, isso era noite. Ela pegou um galho da água, galho, esses galhos que caem de árvore, e ficou circulando dentro da água levando o galho e aquela cintilação linda [inaudível] vendo. E aí ela escreveu essa música: Fosforescência. M: E era tudo assim. C: É uma expressão mesmo, como você falou. M: A onda era essa mesmo, olhar para determinadas coisas, para determinados movimentos, para determinadas pessoas e de uma forma muito automática traduzir aquilo em sons. N: Legal. C: Você sabe que ela e papai se separaram? N: Não, não sei. C: Ela ia pra Vitória... talvez tivesse acontecido de qualquer jeito, essas coisas tendem a acontecer de qualquer jeito. Ela ia pra Vitória todo ano e tirava três meses de férias conosco. Ficávamos três meses em Vitória. Papai ia pra lá uma vez, ficava quinze dias com a gente, voltava e ela ficava mais. Não sei se foi por aí [inaudível]. Um dia nós estávamos em Bonn, você tava lá? M: Eu acho que tava. C: Quem é que apareceu? Alguém, aqui do Rio, disse que a gente tinha que ir, tinha que vir ao Rio… [...] Tia Lucia telefonou a mamãe pra voltar. Precisava dela aqui. Papai pegou, arrumou as coisas dele todas e foi lá com uma mulher. [...] Mas ele… ela telefonava lá pra casa, falava com ela, não disfarçava, era uma coisa horrível, horrível! Mas a Lucia chegou… “É o Paulo Reis? Atende isso! Eu não sou [inaudível], eu não posso…” Ela precisa de um analista. Ela foi pra dentro da casa de papai e gritava, gritava, chorava, queria levar papai de volta pra casa. N: Uhum, ficou muito chateada… C: Ficou pra lá de chateada… [inaudível]. M: É, porque era como, era como tantas famílias na época. Era aquela história de um choque muito grande de valor. Eu me lembro de vovó ao telefone desolada conversando com alguém porque vocês tinham se separado. Mamãe e tia Lucia. “Ah… grande infelicidade da minha vida!” Então eram outros tempos, não era… então imagina acontecer com ela mesma. Só que ela lidou melhor. Vovó sempre foi uma pessoa que lidava com muita… C: É, eu acho que ela lidou melhor que a Lucia. E eu tava mais longe dos olhos, longe do coração, é isso? O que os olhos não veem o coração não sente. N: O coração não sente. C: Isso. N: Entendi. Vocês tem mais ou menos a data da separação ou não? C: Eu estava em Bonn. M: Eu… É, eu também. Eu me lembro nitidamente porque Toni também ficou mal etc. Eu fiquei em Bonn de 74 a… eu morei na Alemanha de 74 a 79. Então isso foi mais ou menos em 78 mesmo ou 79. Tanto que eu voltei pra cá, pro Brasil, pra morar na casa dela… C: O Toni nasceu em 75? Então isso foi em 74, que nós fomos. Quando mamãe estava lá não sei lhe dizer. Nós fomos em 74 que o Toni nasceu lá, 8 de março. [...] 105 C: Quando, nessa época, que nós estávamos em Bonn, todo ano nós alugávamos uma casa na Itália. Porque em Bonn tem muito pouco sol, né, chove muito, [inaudível] na Bélgica, por Bruxelas. Então eu já marcava para as crianças tomarem sol [inaudível]. Não eram grandes coisas como o mar. Era o que se conseguiu com os ingleses [inaudível]. Marina de Pietra Santa. Eu ia de avião com as crianças, babá e a mamãe ia de carro com Antônio Carlos, com meu marido. M: É, uma vez. Ela não foi mais de uma vez. Ela foi uma vez. C: Foi duas vezes, eu acho. N: É, mas em relação a essas viagens, dona Lycia chegou a viajar quando jovem pra estudar na Europa? C: Não, não. [...] N: Estudou tudo aqui? C: Tudo aqui. N: Depois que casou começou a ir pra lá? Foi isso? M: Não, não. C: Não, ela só foi lá… nós fomos quando eu tinha 15 anos, uma viagem que papai fez [inaudível], nós fomos de navio. [...] M: Vovó teve esse grande professor. C: Maestro Giannetti. M: Italiano, é, italiano mesmo, tinha vindo pra cá, que se chamava maestro Giannetti. Isso aí você tem, né? N: Sim. M: É. Que tinha a filha Fernanda, depois veio a ser professora. Eu fiz aula de canto com, com Fernanda Giannetti. Método Vaccai. [...] N: Então ela não chegou a estudar fora. C: Não. N: Foi mais viagens a passeio mesmo. C: Foi uma viagem com papai [Inaudível] e depois ela foi pelo menos duas vezes pra minha casa. N: Ah, ta, mas nada relacionado à música, nada pra estudar música? M: Não, não. N: Tá, ótimo. É que nessa época era muito comum essas moças de família que estudava piano e ia estudar fora. Não foi o caso dela. C: Não. M: Não foi o caso dela. N: Tá. Então, a relação dela com a música, assim, era tudo? M: Tudo. C: Ah, era. Fora a igreja. [...] Extremamente católica. Como vovô. Vovô era essa questão, ia à missa todo dia. De mão dada com vovó. Os dois juntos. M: Teu pai, Pietrangelo? C: O vovô Pietrângelo. Vovó e vovô iam de mão dada [inaudível]. 106 N: Então esse pode ser sido uma influência, né, a questão da igreja? C: É, pode, sim, mas... N: Mas nada garantido. [...] M: Você sabe que você perguntando assim, é legal você perguntar isso, mas eu não me lembro, eu não me lembro nunca de vovó… é, eu tive perto dela compondo e essa história dessa… aí, desse convívio, não me lembro dela compondo dizendo assim “ah estou compondo um hino a Nossa Senhora”. C: Ah, bom. Não, isso não. Não, ela tinha religião... M: “Tô compondo um Réquiem”. N: Mas sabe que tem algumas, algumas obras que tem, mas não é, não é realmente o principal, não é o que tem mais. [...] C: Ela seguiu, ela ia à missa, ela ia à missa todo dia. N: Até quando criou você [Marcos] já ou ela não ia, ou ela não ia mais tanto? M: À missa? Ela ia… eu acho que ela ia com bastante frequência. M: Era muito perto lá na Lopes Quintas. C: É. ela ia todo dia. M: Menos de dez minutos da casa tinha a Igreja da Divina Providência. C: Um fato digno de nota é que quando ela morreu, a missa dela, a igreja ficou lotada. N: É? C: Mas lotada de gente. A Divina Providência. [...] E tinha gente de toda categoria. Desde vizinhos abastados até o entregador da quitanda. Menino que levava as compras da quitanda em casa. N: Isso foi a missa, no velório…? C: A missa, a missa de sétimo dia. [...] C: Velório não me lembro, não lembro nada. [...] M: Velório foi lá, eu me lembro, no Jardim da Saudade. C: É. M: Numa capela de lá. C: É, você falando assim eu começo a me lembrar. Eu me lembro em termos. N: E dona Lycia tinha alguma ocupação profissional além da música? C: Não. M: Não. N: Era dona de casa, assim. C: É, era dona de casa. M: Ela tinha, assim, como eu contei lá atrás, eu tenho lembrança dela, da gente sair frequentemente pra visitar uma comunidadezinha que tinha ali perto. Aquela favelinha que tinha onde hoje são as quadras de tênis no final da rua Corcovado. C: Ah, eu me lembro, tinha a dona Filó, dona Madalena. M: Isso, aí ela tinha umas pessoas lá que ela ajudava, que ela visitava etc. C: Tinha sim, era dona Madalena e dona Filó. 107 N: E essas visitas as comunidades? M: Era assim, mais pra levar coisas, levar coisa… C: Comida. M: Saber como as pessoas tavam. N: Chegou a dar aula nessas comunidades ou não? C: Não. M: Não, não. N: E ela chegou a ter alunos particulares? M: Alunos particulares. Eu acho que, é… C: Não. M: Fixos não. O que eu me lembro uma vez ou outra é dela orientar, fazer mentorias sobre composição pra alguns jovens da mesma maneira que faziam com ela. C: Ela teve aulas de piano com a Magdalena Tagliaferro. [...] M: Compunha muito intuitivamente. Então, eu me lembro dela com frequência chamando músicos de determinadas especialidades que eram amigos dela. Eu me lembro ela chamando o maestro Juarez Araújo que era um dos grandes saxofonistas de jazz, de chorinho. Saxofonista não, que o Juarez tocava saxofone, clarinete, oboé, fagote, o que fosse de sopro… C: De sopro. M: Ele tocava. Mas o forte dele era saxofone. Chamando o Juarez pra dizer pra ela se as coisas que ela tava compondo eram possíveis de ser tocadas. E não sei se isso é comum pra compositores de orquestra. Mas ela criava, criava, criava e depois ficava na dúvida “ah, eu não sei se essa parte aqui do oboé…” tecnicamente. [...] C: Olha, vovô tinha uma irmã… tava falando da religiosidade dela… Uma irmã de vovô, ela madame, como é que se chama? Madre! Madre superiora do Imaculada Conceição. M: Eu lembro dessa. M: Então, isso eu me lembro, assim, com frequência. O Juarez Araújo, deixa eu ver, tinha um violinista... N: Ela pedia ajuda ou ela dava? M: Ela pedia ajuda. Mas da mesma maneira ao contrário. Eu me lembro, assim, muito raramente um outro jovem com uma peça qualquer indo conversar com ela, o que ela achava. C: E eu me lembro também dela tendo… indo gente lá em casa. Cantar… ela tocava no piano e a pessoa cantava… N: Mas era aula ou era só uma brincadeira? C: Não, não era aula. N: Diversão, momento de recital, assim? C: É, um recital. N: Entendi, entendi. [Inaudível]. M: Eu me lembro também muito, muito de eu chegando do colégio, comendo, deitando do sofá, ali antes de sair o sofá da sala e vovó tocando durante muito tempo toccatas e fugas de Bach. N: Ah, é? Tocava muito? 108 M: Muito! Era o exercício dela de não enferrujar as mãos pro piano. E era toccatas e fugas de Bach. N: Isso você tem certeza. M: É, isso eu tenho certeza. Eu me lembro, assim, dela tocando. Ah, não ela podia tocar outras peças de outros compositores também. C: E ela ia dormir cedo e papai ficava até meia noite, também custava pra dormir, tendência a ter insônia, o papai. E ele ficava ouvindo a rádio do Ministério da Educação. Música, música e música. Ele também gostava muito de música. N: Gostava? C: Ele era um grande estudioso, né? Estudou alemão sozinho. N: [...] E de quem foi a iniciativa de doar as obras pra USP? C: Lucia e eu. As duas juntas. N: É, mas ela ainda era viva? C: Não. N: Não? Não era viva? C: Não, nós ficamos com o acervo dela e o que que a gente ia fazer? Foi depois que ela morreu. N: Nossa! Mas sabe que no site da USP tá falando que foi iniciativa dela mesmo. Então foi de vocês duas, né? M: É, eu não lembro. C: Se ela… isso eu não sei. N: Tá. M: Se ela manifestou o desejo antes. Eu acho que sim. C: Ela deve ter falado com Lucia, que a Lucia que me propôs e eu disse “tá certo”. N: Mas um pouco difícil de confirmar, mas então foi depois do falecimento. C: A Koca deve saber mais. M: É, isso deve ser fácil de confirmar na USP porque alguém tem que ter assinado, entende? C: Mas eu me lembro da Lucia me perguntando [inaudível]. Portanto não foi durante a vida dela. Daí eu não teria que dar [inaudível]. N: Sim, tá. E tem outras obras além das que foram doadas? Que vocês ficaram? M: Doadas não. Eu acho, você falou aquilo aquele dia, eu acho que tem uma partitura com cada um de nós: uma com a Koca, uma comigo, não sei, uma com o Toni talvez também, meu irmão. E a minha eu sei até onde tá. Ah! Olha o que que eu tenho. Falei da batuta da Koca, eu tenho o banco desse piano diferente. [...] É um banco feito de pátina que abre, assim, a tampa ele é um miniarmário com as obras dela. N: Pra guardar, aham. M: As partituras etc. e eu tenho esse banco até hoje. [...] N: Por que que eu perguntei isso. Porque eu to fazendo também uma catalogação de todas as obras e a localização delas e tudo mais pra que se outras pessoas quiserem tocar ou estudar, saibam onde está. M: Sim. [...] 109 C: Ela escreveu composições de piano pra Lucia e pra mim. Pra Lucia era Seus olhos negros... Eu não me lembro. N: Tem bastante. C: Esbelta... N: Ah, eu até ia perguntar, mas acabei nem vendo. Tem bastante referência inclusive a… aos próprios netos. [...] C: Isso que eu tava me lembrando… Seus olhos negros era da Lucia… N: Eu vou passar isso pra vocês. M: É, eu vou gostar de saber. C: A letra era do Gonçalves Dias. N: Tem bastante. Tem várias. C: Do Gonçalves Dias? N: É. De Gonçalves Dias e de outros também. Cecília Meirelles… C: Também. N: Vários. M: O Carlos Drummond de Andrade… N: Isso. M: Isso. Que foi uma grande inspiração pra ela durante um período. Ela foi na casa dele, do Carlos Drummond. N: Ah, sério?! M: No Cosme Velho. Sim, conhecia, assim. Não eram amigos, mas eram… C: Conhecidos. M: Conhecidos, é. N: Legal. Tá, agora eu vou confirmar umas últimas datas aqui [...] Têm a data de nascimento da Lucia? [...] M: 28 de abril de 37. N: E a senhora 16 de fevereiro de 35. [...] C: Tem um museu do som. M: Museu da imagem e som. C: Da imagem e som. M: MIS. C: Tem. Essas coisas não estão lá, não? N: Posso dar uma olhada, mas acredito que não. Acredito que não, porque é muita coisa. M: Esse programa da Globo seria inestimável, assim, eu acho que isso era filmado pra apresentar. Agora não sei por quanto tempo é guardado. N: Ah, é! Foi… ela cedeu obras… M: Não, tinha um programa, no que era chamado Teatro Fênix, da Globo, que era ali na rua do lado do shopping, uma ruazinha ali… qual era o nome da rua [inaudível]? C: [Inaudível]. M: Lineu de Paula Machado. C: De Paula Machado. 110 M: E esse Teatro Fênix tinha domingos de manhã apresentação de concerto, de música clássica. De diversos compositores. E obras de vovó foram apresentadas lá por duas vezes. E eu acho que era filmado. Eu me lembro que eu fui lá. Eu fui muito com vovó à Sala Cecília Meirelles. Ela adorava esse programa. E meus colegas até hoje lembram. Meus colegas que iam. C: Ela tem uma coisa interessante. O concerto número 4 de Beethoven, acho extraordinário, é o mais bonito. A Martha Argerich diz que não pode tocar de tão emocionada que ela fica com o concerto, emocionada demais que ela não consegue tocar. E mamãe tava assistindo lá e se levantou no meio desse concerto. M: Caramba! N: De admiração? C: [Inaudível] Ah, extasiada. Tivemos que agarrá-la, assim, pra sentar. Agora tô com vontade de ouvir de novo esse piano. N: Logo que ela casou, ela passou a morar no Jardim Botânico no Rio? C: Não, não. Na rua Voluntários da Pátria. Foi onde eu nasci. Número 92. N: Botafogo? [...] M: É. Praia de Botafogo. N: Tá. M: Ô, mãe, mas pouco tempo, não foi? C: Número 92. Tem história. Tem história aí que eu me lembrei agora que é importante de você [inaudível]. N: Tá, vamos lá! C: 92, uma vila. E aí Santa Rosa de Lima nessa época era quase colado [inaudível]. A parte de trás da vila tinha um muro que comunicava com Santa Rosa. Ela me colocou no Jardim da Infância no Santa Rosa de Lima. Depois mudou de lá, hoje tá lá ainda [inaudível]. A Lucia era passada por cima do muro pras freiras. E ela escreveu música, faziam teatrinho, as freiras faziam teatrinho. E ela escreveu umas músicas, que é uma assim: “Sou boneco de borracha, não tem nisso a menor peta faço as ve… não sei o que… faço as vezes de chupeta” [cantando]. N: Esse a Dona Lycia escreveu? Pras freiras? C: Pras freiras [...]. Acho que não foi só essa, não, tinha outra, mas essa é a que eu me lembro porque eu cantava essa. N: Aham. Qual que era o nome do Jardim de Infância? A senhora lembra? C: Santa Rosa de Lima, não, do Colégio Santa Rosa de Lima. N: Legal. M: Eu me lembro de uma coisa legal… C: Na rua Voluntários da Pátria. Nós morávamos no número 92, então Santa Rosa devia ser logo depois. M: 92 é perto da praia ou é perto do Humaitá? C: Não, é perto da praia, do lado da praia. [...] N: E daí depois dessa casa em Botafogo foram pro Jardim Botânico, isso? 111 C: Papai construiu uma casa lá no Jardim Botânico. Acredito que vovô tenha dado o dinheiro, o terreno, alguma coisa, não sei. Porque vovô deu casa pras irmãs mais novas em Vitória, então acredito que ele tenha compensado de alguma maneira. N: Entendi. C: Pro Pedrinho ele deu a maior de todas, foi a aldeia, não é? [...] Ele comprou lá a aldeia quando eram casas de pescadores. Vovô comprou aquilo tudo. Era Guarapari. E ele, acredito que tenha dado o terreno pra mamãe. E acredito mesmo porque as filhas, irmãs de mamãe, Ângela, Maria e finalmente Pedrinho, vieram estudar no Rio. Lá no Jardim Botânico, na casa de mamãe. N: Quando, quando dona Lycia veio pra cá foi pra estudar música ou foi por causa do pai da senhora? C: Não, foi pra estudar música. Foi pra estudar música. N: Foi pra estudar música. [...] M: É, o Nicole você sabe o que que eu lembro também? Que eu acho muito legal, depois que você começou a perguntar e a gente foi falando e eu fui lembrando. A mesma lembrança, a mesma cena, eu no sofá, tinha a cena de vovó… Eu gostava muito de ler, eu vivia lendo no sofá, vovó no piano ou vovó numa mesa redonda onde ela compunha, compondo coisas. Ou, você vê pela obra dela, tem muito quinteto, sexteto… E ela assim [fez boccachiusa] fazendo uns barulhos com a boca e obviamente ouvindo internamente… C: A música. M: Tudo. C: É, como Beethoven [inaudível]. M: Ah, eu não sei se todo mundo faz assim. N: Ela cantava o que ela compunha? M: Não, fazia um barulho [fez boccachiusa]. Zumbia, assim. O tempo todo os barulhos do que ela tava… N: E chegava a experimentar no piano? M: De vez em quando ia ao piano e dava uma experimentada. Mas era bem… eu não sei mais se todo compositor compõe assim, não. M: Eu acho que existem compositores mais analíticos, sabe? Compõe a parte de um instrumento, compõe a de outro, compõe, vai juntando elas. N: A parte de harmonia, né? M: Era um processo, assim, bem [fez boccachiusa] e ia escrevendo. C: E aquela coisa que bate? M: O metrônomo. É, é. N: Usava bastante? C: Usava muito. M: Muito. Bonito o metrônomo alemão, lindo. [...] M: Vovó, vou te contar uma coisa que você vai gostar de saber, de colocar no trabalho. Até hoje é quase que um mandato, assim, interno. Vovó sempre me dizia que tinha que dar dinheiro pra músico de rua. N: Ah, é? 112 M: Artista de rua. Até hoje não consigo… N: Não consegue não dar dinheiro pra músico de rua. M: Não dá, não consigo, não dá. [...] A não ser aqueles caras que você vê que obviamente estão enganando. N: Sim. M: Tocando a sanfona lá, tocando sempre a mesma coisa. Mesmo assim fico com vontade de dar, mas, é, se forem bons músicos então… e em São Paulo tem muito, né, músico de rua. C: Mas quando eu falo pela existência é pela própria existência, porque eu ia estudar arquitetura pra trabalhar com papai. Já tinha o escritório de engenharia e eu ia entrar. Aí ela disse “Pra quê?” pra ver como ela mandava na gente, né “Estudar pra quê? Você vai se casar! Então você tem é que ter prendas domésticas. Vai estudar francês.” E naquela vila da mamãe eu fui fazer neo-latina se eu não tivesse feito isso, eu não teria conhecido seu pai. [...] N: Então ela era bem conservadora nessa ideia de mulher? C: Era, era e eu também… M: E eu desconhecia... N: Ah, é? C: E eu também… M: E o vovô era o avançado. Porque mamãe e tia Lucia, pela história que eu sei, foram as primeiras mulheres a irem de carro sozinhas pro trabalho. [...] N: E como é que foi quando ela se separou e ela tinha algum dinheiro guardado pra se manter? Ela continuou no Jardim Botânico? C: Continuou, ela ficou com a casa. M: Ela continuou. É assim: vovô quando se separou [...] teve uma ação, tivemos advogados, não gosto de lembrar nada dessas coisas. N: Ah, não, claro. C: Tivemos advogados, tudo e no final se combinou, não se foi ao tribunal, combinou-se que mamãe ia ficar com a casa [inaudível]. M: E uma renda. Porque vovô tinha muitos imóveis, pequenos, simples, espalhados pela cidade. C: É, mas um era onde eu morava lá no Morro da Viúva. E tal, que você ficava triste quando ia pra lá, voltava pra casa. M: Eu ficava triste quando eu voltava? C: Ia pra casa da mamãe. Quando a gente voltava pro Morro da Viúva você fazia assim [fez careta]. M: Claro, era o maior agito. É a história que você falou, assim, a casa da vovó era o maior agito, tinha primo. C: É, e um apartamento triste M: Tinha primo perto etc. C: Jardim, cachorro… N: Casa de vó, né? M: [...] Ela achava que homem tinha que… era nada conservadora. A gente chegava do colégio, eu e Toni, a gente pegava a bicicleta e saia pra andar. Perguntavam pra vovó “Mas 113 dona Lycia, a senhora não fica preocupada com esses meninos o dia inteiro na rua?” “Não, quando eles ficam com fome eles voltam.”. N: [Risos] Mentira não é, né? M: [Risos] Que nem bicho né. C: No fundo ela ficava atenta, porque nesse dia da fosforescência, Boris passou lá em casa, Boris era um amigo inglês que tinha um barco a vela, e disse “Vamos sair de barco!”. É uma coisa que eu não esqueço nunca mais aquelas coisas na proa do barco. M: Tem um nome isso, eu tô tentando lembrar. C: Fosforescência. M: É, não fosforescência, o [inaudível] tem um nome mais… C: Unfocto. M: Mais poético, um pouquinho. N: E ela era bem tranquila com vocês, assim? Brincavam muito na rua, coisa assim? C: É, ela deixou eu ir. Deixava, brincava na rua, sim. Ela deixou ir, mas depois quando nós voltamos de barco ela estava lá no iate olhando. Ela deixou, mas ela ficou sintonizada. N: Que legal. C: Nós morávamos numa travessa entre a rua Corcovado e a Engenheiro Pena Chaves que naquela época era Tabira o nome da rua. Aí a rua era de paralepípedo. M: A rua Santa Heloísa... [...] WhatsApp Marcos 18/07/2020 Lembrei de uma agora que tinha que te contar. Estava ouvindo Ed Motta e lembrei que a minha avó odiava música que tinha Lálálá como ela chamava. Vocal sem letra. Acho que ela achava preguiça. Eu achava engraçado. Quando começava o lalala ela dizia... puxa estava ótimo, mas este lalala... 13/08/2020 N: Bom dia, Marcos! Tudo bem? [...] Você autoriza usar as informações que me deu no dia da entrevista para a pesquisa? M: Bom dia! Claro que autorizo. 25/08/2020 N: Você tiver um tempinho pode me falar um pouco sobre o que lembra do processo de surdez da sua avó? M: Sobre o processo de surdez, vou tentar lembrar melhor depois, falando com os irmãos e a prima. Na minha cabeça ela teve um processo normal de idade neste sentido.... Nunca ficou totalmente surda, usava aparelho, as ouvia. Nada tipo Beethoven. 114 N: A Koca disse que foi por causa uma meningite, mas sua mãe comentou que ela já estava ficando surda. Se puder dar uma conversada com eles seria legal então, porque é um acontecimento importante. M: Realmente ela teve uma meningite seríssima, quase morreu dois anos antes da morte por câncer. Mas também na minha cabeça estes dois últimos anos de vida foram de pouquíssima produção artística, pelo menos que eu lembre. N: Entendi. A meningite teve relação com o câncer ou foram dois episódios separados? M: Nicole, não posso afirmar.... Me lembro de visitá-la no hospital, mas não me lembro de nenhum comentário neste sentido. Para mim foram dois episódios distintos e clinicamente não sei se podem ter relação causar. [...] M: [Sobre o divórcio] Não sei quanto a dor era dela mesma, de amor, o quanto era moral. Me lembro dela uma vez falando ao telefone em italiano, logo com uma irmã provavelmente, sobre a vergonha (ou imoralidade) das duas filhas serem desquitadas. Era algo que mexia muito com o catolicismo arraigado dela. O casamento indissolúvel. 05/07/2021 N: Você estudou clarinete com o Juarez Araújo? M: Sim. Por um ano apenas, mas sim. Na verdade eu queria aprender saxofone, mas fizeram esta maldade comigo de me convencer a começar pelo mais difícil. [...] Estudei canto quando voltei da Alemanha com a Fernanda Gianetti, filha do maestro. Cecilia 18/08/2020 C: Autorizo Nicole Manzoni Garcia a usar as informações que lhe demos, sobre a vida e obra musical de minha mão, Lycia De Biase Bidart, bem como apresentar músicas por ela composta. 24/08/2020 N: Estou precisando confirmar uma informação aqui. Por acaso a senhora lembra quando a sua mãe pegou meningite e ficou surda? Em que ano? C: Sim, teve meningite mas já era praticamente surda. Mais ou menos em 1977, não posso afirmar. N: Ah, ela já estava surda quando teve meningite? C: Sim N: Por causa da idade? C: Eu tenho mais anos do que ela tinha quando faleceu. Uma condição física, DNA, que sei? Acho que isso não tem importância no contexto da vida. 12/09/2020 N: A senhora se lembra em que ano seus pais se mudaram para o Jardim Botânico? C: 1940. Eu tinha 5 anos. 115 N: Depois que vocês se mudaram para o Jardim Botânico a senhora continuou estudando no Colégio Santa Rosa de Lima? C: Sim. Até classe 4 porque lá nao tinha ginásio. [...] Até meus dez anos. 03/08/2021 C: [Sobre homenagem do Partido Integralista] Mamãe não tinha nenhum envolvimento político de espécie alguma. Não sei como surgiu essa notícia. N: [...] Outra questão que eu gostaria de saber é se o seu pai se posicionou sobre a carreira dela no início do casamento, ou ela parou de se apresentar em público de maneira natural para cuidar da família mesmo. Ele foi contra ela seguir carreira pública, gostava ou nunca falou nada sobre o assunto? A senhora sabe como foi esse processo? C: Foi inteiramente natural. Mamãe parou de se apresentar por razoes de força maior, para cuidar da família, por pura e espontânea vontade. 116 APÊNDICE B – ENTREVISTA COM ANTONIO DE NOVAES NETO Legenda: A – Antonio de Novaes Neto: neto de Lycia N – Nicole Garcia: pesquisadora Entrevista por videochamada – 14/08/2020 [...] N: Segunda coisa pedir autorização pra eu usar pra pesquisa acadêmica todas as informações que forem faladas aqui. [...] A: Tá autorizada. N: Então tá bom. A: Pode, sem problema. [...] N: Então assim, você chegou a morar com ela, né? A: Morei praticamente minha vida toda, porque minha mãe se separou eu era muito novo e depois ela foi viajar pro exterior com o meu padrasto. Sou um pouco mais novo do que o Marcos. E fiquei morando com ela, não sei nem te dizer... três anos, quatro anos, uma coisa assim. Aí depois quando minha mãe foi para o exterior que eu tinha uns sete pra oito, eu continuei com ela a vida inteira. Marcos ainda foi... quando ele fez, depois do vestibular, ele foi fazer faculdade na Alemanha e voltou a morar com a minha mãe já lá pelos dezoito anos e deve ter ficado dos oito aos dezoito morando com vovó. Mas eu fiquei direto. Eu até a faculdade fiz e só saí de lá quando casei. N: Ah, entendi, legal. A: Até eu casar tava morando com ela. N: O Marcos é mais velho que você? A: Dois anos, dois anos. N: Ah, tá. É que ele falou que ele morou mais ou menos dos 6, 6 anos. Acho que foi um pouco depois então, pelo que você tá falando. A: Ah, não, porque depois que ele foi pra Alemanha, ele voltou pro Brasil e eu já tinha saído de casa. Porque depois que eu saí, que eu fiz faculdade e fui morar sozinho aí nunca mais voltei a morar com ela. N: Ah, entendi. A: Marcos depois mais velho, quando voltou da Alemanha, voltou a morar com ela, mais tarde. N: E como é que era a rotina na casa, assim, de vocês? Quando criança, quando adolescente, ela assumiu meio que o papel de mãe, foi isso, assim? Daí levava na escola e buscava... como é que era isso? A: Foi... ela de fato era quem fazia o papel de mãe, mas vovó era uma pessoa extremamente caseira, então, por exemplo, essa função de ir pra rua cedo, escola e tal, no início, meu avô, que ele trabalhava na rua [inaudível] que normalmente levava a gente. E como toda família tradicional da alta classe média aí do Rio, na época tinha uma empregada de super confiança, 117 acho que ela veio trabalhar ainda pra ajudar minha vó a cuidar da minha mãe e da minha tia, aquela chegada da Bahia, com 14, 15 anos de idade. N: Então ela ficou bastante, desde que a sua mãe e sua tia eram crianças mais ou menos, tinha essa ajudante que ficou até quando vocês nasceram e tudo o mais. A: E aí continuou cuidando da gente. N: Entendi. A: Depois que as outras eram adultas, ela ajudava minha vó a cuidar da gente. Então muito o que fazia, assim, trabalho na rua, tinha que levar pra um curso de inglês, tinha que levar pra pegar na escola, tinha que levar na casa de amigo, normalmente era a Helena, né, a gente chama até, sempre chamou pelo nome próprio. N: Helena? Com certeza, aham. A: A Helena que levava a gente pra rua. Vovó não saía muito, não. Vovó não era muito de sair. Ela saía muito pouco, só, assim, era quem realmente me levava a médico, quem levava a dentista, quem levava as vezes quando tinha de comprar alguma coisa. Mas ela não era muito de sair, não, ela era muito caseira. E aí muito cedo, também, Rio de Janeiro, outras épocas, quer dizer, muito cedo a gente com... molecada já de dez anos, onze anos de idade já tá na rua pegando ônibus sozinho pra ir pra escola dum lado pro outro. Eram outros tempos e não tinha problema a criançada tá na rua, né? N: Sim, sim. A: Então, a gente acabou que, esse trabalho de ocupação, ela dividia muito com essa governanta que a gente tinha, com a Helena. Vovó, ela ficava muito em casa, cuidava do jardim. Isso é memória que eu tenho, assim ela adorava. Eu acho que se ela não fosse “música” ela seria jardineira. N: [Risos] Legal. A: Né, vivia lá em casa cuidando do jardim dela. N: Então além da música esse outro hobby dela era cuidar do jardim, cuidar de flores... A: É. Adorava. Passava horas lá cuidando todo dia, todo dia. Tinha lá os rituais dela, cuidava de planta por planta, banquinho pra ficar sentada lá cuidando do gramado. Ela era, assim, aficcionada. N: Legal. A: Mas era super tranquila, uma pessoa realmente de zero problema, entendeu? Na cabeça, não enxergava maldade em ninguém, não, nunca [inaudível] nada. Mas todas as lembranças que eu tenho dela são ou as férias quando a gente era criança. Meu avô tinha um apartamento em Caxambu e normalmente nas férias a gente ia pra Caxambu direto. Então quando tava no Rio tava em aula. Quando tava em período de ferais a gente ia pra Caxambu e passava lá aquelas férias de no inverno, mês de julho, férias de verão ficava lá dois meses, três meses direto em Caxambu. E quem ficava lá com a gente era minha vó, que meu avô trabalhava. Ele ia, levava a gente, de vez em quando ia pra passar o fim de semana e a gente ficava lá com vovó. Normalmente eu, o Marcos... N: Lá, Caxambu é serra? A: Caxambu é sul de Minas. Aquelas [inaudível] hidrominerais, ali, né. Caxambu, São Lourenço. Ali perto de Itamonte, no sul de Minas. N: Entendi. Legal. N: E no Rio vocês moravam no Jardim Botânico, onde a Koca mora, né? 118 A: Isso. Aquela casa sempre foi a casa que a gente morou. A gente foi pra lá, eu não tenho muita memória que eu era muito novo. O Marcos parece até que se lembra um pouco mais disso. é a mesma casa, ela só sofreu uma ampliação. Eu devia ter uns oito anos, to com sessenta e um, olha só, quarenta e tantos anos atrás. E meu avô comprou o terreno do lado e fez uma ampliação. E aí a casa reformou, mas é a mesma casa, da vida inteira. Desde que minha mãe se separou, que eu e Marcos fomos morar com ela é a mesma casa que até hoje é a casa da Koca. N: Legal. Eu vou combinar de depois que acabar a pandemia de ir lá visitar pra conhecer. A: Ah... vale a pena porque é basicamente... obviamente que a decoração tá diferente, pintura e tal, mas a estrutura e o astral de casa é o mesmo. N: Sim, legal. A: Vale a pena. A: Até os pianos que tem lá! N: Sim, sim! A: Até os dois pianos ainda são os originais. N: Ah, ficou com a Koca, né? Muito legal, muito legal. [...] N: E também uma coisa que eu percebi é que a a família dela era tudo, né? A música e a família eram as duas coisas centrais pra ela. E isso mesmo? A: É! Com certeza. Isso que eu te falei. Ela era muito caseira, ficava muito em casa. Normalmente visitas que recebia, assim, pessoal de família, cuidava da gente, tinha uma relação muito forte com a... que as filhas, mamãe tava no exterior, quando voltava do exterior tava em Brasília, que é diplomata. E a minha tia Lucia, a mãe da Koca, é que tava mais lá. E tinha aquele esquema tradicional de todo o fim de semana, almoço de família no domingo, aí tia Lucia ia pra lá e levava a Koca e a gente ficava. Era eu e Koca, éramos amissíssimos. N: Ah, que legal. A: Eu brincava mais com Koca do que com Marcos. N: [Risos] Legal. Vocês têm a idade mais parecida? A: É, nos somos assim, é uma escadinha, né? Marcos acho que se não me engano... Marcos é de 57, eu sou de 59, Koca é de 62. N: Ah, ta. Entendi. Ela é um pouquinho mais nova, né? A: É. N: Legal. E o Marcos também teve a lembrança que vocês passeavam bastante no Jardim Botânico, é isso? A: É, a gente ia muito lá. Porque era perto do Jardim Botânico, mas vovó ia até menos, ela de vez em quando ia. Ela gostava muito do Jardim Botânico. N: Ah, tá. A: Mas acabava que os horários da gente, com a gente criança, eu fui com ela algumas vezes, mas não era assim uma... ela adorava o Jardim Botânico, até com esse negócio dela de gostar de jardim. O Jardim Botânico era um negócio que ela era alucinada, né? N: Entendi. E uma questão, assim, de inspiração musical. Você tem alguma noção do que inspirava ela em relação à música? A natureza ou pessoas... [...] porque dá pra ver nas composições dela que tem muitos nomes, inclusive de vocês mesmo, netos, filhas... você tem essa noção? De inspiração? 119 A: Não, tenho. Eu acompanhava muito quando a gente era criança, eu acompanhava muito que ela ficava compondo “num” piano. Ela... o ato dela, a composição dela era sentada no piano e era um piano numa sala grande que era onde a gente estudava, onde a gente normalmente ficava, onde eu brincava lá de desenhar e tal. Então era muito comum, ela ficava compondo no piano e eu do lado ou brincando, desenhando, que eu adorava desenhar, estudando... então tava sempre no mesmo ambiente. E ela contava sempre como é que era, as músicas, mostrava o que que tava fazendo, o que que tava inspirando a ela. Então assim, memória muito quebrada, de muito tempo atrás. Mas eu me lembro das composições dela, do Jardim Botânico. Ela me falando, mostrava os acordes que ela tava fazendo, o que que era. Isso eu tenho lembrança. N: Sobre o Jardim Botânico ela chegou a falar? Porque no meu TCC eu fiz a análise de um ballet que foi ambientado no Jardim Botânico. A: Isso. N: Você tem alguma lembrança dessa composição específica? A: Não, eu me lembro, tenho muita lembrança dela comentando o que estava fazendo e tocando acordes no piano e dizendo o que que era. “Ah, não sei o que dessa planta ou daquela ala determinada, daquela... né, das árvores e tal”. N: Sério? Que legal! A: Mas assim, é o máximo que eu vou. Mas isso eu me lembro dela comentando comigo. Que que era os acordes lá, cada parte da música que tava representando. Isso eu ouvia, acompanhava. [...] Eu me lembro também dela, eu não sei se você chegou a pesquisar, ela chegou a falar, ela falava comigo muito que ela sonhava que o Jardim Botânico fosse tema de um enredo de escola de samba, de um desfile, não sei se você chegou a encontrar alguma coisa a respeito nos [inaudível] dela. N: Não, a princípio não. O que eu encontrei mesmo foi esse ballet. A: Tá. N: Sobre o Jardim Botânico mesmo. Os outros títulos não peguei nenhuma referência de Jardim Botânico, não. Mas, talvez seja mais uma questão de procurar mesmo, né. Então, você sabe quando ela começou os estudos na música? Ela chegou a falar algo pra você? A: Como ela começou na música? N: É. A: Não, não. Ela... eu sei, assim, pelo histórico da família, de conversar com a minha mãe, minha tia que minha vó desde cedo ela se interessava muito, ela começou a tocar música muito cedo, foi maestrina, mas o que eu conheço é o que tá por aí na história, o que foi contado. Ela mesmo nunca chegou a comentar isso muito com a gente, não. N: Entendi. Tá. E vocês estudaram música? Você e seus primos? A: Ah, todos, todos lá em casa. Eu e Koca piano. Marcos é que não chegou, não me lembro, Marcos não chegou a tocar piano. Marcos mais velho tocou clarineta! Se interessou por sopro e foi estudar clarineta, mas isso ele já era mais velho, não foi de criança, não. Criança eu e Koca que estudávamos piano. Os dois. Eu parei mais cedo. N: E a Lycia que dava aula pra você? A: Não, que eu parei mais cedo de tocar piano e Koca ficou até, bastante tempo. Ela ainda tocou muito tempo. Eu, aí começou a ficar difícil, escola, muito estudo. Eu até que levava jeito. [Risos] O pessoal fala que eu levava muito jeito. Mas nunca tive muita paciência pra os 120 estudos demorados de música e de instrumento, não. Mas cheguei a tocar bastante tempo, comecei cedo, com uns sete, oito anos no máximo, comecei e devo ter tocado até uns doze, quatorze, por aí. N: E ela que dava aula pra você ou era outra professora? A: Não, ela tinha conhecido da área de música e que era quem dava aula. Ela falava que não dava certo família dar aula. [...] Mas eram sempre conhecidos dela, o pessoal que ela conhecia do meio aí de música que ela arranjava, contratava. N: Entendi. E você lembra de professores ou músicos que chegavam a frequentar a sua casa? Por exemplo, esses seus professores de música, tem nomes, será que algum ainda é vivo pra pra contar? A: Olha, eu me lembro, assim, alguns, mas não sei te dizer nome. Tinha essa Honorina Silva que era a pianista que me dava aula. E quem eu me lembro claramente é o John Neschling. O John Neschling eu me lembro que frequentava muito lá, adorava conversar muito com vovó, ensaiava algumas coisas juntos, trocava ideia sobre música. O John Neschling eu tenho bastante lembrança dele lá em casa. [...] N: Provavelmente eles deviam conversar muito. A: Ah, com certeza. Porque a gente quando teve contato com ela, a gente era muito garoto, né? Eu sabia que minha vó tava compondo, lá e “num” tinha muita ideia do que que era isso, pra onde é que ia e tal. Ah, tinha mais alguns lá que apareciam de vez em quando. Que sempre tinham, tavam com ela, mas quem realmente eu acho que foi mais marcante, que eu via mais tempo, trocava figurinha, era o John Neschling. Se você conseguir um contato com ele vai ser muito bom. N: Que legal, que legal. Tá bom, ótimo, muito obrigada. Também, o que ela gostava de ouvir? E em quem ela se inspirava, quem ela tocava? Compositores clássicos ou algum cantor mais contemporâneo? A: Não, olha, música contemporânea ela “num” falava. Agora quem, em termos de clássicos, dos eruditos, ela adorava Beethoven. Que, aliás até hoje sou apaixonado por Beethoven, sempre vi, minha vó sempre falou isso, que era o maior de todos. Era Beethoven. Essa, pra ela, assim, a lembrança que eu tenho era dela sistematicamente falar isso pra mim. Comentar e tal. N: E ela tocava bastante? Beethoven? A: Gostava muito dos outros, né, Schumann, esses alemães todos, mas Beethoven era, assim, lugar especial. N: Entendi, legal. E de cantores mais da MPB, assim, teve alguma coisa ou não? A: Não, não, nada. Nada. Não me lembro dela, pra dizer a verdade não me lembro nem dela, assim, cantarolar alguma vez uma música popular. Assim, ela gostava, assim, se a gente tivesse ouvindo, mas “num” era ligada, não. O negócio dela realmente era clássico. N: E de ópera por exemplo, assim. A: Ópera ela gostava também, bastante, mas não sei te dizer, assim, se ela tinha uma preferida. “Num” me recordo de alguém que ela, alguma vez tivesse comentado. Se comentou não me marcou como marcou, eu me lembro ela falando de Beethoven. N: Entendi. Então pra você ela falava bastante sobre Beethoven? A: É, isso é, com certeza. 121 N: Legal. [...] Uma questão que talvez a Koca e a dona Cecilia possam até me falar melhor. Mas, você comentou que ela ficava bastante em casa, né? Em relação a costumes mais tradicionais de mulher ficar mais em casa, cuidar mais da família, ela era bem nesse sentido, bem mais tradicional, né? A: Era, bastante, bastante. Apesar de ser assim, muito relaxada, né? Nunca criou caso da gente sair, de voltar de noite, ela era muito despreocupada com esse tipo de coisa, entendeu? Mas o negócio dela era realmente “tá” em casa, cuidar da casa, cuidar da família, cuidar do jardim e compor. Isso era o negócio dela. N: Legal. E como é que foi pra ela quando a sua mãe, por exemplo, decidiu ir trabalhar fora? A: Não, vovó sempre foi muito tranquila. “Num” acho que, tanto minha mãe quanto tia Lucia, bom, elas foram trabalhar fora eu era muito garoto, né? Minha mãe foi trabalhar eu acho que eu não era nem nascido ainda. Então, mas o que eu conheço, a história que eu sempre ouvi falar, sempre conversamos depois, mais tarde com vovó é que nunca teve zero de problema, apesar de ser uma coisa mais tradicional, na época não ser tão comum assim... N: Sim. A: Ela nunca teve nenhum [inaudível] ela “num” tinha esse tipo de grilo. Nunca teve nenhum tipo de preocupação. Se a mulher tava tralhando fora, se a gente tava novo... Eu comecei a trabalhar muito cedo, ela também não se incomodava nem um pouco. Nunca teve nada. Acho que ela falou, ah, assim, tratava da coisa mais natural do mundo que mamãe e tia Lucia na década de 60 trabalhassem fora, fossem independentes. Vovó não se incomodava nem um pouco com isso. N: Entendi. E o seu avô, nesse aspecto? Igual, assim? A: Olha, vovô eu não sei. Vovô era uma pessoa muito fechada, muito fechada. Eu, assim, me lembro de pouquíssimas vezes na vida eu ter ouvido dele emitir uma opinião, assim, pessoal sobre alguma coisa, entendeu? Ele não dava, então não sei te dizer. Mas também, acho que nunca foi um negócio sério, assim, nunca teve nada contra, entendeu? Pelo histórico, retorno, comentários, a vida inteira com minha mãe, tia Lucia e tal, vovô também nunca foi uma pessoa, assim, que se incomodasse com esse tipo de coisa, não. Mas é que realmente [risos] é melhor se, da ausência de tia Lucia, mamãe talvez fosse a pessoa melhor pra falar. Eu nunca percebi. Apesar que era muito garoto, né? Depois quando comecei, assim, já lá pra adolescência, quando a gente começa a se dar conta dessas coisas, aí eu já tinha dez anos, minha mãe já tava morando no exterior, sozinha. Então tem assuntos que não rodavam mais em casa. N: Entendi. A: Mas nunca percebi nada disso. Não tenho nenhuma lembrança de alguma restrição. N: E ele participava de alguma forma das composições dela? Ele apoiava ela ou não gostava muito? Tem alguma lembrança disso? A: Não, mas ele era aquele esquema, saia pra trabalhar sete da manhã, voltava de noite, ia pro escritório dele, que ele tinha um escritório muito grande em casa também. Ele é engenheiro. Engenheiro projetista. Então trabalhava muito em casa, também nos projetos dele e tal. Então ele não se envolvia muito com essa parte. Eu pelo menos nunca percebi um envolvimento maior dele com essa parte musical de vovó. Dava apoio, que precisava dar, mas “num” se envolvia, não tava junto. N: Era mais na dele, né? 122 A: É. Não tinha uma participação maior, assim, também não me lembro dele estimulando. Mas acompanhava, mas “num” era participativo. N: Entendi. E eles, mais tarde, eles chegaram a se divorciar também, né? A: Ah, é. Bem mais tarde, bem mais tarde. N: Foi mais ou menos em... A: Aí eu já não morava mais com eles, já tava morando em São Paulo a trabalho. Aí eu já tava mais distante. N: Entendi. E você tem memória, mais ou menos, de que ano foi isso? A: Puts... eu preciso... difícil de eu te falar. Mas deve ter sido... [...] A: [Risos] Eu acho que deve ter sido lá... porque, sei lá... 80? 80 e alguma coisa, acho. Se eu pudesse dar um chute. N: Aham. Ele me falou 79, 78... A: 79? N: Então tá por... tá por aí. [...] N: [Risos] Legal, legal. E você tem alguma lembrança a mais que queira compartilhar, assim? O que vier na sua cabeça sobre histórias e tudo mais? A: Olha, realmente é o que você falou. Ela no fundo foi, assim, a mãe da gente, né? Eu me lembro. Eu aprendi a nadar com ela. Vovó ia muito pra Guarapari. A gente nas férias de vez em quando ia pra Guarapari também. Que a família toda de Biase lá é de Vitória. E ela que ensinou a gente a nadar. Aliás ela nadava muito bem, hein? Vovó era uma exímia nadadora. N: Você sabia que lá em Vitória, na época que ela tinha lá pelos vinte anos um time de polo aquático colocou o nome dela como nome do time. A: É? Olha, não sabia. Você sabe mais da vida da minha vó do que eu. N: [Risos]. A: Não sabia disso não. Mas ela nadava muito. Era exímia nadadora. Ensinou todo mundo. Eu acho que Marcos também aprendeu a nadar com ela. Marcos, Koca, todo mundo lá em casa aprendeu a nadar com ela. N: Que legal. A: Isso quando a gente ia pra Guarapari, que não eram tantas férias assim que a gente ia, mas de vez em quando a gente ia lá pra Guarapari. Mas era... vovó era um misto de mãezona e vózona, entendeu? As férias em Caxambu era uma festa, entendeu? Porque era daquela vó que você faz rigorosamente o que você quiser que tá tudo bem, não tem problema nenhum, as coisas dão certo... N: Ah, então era mais vó do que mãe, então, né? [Risos]. A: É, um misto [inaudível]. Eu não sei se você viu, tem um filme que eu falo sempre para as pessoas de brincadeira, que se fosse um filme pra retratar a vovó, ela ia ser aquele, o Chauncey gardner, o jardineiro, não, é Muito além do jardim. Em português foi Muito além do Jardim. N: É um filme que te lembra muito ela? A: Com aquele cara, o Peter Sellers. É. Porque ele era um jardineiro, que tinha uma dose enorme de ingenuidade e acreditar que tudo dava certo e realmente, e tudo dava certo, entendeu? Como ela acreditava que tudo ia dar certo, tudo dava certo. Então era mais ou 123 menos igual vovó [risos]. Ela não via maldade em nada, não via maldade em ninguém, era incapaz de pensar mal de alguém. Eu me lembro direitinho, eu falo isso pra todo mundo, assim, comentários dela, da gente na mesa do almoço, família de italiano, né, todo mundo falando junto, aquelas discussões brabas que aconteciam de vez em quando. E vovó perguntando, pedindo pra gente, “mas olha...”. É, a gente reclamando, falando mal de alguém pra variar. E ela falava “Vocês têm alguma coisa boa pra falar dessa pessoa?”. N: [Risos] Igual minha mãe. A: “Então não... então não vamos falar nada dela, não. Vamos mudar o assunto, sabe?” Ela não... “Pô, falar mal? Pra que falar mal? Coisa ruim não merece ser comentada.”. Então era um astral, eu acho que era santa total. Se tem alguém que tá lá em cima sentada lá no alto é ela, que era uma santa. N: Que legal. A: A maior santa que eu conheci. N: Falando nisso, ela era bastante católica, né? A: Muito, muito, muito. Ia à missa direto. Fim de semana é sagrado. E aí depois, muitas vezes, independente de ter... eu não me lembro se era terça-feira, quinta-feira, tinha uma outra missa durante a semana lá na Divina Providência que ela ia também de vez em quando lá. Mas era muito católica. Muito amiga. os padres lá da igreja, frequentavam nossa casa. Tavam sempre lá. Padre Lemos, Padre Lemos, esse eu me lembro o nome dele, direitinho. A gente ia sempre quando era mais novo. Tinha que ir à missa todo o fim de semana. A missa de sábado a gente não podia perder de jeito nenhum. Todo mundo que tava lá tinha que ir à missa. N: Entendi. E seu vô era igual, iam os dois, né? A: É. Todo mundo, todo mundo, não tem jeito. Não, vovô ia... eu acho que não era tão religioso quanto ela, não. Ele era, assim, religioso, acompanhava, mas não era, ia meio que a reboque. N: Entendi. A: Quem realmente era religiosa, assim, de crença, de convicção, era vovó. N: Legal, legal. Mas, assim, a princípio, das minhas perguntas você já respondeu tudo. Então se tiver mais alguma coisa a considerar, mais alguma história que lembrou. A: Olha, coisas que eu acho que realmente que você sabe, que você até tá fazendo sua tese centrada nessa obra, nessa do Jardim Botânico, que é a paixão que ela tinha pelas plantas. E realmente se você... [risos] se eu pudesse dar uma dica, se você conseguir recuperar esse filme e ver o filme você vai entender o que que era... N: Vou, vou ver. A: O que que era vovó. O aspecto dela, o espírito dela, a personagem dela, a tranquilidade, a bondade dela com os outros, sabe? De sempre querer o bem. É uma santa criatura. Pra mim é, Madre Teresa de Calcutá, sabe? Irmã Dulce e vovó Lycia. São pessoas, que acho que é impossível. Ela nunca deve ter tido um pensamento maldoso sobre ninguém na vida dela. Pelo menos isso era a impressão que eu tinha. Era uma pessoa assim de um desejar bem aos outros impressionante, um negócio inacreditável. N: Que legal, que legal. A: Isso é a coisa marcante dela. [...] 124 N: Aliás, lembrei de uma coisa agora, que o Marcos comentou que no Teatro Fênix ele chegou a ver algumas peças dela. Você tem essa lembrança ou não? A: Não. Eu me lembro, eu me lembro de alguém, até dessas temporadas que tinha com John Neschling lá em casa e tal, eu me lembro de conversas, dele pegando partituras com ela, conversando sobre ensaio que tava tendo de peça dela e tal. Isso eu tenho uma lembrança, de ouvir conversas dela com um pessoal do meio sobre apresentações que iam ter. Mas se fui a alguma, sinceramente... N: Você não lembra. A: Espaireceu-se da minha memória. N: Mas então tá ótimo. Te agradeço realmente muito. [...] N: Você tem alguma foto com ela? A: Eu tenho algumas fotos, sim. Eu vou ver se eu encontrar aqui alguma coisa, eu vou te mandar. N: Agradeço bastante então. Se você tiver documento, carta, assim. Eu soube que ela trocava bastante carta com o Drummond, né? Eles eram amigos, não eram? A: Isso. É, eram amigos por correspondência. [...] A: Eu tenho, coisas de família que eu tenho dela são receitas com a letrinha dela, escrita na época. Que ela também adorava esse negócio de cozinha, quer dizer, não sei se adorava, mas era uma ótima coordenadora. Fazia umas comidas lá, daquelas maravilhosas. Comida da vovó, sabe como é que é, né? N: [Risos] Sim. A: Comida da vó é comida da vó. Isso eu tenho. N: Então tá bom. A: Receitas com a letrinha dela eu tenho. N: Então, assim, se você quiser mandar o que você tem aí eu agradeço bastante. Porque as vezes a gente tem alguma coisa na gaveta que a gente não lembra, mas acaba sendo um documento bem importante, né? [...] A: Se eu encontrar alguma coisa, aí, eu te mando. N: Tá ótimo, muito obrigada, viu? A: Tá. N: Tenha um ótimo final de semana, aí. A: De nada. 125 APÊNDICE C – ENTREVISTA COM VERONICA BIDART MACHADO V – Veronica Bidart Machado: neta de Lycia N – Nicole Garcia: pesquisadora Entrevista por videochamada – 14/08/2020 [...] V: [...] “Vovó, suas histórias são tão bonitas, mas eu não sei nada do teu passado. Conta a historiado teu passado.” Você não sabe... eu vou fotografar e te mandar [sobre a carta que Lycia escreveu para Veronica contando sobre sua infância]. N: Ai, eu to muito ansiosa pra ver esse documento. V: É uma coisa... e também uma coisa muito de costumes, assim dos pais dela. O avô dela antes de se mudar pro Brasil já tinha vindo a passeio cinco vezes. A gente tá falando do final do século XIX, início do século XX. N: Nossa! V: Cinco vezes, imagina a viagem. Aí vieram e tal. Aí minha avó, minha bisavó, mãe dela era prometida a casamento pra um irmão, pra um irmão de Biase. Só que ela se apaixonou pelo outro. Aí a família, que não podia, nos costumes, “Não, você foi prometida para fulano”. N: A mãe dela ou a vó? V: A mãe dela, a minha bisavó, a mãe da vovó. N: Sim. Uhum. V: É que eu acho que isso já é história, né? N: [Risos]. V: Mandaram meu bisavô pra Itália, pra afastar da bisavó. Resultado: ficaram se correspondendo durante três anos, sendo que o carteiro era o pai dele. N: Nossa! [Risos]. V: Cúmplice desse romance [inaudível]. N: Sendo que ela tava prometida pra outro, né? V: Aí no caso ela falando do avô dela, né? “Meu avô era um homem que já não se preocupava com os costumes.” [trecho da carta]. N: Que lindo! V: Isso eu achei muito lindo, né? Aí tem outro momento que ela descreve o parque que ela brincava. Você começa a ver tudo, Nicole, assim na poesia. As alamedas... aí tinha um coreto no meio que a banda da polícia tocava alegrando a tarde. N: Que legal. [...] V: Ela era de uma bondade infinita. N: Então, olha só. Primeiro eu vou começar a gravação de áudio. Já vi que você começou a contar história, já ativei aqui o meu áudio. V: Tá ótimo, tudo certo. [...] N: Então primeiro queria saber se é tudo o que eu ouvir aqui eu posso usar pra pesquisa, pra fins acadêmicos. Tudo certo? 126 V: Sim. Tudo o que eu falar pode usar. N: Então tá bom. Muito obrigada. Então primeiro quero te agradecer muito por ter se disponibilizado, eu acho que você, o Marcos, o Toni e a dona Cecilia são, assim, essenciais pra minha pesquisa e eu acho que juntos a gente vai construir uma memória dela muito legal. Tá bom? V: Ai, que bom! Fico muito feliz. [...] N: Então primeiro, você comentou como ela iniciou os estudos na música, né? Ela chegou a falar disso com você na época, assim, como ela começou? O interesse dela pela música? V: Foi a modernidade da família, né? Porque a vovó tinha, o que seria hoje em dia DDA, déficit de atenção. Então, eu acho que eles eram até educados com tutores. Porque... ah, não! Ela fala aqui “Voltei da escola e botei um vestidinho branco.”. Não, ela ia pra escola. N: Mas eu acho que ela ia pra escola talvez um pouquinho mais novinha, né? V: Aqui ela tá bem novinha. [...] N: Eu acho que quando ela ficou mais velha, eu acho que ela realmente foi educada por tutores, porque eu vi isso em alguns lugares, né? V: Porque ela tinha déficit de atenção e não conseguia acompanhar e aí alguém falou na época, disse “Ah, coloca ela fazendo música é uma coisa... tem ritmo, né?”. Música é matemática, né? No fundo, né? É ritmo. Então, “isso vai ajudá-la no seu desenvolvimento.”. E eu acredito que foi assim que ela enveredou pela música. Mas, o amor pela música eu acho que era desde pequenininha, porque ela falou aqui da banda da polícia sem ninguém mandar, né? N: [Risos] Que legal, que legal mesmo. E você chegava a frequentar bastante a casa dela, né? Você não morou com ela como os meninos, mas frequentava bastante, né? V: É, porque minha mãe trabalhava e a época eu preferia muito mais ficar aqui na casa da vovó, que é onde eu moro hoje em dia, do que ficar sozinha no apartamento. Então, assim, eu praticamente morava com ela, só que a noite eu voltava pra casa da mamãe. Mamãe me pegava aqui quando saía do trabalho. E, quando mamãe viajava muito, aí eu ficava aqui. A gente teve uma babá, que foi uma grande companheira da vovó. N: A Helena, né? V: Helena. E essa babá que cuidava da gente na parte prática. Porque vovó sempre foi poeta, né? Vovó sempre foi “música”. Nunca vi vovó fazendo um café na vida dela. Fritar um ovo. N: Ah, é? V: Nunca. A casa era arrumada e tudo, mas quem mandava na casa mesmo era Helena, assim, no sentido organizacional. A vovó ela era arte, poesia, literatura. Ela rezava todo dia, que no fundo era uma meditação, né? Assim, ela sentava na cadeira, ficava horas rezando terço. Ela não... nunca vi vovó no sentido de uma mulher do lar, sabe? Ela era uma artista, com certeza. Mas, muito amorosa com a gente, muito. Eu que lembro que ela me acordava, quando eu dormia aqui. Ela dormia nesse quarto aqui, que hoje em dia é o meu escritório, e meu quarto era um pequenininho aqui do lado. Ela vinha me acordar, aí na cama ela botava minha meia, botava minha camiseta, sabe? Me vestia todinha pra eu acordar pra ir pra escola assim. Ela tinha essa bondade, sabe? N: Sim. 127 V: Minha mãe, por exemplo, já ia no quarto, tirava o cobertor, acendia a luz e falava “Acorda.”, e a vovó era essa coisa, carinhosa. N: Pelo que eu percebi, assim, a música e a família eram os dois pilares dela, né? V: Com certeza. Sem nenhuma dúvida. E os netos, eu Toni e Marcos, né? Eu acho, assim, que Toni e Marcos, ela praticamente criou, porque tia Cecilia tinha vida de diplomata. E eu era a neta mulher. Ana é dez anos mais nova do que eu, então, assim, faz uma diferença enorme, né? Na época talvez vovó tivesse a minha idade quando eu era pequena. A gente ia pra Caxambu, que ela tinha um apartamento em Caxambu, eu amava. E ela era tão doida que [risos] a gente criança, cara, ela chegava, comprava um canivete pra cada um, sei lá, devia ser, assim: seis, sete... são seis, oito e dez, tá? Comprava um canivete pra cada um e largava a gente no parque com passe livre. Você não sabe o que que a gente aprontava. N: [Risos]. V: E a vovó achava tudo uma maravilha “Ah, se vocês quiserem me encontrar eu tô lendo ali na fonte Mairim”, que nunca mais esqueço o nome. Aí, ela passava a tarde lendo e a gente tocando o terror no parque, com canivete na mão. N: [Risos]. V: Sabe, assim, nunca teve repressão dela no sentido, não de educação, isso sempre nos educou, mas da liberdade. Eu me lembro que mais velho a gente pegava uma bicicleta, tinha um trenzinho que saía de Caxambu e ia sei lá pra onde, um trenzinho mesmo, não um trem de trilho, trem de roda, né? A gente agarrava no trem na bicicleta e ia, na estrada e a vovó nem sabia, entendeu? N: Sim, bem liberal, assim. V: É. Você contar isso hoje em dia, né? Que as mães todas... eu dei um celular pro meu filho ele tinha quatro anos. Só pra monitorar, sabe? As mães são loucas hoje em dia, né? N: Sim. V: Eu me considero uma louca. E vovó libertária! N: Legal. E como é que era a relação dela com as filhas? Com os netos eu sei que era bem próximo, né? E com a sua mãe, com a dona Cecilia? V: A mamãe era a melhor amiga dela. A mamãe era a filha de mãos dadas com ela. [...] Quem ficou ao lado da vovó a vida toda foi mamãe. Inclusive ajudando com Toni e Marcos, né? [...] N: Uhum. V: E até no final da vida, quando vovô abandonou ela, foi a maior roubada, assim, porque vovô era um grande engenheiro e ele fazia várias construções, e ele foi embora e deixou minha vó com uma mãe na frente e outra atrás, só com essa casa aqui que a gente mora. E aí mamãe e tia Cecilia se reuniram, né? Pra prover uma boa vida, até porque as duas já estavam com uma vida muito estabelecida. Mas a tia Cecilia sempre esteve presente no sentido financeiro, de ajuda, mas quem cuidava mesmo era mamãe, até o final, assim. N: Entendi. V: Elas eram muito amigas, muito mesmo. N: Entendi. A Lycia chegou a se separar do João, né? V: Sim. Vovô abandonou ela. A gente acha que ele foi sequestrado [fazendo aspas com os dedos] pela amante. Ele tinha uma amante de anos, todo mundo sabia. Aquelas coisas de antigamente, né? N: Sim, sim. História de novela, né? 128 V: Todo mundo sabia que ele tinha uma amante, mas eu era muito criança, assim, eu não posso te dizer. Depois que eu soube as histórias, né? Mas eu me lembro que quando vovô saiu de casa, ela ficou muito triste, muito, muito triste. Aí um dia, ela se isolou, escreveu, escreveu, escreveu, escreveu música e tal. E aí um dia ela falou “Pronto! Terminou a minha dor.” N: [Risos] V: Aí eu falei “Como assim, vovó?” “Está tudo nessa música.”. Ela era muito especial, assim. N: E você lembra que música era essa? V: Sei lá, to falando da década de 70. Nem 80 era. Não, 70. Então, e pra vovó, religiosa do jeito que ela era, deve ter sido muito ruim, sabe? N: O casamento era algo mais do que só humano, né? Era uma coisa bem mais espiritual, né? V: É. Aqui tem nesses escritos que eu vou te mandar, tem uma coisa que me impressionou muito, assim. Quando eu era criança ela me dava a Bíblia em história em quadrinhos e ela adorava as histórias dos mártires, né? Joana D’Arc, esses mártires católicos, né? E aí ela escreve uma coisa que eu achei tão bonito sobre isso. Que ela falou assim “Ai, eu tive uma infância tão feliz. Eu até achava graça nos mártires, porque eu achava que eles eram heróis. Mas quando eu fui ficando mais velha, eu falando eu não quero crescer porque eu não quero ser mártir” [risos]. N: [Risos] Que bonito. V: E engraçado que ela me passou essa mesma coisa. Eu achava o máximo a vida dessas pessoas, mas falava “Mas eu não quero.” eu falava, eu rezava de noite “Nossa Senhora, eu sei que eu sou legal, mas não aparece pra mim que eu não quero ser mártir.” [risos]. N: [Risos] Que ótimo. V: Claro que muito criança, né? N: Sim, sim. Só uma questão de data. Você lembra quando foi o divórcio? V: Eu não, mas eu sou capaz de ter por aqui, assim, algum papel que fale disso. N: Tá. Pelo que os meninos falaram foi mais ou menos no final da década de 70 pra 80, lá por 79, talvez. Mas se você achar algum documento. V: Não, eu acho que é, pera aí, 79, 80... eu acho que é menos, porque eu não era... 79 eu tinha dezoito anos. Eu teria essa história muito mais vívida pra te contar, né? [...] N: E também em relação a hobbies que ela fazia. Além da música, assim. Ela gostava de ler, como você falou... V: Jardim. Jardim. N: É? V: Ela era louca pelo jardim dela. Até hoje o jardim dela é lindo, aqui. E o jardineiro dela até hoje é meu empregado. Ele deve ter entrado muito jovem, Severino tem 75 anos. E eu me lembro dele, eu, assim, adolescente, dezoito anos. Aí, sim, nessa época ele já estava separada do vovô há um tempão. Eu me lembro eu aqui com dezessete, dezoito anos, almoçando com a vovó, vinte anos e tal. Vovó já era separada há algum tempo. Eu acho que eles erraram. E ela amava o jardim. A vovó acordava, botava um short, um conga, ela tinha joanete, aí ela cortava a frente do conga, uma frente única. Nunca mais esqueço. E o cabelo dela, ela pintava de azul. N: Pintava de azul? 129 V: O cabelo dela era branco. Aí era uma tinta que deixa o cabelo assim, prateado azulado, sabe? Uma coisa meio de antigamente. N: Ah, eu acho que aqueles xampus que coloca pra deixar mais branquinho e acaba manchando, será? V: Não, não. Era uma coisa meio platina, sabe? Só que acabava refletindo no azul. Cara, a gente achava ela o máximo. Toda criançada que vinha aqui achava ela muito moderna. Aí ela ia pro jardim, cuidava do jardim, isso sempre muito cedo. E depois ela ficava escrevendo. Eu não via ela muito no piano, não. A vovó era muito mais de escrever. Claro que ela tocava o que escrevia, né? Mas ela não era uma pessoa que sentava e ficava estudando piano, entendeu? Nunca vi isso. E o jeito de se vestir dela era uns carstens grandes, um colar de pérola que eu herdei. Sempre, assim, muito easy going, sabe? Uns chalés lindos que eu também... tudo é meu. [...] N: A Ana e o outro Antonio são filhos da Cecilia do segundo casamento, é isso? V: Sim, com o tio Antônio Carlos. N: Ah, ta. E eles chegaram... V: O pai dos meninos é Afrânio. É pernambucano. N: Eles chegaram a ter contato com ela também? V: Muito! O tio Antônio Carlos amava vovó. Levava ela pra passar as férias com eles na Itália. Acho que ela foi algumas vezes. Era um lugar de praia lá que eles iam. Ana pode falar isso melhor, porque eu não tenho essa lembrança. Mas tenho a lembrança da vovó indo passar um mês, um mês e meio com eles na Europa. Tio Antônio Carlos sempre foi muito, muito amoroso com ela. Demais. N: Ah, bom. V: Toda família Andrada sempre foi muito carinhosa com ela. Porque, não sei, vovó era uma pessoa muito... é impossível você não amar ela. Sabe? Todo mundo gostava muito. N: Entendi. E você lembra de músicos que frequentava a casa dela, assim? V: Não. Nunca vi. Sarau tinha, uma coisa, assim, da família. A família de Biase frequentava muito. A gente amava, porque era aquela irmã, era uma primalhada sem fim e eles falando italiano e rindo. Aí tinha muita música aqui em casa. Música sempre teve. Agora, sarau, essas coisas, eu não me lembro, não. N: Tá. Só que você teve aula com ela, né? V: Tive. Eu na verdade não tinha aula com ela, eu tinha aula com uma professora, amiga dela, chamada Honorina, desde cinco, seis anos. Eu fui alfabetizada e aprendi a ler nota ao mesmo tempo. Isso eu acho que mudou a minha inteligência. Isso eu devo a ela. Cada um de nós tinha que tocar um instrumento. Aí a Honorina que era a minha professora. Só que quando a gente ia passar as férias em Caxambu, ela pedia pra eu continuar com a prática de piano. E aí nesses momentos ela virava a minha professora. Porque a gente nem tinha o piano em casa. Era um piano que tava “num” play. Era aquela coisa bem de músico mesmo que quer fazer a neta tocar. Mas eu amava, assim. Música é a minha maior paixão, apesar de eu trabalhar com cinema. N: Como é que ela era como professora? V: Muito amorosa. E eu não me lembro uma vez... eu me lembro da vovó brigando com o Marcos. Mas, comigo e com o Toni nunca lembro dela ter levantado a voz [...]. 130 N: E o Marcos comentou que ela se inspirava bastante na natureza pra compor. Você tem essas lembranças de inspiração? Porque tem bastante peças que tem nomes também, né? Então acredito que ela deve ter se inspirado na natureza, em pessoas também. Você tem essas lembranças e de outras inspirações também? V: Tenho, tenho. Ela tinha uma coisa meio temática, né? Então as vezes ela... “Ah, agora vou falar de mar.”, “Agora eu vou falar de rosas.”, “Agora eu vou fazer uma música pra cada poema da Cecília Meirelles.”. Essa eu me lembro bem, porque na minha infância a literatura era uma coisa muito mais presente na nossa vida, né? Não tinha esses devices todos que as crianças têm hoje em dia. Então, eu me lembro que os poemas da Cecília Meirelles eu amava. Então me encantou ver ela transformando aquilo tudo em poesia. E esses papeis aqui vão te responder que ela conta uma história que ela fez no lombo de um cavalo, sentada de lado, porque na época mocinhas não sentavam no cavalo assim [fez o gesto com os dedos se referindo a pernas abertas], coisa mais linda, ela vai descrevendo a viagem, aí você entende o amor dela pela natureza. O povo saiu a cavalo quatro horas da manhã, entrou numa coisa meio floresta, aí ela vai falando das estrelas, da luz, entendeu, assim? Essa sua pergunta, ela vai ser respondida você lendo aqui. N: Legal. V: A descrição do parque, a descrição da caça à baleia e a descrição da viagem, você fala pô, essa mulher era realmente uma poeta, né? N: Legal. [...] N: Você comentou que ela não compunha muito no piano. Ela ficava em que lugar, pra compor? V: Aqui numa sala que a gente tem logo aqui, ficava um piano de armário que tinha uma grande mesa que ela ficava ali escrevendo, aí ela levantava, aí, tocava um pouquinho e sentava. Quer dizer, ela checava o que ela estava escrevendo, mas ela não sentava no piano e saía tocando. Eu tinha impressão que era ao contrário, que ela sentava, escrevia... N: Era um processo muito mais mental, né? Do que prático. V: É. É... eu acho. N: Entendi. V: E eu tenho muita lembrança disso. Mas tinha esse piano aqui, aí tem o piano lá embaixo que tá aqui até hoje, né? Que é o piano de calda. N: Legal. V: [Inaudível] É meu. N: [Risos]. V: [Risos]. N: Legal. E eu também soube que ela gostava muito de ópera, né? V: Amava. N: E alguns outros compositores clássicos, como Bach, Beethoven, Schumann... por aí mesmo? V: Por aí mesmo. Todo domingo. Eu amava passar os fins de semanas aqui, assim. Eu tenho muito mais lembrança daqui do que do apartamento que eu morava. Eu tenho lembrança das férias, da minha casa em Angra e tudo, mas porque aí era diversão. Mas diversão mesmo pra mim era aqui. E eu me lembro que todo domingo, a gente ficava ouvindo a Rádio MEC, que 131 era uma rádio que só passava música erudita, e aí, ouvindo os concertos que iam ser da hora, né? Então, assim, eu me lembro muito de ópera, porque eu adoro ópera. Por que que eu gosto de ópera, meu Deus do céu? Sabe, assim, né? Ópera ou você aprende a gostar pequeno ou você tem que, sei lá, abrir tua alma pra entender. E eu, assim, eu ouço ópera, eu choro. Então, eu acho que é muito essa memória desse tempo. Mas eu, de compositores, assim, eu me lembro muito dela falar muito de ópera, né? De Verdi, ela amava Beethoven. Eu me lembro da gente ouvindo todas as sinfonias juntos como se fosse um quiz. Sabe, assim? “Ah, vamos ouvir todas as sinfonias de Beethoven pra ver a evolução.”. E aí ela ia falando de cada uma das músicas, então, assim, eu não me sinto habilitada pra dizer “Vovó gostava de fulano, cicrano e beltrano.”, porque ela era múltipla. Eu me lembro de Marcos ouvindo Jethro Tull, [...]. É aquele rock contemporâneo mesmo que é quase um heavy metal, né? Assim, esse rock dessa época. Alto, alto na sala e eu “PÔ, DESLIGA ESSE SOM!” e ela “Veronica, música não é barulho.”. N: [Risos]. V: Entendeu? Assim... N: Sim. V: Eu reclamando e ela me dando um pito dizendo “Música não é barulho.”. Então, assim... N: Que legal. V: E era aquela porrada de Jethro Tull, né? De rock contemporâneo. Então, eu acho que ela não gostaria de falar “Lycia era apaixonada por Beethoven, Mozart e Schubert.”, entendeu? Porque se ela falou isso do Jethro Tull imagina se ela não amava Liszt, ela não amava Debussy, né? Assim, eu acho... N: Sim. V: É... difícil. N: E vocês se reuniam pra ouvir, tipo, ficava tocando ou vocês realmente sentavam pra ouvir porque ela sentava pra explicar pra vocês o que é isso, isso, isso? V: Sim, eu lembro perfeitamente [inaudível]. N: Era uma coisa pra sentar pra apreciar a música mesmo, a música era o evento? V: A música era o evento. Eu acho que esse programa era até um programa meio matinal, assim. Digamos que devia ser onze, meio-dia. Porque eu me lembro que vovô era super atlético, ele ia pra praia, aí ele voltava, aí serviam uns drinks pra ele ali esperando o almoço. Era esse momento, que a gente ficava ouvindo a Rádio MEC, sentada, aí conversávamos, ouvíamos, assim. Música sempre fez parte da nossa vida. Sempre. N: Que legal. V: Até no final, quando ela ficou surda, eu tava morando aqui, porque foi a época do plano Collor, e de repente eu me vi, né? “Pera aí, quanto dinheiro eu tenho?”. Você sabe que o Collor raspou o dinheiro de todo mundo. N: É. V: Das contas. Aí eu não tinha dinheiro. Aí eu vim morar com ela e eu era muito amiga de músicos e ela pedia “Fulano, toca aqui no meu ouvido pra eu ouvir.”. Aí o cara tocava flauta aqui, assim, no ouvido dela, pra ela se deliciar com música, sabe? Então olha a paixão que ela tinha por música. N: Sim. V: Isso pra gente, a gente ficava muito emocionado vendo isso. Emocionados. 132 N: E esse processo de surdez foi quando e como ocorreu, assim? V: Tu quer saber o lado exotérico ou o lado científico? [Risos]. N: [Risos] Pode contar os dois. V: Bom, o lado científico, vovó pegou uma meningite seríssima e essa meningite se instalou em algum canto que ela entrou em coma. E ela ficou em coma pouco tempo, não foi muito tempo, não, mas, assim, a gente achou que ela ia morrer. E ela voltou muito bem, se recuperou, mas perdeu a audição. N: Mas não perdeu cem por cento? V: Não, ela ouvia, ela usava aparelho, ouvia um pouquinho. Mas pra músico, né, Nicole? Pensa. Eu, por exemplo, meu marido queria me mostrar uma coisa no celular e tava a televisão, eu falei “Vem cá, eu não consigo.”, “Ai, lá vem ela com ouvido de músico.”, eu falei assim “Eu não consigo, a televisão falando uma coisa, você querendo me mostrar um outro áudio no celular, o meu ouvido não consegue.”. Então, assim, eu acho que ela desenvolveu na gente essa capacidade de ouvir música com toda sua intensidade. Eu me lembro a gente ouvindo, acabei de lembrar, Pedro e o Lobo? De Prokofiev, que a história que os instrumentos, cada um tem, né? Ele vai contando as coisas. Me lembro perfeitamente dela, ela levava a gente pra ver, no Teatro Municipal João Caetano, e aí depois ela ficava “Que instrumento é esse?” aí a gente “Clarineta!”, “Oboé!”, sabe, assim? Isso era natural pra gente criança. “Num”... “num” era estudo, era uma coisa que a gente se divertia. “É violoncelo ou é violino?”. E a gente criança mesmo respondendo isso. N: Ela levava vocês bastante pra ouvir, assim, concertos? V: Sempre. A mamãe sempre tinha ingresso pro Municipal. Levava eu tinha uma frisa, lá, ia eu, vovó. Eu ia toda vestidinha, assim, de jump, eu era bem criança mesmo, devia ter uns oito anos, sabe? Porque eu me lembro eu de meia três quartos, vestidinho de veludo, sabe? Uma coisa, pequenininha vendo A flauta mágica. Eu acho que foi muito importante isso pra todos nós. E veio dela. E a mamãe herdou essa paixão por música também acabou me incutindo. N: E ela chegou a tocar? A sua mãe chegou a estudar instrumento? V: Não, não. Ela não, ela não. Engraçado, com as filhas ela não fez a mesma questão que com os netos. Eu toquei piano, Toni violino e Marcos clarineta. E aí eu continuei, e aí quando eu tinha uns quatorze anos, que aí você vira mais adolescente, né? Eu queria continuar música, aí eu fui pro violão porque violão é muito mais social pra um adolescente, né? “Música” eu não era, isso eu tinha certeza, mas viver sem música pra mim é impossível. E música é tão sério pra mim, Nicole, música me emociona tanto que eu, por exemplo, não sou uma pessoa que consigo trabalhar ouvindo música. Porque se eu trabalhar ouvindo música, eu não consigo me concentrar. Eu entro na música e vou. Então eu to falando de mim, mas eu to falando dela, sabe? N: Não, eu entendo. V: Porque isso com certeza. N: Sim. É o que você herdou dela, né? V: É. Ela incutiu na gente. Foi através da educação mesmo. N: Sim. V: Do convívio. N: Isso é muito legal. V: É. 133 N: Você sabe com que idade mais ou menos ela teve essa meningite e perdeu a audição? V: Sei... pera aí... deve ter sido 83 ou 84. N: Ah, então ela ficou bastante tempo, uns seis, sete anos, surda, né? V: Sim, sim. Porque esse outro momento, o Collor foi... deixa eu ver aqui no Google quando é que foi o plano Collor. Porque aí depois do plano Collor ela viveu mais um pouquinho e morreu. [...] V: Ué, 90, 92? Não pode ser. Ah, não, sim! 90, 92. Ó, olha quanto tempo. 83, 92. Eu me lembro que essa época que ela tava internada... você não quis ouvir o lado exotérico, né? N: Não, não, eu falei que você podia contar! [Risos]. V: [Risos] [...] Então deve ter sido isso, 83, 4, mais ou menos. O lado exotérico é o seguinte, [...] Ela contou isso pessoalmente pra mim, que ela entrou em coma, aí ela sentiu que ela entrou numa carruagem de flores junto com Nossa Senhora. Não, foi numa carruagem de flores e foi até o encontro de Nossa Senhora, e quando ela encontrou Nossa Senhora ela pediu: “Nossa Senhora, deixa eu voltar porque eu não quero deixar minha família. [...]”, e aí ela voltou surda. Então ela acha que ela fez um mártir, assim [risos]. N: [Risos]. V: A psicologia explica, né? Ela acha que ela acha que ela fez um sacrifício em prol da família. N: Que legal. V: E realmente, depois da vovó ficar doente a família toda “puff” entrou nos eixos, assim, [...]. Então esse é o lado exotérico que ela tinha porque ela era muito, muito religiosa. [...] N: Eu acho que isso aí também é muito importante porque é o pessoal da fé dela, né? V: Exatamente. E até hoje eu as vezes sinto, assim, [barulho com a boca imitando vento] rosas passando por mim, sabe, assim? Mas eu também sou completamente exotérica, religiosa. Eu era, ela, minha vó, a gente ia todo domingo eu ia à missa com ela. Aí eu fui assistente de padre, eu cantei na igreja, tudo porque eu me divertia estar com ela, entendeu? As pessoas as vezes falam da igreja católica com tanto pesar né, com tanto... “Ah, foi ruim pra mim por causa disso, daquilo.”. Pra mim, as minhas lembranças são as melhores do mundo. Porque adorava ajudar padre, eu me lembro que eu ficava no altar assim, de perna aberta. Sabe quando criança fica de perna...? Em pé mesmo, né? Aí ela ficava assim pra mim, ó [mostrou o movimento fechando dois dedos]. N: [Risos]. V: [Inaudível] Ela ficava fazendo... então esse tipo de educação de mocinha ela dava, né? “Mocinha não fica de perna aberta!”. [Risos] E eu ficava... N: [Risos] Já vou emendar uma pergunta, então. Queria saber se ela muito conservadora em relação às mulheres. Porque isso era algo, de costume da época, né? Ela por exemplo não trabalhava fora de casa, né? Ela era mais dona de casa, assim... V: É. Mas eu acho assim, que a vovó não trabalhava porque ela trabalhava pra c*ceta, né? Que o que ela compôs, é... N: Sim, Sim. V: Né, então ela... N: Com certeza. 134 V: Não sei se ela batalharia por um emprego de música, primeiro porque ela tinha uma vida confortável, né? Então ela podia se dar ao luxo de não correr atrás de um emprego. E eu não posso dizer que a minha vó não trabalhava, porque ela acordava e sentava pra escrever. N: Não, não, eu digo não trabalhava fora de casa, mesmo. V: É, é. Mas não era por causa disso, não. Pelo contrário, minha mãe separou muito cedo. Minha mãe ficou casada com meu pai dois anos, Tia Cecilia ficou casada com tio Afrânio dois anos, ela sempre apoiou elas, deu apartamento pra elas, convivia com os segundos maridos perfeitamente. Eu quando morei aqui, morei com namorado, nunca vi caretice. Só pra você ver uma coisa. Eu, quinze anos, não, dezesseis, dezessete anos, eu tinha um namorado, a gente passou o réveillon sei lá onde, no Rio, aqui. Aí eu vim em casa que a gente ia sair de lancha de manhã, tipo cinco e meia da manhã, seis horas, eu cheguei aqui, entrei aqui nesse quarto, falei: “Vó, eu já voltei do réveillon, mas agora to indo sair de lancha, tá?”, isso eu tinha quinze anos, “Leva um casaco porque o mar é frio à beça nessa hora.”. Entendeu? Ela era isso. Nunca “Minha filha, não pode porque são cinco horas da manhã, com quem você está?”, mas nem perguntou com quem eu iria. E a mamãe conta a mesma coisa. Pena que a mamãe não era viva, você ia morrer com as ideias dela. Com as histórias dela, né? N: Sim, sim. Sobre sua mãe e sobre o João, quando foi a data de nascimento da sua mãe. Só pra confirmar aqui, que a dona Cecilia me falou, mas só pra ter uma confirmação. V: 28 de abril, aí eu tenho que olhar a data. Quer que eu olhe agora? [...] V: Essa pasta aqui, é que ficam os documentos dela. Pera aí. [...] V: A mamãe nasceu em 37. N: É. Aham. V: 28/04/37. [...] V: Joao Baptista. Óbito: 1981. N: Tá, o dia tem aí? V: Tem. 28 de abril! Dia da mamãe! N: Nossa! Dia... V: Morreu no dia do aniversário da mamãe! Coitada da mamãe, tadinha. [...] V: Certidão de casamento vovó e vovô. [...] O casamento foi em novembro de 1933. N: Tá. V: 24 de novembro de 1933, o casamento. N: E o divórcio? V: Não, essa aqui é a certidão de casamento. É porque eu li... eu li “separação de bens” e aí eu achei que era a de separação. Ah, não, aqui: “À margem do termo conseguinte, por despacho preferido...”, hãm... desquite. Desquite é muito bom, né? 9 de setembro de 1976. N: Então foi um pouquinho antes mesmo. Tá. Isso provavelmente foi o burocrático, né? Porque deve ter demorado um pouquinho pra sair isso aí também, né? V: É, ele fugiu de casa com a amante. N: Sim. V: Isso era o que contava. Viu, 76! Olha como eu tenho a memória de elefante. 135 N: Tem mesmo! V: [Inaudível] Tô te falando. N: Legal. E a sua mãe faleceu quando foi? V: Mamãe faleceu em 2009. 31 de maio de 2009. N: Foi mais recente, né? Então tá. [...] O João, ele apoiava ela, assim, como musicista e tudo mais? Ou ele era bem mais na dele, assim? V: Deixa eu só te falar uma coisa, pra mim é muito estranho você chamar vovô Bidart de João porque ninguém chamava ele de João. N: Não? V: Todo mundo chama ele de Bidart. N: Bidart. V: Olha, vovô, eu acho que gostava muito porque outra lembrança que eu tenho. Engraçado que parece que eu vivi aqui, né? Agora eu falando com você, assim, não consigo lembrar nada da minha casa e só lembro daqui. A gente terminava de jantar, aí vovô deitava no sofá, vovó sentava na cadeira e eu ficava tocando piano pra eles. Quer dizer, vovô também gostava muito de música. E eu acho que ele apoiava vovó, né? Vovó escreveu a vida inteira. Ele podia falar pra ela, né? “Vai lavar uma roupa, fazer alguma coisa.”. Helena que cuidava da casa. Vovó, o máximo que ela fazia era dar receita. Então, eu acho que vovô sempre a apoiou mesmo. E também eu gostava muito do meu avô. Eu acho que eles se separaram porque vovó era quase autista, né? Assim, ela realmente, ela amava a música dela, ela embrenhava naquelas músicas ali então não sei, como é que foi. É, né? As coisas de casal a gente não sabe, né? N: Claro, claro. Mas então tá bom. Aqui das informações que eu procurava já fiz todas as perguntas. Você tem alguma história que você lembre mais, assim? V: Eu tenho a do artigo da vovó, que você perguntou de hábitos, né? E que eu vi aqui. Porque pra mim, eu achei muito bonitinho ela tão novinha andando a cavalo e contando essas coisinhas que eu vou te mandar, que a gente ia pra Angra, a vovó devia já ter setenta anos, setenta e tal, ela nadava da minha casa até uma praia que tem que, sei lá, deve ser uns quinhentos metros, sabe? Mar aberto, pum, pum, pum, ela nadava até lá. Eu me lembro que, mamãe não tava nem aí porque a mamãe também era atleta, assim, atleta nesse sentido, né? De pessoas que amam esporte. Então ela também tinha esse lado de esporte muito arraigado que eu acho que veio de Vitória, sabe? Ela amava mar, amava. Isso me impressionava. Vovó nadar isso tudo, sabe? Eu quando tiver em Angra vou te mostrar a distância pra você ver. N: O Toni chegou a comentar que ela nadava muito bem e chegou a ensinar ele a nadar também, ela chegou a ensinar você? V: Todos nós. Todos nós, todos nós. N: Você sabia que na época lá, quando ela tinha vinte anos, na primeira metade da década de 30, tinha um time de polo aquático que colocou o nome dela, lá em Vitória. V: É mesmo? N: Sim. V: Ih, vai ver que ela era campeã e a gente não tá nem sabendo. N: [Risos]. V: Ela tinha uma irmã que morreu afogada. N: Ah, sim, eu sei. V: Em Vitória. 136 N: Aham. Foi lá em Vitória, né? V: É. N: A dona Cecilia chegou a comentar isso. V: Eu nem sei se ela tava junto. Porque eram três meninas nadando e uma delas foi carregada pela correnteza. N: Nossa, complicado. Eles eram em oito, eu acho, né? Nove... eram em bastante irmãos. V: Acho que nove com o tio Pedrinho. E eu te contei também que eu achei um poema pra cada irmã, eu te mandei as fotos né? N: Sim, me mandou, aham. Muito legal. V: É. N: Muito legal mesmo. Mas então tá bom, eu te agradeço muito, muito mesmo pela disponibilidade. [...] V: Eu achei todos os álbuns dela criança. N: Não acredito! E eu acho que... sabe o que eu acho que a gente vai ter que fazer? Eu vou ter que ir aí depois que a pandemia acabar pra pegar tudo isso aí. Tirar foto de tudo isso aí [risos]. V: Eu acho também, cara, porque aí eu vou me divertir tanto com você. Mas, assim, juro por Deus, você não sabe a quantidade de álbum. Tudo, ó... [estralando os dedos] a viagem pra Europa, eles crianças. [...] 137 APÊNDICE D – ENTREVISTA COM ANA BIDART DE ANDRADA Legenda: A – Ana Bidart de Andrada: neta de Lycia N – Nicole Garcia: pesquisadora Entrevista por videochamada – 13/10/2020 [...] N: Também quero pedir autorização pra usar essas informações pra fins acadêmicos. Tudo bem? A: Sim, tudo bem. [...] N: Então, primeiro queria saber como era a sua relação com ela. Porque eu soube que você morava na Europa, então era algo mais de férias, assim, você pode falar um pouquinho sobre isso? A: Eu tinha uma relação muito boa com ela. É verdade que eu morei na Europa na infância, na Europa e depois no Paquistão. Minha família morou na Alemanha até os seis anos de idade e depois nós fomos pra Islamabade, no Paquistão, onde nós ficamos até os meus doze anos de idade. Aí os meus pais se separaram, eu voltei pro Rio com minha mãe e meu irmão mais novo, Antonio, e nós moramos na casa da Lycia, no Jardim Botânico. Então morávamos todos juntos. E eu sempre tive uma relação muito boa com ela, mesmo quando não morava no Rio, mas aí, depois de morar juntos, ficamos mais próximas ainda. E por exemplo, no almoço, almoçávamos todos juntos e todo mundo saía da mesa e eu ficava com ela. Ela ficava bebendo café, bebia vários cafezinhos, e eu ficava conversando com ela. Ela contava histórias do passado, por exemplo. Então nós duas tínhamos isso. N: Que legal! Eu não sabia que você chegou a morar com ela. Legal, legal mesmo. Isso foi mais ou menos com seis anos, né? E aí você ficou lá até que idade, mais ou menos? A: É, isso foi quando eu tinha doze anos. Quando eu tinha doze anos eu voltei pro Rio com minha mãe. E então morei nessa casa dos doze anos até os dezoito, quando eu fui pra Inglaterra, pra estudar em Londres. N: Ah, sim. A: Então praticamente a adolescência inteira eu morei com minha vó. Era uma casa bem grande. É onde... você falou com minha prima Veronica, não foi? N: Sim, sim. Eu conversei, na verdade, já com todos eles e só falta o seu irmão mais novo mesmo que eu ainda tô tentando contato. Mas, é onde ela mora hoje, né? Eu até pretendo ir lá. A: É onde ela mora hoje, exato. Depois a casa passou pra minha mãe e minha tia Lucia, e a tia Lucia comprou a parte da minha mãe e depois a minha prima Veronica herdou a casa. N: Legal, legal. E como era a relação dela com a família? Eu sei que com os netos era realmente muito próxima, né? Como é que funcionava, assim? A: Uma boa relação com todo mundo, eu não sei de ninguém que não se dava bem com minha avó. Especialmente com meu irmão mais velho, Marcos, ela também era muito próxima dele, porque ela gostava de todos, se dava bem com todos. Mas acho que com alguns sentia mais afinidade, né? Tinha muita afinidade com o Marcos, eles conversavam muito. Acho que ela 138 ajudou muito a ele quando ele era jovem. Ele também morou lá um tempo. E comigo, a gente também tinha afinidade, gostávamos muito de conversar sobre música, sobre arte, sobre o passado, sobre muitas coisas. E ela compôs uma música para mim, pelo menos uma música que se chamava Girassol. Infelizmente eu não tenho mais essa partitura, não sei se minha prima Veronica tem, se ela guardou. Mas eu lembro que era uma música no piano, bem leve e tinha uma parte mais alegre e uma parte mais triste, porque ela dizia que as vezes ela via uma tristeza em mim, uma melancolia. Então ela colocou isso nessa peça que chamava Girassol, que imitava o movimento do girassol. N: E era uma peça pra piano? A: Pra piano. N: Porque tem uma de coral chamado Girassol dela também. A: Ah, ela pode ter adaptado. N: Tá. Então eu vou dar uma olhada e se eu achar a partitura eu até mando ela pra você, tá bom? A: Tá, obrigada. N: E como ela a personalidade dela, assim? Como ela agia, o que ela gostava de fazer? A: Ela era muito ativa, bastante extrovertida, gostava muito de conversar com todo mundo. Gostava muito de jardinagem, passava horas no jardim, fazendo tudo ela mesma, plantando, cortando. Não sei o que que ela fazia, mas ela fazia muita coisa no jardim. E, claro, gostava de compor músicas, né? Tocar piano. Era muito religiosa, muito católica. N: Sim, sim, legal. E como era a relação dela com a música especificamente? A: Ah, eu não sei bem explicar. Eu sei que era uma parte muito importante da vida dela. Eu não lembro dela escutando música, dela colocar um disco, escutar, isso eu não lembro. Assim, eu lembro dela compondo e tocando. N: Entendi. Então você não tem memória dela ouvindo alguns compositores, nem nada disso, né? Era mais executando mesmo. A: Não. Não significa que ela não fazia. N: Sim. A: Mas eu não tenho essa memória. N: Sim. Sim, sim, legal. Essa é a parte legal da pesquisa é que enquanto um lembra uma coisa o outro lembra outra e a gente vai construindo a memória, né? Legal. A: É. Vai colocando, né, as peças. N: Isso, exatamente. A: Juntando as peças. N: Legal. E ela chegou a dar aula pra você? Você chegou a estudar música? A: Eu estudei piano, sim, quando eu era criança. Infelizmente eu nunca continuei. E eu lembro, sim, ela sentando comigo, me ajudando a fazer escalas. Mas nunca foi nada oficial, formal, foi sempre informal. N: Certo. E ela conversava sobre música com você? A: Não especialmente. Não é um assunto que eu lembro. N: Certo. A: Eu lembro que uma vez ela... um assunto um pouco diferente. Quando eu morava na Alemanha, a gente passava férias na Itália, numa vila no mar chamada Marina de Pietra Santa. 139 E uma vez ela foi também. E como ela falava italiano, né? Foi muito bom pra ela, ela conversava com as pessoas. N: Legal. A: Ela gostou. Eu lembro que ela ficou muito feliz com essas férias. N: Ela ia constantemente pra lá ou foi algo pontual? [...] A: Pontual. Acho que foi só uma vez que ela foi conosco pra Marina de Pietra Santa. Eu lembro que ela gostava de comer uvas descascadas. N: [Risos]. A: A única pessoa que eu conheço que fazia isso: descascava a uva e ela me ensinou a fazer isso. N: Legal, legal [risos]. A: Daí eu não faço mais, mas quando eu era criança fazia. N: [Risos] Legal. E você lembra dela compor nessa viagem ou não? A: Nessa viagem não, não lembro, não. N: Tá certo. E você se lembra do processo de composição dela? Como ela fazia, aonde ela ficava? A: Infelizmente minha memória é bem vaga. Eu lembro que ela tocava muito no piano. Porque a gente tinha um piano grande, né? Um piano de cauda no andar de baixo e um piano, não lembro como chama, menorzinho... N: De armário, né? Que fica na parede. A: É. E é nesse que ficava na parede que ela usava mais pra compor, pra tocar. Ela não usava muito o piano de cauda, não. N: E você lembra dela falando sobre inspirações ou algo assim? Eu sei que ela gostava muito da natureza, né? Que todo mundo falou sobre isso, sobre ela se inspirar bastante na natureza. E também tem várias obras com o nome de vocês, dos netos, de filhas, e tudo mais. A: Acho que o mar também. Acho que ela também fez algumas obras inspiradas pelo mar. Mar, plantas, flor... Então tudo da natureza e pessoas. Então acho que ela combinava pessoas com a natureza. Assim como a minha peça foi Girassol, né? A minha personalidade pra ela lembrou o movimento do girassol. N: Era algo sempre muito associado, né? Pelo que eu percebo, sempre muito inspirado em algo, né? Não era do nada, assim, as composições. A: É, não era, não era do nada, não. N: Legal, legal. E você tem memória dela falar pra você sobre como ela começou na música? A: Não, não tenho essa memória. N: Tá, sem problemas. E você é um pouquinho mais nova que os seus primos, né? Você lembra como era a relação dela como o João Bidart? A: O marido dela, meu avô, eu lembro dele pouquíssimo porque eu acho que eu era bem nova, sei lá, dois três anos quando ele faleceu. Então lembro dele pouquíssimo. N: Certo, sem problemas. E você se lembra do processo de surdez dela? Como foi isso? [...] A: Ah, sim. Acho que foi quando eu tava morando com ela, quer dizer, então, depois dos meus doze anos. Então, quando nós fomos morar lá, acho que ela ainda ouvia razoavelmente bem. Mas depois de alguns anos ela começou a ficar bem surda. Nem lembro se ela usava 140 aparelho ou não, acho que no final deve ter usado. Mas, a gente, no final, tinha que gritar pra ela ouvir. N: Você se mudou pra lá em que ano mais ou menos? A: Se eu lembro quando? N: Em que ano? A: Eu diria, talvez, 88, 87, 88. N: Certo. E ela teve uma meningite também. Isso influenciou ou não? Foram episódios separados? A: Eu não lembro da meningite dela. N: Tá, sem problemas. E você lembra de alguma história, assim, que você queira compartilhar sobre ela compondo? Muito legal essa do Girassol, né? Muito bacana isso. Você lembra de outros episódios, assim? A: Em relação à música? N: Isso. Ou em relação à vida normal, porque é um trabalho biográfico mesmo. Então tanto em relação à música, quanto hobbies, o que ela gostava de fazer, também é bem válido. A: Ah, eu lembro mais de detalhes da personalidade dela, do comportamento dela. Eu sei que ela gostava de beber cafézinho muito, muito quente. Então vinha o café pelando pra mesa, e ela meio que jogava pra dentro da garganta, né? Ela não fazia, assim, levemente, ela jogava pra dentro [risos]. Aí pedia outro. N: Entendi. E tinha uma senhora que ajudava ela ali, né? Na casa. Quando você morou com ela que era a Helena, né? A: Helena, sim. Elas eram muito próximas, acho que ela trabalhou lá muito tempo. Era cozinheira e também ajudava minha vó com tudo. Com as roupas, com compras... N: Ela morava na casa? A: E tinha também o Francisco. Alguém falou pra você do Francisco? N: Que é o jardineiro? A: Não, um empregado também. Eu lembro que ele dormia lá, ele tinha um quarto. Aquela época era muito diferente, né? As pessoas tinham vários empregados, os empregados dormiam, era uma coisa quase que feudal, né? Que não existe mais ou pouquíssimas pessoas tem isso hoje em dia. Me lembra até um pouquinho Downton Abbey. Você sabe a série Downton Abbey? N: Ah, sim, sim. A: Assim, uma casa enorme. Não era assim, claro, mas me lembra um pouquinho. E ele usava sempre uniforme, uma casaca branca, e ele também ajudava na casa, ajudava a servir quando tinha festas, por exemplo. Ela também gostava muito dele. Ela tratava muito bem os empregados, tratava muito bem a todo mundo. N: Legal. E você lembra de músicos que frequentavam a casa? A: De músicos frequentando a casa, não. Não lembro. Eu sei que ela tinha uma amizade com Carlos Drummond de Andrade, que ela se correspondia com ele. Você sabia disso? N: Sim, eu consegui resgatar as cartas. A: Ah, sim. E certamente ela devia conhecer músicos, mas infelizmente eu não prestava muita atenção nisso na época. N: Legal. 141 A: Ela era bem italiana de temperamento. Ela ficava bastante empolgada e quando nós assistíamos a copa do mundo, por exemplo, acho que foi 82, que o Brasil tinha uma seleção incrível, né? Éder e Zico, e nós assistíamos todos juntos e teve uma época que ela se empolgou tanto que ela ficou em pé e ela tinha uma bengala, tava sempre com a bengala, aí ela colocou a bengala no ar e começou a pular [risos]. N: [Risos] Legal. Ela gostava de futebol também ou era mais uma coisa, assim, de copa mesmo? A: É, mais na hora da copa do mundo. Nacionalismo. Não era interesse dela, não. Eu posso te dizer que ela tinha relação um pouco difícil com minha mãe. Com as duas filhas, eu acho que tinha um pouco de atrito. Não dá pra saber as razões exatamente, né? Coisa de mãe e filha, mas acho que minha mãe sentia que ela tinha casado muito cedo por pressão, que ela não casou com quem não queria na verdade, então essas histórias. N: Entendi, entendi. A: Então acho que a relação dela com os netos era bem melhor do que a relação com as filhas. N: Sim. E pelo que eu vejo, ela criou tanto o Marcos quanto o Toni, né? E vocês tem entre vocês são dois Antonios né? A: É verdade, é engraçado, né? O meu irmão mais velho chama Antonio e meu irmão mais novo é Antonio Carlos, que era o nome do meu pai. N: Ah, entendi. Então foi mais uma coincidência ali, né? A: É, a mesma mãe, mas pais diferentes. N: Sim, sim. A: E a gente sempre diferencia. O mais velho é Toni e o mais novo é Toninho. N: Ah, entendi. Legal. [...] Como é que era a rotina dela em casa, assim? Ela gostava bastante do jardim, né? O que ela fazia em casa? A: Ela, acho que além de ficar no jardim, ela ficava um pouco no piano. Ela gostava de arrumar as coisas, arrumar a cozinha, ou mais gerenciar, né? Dizia “pros” empregados como eles deveriam arrumar e ficava muito tempo conversando com a gente, conversava com os empregados também. Não, não via muita televisão, não, não era muito de televisão. N: Legal. E como era a questão dela com vocês meninas, ela ficava mais em casa, nunca trabalhou fora, produziu muito em casa, mas nunca chegou a trabalhar fora, né? Ela chegou, quando era mais nova, a reger algumas coisas no Theatro Municipal, alguns maestros regeram obras dela também, mas ela sempre foi mais do lar, né? A: É. N: Ela chegou a passar isso pra vocês ou era algo mais dela, assim? Ela era mais conservadora, como que funcionava isso? A: Eu acho que foi mais uma coisa da época. Não é que ela era conservadora, é que era esperado da mulher ser do lar. Acho que se ela fosse jovem hoje em dia, ela estaria regendo e tocando no palco. Acho que ela estaria bem presente na vida pública. N: Você acha que a época acabou, puxando um pouco ela pra trás, assim, nesse sentido profissional? A: Acho que sim, é. Acho que foi mais por convenção que ela acabou não... É porque a gente vê, mesmo com o pouco que ela fez, né? Acho que você já é a terceira pessoa que se aproxima querendo pesquisar a vida dela, então ela causou um impacto, apesar de não ter feito muito fora de casa. Acho que hoje em dia ela teria feito um grande impacto. 142 N: Entendi, entendi. A: Mas eu nunca senti nenhuma amargura nela, nem frustração. Acho que ela aceitava muito bem o papel dela, o papel na sociedade. Ela não era rebelde nesse sentido. N: Entendi. E pra vocês ela não chegou a passar isso, ela incentivava vocês a trabalhar fora e tudo mais? A: Incentivava, sim. O que a gente quisesse fazer, ela nunca disse “Não faça isso!”, “Não faça aquilo!”, não, tinha a cabeça aberta, era moderna, de certa forma, mas muito religiosa. N: Entendi, e ela passou essa questão de religiosidade pra vocês? Daí, até, assim, é que você pegou mais um pouquinho o final da vida dela, né? Que foi ali, nos anos 70, 80, né? Foi mais nos anos 80, né? A: Nos anos, é, nos anos 80 foi quando eu passei mais tempo com ela. Ela não falava muito de religião, falava um pouquinho, às vezes, quando tinha alguma discussão. Por exemplo, se a mulher devia ser padre. Ela achava que não. Engraçado, né? Mas ela achava que só os homens deveriam ser padres. Então era bastante conservadora nesse aspecto. Mas não tentava forçar ninguém a pensar do jeito dela. E minha mãe fez formação religiosa católica, acho que durante uma época ela se rebelou um pouco contra isso, e agora ela voltou, agora minha mãe é bastante religiosa. E eu tive formação católica até a primeira comunhão, depois não mais e acho que eu também passei uma época achando que não acreditava e agora voltei a acreditar mais [risos]. N: Entendi. Fases, né? A: Processo de conhecer, as pessoas passam. É. N: Sim, entendi. E o que você acha, assim, que ela deixou pra você hoje, assim? O que que você leva dela? A: Eu lembro de uma presença muito doce, uma alma boa, uma alma pura. Todos gostavam de estar ao lado dela, ela fazia todo mundo se sentir bem. Eu lembro que era uma pessoa cercada de amor. Eu lembro do rostinho dela sorrindo, da doçura dela, então só coisas positivas. N: Legal, ótimo. Então, aqui no meu roteirinho acabou, você respondeu tudo o que eu tinha previsto. Se você tiver alguma outra coisa pra contar, fique à vontade. Queria saber também se você tem fotos com ela. A: Aqui não tenho. Eu tenho no Rio. Minha mãe deve ter. [...] N: Muito obrigada mesmo, viu? A: De nada, Nicole. Boa sorte com a pesquisa! N: Obrigada! [...] APÊNDICE E – LISTAGEM DE OBRAS Ano Título 143 Instrumentação Localização Manuscrito/xerox Número de páginas Voz e instrumento(s) Duração1 1927 Ave Maria Soprano e piano/órgão 1’ Biblioteca da ECA Ms (2p.) 1928 Vorrei dirti Soprano e piano 1’ Biblioteca da ECA Ms (2p.) 1931/1953 Lamento Mezzosoprano e piano 0’30” Biblioteca da ECA Cópia xerox (2p.) 1932 A amizade Soprano e piano 0’30” Biblioteca da ECA Ms (2p.) 1932 As estrelas Soprano e piano 0’30” Não localizada 1932 Cedo e tarde Soprano e piano 2’ Biblioteca da ECA Ms (5p.) 1932 Chanaan Coro e piano 1947 1 Desejo Soprano e piano Biblioteca da ECA Cópia xerox (5p. e parte) 2’ A duração foi marcada nas próprias partituras pela compositora. Não foi possível acessar todas. Estreia Observação 1927, Rio de Janeiro, Igreja N. S. Lapa Soprano: Maria Miranda Órgão: Giovanni Gianetti 1932, Vitória, Teatro Glória Texto: Giovanni Giannetti Soprano: Eleonora Irvim Piano: Lycia de Biase Bidart 27/11/1953, Rio de Janeiro, Texto: Augusto Frederico Palácio da Cultura Schmidt Mezzosoprano: Guiomar Versões para coro (1971, 1973, Brancato 1977) Piano: Lycia de Biase Bidart 27/11/1953, Rio de Janeiro, Palácio da Cultura Texto: Walfrido Faria Soprano: Carmen Clare Piano: Lycia de Biase Bidart 27/11/1953, Rio de Janeiro, Texto: Adelmar Tavares Palácio da Cultura Versão para oboé e piano Soprano: Carmen Clare (1971) Piano: Lycia de Biase Bidart 1932, Rio de Janeiro, Estúdio Nicolas Texto: Walfrido Faria Soprano: Tina Vita Versão para coro (1985) Piano: Giovanni Gianetti Original para orquestra e coro (1932) 27/11/1953, Rio de Janeiro, Palácio da Cultura Texto: Gonçalves Dias Biblioteca da ECA Soprano: Gianninna Versão Poema ignoto (1972) Cópia xerox (5p.) Giannetti para piano Piano: Lycia de Biase Bidart 144 1947 / 1949 És engraçada e formosa Voz e piano 1947 Seus olhos Voz e piano 2’ 5’ Tríptico: às minhas filhas 1947 1. Cecília 2. Lúcia 3. Duas flores Tenor e piano Soprano e piano Soprano e piano 1’ 2’ 2’ 1949 Ária Tenor e piano 2’ 1951 Duas trovas 1. Sozinho 2. Domingo 2 vozes mistas e piano 1’30” 1953 Cantiga de ninar Soprano e piano ou soprano, contralto e piano 2’ 1953 Cantiga praiana Contralto e piano 1’30” 1953 Canto do maior amor Soprano e piano 0’30” 1953 El burro flautista Baixo e piano 2’30” Biblioteca da ECA Cópia xerox (3p.) Biblioteca da ECA Ms (6p.) Texto: Gonçalves Dias Textos: 1 e 2. Trechos 27/11/1953, Rio de Janeiro, extraídos de poemas Palácio da Cultura Gonçalves Dias / 3. Castro Piano: Lycia de Biase Bidart Alves Não localizada Tenor: Dante de Paola 2. Lucia: Versão Allegretto Não localizada Sopranos: 2. Carmen Clare gioioso para flauta e harpa Biblioteca da ECA 3. Gianninna Giannetti (1966) Cópia xerox (6p.) 27/11/1953, Rio de Janeiro, Palácio da Cultura Não localizada Texto: Xavier Marques Tenor: Dante de Paola Piano: Lycia de Biase Bidart 27/05/1951, Rio de Janeiro, Associação Brasileira de Biblioteca da ECA Texto: 1. Affonso Lopes de Imprensa (A.B.I.) Cópia xerox (4p.) Almeida / 2. Luiz Octávio Coral Atalina Ferroni 27/11/1953, Rio de Janeiro, Palácio da Cultura Biblioteca da ECA Texto: Lycia de Biase Bidart Soprano: Amabélia Ms (3p.) Carvalheiras Piano: Lycia de Biase Bidart Texto: Vicente de Carvalho 27/11/1953, Rio de Janeiro, Versão para flauta, oboé, Palácio da Cultura clarineta, trompa, fagote e Não localizada Contralto: Elder Noronha piano (1971) e para coro Piano: Lycia de Biase Bidart (1956) 1954, Rio de Janeiro, Rádio Roquete Pinto Não localizada Soprano: Gianninna Texto: Sylvio Moreaux Giannetti Piano: Lycia de Biase Bidart 27/11/1953, Rio de Janeiro, Palácio da Cultura Texto: B. Iriarte Não localizada Baixo: Alvarany Solano Versão para coro (1956) Piano: Lycia de Biase Bidart 145 1953 Flor da madrugada Soprano e piano 0’30” 1953 O beijo Mezzosoprano e piano 2’ 1956 Sombras Soprano, piano e violino 6’ 1961 Canto da vida a chegar Voz e piano 27/11/1953, Rio de Janeiro, Palácio da Cultura Não localizada Soprano: Neyde Gomes Piano: Lycia de Biase Bidart 27/11/1953, Rio de Janeiro, Palácio da Cultura Biblioteca da ECA Mezzosoprano: Guiomar Cópia xerox (4p.) Brancato Piano: Lycia de Biase Bidart Biblioteca da ECA Ms (7p.) Biblioteca da ECA Cópia xerox (2p.) 1966 Canto jovem Tenor e piano 2’ Biblioteca da ECA Ms (4p.) 1966 Confidência Tenor/baixo e piano 0’30” Não localizada 1966 De minissaia Soprano, tenor e piano 1’30” Não localizada 1966 Salamandra Soprano e piano 2’ Biblioteca da ECA Cópia xerox (4p.) 1966 Uma rosa para Verônica Tenor/baixo e piano 2’ Não localizada 1967 O caranguejo Tenor/baixo e piano 1’ Biblioteca da ECA Ms (3p.) 1967 Uma rosa (para Verônica) Voz aguda e piano 1968 Você Tenor/soprano e piano 3’ 1968 Último carinho Tenor/baixo e piano 2’ Biblioteca da ECA Ms (6p.) Biblioteca da ECA Ms (2p.) Biblioteca da ECA Ms (3p. e partes) Texto: Sylvio Moreaux Versão para oboé e piano (1971) Texto: Débora Leão Versão para piano, flauta e violino (1976) Texto: Lycia de Biase Bidart Versão para orquestra, coro e voz solista (1967) e para coro (1985) Texto: Lycia de Biase Bidart 1966, Rio de Janeiro, TV Globo Soprano: Marília Ferraz Macedo Tenor: Paulo França Texto: Lycia de Biase Bidart Texto: Lycia de Biase Bidart Texto: Lycia de Biase Bidart Versão para harpa (1974), para voz média e piano (1967) e para voz aguda e piano (1967) Texto: Domingos Carvalho da Silva Versão para coro (25/09/1985) Original para tenor/baixo e piano (1966) e versão para voz média e piano (1967) e para harpa (1974) Texto: Antonio Fernando Bravo Texto: Antonio Fernando Bravo 146 Se eu fosse rico Tenor/baixo e piano 1’30” Não localizada 1971 Ana Soprano e piano 1’30” 1971 Caronte, bancarola Soprano/tenor e piano 4’30” Não localizada Biblioteca da ECA Cópia xerox (6p.) 1971 O coração Soprano e piano 1’ Biblioteca da ECA Ms (3p.) Texto: anônimo Versão para soprano, piano e violino (1972) 1972 Noite Soprano/tenor e piano 2’ Biblioteca da ECA Ms (3p.) Texto: Cecília Meireles 1972 O coração Soprano, piano e violino (optativo) 1972 Palavras aéreas (fragmentos) Soprano/tenor e piano 2’ 1972 Pedido Soprano/tenor e piano 2’ 1972 1972 Romanceiro da inconfidência: Algumas das palavras aéreas Série Canções de Exílio: Nº2 Uma canção Biblioteca da ECA Cópia xerox (3p.) Voz e piano Voz, violino e piano Não localizada Biblioteca da ECA Ms (3p.) Biblioteca da ECA Ms (3p.) Biblioteca da ECA Ms (3p.) Biblioteca da ECA Ms (6p.) Biblioteca da ECA Cópia xerox (3p.) Biblioteca da ECA Cópia xerox (6p.) 1973 3º Motivo da rosa Soprano/tenor e piano 3’ 1973 A bailarina Voz média e piano 2’ 1973 A bailarina 2 vozes e piano 1973 As meninas Voz média e piano 2’ Biblioteca da ECA Cópia xerox (3p.) 1973 Cantiga de embalar o papai Cantos ameríndios brasileiros2 Ressonâncias Madrugada Convite tribal 1 Convite tribal 2, pássaros Vozes na mata Voz média e piano 1’30” Voz e piano 2’ 30” 2’ Não localizada Biblioteca da ECA Cópia xerox (4p.) Não localizada Cópia xerox (4p.) Ms (3p.) Ms (3p.) 1973 2 Texto: Lycia de Biase Bidart Versão Canção para violoncelo e piano (1969) Texto: Lycia de Biase Bidart 1969 Numeração e títulos variam entre os catálogos. Texto: Cecília Meireles Texto: anônimo Versão para soprano e piano (1971) Texto: Cecília Meireles Texto: Cecília Meireles Texto: Cecília Meireles Texto: Mário Quintana Versão para voz e piano (1974) Texto: Cecília Meireles Texto: Cecília Meireles Ver Nota 1 ao final da listagem Texto: Cecília Meireles Ver Nota 1 ao final da listagem Texto: Cecília Meireles Versão para piano (1973) e para harpa (1974) Texto: Maria Mazzetti Texto: dons onomatopaicos Original para orquestra e coro (1973) 147 3 1973 Jogo de bola 2 vozes e piano 2’ 1973 O cavalinho branco Voz e piano 2’ 1973 O cavalinho branco 2 vozes e piano Biblioteca da ECA Cópia xerox (2p.) Biblioteca da ECA Cópia xerox (2p.) Biblioteca da ECA Cópia xerox (5p.) 1973 O mosquito escreve 2 vozes e piano 2’ Biblioteca da ECA Cópia xerox (2p.) 1973 O mosquito escreve Voz e piano 1973 Ou isto ou aquilo3 2 vozes e piano 1’30” Biblioteca da ECA Cópia xerox (4p.) 1973 Rio na sombra Voz média e piano 1’30” Biblioteca da ECA Ms (2p.) 1973 Rio na sombra 2 vozes e piano 1973 Rômulo Rema Voz e piano 1973 Rômulo Rema 2 vozes e piano 1973 Último andar Voz(es) média(s) e piano 3’30” 1973 Vitrine Soprano/mezzosoprano e piano 1’30” Não localizada Biblioteca da ECA Ms (2p.) 1974 Paredão Mezzosoprano e piano 2’ Não localizada 1974 Parêmia de Cavalo Mezzosoprano e piano 2’ Biblioteca da ECA Ms (4p.) Biblioteca da ECA Ms (4p.) Biblioteca da ECA Ms (2p.) 1’30” Biblioteca da ECA Cópia xerox (2p.) Biblioteca da ECA Ms (2p.) Há uma série na Biblioteca da ECA com esse título e instrumentação. Tal agrupamento deverá ser conferido em pesquisas posteriores. Texto: Cecília Meireles Texto: Cecília Meireles Ver Nota 1 ao final da listagem Texto: Cecília Meireles Ver Nota 1 ao final da listagem Texto: Cecília Meireles Versão para voz e piano (1973), para piano (1973) e para harpa (1974) Texto: Cecília Meireles Versão para duas vozes e piano (1973), para piano (1973) e para harpa (1974) Texto: Cecília Meireles Ver Nota 1 ao final da listagem Texto: Cecília Meireles Versão para duas vozes e piano (1973) Texto: Cecília Meireles Versão para voz e piano (1973) Texto: Cecília Meireles Versão para duas vozes e piano (1973) e para piano (1973) Texto: Cecília Meireles Versão para voz e piano (1973) e para piano (1973) Texto: Cecília Meireles Texto: Antonio Fernando Bravo Texto: Carlos Drummond de Andrade Versão para coro (1974) Texto: Carlos Drummond de Andrade Versão para coro (1974) 148 1974 Série Canções do Exílio 1. Canção do Exílio 2. Uma canção 3. Nova Canção do Exílio Soprano/mezzo e piano Soprano e piano Soprano e piano 5’ 2’30” 1’ 1’30” Biblioteca da ECA Ms e cópia xerox (6p., 3p., 4p. e partes) 1974 Solitude Soprano e piano 2’ Biblioteca da ECA Ms (3p.) 1975 A saga da terra gaúcha Coro SMTB e piano 1975 Braúna Soprano/mezzosoprano e piano 1967 Uma rosa (para Verônica) Voz média e piano 1976 A rosa Voz média feminina e piano 1’30” 1976 A flor amarela 2 vozes e piano 30” 1976 1976 Carta Deus cuidou do Rio Voz média feminina e piano Soprano/mezzosoprano e piano 1’ 1’30” 1976 Evocação Voz e piano 1976 Mensagem de Natal Voz média e piano 0’30” Não localizada 1976 Misterioso coração Soprano/mezzosoprano e piano 1’30” 1976 O colar de Carolina 2 vozes e piano 1’ 1976 Onde, gente? Soprano/mezzosoprano e piano 1’ Biblioteca da ECA Ms (2p.) Biblioteca da ECA Cópia xerox (2p.) Biblioteca da ECA Ms (3p.) Biblioteca da ECA Ms 2’ Biblioteca da ECA Ms (4p.) Biblioteca da ECA Ms (6p.) Não localizada Biblioteca da ECA Cópia xerox (2p.) Não localizada Não localizada Biblioteca da ECA Cópia xerox (4p.) Texto: 1. Gonçalves Dias / 2. Mário Quintana / 3. Carlos Drummond de Andrade 06/11/1974, Rio de Janeiro, 2. Uma canção: versão Série Casa de Ruy Barbosa Canções de Exílio: Nº2 Uma Soprano: Maria Fátima canção para voz, piano e Alegria violino (1972) Piano: Miriam Ramos Versão Sonata Fantasia nº 3: Modinha para piano (1976) Texto: Lycia de Biase Bidart Versão para piano e trompete (1977) e Solidão para oboé e piano (1975) e para coro (1987) Original para orquestra e coro (1975) Texto: Carlos Drummond de Andrade Versão para coro (1975) Original para tenor/baixo e piano (1966), para voz aguda e piano (1967) e para harpa (1974) Texto: Lycia de Biase Bidart Texto: Cecília Meireles Texto: Lycia de Biase Bidart Texto: Ecila de Faria Teixeira Texto: Lycia de Biase Bidart Versão para coro (1976) Texto: Ecila de Faria Teixeira Texto: Cecília Meireles Texto: Ecila de Faria Teixeira 149 1976 Quero possuir o Azul, quero o Azul Soprano ou tenor e piano 10’ Biblioteca da ECA Cópia Xerox (6p.) 1976 Uma canção de amor Voz média feminina e piano 1’ Não localizada 1977 Cantiga de roda Voz média e piano 1’ Não localizada 1977 Canto da noite Contralto, barítono e piano 20’ Biblioteca da ECA Cópia xerox (27p.) 1977 Morrerei quando me faltar música Voz e piano 3’ Biblioteca da ECA Cópia xerox (4p.) 1977 O grande momento Piano e dueto de soprano e contralto 2’30” Biblioteca da ECA Cópia xerox (4p.) 1977 Poema Voz masculina (falada), piano e flauta 10’ Biblioteca da ECA Cópia xerox (12p.) 1977 Por que chorar? Contralto/barítono e piano 5’ Biblioteca da ECA Cópia xerox (9p.) 1977 Quando? 2 trompas, dueto de soprano e contralto ou tenor e barítono 2’ Biblioteca da ECA Cópia xerox (4p.) 1977 Quatro Voz e piano 3’ Biblioteca da ECA Cópia xerox (5p.) 1978 Amanhecer Voz e piano Biblioteca da ECA Ms (2p.) Texto: Augusto Frederico Schmidt Versão para voz e orquestra (1976) Texto: Lycia de Biase Bidart Melodia de Cantiga de embalar o papai para voz média e piano (1973) Texto: Mário Quintana Versão para coro (1977) e coro infantil (1982) Texto: Augusto Frederico Schmidt Original para voz e orquestra (1977) Texto: Augusto Frederico Schmidt Versão para voz e quarteto de cordas (1977) Texto: Augusto Frederico Schmidt Versão para dueto de soprano e contralto, e orquestra (1977) Texto: Augusto Frederico Schmidt Versão para voz, flauta, harpa e cordas (1976) Texto: Augusto Frederico Schmidt Versão para contralto/barítono e quinteto de sopro (1977) Texto: Augusto Frederico Schmidt Texto: Augusto Frederico Schmidt Versão para voz e quarteto de cordas (1977) Texto: Carlos Drummond de Andrade Versão para coro (1978) 150 1978 O pinheiro de meu jardim Voz e piano Biblioteca da ECA Ms (4p.) 1979 Cantiga para duas irmãs: Dorme, Cecilia, Dorme, dorme Lucia Voz e piano Biblioteca da ECA Ms (2p.) 1979 Máquina do tempo Voz e piano 1980 Inscrição para uma lareira Voz e piano 1980 Uma notícia Voz e piano 1983 Bilhete Voz e piano 1983 Serra de Maracaju Voz e piano 4’ Biblioteca da ECA Ms (1p.) Biblioteca da ECA Cópia xerox (3p.) 1985 Neste fim de ano Voz e piano 2’ Biblioteca da ECA Ms (3p.) 02/09/1985 Preâmbulo e Liberdade! Piano e voz falada Biblioteca da ECA Ms (22p.) 1986 Cantata de Natal Coro SMTB e piano Biblioteca da ECA Ms (20p.) 1986 Invocação Voz e piano 1986 Prepare seu sorriso... Voz aguda e piano 1986 Prepare seu sorriso... Voz média e piano 1’ Biblioteca da ECA Ms (3p.) 1986 Ta voix Voz e piano 2’ 1986 Uma ode ao meu pai Voz e piano 1986 Vi a poesia passar Voz e piano Biblioteca da ECA Ms (4p.) Biblioteca da ECA Ms (7p.) Biblioteca da ECA Cópia xerox (10p. e parte) 1’ Biblioteca da ECA Ms (2p.) Biblioteca da ECA Ms (3p.) Biblioteca da ECA Ms (2p.) 2’ Biblioteca da ECA Ms (3p.) Biblioteca da ECA Ms (3p.) 5’30” Versão para coro feminino (1979) Versão Dorme Cecilia para coro (1986) e Dorme, dorme Lucia para coro (1986) Texto: Carlos Drummond de Andrade Versão para coro (1980) Versão para coro (05/03/1986) Texto: Carlos Drummond de Andrade Versão para coro (1985) Original para orquestra e voz falada (1985) Original para orquestra e coro (1986) Medidas do documento: 38cm x 28cm Versão para coro infantil (1986) Texto: Yolanda Barbosa Dias Versão para voz média e piano (1986) Texto: Yolanda Barbosa Dias Versão para voz aguda e piano (1986) Versão para coro (1986) Texto: Antonio Carlos Bidart de Andrada 151 1986 Vícios: Café, Cigarro e Paixão Voz e piano 1987 Bilhete 3: Querida Lycia Voz aguda e piano 2’30” 1987 Bilhete 3: Querida Lycia Voz média e piano 2’30” 1987 Descoberta Voz e piano 1988 Para nós, os poetas do mundo Voz e piano 1989 Bilhete... num ramo de rosas Voz e piano 1989 Para-choque de caminhão Coro SMTBr 1989 Porque te vejo! Voz e piano 1989 Visão poética Voz e piano Sem data A noiva do mar Voz e piano Biblioteca da ECA Ms (7p.) Biblioteca da ECA Ms (3p.) Biblioteca da ECA Ms (3p.) Biblioteca da ECA Cópia xerox (2p.) Biblioteca da ECA Ms (5p.) Versão para voz média e piano (1987) Versão para voz aguda e piano (1987) Versão para coro (1988) Texto: Antonio Bidart de Andrada Versão para coro (1989) Biblioteca da ECA Ms (3p.) 1’30” Biblioteca da ECA Ms (6p.) Biblioteca da ECA Ms (4p.) Biblioteca da ECA Ms (2p.) Biblioteca da ECA Cópia xerox Versão para coro (1989) Versão para coro (1989) Original ópera (1939) Coro a capella 1938 Panis Angelicus Coro SABar 1’ Não localizada 1956 Cantiga praiana nº3 6 vozes mistas 2’ Não localizada 1956 El burro flautista Coro SMTB 2’30 Biblioteca da ECA Cópia xerox (6p.) 1971 Lamento Coro SMTB 1’ Biblioteca da ECA Ms (3p.) 27/11/1933, Rio de Janeiro, Igreja Sagrado Coração de Jesus Regente: José Vieira Brandão Texto: Vicente de Carvalho Versão Cantiga Praiana para voz e piano (1953) e versão para flauta, oboé, clarineta, trompa, fagote e piano (1971) Texto: B. Iriarte Original para voz e piano (1953) Texto: Augusto Frederico Schmidt Original para voz e piano (1931) e versões para coro (1973, 1977) 152 1973 Convite tribal: canto ameríndio brasileiro Biblioteca da ECA Cópia xerox (3p.) Coro SMTB Biblioteca da ECA Cópia xerox (3p.) 1973 Lamento Coro SSATB 1974 Canto de louvação Coro SMTB 3’ Biblioteca da ECA Cópia xerox (10p.) 1974 Paredão Coro SMTB 2’ Biblioteca da ECA Ms (5p.) 1974 Parêmia de cavalo Coro SMTB 2’ Biblioteca da ECA Ms (5p.) 1975 3 Cantos Tupis Coro SMTB 3’ Não localizada 1975 Braúna Coro SMTB 2’ Biblioteca da ECA Ms (6p.) 1975 Canto de roda tupi: Tumburutaca Coro SATB 1975 Ecos indígenas Flor verde, trova tupi, primeira versão 3 vozes femininas 2’ Biblioteca da ECA Ms (4p.) Não localizada Biblioteca da ECA Ms (3p.) 1976 Mensagem de Natal SATB ou SMTB 0’30” Não localizada 1976 Serenga: canto dos remadores do Rio Tietê Coro SMTB 2’ Não localizada 1976 Serenga, Fantasia sobre Canto de Remadores Do Rio Tietê, Primeira Versão Coro masculino a três vozes 1975 Coro SATB Biblioteca da ECA Ms (4p.) Texto: Augusto Frederico Schmidt Original para voz e piano (1931) e versões para coro (1971, 1977) Texto: Lycia de Biase Bidart, da ópera A noiva do mar Texto: Carlos Drummond de Andrade Original para voz e piano (1974) Texto: Carlos Drummond de Andrade Original para voz e piano (1974) Coletânea: Poemas e Canções Índios Tupis, de Wilson Pinto Texto: Carlos Drummond de Andrade Original para voz e piano (1975) Texto: Lycia de Biase Bidart Original para voz e piano (1976) Texto: onomatopaico Fonte: Luiz da Câmara Cascudo Versão para quarteto de sopros (1976) 153 1977 As flores do jambeiro estão caindo SMTB 4’ Biblioteca da ECA Cópia xerox (6p.) 1977 Cantiga de roda STBrB 1’ Biblioteca da ECA Ms (2p.) 1977 Ladainha do mar SATBarB ou coro misto 16’ Biblioteca da ECA Cópia xerox (19p.) 1977 Lamento Coro SATB Biblioteca da ECA Cópia xerox (3p.) 1978 Amanhecer Coro SATB Biblioteca da ECA Cópia xerox (2p.) 1978 / 1985 Carta Coro SMTB 1978 Mensagem de Natal Coro misto 1979 No morro azul 4 vozes femininas 1979 O cachorrinho Coro SATB 1979 O voto de amor Coro misto 1979 O pinheiro de meu jardim 4 vozes femininas 1980 Cantando o Natal Coro SMBB 1980 Uma notícia Coro SMTBrB 1982 Cantai Coro SATB 1982 Ou isto ou aquilo 2 vozes 15/05/1983 Poema à primavera, a pedido do meu neto Antoninho Coro SMTB 2’30” Biblioteca da ECA Ms (7p.) Biblioteca da ECA Ms (2p.) Biblioteca da ECA Cópia xerox (3p.) 2’ Biblioteca da ECA Ms (3p.) Biblioteca da ECA Ms (1p.) Biblioteca da ECA Ms (5p.) Biblioteca da ECA Ms (4p.) Biblioteca da ECA Ms (3p.) Biblioteca da ECA Ms (11p.) Biblioteca da ECA Ms (17p.) Biblioteca da ECA Ms (6p.) Texto: Augusto Frederico Schmidt Texto: Mário Quintana Original para voz e piano (1977) e coro infantil (1982) Texto: Augusto Frederico Schmidt Texto: Augusto Frederico Schmidt Original para voz e piano (1931) e versões para coro (1971, 1973) Texto: Carlos Drummond de Andrade Versão para voz e piano (1978) Medidas do documento: 10cm x 16cm Versão Britando pedra no morro azul para coro feminino ou infantil intitulado (1979) e para piano (1978) Medidas do documento: 15cm x 22cm Versão para voz e piano (1978) Medidas do documento: 10cm x 21cm Texto: Carlos Drummond de Andrade Versão para voz e piano (1980) Texto: Cecília Meireles Ver Nota 1 ao final da listagem 154 1985 A rosa Coro SMTB 2’ Biblioteca da ECA Ms (3p.) Biblioteca da ECA Ms (4p.) 1985 Canto jovem Coro SMTB 1985 Cedo e tarde Coro SMTB 2’ 1985 Confidência Coro SMTB 2’ 1985 Neste fim de ano Coro SMTB 25/09/1985 O caranguejo Coro SMTB 1’30” Biblioteca da ECA Ms (3p.) 1985 Parceria Coro SMTB 2’30” 1985 Se eu fosse rico Coro SMTB 4’ 1986 Cantiga praiana nº1 Coro SMTB 3’ 1986 As estrelas Coro SMTB 2’ 05/03/1986 Bilhete nº1 Coro SMTB 1’ 1986 Bilhete nº 2 Coro SMTB 2’ 1986 Dorme Cecilia Coro SMTB 1986 Dorme, dorme Lucia Coro SMTB 1986 Feliz Natal Coro SMTB 1986 Rio de Janeiro Coro SMTB 1986 Ta voix Coro SMTB 1987 Natal!... Coro misto Biblioteca da ECA Ms (7p.) Biblioteca da ECA Ms (7p.) Biblioteca da ECA Ms (6p.) Biblioteca da ECA Ms (4p.) Biblioteca da ECA Ms (2p.) Biblioteca da ECA Ms (3p.) Biblioteca da ECA Ms (2p.) Biblioteca da ECA Ms (1p.) Biblioteca da ECA Ms (1p.) Biblioteca da ECA Ms (6p.) Biblioteca da ECA Ms (8p.) Biblioteca da ECA Ms (1p.) Biblioteca da ECA Ms (5p.) Biblioteca da ECA Ms (3p.) Biblioteca da ECA Ms (4p.) 3’ 3’ Texto: Lycia de Biase Bidart Versão para voz e piano (1966) e orquestra, coro e voz solista (1967) Texto: Walfrido Faria Versão para voz e piano (1932) Versão para orquestra e voz solista (sem data) Texto: Carlos Drummond de Andrade Versão para voz e piano (1985) Texto: Domingos Carvalho da Silva Versão para voz e piano (1967) Versão Bilhete (1983) para voz e piano Versão Cantiga para duas irmãs (1979) para voz e piano Versão Cantiga para duas irmãs (1979) para voz e piano Medidas do documento: 10cm x 28cm Versão para voz e piano (1986) Medidas do documento: 12cm x 33cm 155 Texto: Lycia de Biase Bidart Versão para oboé e piano (1975) e Solitude para soprano e piano(1974) e para trompete e piano (1977) 1987 Solidão Coro SMTB 3’30” Biblioteca da ECA Ms (6p.) 1988 Cantando com os anjos o rosário de São Miguel Coro SMTB 6’ 1988 Feliz Natal Coro misto 1988 Panem dal caebo verum Coro SATB 1988 Para ninar Carolina 2 vozes Biblioteca da ECA Ms (13p.) Biblioteca da ECA Ms (1p.) Biblioteca da ECA Cópia xerox (10p.) Biblioteca da ECA Ms (2p.) 1988 Para nós, os poetas do mundo Coro SMTB Biblioteca da ECA Ms (4p.) Versão para voz e piano (1988) Medidas do documento: 38cm x 28cm 1988 Peça para o IV Prêmio de composição coral Juan Bautista Gomes, Castelon, Espanha Coro SMTB Biblioteca da ECA Cópia xerox (3p.) Medidas do documento: 26cm x 17cm 1989 Ave Maria Coro SMTB Biblioteca da ECA Ms (3p.) 1989 Bilhete... num ramo de rosas Coro SATB Biblioteca da ECA Ms (5p.) 1989 Não sei... Coro SMTB 1989 Nasceu Maria 4 vozes 1989 Natal!... Coro SMTB 1989 Porque te vejo! Coro SATB 1989 Visão poética Coro SMTB 1990 Natal!... Coro SMTB 1991 Ressureição Coro SMTB 3’ 3’ Biblioteca da ECA Ms (5p.) Biblioteca da ECA Cópia xerox (4p.) Biblioteca da ECA Ms (2p.) Biblioteca da ECA Ms (6p.) Biblioteca da ECA Cópia xerox (4p.) Biblioteca da ECA Ms (2p.) Família Medidas do documento: 11cm x 33cm Texto: Antonio Bidart de Andrada Versão para voz e piano (1989) Medidas do documento: 13cm x 24cm Versão para voz e piano (1989) Versão para voz e piano (1989) Medidas do documento: 11cm x 24cm 156 Sem data Serenga, barcarola Biblioteca da ECA Cópia xerox (6p.) Coro STBrB Coro infantil 1979 Britando pedra no morro azul Coro feminino ou infantil a 4 vozes 1979 Chove esperança! 2 vozes 1979 Estorieta 2 vozes 1979 Estorieta 4 vozes 1979 O girassol 2 vozes 1982 Medo de barata 3 vozes 1982 Canção Cantiga de roda Voz e piano 2 vozes 1982 Série coral de peças didáticas infantis apresentadas como coletânea de exercícios vocais 2 vozes 1984 Cantar de Natal 3 vozes 1986 Invocação 4 vozes Biblioteca da ECA Ms (4p.) Biblioteca da ECA Ms (2p.) Biblioteca da ECA Ms (2p.) Biblioteca da ECA Ms (2p.) Biblioteca da ECA Ms (3p.) Biblioteca da ECA Ms (2p.) 30” 30” Biblioteca da ECA Ms (2p.) Versão para piano (1978) e No morro azul (1979) para coro feminino Versão para coro infantil a 4 vozes (1979) Versão para coro infantil a 2 vozes (1979) Texto: Antonio Carlos Bidart de Andrada Original para voz e piano (1977) e versão para coro (1977) Biblioteca da ECA Ms (6p.) 2’ Instrumento solo Flauta 5’ 1974 Cantabile Flauta 1976 Estudo Flauta 5’ 1976 Estudo para flauta solo Flauta 6’ 1976 O mosquito: estudo n.1 Flauta 1’ Biblioteca da ECA Cópia xerox (3p.) Biblioteca da ECA Cópia xerox (2p.) Não localizada Biblioteca da ECA Ms (5p.) Biblioteca da ECA Ms (5p.) Biblioteca da ECA Ms (2p.) Versão para voz e piano (1986) 157 4 Estudo para flauta solo Flauta ?4 Evocação Flauta 1974 Série didática Cantos poéticos Pedido Pedido, jogando pedrinhas Berceuse O mosquito escreve5 As meninas6 Dádiva Escalas Harpejos Oitavas O rio7 Harpa 1974 Estudo escalas Harpa 1974 Estudo harpejos Harpa 1974 Estudo oitavas Harpa 1974 Rosa em mês de abril Harpa 1979 O girassol Harpa 1981 Pequenos segredos Nº 1 Nº 2 Nº 3 Harpa Biblioteca da ECA Ms 1989 Lamento e réplica Harpa Biblioteca da ECA Ms (6p.) Versão Série Lamento e réplica para piano (1976) Sem data Série folhas no outono: As folhas estão caindo, As folhas estão bailando, As folhas são recolhidas Harpa Biblioteca da ECA Ms Versão para piano (1979) Não localizada no acervo, provável erro de catalogação. Três versões. 6 Duas versões. 7 Duas versões. 5 Biblioteca da ECA Ms (3p.) Biblioteca da ECA Cópia xerox (4p.) 1979 Harpa 15’ 0’30” 0’30” 1’ 4’ 1’ 2’ 1’ 2’ 3’ Biblioteca da ECA Ms (3p.) Ms (2p.) Ms (2p.) Ms (7p.) Ms (4p.) Ms (4p.) Não localizada Não localizada Não localizada Ms (5p.) Biblioteca da ECA Ms (3p.) Biblioteca da ECA Ms (5p.) Biblioteca da ECA Ms (10p.) Biblioteca da ECA Ms (3p.) Biblioteca da ECA Ms (2p.) Versão para flauta e harpa (1987) O mosquito escreve: Versão para voz e piano (1973), para 2 vozes e piano (1973) e para piano (1973) As meninas: Versão para voz e piano (1973) Versão para piano (1979) 158 Órgão 1977 Evocando “Maria Lach” e “Kreuzberg” Órgão 1977 / 1987 Série germânica: Andante giulivo Órgão 1988 Rimas para São Francisco Órgão 7’ Não localizada Biblioteca da ECA Cópia xerox (10p.) Biblioteca da ECA Ms (7p.) Piano 1931 Estudo abstrato: Anelo Piano 1931 Estudo abstrato: Interlúdio Piano 1943 O passeio Piano 2’ 1949 Estudo expressionista: Devaneio Piano 5’ Piano 10’ 10’ 10’ 10’ 20’ 1949/1970 1950 1950 1970 8 9 Técnica: 1. Sonoridade 2. Trinados e arpejos 3. Harpejos 4. Oitavas 5. Intervalos: 2ªs, 3ªs, 4ªs, 5ªs, 6ªs8, 7ªs, vários9 6. Escalas e harpejos (Estudo fantasia) Noite em Salamanca 1949 1949 1949 1969 1970 Biblioteca da ECA Ms (4p.) Biblioteca da ECA Ms (2p.) Biblioteca da ECA Ms (3p.) Biblioteca da ECA Ms (7p.) Biblioteca da ECA Ms e cópia xerox (6p., 10p., 5p., 5p., 12p., 26p., 8p.) 10’ Piano 3’ Não localizada Soneto Santo Bambino de Aracoeli Piano 4’ Biblioteca da ECA Ms (6p.) 1951 Estudo expressionista: Matinal Piano 6’ 1960 Estudo abstrato: O caminho Piano 5’ Biblioteca da ECA Ms (7p.) Biblioteca da ECA Ms (9p.) Duas versões. Catalogados separadamente como Série intervalos musicais. Versão para 2 pianos (1950) Em outros documentos consta o título Soneto ao Menino Jesus de Aracoeli Versão Rimas para o Menino Jesus (1988) para orquestra de cordas 159 1961 Estudo abstrato: Bruma (evocando Claude Debussy) Piano 3’ Biblioteca da ECA Ms (3p.) 1961 Noite (evocando Maurice Ravel) Piano 2’ 1961 Outonal (evocando Ottorino Respighi) Piano 5’ 29/11/1974, Brasília, Departamento de Música da Biblioteca da ECA Universidade de Brasília Cópia xerox (2p.) Piano: Paulo Affonso de Moura Ferreira Biblioteca da ECA Ms (6p.) 1961 Sonata Fantasia nº1: ao Mar Piano 20’ Biblioteca da ECA Ms 1966 Veleiro Dois Irmãos Piano 5’ 1967 Rosas dentro da noite... Piano Biblioteca da ECA Ms (14p.) Biblioteca da ECA Ms (4p.) 1967 Tarde!... Piano 5’ Biblioteca da ECA Ms (6p.) 1968 Sempre... Piano 1969 Andante cantabile e Allegro cantabile Piano 1969 Interlúdio cantábile Piano 1970 Interlúdio nº2 1971 1971 1971 Não localizada Piano 3’30” Biblioteca da ECA Ms (16p.) Biblioteca da ECA Ms (3p.) Canto breve Piano 2’30” Não localizada Em sons musicais Piano Piano Versão como 1º tempo do Trio Som Esquecido para piano, violino e trompa (1975) Biblioteca da ECA Ms (15p.) 6’ Sons musicais dos sinais gráficos Prêmio menção honrosa no XX Concurso Internazionale di Musica Gian Battista Viotti – Arezzo Itália, janeiro de 1975 Versão para orquestra (1989) e redução para piano (1989) Versão para orquestra de cordas (1971) Biblioteca da ECA Cópia xerox (5p.) 15’ Não localizada Versão Pensamentos poéticos para clarineta, fagote, trompa, violino, viola, violoncelo e contrabaixo (1976) e Momento musical dos sinais gráficos para orquestra de cordas (1971) 160 1972 Estudo jogral Piano 1972 Poema ignoto Piano 4’ Biblioteca da ECA Ms (5p.) Biblioteca da ECA Ms (4p.) 1972 Som esquecido Piano 2’ Biblioteca da ECA Cópia xerox (5p.) 1973 As meninas Piano Biblioteca da ECA Ms (3p.) 1973 Estudo sinfônico Piano Biblioteca da ECA Ms (16p.) 1973 O mosquito escreve Piano Biblioteca da ECA Ms (2p.) 1973 Rômulo rema Piano Biblioteca da ECA Ms (2p.) 1973 Série Lamento e réplica n.1 n.2 n.3 Piano 1975 Canto breve nº2 Piano 1975 Estudo Expressionista: Dilema Piano 1975 Pensamentos poéticos Piano 15’ 5’ Versão para violino e piano (sem data) Versão Desejo para voz e piano (1974) Versão do 2º tempo do Trio Som Esquecido para piano violino e trompa (1975) Interpretação poético musical das palavras de Cecília Meireles Versão para voz e piano (1973) e para harpa (1974) Original para orquestra e piano (1973) Interpretação poético musical das palavras de Cecília Meireles Versão para voz e piano (1973), para 2 vozes e piano (1973) e para harpa (1974) Interpretação poético musical das palavras de Cecília Meireles Versão para 2 vozes e piano (1973) e versão para voz e piano (1973) Biblioteca da ECA Biblioteca da ECA Ms e cópia xerox (6p., 6p., 9p.) Biblioteca da ECA Ms (2p.) Biblioteca da ECA Ms (4p.) Biblioteca da ECA Ms (11p.) Versão Lamento e réplica para harpa (1989) 20/09/1984, Brasília, Embaixada do Canadá Piano: Paulo Affonso de Moura Ferreira 161 1975 1976 Sonata Fantasia nº 3 1. Galáxia 2. Rosal sideral 3. Asteróides Ballet Fantasia: Simbolismo e Vivência do Jardim Botânico do Rio de Janeiro Piano 20’ 6’ 4’ 10’ Biblioteca da ECA Ms Biblioteca da ECA Ms Piano 1976 Canto Breve nº2 Piano 2’ Biblioteca da ECA Ms (2p.) 1976 Estudos para piano solo Harpejos Escalas – execução simultânea em tons maiores e menores Piano 8’ 1976 Meditação, estudo harpejos Piano 1976 Mosquitos Piano Biblioteca da ECA Cópia xerox (5p., 3p.) Biblioteca da ECA Ms (4p.) Biblioteca da ECA Ms (2p.) 1976 1976 1976 Preâmbulo e Epigramas para três anjos 1. Gabriel 2. Rafael 3. Miguel Prismas do Dragão de sete cabeças coroadas Sonata Fantasia nº3: Sonata Campestre 1. Paisagem 2. Modinha 3. Rancheira 9’ Piano 3’ 3’ 3’ Biblioteca da ECA Ms (7p., 5p., 5p.) Piano 6’ Biblioteca da ECA Ms (8p.) 30’ Piano 10’ 10’ 10’ Biblioteca da ECA Ms 4’ Biblioteca da ECA Cópia xerox (6p.) 1977 Estudo Expressionista: Apelo Piano 1978 Britando pedra no morro azul Piano 1978 Letras Piano 1979 Estudo Piano Biblioteca da ECA Ms (6p.) 30’ Biblioteca da ECA Cópia xerox (35p.) Biblioteca da ECA Ms (4p.) Original para orquestra (1976) 2. Versão Canção do Exílio (1974) para voz e piano 3. Versão Saga da Terra Gaúcha (1975) para orquestra Versão para coro feminino ou infantil (1979) e No morro azul (1979) para coro feminino 162 1979 Momentos infantis 1. Levadice 2. Ternura 3. Brincadeira Piano Biblioteca da ECA Ms (3p., 3p., 5p.) 1979 O girassol Piano Biblioteca da ECA Ms (2p.) Versão para harpa (1979) 1979 Série folhas no outono: As folhas estão caindo, As folhas estão bailando, As folhas são recolhidas Piano Biblioteca da ECA Cópia xerox (4p.) Versão para harpa (sem data) 1980 Miragem Piano 1980 Tema e variações Piano 1981 A sereia santa Piano 1982 Oh! Minha flor! Piano 1982 Oh! Veja a lua! Piano 1’ 1983 Santuário (a floresta), concerto Piano 10’ 1985 Nasce uma flor Piano 4’30” 1985 No parque... a oração Piano 1985 Traços Piano 1986 “ “ “ “ 1987 “ 1989 1988 Série retratos Nº 1 para Cristina, com amor Nº 2 Leila Nº 3 para Waldiza, Val de flores Nº 4 para Paulo Reis Nº 5 Ana Nº 6 Veronica Nº 7 Lucia Nº 8 ao meu irmão Nº 9 trio motor Piano “ “ “ “ “ “ Violoncelo Voz e piano 1987 Ascenção Piano 4’ Biblioteca da ECA Cópia xerox (4p.) Biblioteca da ECA Cópia xerox (10p.) Biblioteca da ECA Ms (4p.) Biblioteca da ECA Ms (1p.) Biblioteca da ECA Ms (2p.) Biblioteca da ECA Ms (20p.) Biblioteca da ECA Ms (7p.) Biblioteca da ECA Cópia xerox (10p.) Biblioteca da ECA Ms (6p.) Biblioteca da ECA Ms e cópia xerox (7p., 6p., 7p., 10p., 6p., 22p. 10p., 13p., 7p.) Biblioteca da ECA Ms (7p.) Nº 4: versão para piano e trompete (1986) 163 1987 Bilhete perdido e entendimento Piano 1987 Estudo improviso Piano 6’ Biblioteca da ECA Ms (5p.) Biblioteca da ECA Ms (6p.) 1989 Interlúdio cantábile (2ª versão) Piano 8’ Biblioteca da ECA Ms (7p.) ? Noite de fosforescência na praia comprida Piano Primeira versão para piano (1969) e original para orquestra (1989) Não localizada Trompete 1984 Quaerens, concerto Biblioteca da ECA Ms Trompete Duo Piano e instrumento 1932 Andante Cantabile Violoncelo e piano 3’ 1950 / 1978 Noite em Salamanca 2 pianos 3’ 1951 Na Pérgola 2 pianos 4’ 1965 O lago Viola e piano 5’ 1969 Canção Violoncelo e piano 2’ 1969 O lago Violoncelo e piano 5’ 1969 Violão do céu Violoncelo e piano 1970 Sonata: Recitativo, Introito, 2º tempo, Resxurexis Violino e piano 30’ 1971 Adagio cantábile Oboé e piano 3’ 25/05/1932, Vitória (ES), Teatro Glória Versão de Viola do céu para Não localizada Violoncelo: Bruno Waldbch viola e piano (1974) Piano: Lycia de Biase Bidart 27/11/1953, Rio de Janeiro, Palácio da Cultura Biblioteca da ECA Original para piano (1950) Pianos: Ilara Gomes Grosso Ms (11p.) e Lourdes Gonçalves 27/11/1953, Rio de Janeiro, Palácio da Cultura 2ª versão (1976) Pianos: Ilara Gomes Grosso Não localizada e Lourdes Gonçalves Biblioteca da ECA Versão para violoncelo e piano Cópia xerox (9p.) (1969) Biblioteca da ECA Versão de Se eu fosse rico, Ms (3p.) para canto e piano (1969) Original para viola e piano Não localizada (1965) Biblioteca da ECA Ms (3p.) Biblioteca da ECA Ms Biblioteca da ECA Ms (p. 1-3) 164 1971 Allegretto gioioso Oboé e piano 3’ 1971 As estrelas Oboé e piano 1’ 1971 Cantabile Oboé e piano 1971 Flor da madrugada Oboé e piano 1’ 1971 Uma rosa Oboé e piano 2’30” 1973 Concertino Flauta e piano 6’ 1974 Concerto Violoncelo e piano 1974 Serenata Viola e piano 4’ Biblioteca da ECA Ms (p. 1-6) Biblioteca da ECA Ms (p. 11-12) Biblioteca da ECA Cópia xerox (4p.) Biblioteca da ECA Ms (p. 9-10) Biblioteca da ECA Ms (p. 7-11) Biblioteca da ECA Ms Biblioteca da ECA Ms (14p. e partes) Biblioteca da ECA Cópia xerox (5p.) 1974 Sonata Fantasia 1. Allegro molto 2. Adagio 3. Allegro molto Violoncelo e piano 11’ Não localizada 1974 Viola do céu Viola e piano 3’ Biblioteca da ECA Cópia xerox (3p.) 1975 Rosal (Andante Cantabile) Violino e piano 4’ Não localizada 1975 Solidão Oboé e piano 2’ Biblioteca da ECA Ms (3p.) 25/08/1975 1976 Uma canção para Renata (2ª versão) Escalas – execução simultânea em tons maiores e menores – Allegro e Largo catabile Biblioteca da ECA Ms (3p.) Flauta e piano Clarineta e piano 4’ Não localizada Biblioteca da ECA Ms (8p. e parte) Biblioteca da ECA Ms (9p. e parte) Biblioteca da ECA Ms (27p.) 1976 Estudo Clarineta e piano 6’ 1976 Meditação Flauta e piano 8’ 1976 Na Pérgola (2ª versão) 2 pianos 10’ Original para voz e piano (1932) Original para voz e piano (1953) Ver Nota 1 ao final da listagem Versão do Andante Cantabile para violoncelo e piano (1932) Primeira versão do 2º tempo da Sonata Fantasia: Galáxia para piano (1974) Tema de Solitude para soprano e piano (1974), versão para piano e trompete (1977) e para coro (1987) Primeira versão de 1976 Primeira versão (1951) 165 1976 Uma canção para Renata Flauta e piano 1’30” 1977 Concerto Trompete e piano 25’ Biblioteca da ECA Ms (2p.) Biblioteca da ECA Ms (1 parte) 1977 Solitude Trompete e piano Biblioteca da ECA Ms (3p. e partes) 1978 Concerto (2ª versão) Trompete e piano Biblioteca da ECA (2 partes) 1978 Série sortilégio Nº 1 Nº 2 Nº 3 2 pianos 15/09/1980 Eco Trompa e piano 1982 Adagio cantabile Oboé e piano 1984 Concertino fantasia Trompa e piano 1984 Concerto ao ar livre: A noite Ao entardecer Nasce uma flor Fagote e piano 1986 Série retratos: nº 4, para Paulo Reis Trompete e piano Sem data Canto de ninar Flauta e piano Sem data Estudo jogral Violino e piano 5’ 3’30” Segunda versão (1975) Texto: Lycia de Biase Bidart Versão para soprano e piano (1974) e Solidão para oboé e piano (1975) e para coro (1987) Biblioteca da ECA Ms (11p., 6p., 4p. e partes) Biblioteca da ECA Ms (4p. e partes) Biblioteca da ECA Cópia xerox (4p.) Biblioteca da ECA Ms Biblioteca da ECA Ms (13p., 4p., 11p. e partes) Biblioteca da ECA Ms (12p. e partes) Biblioteca da ECA Ms (4p.) Biblioteca da ECA Ms (12p.) Versão para piano (1986) Versão para piano (1972) Outros duos 1966 Allegretto gioioso Flauta e harpa 3’ Não localizada 1966 Berceuse Flauta e harpa 2’ Não localizada 1966 Duas rosas Flauta e harpa 3’ 1974 A bailarina 2 flautas 2’ Não localizada Biblioteca da ECA Cópia xerox (3p.) Tema de Lúcia para canto e piano (1947) Tema de Cantiga de ninar para voz e piano (1953) Ver Nota 1 ao final da listagem 166 1974 Danças ameríndias brasileiras: estudo em quartas Violino e viola 1974 Estudo 2 violas 1974 Estudo em quintas Violino e viola 10’ 1974 O cavalinho branco 2 flautas 2’ 1975 Criança e adulto Flauta e contrabaixo 2’ 1975 Criança e adulto Oboé e fagote 2’ 1975 Duo matinal 2 clarinetas 2’ Biblioteca da ECA Ms (3p.) Biblioteca da ECA Cópia xerox (4p.) Biblioteca da ECA Ms (5p.) Biblioteca da ECA Ms (4p.) Biblioteca da ECA Cópia xerox (3p.) Biblioteca da ECA Cópia xerox (4p.) Biblioteca da ECA Ms (3p.) 2 trompas 4’ Biblioteca da ECA Cópia xerox (6p.) 1975 1980 1987 Estudos expressionistas: Espelho Eco Sombra e luz Duas peças fáceis: Cantilena Conversa de bonecas 2 violinos Violino e viola Evocação Flauta e harpa 4’ Biblioteca da ECA Ms (2p., 1p.) Biblioteca da ECA Ms (9p.) Trio 1973 1973 1973 1974 Estudos sobre os intervalos de 2ªs 3ªs 4ªs 5ªs 6ªs 7ªs Loetitia ou trio jogral Série intervalos musicais: 2ªs, 3ªs, 4ªs, 5ªs, 6ªs, 7ªs, Várias Série Esboço: Allegro e Andante molto Andante appassionato Allegro cantábile Molto lento Ver Nota 1 ao final da listagem Violino, viola e piano 25’ Biblioteca da ECA Ms (7p., 7p., 4p., 11p., 7p., 5p. e partes) Piano, violino e violoncelo 20’ Não localizada Piano, violino e violoncelo 20’ Não localizada Piano, violino e violoncelo 20’ Não localizada Versão para flauta (1987) 167 Flauta, clarineta e trompa 15’ 1975 Cantos Tupis: Tumurutaca Flor verde Canção sensual Cantiga de roda Fantasia Colóquio Piano, violino e violoncelo 2’ 1975 Ecos indígenas Trompa e 2 clarinetas 1’30” 1975 1975 Trio som esquecido 2ª parte 3ª parte Piano, violino e trompa 1976 Serenga, fantasia sobre canto de remadores do rio Tietê Clarineta, fagote e trompa 1976 Sombras, adágio cantábile Piano, flauta e violino 10’ 1976 Trio Loetitia ou trio jogral (2º tempo) Piano, violino e violoncelo 20’ 1983 Verso e reverso Clarineta, violoncelo, piano 1984 1987 Sonata ao ar livre: A cascata O lago Noturno Painel sonoro: Lúcia Verônica 30’ Biblioteca da ECA Não localizada Cópia xerox (2p.) Não localizada Cópia xerox (2p.) Cópia xerox (8p.) Não localizada Biblioteca da ECA Cópia xerox (4p.) Coletânea: Poemas e Canções dos Índios Tupis, de Wilson Pinto. 27/09/1976, 1º movimento, Brasília, Auditório da Escola Biblioteca da ECA de Música de Brasília Ms (18p.) Piano: Neusa França Violino: Flávio Gontijo Trompa: Raymundo Martins Original para coro a capella (1976) e versão para quarteto (1976) Original para soprano, piano e violino (1965) Biblioteca da ECA Ms (4p.) Biblioteca da ECA Ms (14p.) Biblioteca da ECA Ms Biblioteca da ECA Cópia xerox Biblioteca da ECA Ms (22p., 14p., 15p. e partes) Clarineta, violoncelo, piano Biblioteca da ECA Ms (24p., 28p. e partes) Clarineta, violoncelo e piano Sax tenor e piano Quarteto 1974 1975 Quarteto Albatroz: O mar A tarde A noite Série Brasília 1ª parte – Cidade Progressão 2ª parte – Cidade Paz 3ª parte – Cidade Louvação Quarteto de cordas Quarteto de trompas 21’ Biblioteca da ECA Ms (4 partes) 30’ Biblioteca da ECA, Cópia xerox (15p. dividida em 7 partes, 8p., 11p.) 27/09/1976, Brasília, Embaixada da Alemanha Quarteto de cordas da Universidade de Brasília 168 1975 Canção da Baraúna (1ª versão) 2 clarinetas e 2 trompas 10’ Biblioteca da ECA Ms (6p.) 1976 Serenga: fantasia sobre canto de remadores do Rio Tietê Flauta, clarineta, fagote e trompa 2’ Biblioteca da ECA Cópia xerox (5p.) 1977 Morrerei quando me faltar música Quarteto de cordas 1984 Solitate Quarteto de cordas 1984 Colloquium Quarteto de cordas ? Canção da Baraúna (2ª versão) 2 clarinetas e 2 trompas Biblioteca da ECA Cópia xerox (8p.) Original para coro a capella (1976) e versão para trio (1976) Texto: Augusto Frederico Schmidt Versão para voz e piano (1977) Biblioteca da ECA Ms (6p. e 4 partes) Biblioteca da ECA Ms (8p. e 4 partes) Biblioteca da ECA Cópia xerox (6p.) Quinteto 1966 Elegia 1966 Estudo abstrato 1966 Interlúdio de Natal 1970 Série Danças 1974 Cantos ameríndios nº 2 Flauta, oboé, clarineta, fagote e trompa Flauta, oboé, clarineta, fagote e trompa 5’ Não localizada 6’ Não localizada Flauta, oboé/ottavino, clarineta, fagote e trompa 5’ Quinteto de sopros: Flauta, oboé, clarineta, fagote e trompa Flauta, oboé, clarineta, fagote e trompa 15’ 2’ 24/11/1966, Rio de Janeiro, Concertos para a Juventude – Auditório Rádio Globo Flauta: Lenir Siqueira Biblioteca da ECA Oboé: Braz Limongi Ms (3p.) Clarineta: José Botelho Trompa: Jairo Ribeiro Fagote: Noel Devos Biblioteca da ECA Medidas do documento: 38cm Ms (18p. e 5 partes) x 28cm Biblioteca da ECA Ms (5p.) 169 1974 Dedicando: pequenos trechos musicais 1º Alfa 2º Cantiga de roda 3º O rio 4º Claro-escuro 5º Polêmica 6º Reflexão 7º Sete Notas 8º Ômega 1988 A cachoeira 1971 Flauta, oboé, fagote, trompa e clarineta 15’ 27/08/1975, Brasília, Sala Martins Penna Quinteto de Sopros da UNB Flauta: Odette Ernst Dias Biblioteca da ECA Oboé: Vaclav Vinecky Cópia xerox (10p.) Fagote: Jean Pierra Berlioz Clarineta: Luiz Gonzaga Carneiro Trompa: Bohumil Med Flauta, clarineta, violoncelo, violino e Biblioteca da ECA piano Ms (25p.) Outros conjuntos Série intervalos 2ªs e 3ªs 4ªs, em forma de dança indígena brasileira Flauta, oboé, clarineta, trompa, fagote 5ªs, Scherzo e piano 6ªs 7ªs Final, vários 20’ Biblioteca da ECA Partitura manuscrita (4p. e 6 partes, 13p., 3p., 10p., 6p., 4p., 5p.) 1971 Canto Praieiro Flauta, oboé, clarineta, trompa, fagote e piano 2’ Biblioteca da ECA Partitura (4p. e 6 partes) 1976 Pensamentos poéticos Clarineta, fagote, trompa, violino, viola, violoncelo e contrabaixo 10’ Biblioteca da ECA Ms (20p.) 1976 Nonada e toada Flauta/clarineta, oboé, fagote, trompa, 2 violinos, viola, violoncelo e contrabaixo 10’ Biblioteca da ECA Ms (25p.) 10’ Biblioteca da ECA Ms (25p.) 1984 Noite na campina Oboé, clarineta, fagote, trompa, 2 violinos, viola, violoncelo e contrabaixo Medidas do documento: 41cm x 28cm Original Cantiga Praiana para canto e piano (1953) e para coro (1956) Original Sons musicais dos sinais gráficos para piano (1971) e versão Momento musical dos sinais gráfico para orquestra de cordas (1971) Medidas do documento: 38cm x 28cm Há versão com 2 flautas substituindo o oboé (não encontrada) 170 Banda Flautim, requinta, 2 clarinetas em Sib, 2 saxofones-contralto, saxofone soprano, 2 saxofones-tenor, saxofone Biblioteca da ECA 10’ barítono, 3 bombardinos, 2 barítnos, 2 Ms trompas, trombone (solista), 2 trombones baixos, caixa clara e pratos Flautim, requinta, 2 clarinetas em Sib, saxofone contralto, saxofone tenor, saxofone barítono, 4 trompetes em Biblioteca da ECA Sib, 2 bugles e Sib, 2 trombones em 10’ Ms (12p.) Dó, trompa, 3 bombardinos, barítono em Sib, contrabaixo em 10’Sib, caixa clara, bombo e pratos Orquestra Orquestra de cordas Orquestra de cordas 3’ Não localizada Orquestra de cordas 2’30” Não localizada 1931 Prelúdio nº1, Ré maior 1931 Prelúdio nº2, Fá maior 1967 1967 Estudo abstrato Intermezzo 1971 Canto breve Orquestra de cordas 2’30” Não localizada 1971 Momento de Mefisto Orquestra de cordas 2’30” Não localizada 1971 Momento musical do jogral Orquestra de cordas 3’ Não localizada 1971 Momento musical dos sinais gráficos Orquestra de cordas 3’ Não localizada 1976 Canção sensual – Tema Tupi Orquestra de cordas 10’ Não localizada 1976 Flor verde – Tema Tupi Orquestra de cordas 10’ Não localizada Original para orquestra (1967) Original para orquestra (1931) Versão Canto breve para piano (1971) Original Sons musicais dos sinais gráficos para piano (1971) e versão Pensamentos poéticos para clarineta, fagote, trompa, violino, viola, violoncelo e contrabaixo (1976) Coletânea Poemas e Canções dos Índios Tupis, de Wilson Pinto Coletânea Poemas e Canções dos Índios Tupis, de Wilson Pinto 171 Biblioteca da ECA Ms (21p.) 1988 Bonn coroada de rosas Orquestra de cordas 1988 Rimas para o Menino Jesus Orquestra de cordas 196710 Prelúdio nº 1, Ré menor Flautim, 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetas, 2 fagotes, 4 trompas, 3 trombones, tuba-baixo, tímpanos, bombo, pratos, caixa-clara, harpa e cordas 4’ 1931 Intermezzo, em Ré maior Flautim, 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetas, fagote, 4 trompas, 2 trompetes, tímpanos, harpa e cordas 4’ Prelúdio nº 2, Fá maior Flautim, 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetas, 3 fagotes, 4 trompas, 3 trompetes, tuba-baixo, pratos, tímpanos, harpa e cordas 4’ Prelúdio nº 3, Dó maior Flautim, 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetas, 3 fagotes, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tuba-baixo, tímpanos, harpa e cordas 4’ Anchieta, Poema Sinfônico Flautim, 2 flautas, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetas, 2 fagotes, contrafagote, 4 trompas, 4 trompetes, 3 trombones, tuba-baixo, tímpanos, tantã, celesta, harpa e cordas 30’ 10’ Biblioteca da ECA Ms (21p. e 5 partes) Versão Série Germânica: 2. Canção das rosas – À cidade de Bonn para orquestra de cordas (1977) e Bonn von rosen gekront para orquestra (1988) Versão Soneto Santo Bambino de Aracoeli (1950) para piano Orquestra 1931 1931 1934 10 18/08/1930, Rio de Janeiro, Theatro Municipal Versão para banda militar Não localizada Orquestra Sinfônica do (1931) Theatro Municipal Regente: Francisco Braga 20/08/1931, Rio de Janeiro, Theatro Municipal Não localizada Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal Regente: Giovanni Giannetti 20/08/1931, Rio de Janeiro, Theatro Municipal Biblioteca da ECA Versão para banda militar Orquestra Sinfônica do Ms (20p. e 19 partes) (1931) Theatro Municipal Regente: Giovanni Giannetti 20/08/1931, Rio de Janeiro, Theatro Municipal Orquestra Sinfônica do Não localizada Theatro Municipal Regente: Giovanni Giannetti 30/09/1934, Rio de Janeiro, Theatro Municipal Orquestra Sinfônica do Medidas do documento: 38cm Biblioteca da ECA Theatro Municipal Ms (45p.) x 28cm Regente: Lycia de Biase Bidart A peça foi estreada em 1930, mas no Catálogo do Itamaraty está com a data de 1967. Provavelmente ela mudou algo na partitura nessa segunda data e a deixou registrada dessa forma. 172 1934 1944 1945 1951 Angelus, Momento Sinfônico Flautim, 2 flautas, 2 clarinetas, 2 fagotes, 4 trompas, 4 trompetes, tímpanos, harpa e cordas Flautim, 2 flautas, 2 oboés, corne Variações sobre o tema “Notturno inglês, 4 fagotes, 4 trompas, 4 per la mano sinistra” de Giovanni trompetes, celesta tímpanos, cordas e Giannetti piano Flautim, 2 flautas, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetas, 2 fagotes, 4 Overture “O mar” trompas, 4 trompetes, 3 trombones, tuba-baixo, tímpanos, harpa, sinos e cordas Quadrilha Momentos Sinfônicos Angelus 1966 2º Mefisto 3ª matinas meio dia 1970 1971 Flautim, flauta, oboé, clarineta, fagote, voz celeste, harpa, sinos e arcos Variações sinfônicas Adagio Improviso 4’ 4’ Não localizada 20’ Não localizada 5’ Não localizada Flautim, flauta, oboé, clarineta, fagote, harpa, celesta, sinos e cordas Mefisto: Flautim, 2 flautas, oboé, fagote, 4 trompas, 4 trompetes, 4 trombones, 3 tubas-baixo, tímpanos Biblioteca da ECA Ms (6p.) 15’ Matinas e Meio dia: flautim, 2 flautas, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetas, 2 fagotes, 4 trompas, 4 trompetes, 3 trombones, tímpanos, harpa, celesta, sinos, cordas 2 flautins, 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetas, 2 fagotes, contrafagote, 4 trompas, 2 trompetes, 4 trombones, tuba baixo, tímpano e cordas Flauta, 2 oboés, fagote, 2 trompas e cordas 30/09/1934, Rio de Janeiro, Theatro Municipal Orquestra Sinfônica do Biblioteca da ECA Theatro Municipal Ms (6p. e 11 partes) Regente: Lycia de Biase Bidart Ms (11p.) Não localizada Não localizada 4’ Não localizada 14/09/1971, Rio de Janeiro, Sala Cecília Meireles Orquestra de Câmara do Rio de Janeiro Regente: John Luciano Neschling 173 1971 Intermezzo Flauta, 2 oboés, fagote, 2 trompas e cordas 1974 Série: O momento sugere 1. Berceuse 2. Mefisto 3. Caronte 4. Aleluia Flauta, oboé, 2 trompas, 5 violinos I, 4 violinos II, 3 violas, 2 violoncelos e contrabaixo 1976 1977 1977 2 flautas e harpa solista, 3 oboés, e Fantasia Sinfônica sobre ritmos de clarinetas, 2 fagotes, 4 trompas, 4 dança: Baião, Valsa, Polca, trompetes, 4 trombones, 4 tímpanos, Rancheira e Galope pandeiro e cordas flautim, 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetas, 2 fagotes, 4 trompas, 3 Canto sinfônico – À catedral de trompetes, 3 trombones, tuba-baixo, Colônia harpa, tímpanos e cordas F=Flautim, 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetas, 2 fagotes, 4 trompas, 3 Canto sinfônico – À cidade de trompetes, 3 trombones, tuba-baixo, Colônia harpa, tímpanos e cordas Série Germânica 1. Prelúdio Sinfônico 1977 2. 3. 1982 Canção das rosas – À cidade de Bonn Às colinas de Bonn Caminhos Biblioteca da ECA Ms (8p.) 20’ Biblioteca da ECA Ms (25p.) 15’ Biblioteca da ECA Cópia xerox 6’ Biblioteca da ECA Ms (47p.) 5’ Não localizada Medidas do documento: 42cm x 28cm Medidas do documento: 48cm x 33cm Medidas do documento: 48cm x 33cm Medidas do documento: 44cm x 28cm 14’ Flautim, 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetas, 2 fagotes, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tuba-baixo, harpa, caixa, pratos, tímpanos e cordas 4’ Orquestra de cordas 3’ Flauta, 2 oboés, fagote, 2 trompas e cordas 2 flautas, 2 clarinetes, 2 trompas, 2 trompetes, 2 trombones e cordas 7’ Medidas dos documentos: 45cm x 29cm, 38cm x 28cm, 45cm x 29cm Biblioteca da ECA Cópia xerox (17p., 5p., 17p.) 2. Canção das rosas: versão Bonn von rosen gekront (1988) para orquestra e Bonn coroada de rosas (1988) para orquestra de cordas Biblioteca da ECA Cópia xerox (32p.) 1988 Bonn von rosen gekront 2 clarinetes, 2 fagotes, trompa e cordas Biblioteca da ECA Ms (38p.) 1989 Poema sinfônico Cecília Meireles Orquestra Biblioteca da ECA Cópia xerox (54p.) Versão Série Germânica: 2. Canção das rosas – À cidade de Bonn para orquestra de cordas (1977) Medidas do documento: 45cm x 32cm 174 ?11 1969 1969 1970 1970 1971 Biblioteca da ECA Ms (15p.) Orquestra e instrumento solista Piano solista, flautim, 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetas, 3 fagotes, contrafagote, 4 trompas, 4 trompetes, Andante e Allegro Cantabile 10’ Não localizada 3 trombones, tuba-baixo, tímpanos e cordas Piano solista, flautim, 2 flautas, 2 clarinetas, 3 fagotes, 4 trompas, 4 Interlúdio Cantando 15’ Não localizada trompetes, 4 trombones, tuba-baixo, tímpanos e cordas Biblioteca da ECA Concerto introito Orquestra, piano e violino Ms (32p.) Piano e violino solistas, flautim, 2 flautas, 2 oboés, corne inglês 2 Concerto Rio 70 10’ Não localizada clarinetas, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, tímpanos e cordas Piano solista, flautim, 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetas, 2 fagotes, 4 Estudos sobre intervalos musicais 6’ trompas, 2 trompetes, 3 trombones, - Intervalos de 2ª 2’ Não localizada tuba-baixo, 2 pares de tímpanos e - Intervalos de 3ª 4’ cordas O lago, abertura Orquestra 1973 Estudo sinfônico Orquestra e piano Biblioteca da ECA Ms (44p.) 1989 Interlúdio cantabile Orquestra e piano Biblioteca da ECA Ms (27p.) Sem data Sempre cantabile 1967 Canto jovem!... 11 A data não pode ser confirmada. Biblioteca da ECA Ms (38p.) Orquestra/conjuntos e voz solista Flauta, oboé, clarineta, 2 trompas, 4 Biblioteca da ECA pistões, 3 trombones, tuba, tímpano, Ms (21p.) bateria, cordas, voz solista e coro misto (optativo) Orquestra e piano Medidas do documento: 43cm x 30cm Medidas do documento: 47cm x 32cm Redução para piano (1973) Versão para piano (1969) e redução para piano (1989) Medidas do documento: 46cm x 28cm Medidas do documento: 44cm x 30cm Texto: Lycia de Biase Bidart Versão para voz e piano (1966) e coro (1985) 175 Texto: Augusto Frederico Schmidt Versão para voz, piano e flauta (1977) Texto: Augusto Frederico Schmidt Versão para voz e piano (1977) Texto: Augusto Frederico Schmidt Original para voz e piano (1976) Texto: Augusto Frederico Schmidt Versão para piano e 2 vozes (1977) Texto: Augusto Frederico Schmidt Versão para voz e piano (1977) Texto: Augusto Frederico Schmidt Versão para voz e piano (1977) 1976 Poema Voz masculina, flauta, harpa e cordas 10’ Biblioteca da ECA Cópia xerox (13p.) 1977 Canto da Noite (em forma de cantata) Contralto, barítono, clarineta, harpa e cordas 20’ Biblioteca da ECA Cópia xerox (37p.) 1977 Quero possuir o Azul, quero o Azul Soprano ou tenor, flautim, 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetas, 2 fagotes e 2 trompas 10’ Biblioteca da ECA Cópia xerox (21p.) 1977 O grande momento Soprano, mezzosoprano e orquestra Biblioteca da ECA Cópia xerox (4p.) 1977 Por que chorar? Mezzosoprano, campanas tubulares, flauta, oboé, clarineta, trompa e fagote Biblioteca da ECA Ms (11p.) 1977 Quatro Soprano e quarteto de cordas 1985 Preâmbulo e Liberdade! Flautim, 2 flautas, 2 oboés, cornoinglês, 2 clarinetas, clarineta baixo, 2 fagotes, contra-fagote, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tuba, tímpano, harpa, cordas, percussão e voz falada Biblioteca da ECA Cópia xerox (52p.) Redução para piano (1985) Sem data Confidência Orquestra e voz solista Biblioteca da ECA Ms (7p.) Versão para coro (1985) 3’ Biblioteca da ECA Cópia xerox (8p.) Orquestra e coro 1932 1969 Chanaan (Poema sinfônico) 3 Flautas, 3 oboés, 2 clarinetas, 3 fagotes, 4 trompas, 4 trompetes, 3 trombones, tuba, 4 tímpanos, coro feminino e cordas 20’ 31/10/1932, Rio de Janeiro, Texto: Lycia de Biase Bidart Theatro Municipal Medidas do documento: 42cm Biblioteca da ECA Orquestra Sinfônica do x 31cm e 14 partes Ms (29p.) Theatro Municipal Versão para coro e piano Regente: Giovanni Giannetti (1932) Polifonia Coral “Rio de Janeiro” Flautim, 2 flautas, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetas, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, 4 trombones, tímpanos, harpa, cordas e coro (SATBarB) 15’ Biblioteca da ECA Ms (59p.) Texto: Lycia de Biase Bidart Medidas do documento: 43cm x 29cm 176 Cantos ameríndios brasileiros 1. Ressonâncias 1973 2. 3. 1975 Madrugada Convite tribal A saga da terra gaúcha Evocação Ecos indígenas Epopéia luso-brasileira Primícias e canto do trabalho Danças: Polca, Rancheira Interlúdio lírico Cantos gaúchos 2 Flautas, 2 oboés, 2 clarinetas, 2 fagotes, contrafagote, 2 trompas, 2 tímpanos, 4 contrabaixos, coro (SMTBarB) 2 Flautas, 2 oboés, 2 clarinetas, 2 fagotes, 1 par de tímpanos, 4 contrabaixos, sopranos e mezzosopranos 2 Flautas, 2 oboés, 2 clarinetas, 2 fagotes, 4 contrabaixos e coro (SATBarB) Flautim, 2 flautas, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetas, clarineta, baixa, 2 fagotes, contrafagote, 4 trompas, 4 trompetes, 3 trombones, tuba, baixo, harpa, cordas e coro (SATB) 7’ 45’ Biblioteca da ECA Ms Fontes: Rondônia, de Roquette Pinto e História do Brasil, de Rocha Pombo Versão para voz e piano (1973) Biblioteca da ECA Ms (6 cadernos) Texto: Lycia de Biase Bidart Redução para coro e piano (sem data) Medidas do documento: 48cm x 33cm 1986 Cantata de Natal Orquestra e coro SMTB Biblioteca da ECA Ms (40p. e 33 partes) 1988 Sanctus Orquestra e coro SMTB Biblioteca da ECA Ms (82p.) Redução para coro e piano (1986) Medidas do documento: 28cm x 44cm Medidas do documento: 30cm x 43cm Ópera 1939 A noiva do mar Abertura Primeiro ato Segundo ato Terceiro ato 1971 Som e cor: interpretação nas cores do Arco-Íris servindo de fundo musical – sério Intervalos musicais em forma de sexteto ou trio 3 flautas, 3 oboés, 2 clarinetas, 2 fagotes, 4 trompas, 4 trompetes, 3 trombones, tuba baixo, 4 tímpanos, harpa, cordas, coro e solistas 2 horas Biblioteca da ECA Ms (49p., 83p., 45p., 74p.) Balé Piano, violino e violoncelo 20’ Não localizada Libreto extraído da novela de Xavier Marques A noiva do golfinho Versão para piano (sem data) Medidas do documento: 43cm x 29cm 177 1976 Ballet Fantasia: Simbolismo e Vivência do Jardim Botânico do Rio de Janeiro Ato 1: Simbolismo 1. Jogos de Luz e sombra 2. Palmas 3. A flor e o beija-flor 4. Insetos 5. Evocação poética 6. Vento e ramagens Ato 2: Vivência 1. O poeta 2. Crianças 3. Pintores 4. Turistas 5. O guarda e a babá 6. Namorados 7. Professor de Botânica e alunos 8. Jardineiros 9. Final feérico ao cair da tarde Flautim, 2 flautas, 2 oboés, corne inglês, 2 clarinetas, 3 fagotes, 4 trompas, 4 trombones, 2 pares de tímpanos, harpa e cordas 45’ Redução para piano (1976) Medidas do documento: 48cm x 33cm Biblioteca da ECA Ms (60p.) Obras didáticas escolares – teatro 1941 Bazar de bonecos 30’ Não localizada 1941 Revista infantil 20’ Não localizada 1942 Louvor matinal (ato lírico em forma de balé) 30’ Não localizada 1976 1976 Momentos de recreação Aprendizado no lazer 10’ 10’ Não localizada Não localizada 1941, Rio de Janeiro, Crianças do Jardim de Infância do curso Santa Rosa de Lima 1942, Rio de Janeiro, Crianças do Jardim de Infância do curso Santa Rosa de Lima Peça para rádio Peça para televisão Nota 1: Segundo os documentos, as peças O cavalinho branco, para duas flautas (1974), para voz e piano (1973) e para 2 vozes e piano (1973), Ou isto ou aquilo, para 2 vozes e piano (1973) e para 2 vozes (1982), Concertino, para flauta e piano (1973), e A bailarina, para voz média e piano (1973), para 2 vozes e piano (1973) e para 2 flautas (1974), são versões da mesma peça. Tal informação deve ser verificada em estudos posteriores. 178 ANEXO A – FOTOS CEDIDAS PELA FAMÍLIA Lycia e irmã, sem data Lycia e sua irmã na Barra da Tijuca, 1926 Lycia em Lambari, 1929 Lycia em Vitória, 1929 179 Lycia e família em Botafogo, 1929 Lycia e João Bidart no Rio de Janeiro, 1931 Lycia no Parque Moscoso, em Vitória, 1932 180 Lycia e João Bidart em passeio a Chanaan, 1932 Lycia e João Bidart na Praia da Costa, 1932 Lycia em Paineiras, 1933 181 Lycia a direita ao lado de suas irmãs em Caxambu, 1933 Lycia em seu casamento, 1933 182 Lycia, a segunda da esquerda para a direita, com suas irmãs e primas no Corcovado, 1933 Lycia e João Bidart no Corcovado, 1933 183 Lycia e Lucia, 1935 Lucia e Cecilia, respectivamente, sem data João e Lycia, sem data 184 Família De Biase em Vitória, Lycia à esquerda com Lucia e Cecilia de tranças com o avô, sem data Lycia e João na primeira fileira à esquerda em um avião para a Argentina, sem data 185 João, Lycia, Cecilia e Lucia em viagem à Versalhes, sem data Lycia e Lucia em obra na casa do Jardim Botânico, sem data Lycia e João à esquerda no casamento de Lucia, sem data 186 Lycia, Marcos e Antonio, aproximadamente em 1962 Lycia com Antonio, Cecilia e o marido, Marcos no meio, Lucia e o marido, aproximadamente 1962 187 Lycia, Antonio e Veronica em Caxambu, 1968 Lycia em Caxambu, 1968 Lycia e Marcos em Caxambu, 1968 188 Veronica, Marcos e Lycia, decada de 1980 Lycia, Cecilia, Marcos com Ana no colo e namorada de Marcos com Antonio Carlos no colo, sem data 189 Lycia e Lucia, 1989 Foto 3x4 de Lycia, sem data Piano de Lycia, atualmente Batutas de Lycia, atualmente 190 ANEXO B – CARTA DE LYCIA SOBRE SUA FAMÍLIA E INFÂNCIA ESCRITA PARA A NETA VERONICA Parte 1 – Sem data Nasci a 10 de fevereiro de 1910, no interior do Estado do Espírito Santo, na então Vila do Espírito Santo, hoje intitulada Muniz Freire. 2 meses após meu nascimento meus pais, Pietrangelo De Biase e Mariarchangela Vivacqua De Biase se mudaram para Vitória, capital do Estado. Por esta razão considero Vitória como minha cidade de origem. Pois aí me criei e me desenvolvi, ali hauri o que a vida dá em seus primórdios, de belo e de bom. Foram meus avós paternos Vicente e Tereza De Biase, e os maternos Giuseppe e Margherita Vivacqua, ambos italianos. Meu avô paterno foi um turista nato, no tempo em que nem se falava em turismo. Antes de vir se estabelecer no Brasil já havia feito para cá cinco viagens de recreio, e afinal gostando, aqui se estabeleceu. Veio com a família, tendo meu pai ficado na Itália para completar os estudos. Meu avô Giuseppe veio só. Aqui se refugiou por motivos políticos. Tendo contraído a febre amarela no Rio de Janeiro, para restabelecer-se foi-lhe aconselhado por amigos a ida para os bons ares do Estado do Espírito Santo. Índole prática de se dar a negócios logo adquiriu um belo baú cheio de artigos vários para vende-los no local onde se domiciliasse em definitivo. Em princípio passou tempos em uma fazenda acolhedora onde acabou de ficar bom. Esta fazenda era nos arredores de Cachoeira do Itapemirim e o dono era Vieira de sobrenome. Quando restabelecido instalou-se na Vila do Espírito Santo. Homem alto, claro, dos cabelos negros, era forte e bonita pessoa. Corajoso, orgulhava-se de não usar armas de fogo. Sua defesa era o metro de madeira que usava para medir as mercadorias. Com ele desbaratava os assaltantes, (nesta época já os havia) que se atrevessem a invadir a loja. Certa vez foi atacado por um bandido de cavanhaque, ao qual barbicha ele se agarrou com veemência, fazendo-o rodopiar muitas vezes, até atirá-lo à praça defronte à loja. Qual não foi a surpresa, ao ver que em sua destra de aviso aos incautos pregou o cavanhaque na parede da loja! Passaram-se três anos. Os lucros da loja não apareciam, pois meu avô era dado a gastos com convidados, etc... Assim sendo minha avó resolveu vir com a família que veio aos poucos ficando na Itália os filhos Domingos e Egydio para liquidação de algumas propriedades. Com a vinda de Dona Margherita os fatos entraram nos eixos. A dívida da Casa 191 Vivacqua que era de três contos de reis foi saldada e tudo começou a dar resultado. A minha mãe Mariarchangela nasceu aqui no Brasil e após ela ainda vieram Pedro, Manoel e Maria. Parte 2 - Sem data Quando meu pai veio para o Brasil, após o término dos estudos, aqui encontrou o seu irmão mais velho, Nicolau, noivo de minha mãe, noivado combinado pelas respectivas famílias, conforme usança dos tempos. Apenas se encontraram Pietrangelo e Mariarchangela se apaixonaram. Foi um Amor Daqueles! Resistiu à pressão familiar que logo cuidou de enviar papai para exercer funções longe, para assim afastá-lo do convívio com mamãe. Este afastamento durou três anos! Mas os dois se correspondiam e desmentindo o ditado “Longe dos olhos, longe do coração”, não arrefecia o mútuo amor. O curioso é ter sido o meu avô Vivacqua a pessoa encarregada das cartas, o nada fácil em época na qual o correio organizado não existia para o interior. Bela compreensão teve o meu avô! Revelou-se contra os costumes da época para ajudar os apaixonados (É curioso observar que a 3ª geração da família Vivacqua, nos seus folguedos de Teatro Infanto Juvenil representava o “Drama e Vitória de 2 corações”, vim ter conhecimento desta ocorrência aos 12 anos de idade). Passados três anos do afastamento de papai certificaram-se as famílias que era inútil resistir e consentiram no casamento. Aa 1ª filha desta união foi Carmem e eu a segunda. Contou-me o primo Attilio Vivacqua que na pequenina loja ao lado da casinha de meus pais se vendiam guloseimas feitas por mamãe e que aí se reuniam habitualmente pessoas de bom gosto e ávidas de conhecimento para folhear e ouvir comentários sobre livros da literatura italiana que papai possuía. Dentre estes era predileto o ilustrado por gravuras “Orlando Furioso” de Ariosto. Observe-se que mesmo em lugares isolados em pleno interior pode existir um anseio de cultura da Arte. Logo após o meu nascimento os meus tios Vivacqua receberam como sócio ao meu pai, e nós viemos para Vitória onde cresceu a figura de papai como exemplo extraordinário de Cidadão e Cristão. Nossas moradias, exceto uma próxima ao Palácio Anchieta foram sempre em frente ao Parque Moscoso, o que muito concorreu sadiamente para a formação nossa de crianças. Minhas irmãs e eu muito brincamos aí. Este Parque, desenhado pelo urbanista capixaba Paulo Motta, veio em belo exemplar da “Belle Epoque”: amplo, dividido por duas largas alamedas 192 que o cortavam em cruz; estas alamedas eram ladeadas por “ficus” verdejantes que davam sombra agradável para o descanso nos bancos, sob a ramagem frondosa. Ainda sobrava muito espaço, onde passeavam moças, ao entardecer. Os rapazes preferiam vê-las desfilar, comodamente sentados. E lá iam elas, álacres a rir e pilheriar, contentes no verdor dos anos. Nestas quadras que formavam as áleas, havia o lado direito de quem vem para Av. Cleto Nunes, um lago e nele uma ilha, denominada “Dos Amores”. Pontes ligavam a ilha ao restaurante do Jardim. Um pequeno riacho corria entre a vegetação para desaguar no lago. Na outra extremidade do Parque, onde começa a Rua José de Anchieta, no topo de uma pequena elevação, circuncidada por arbustos verdejantes, num pequeno lago, sapos grandes esguichavam água pelas bocas. Em torno belos tinhorões de folhas fartas, verdes e brancas, completavam o quadro, lindo e tranquilo. Na junção das alamedas, ao lado esquerdo, a banda de música da Polícia, se apresentava no coreto aí existentes, aos domingos e feriados, animando os passeantes. Note-se que este Parque que descrevo é o original. Ao correr do tempo muitas modificações foram feitas e mesmo ignoro a situação atual. Nas alamedas, ruas e ruelas do Jardim, muito brincamos em nossa infância. Aí aprendemos a pedalar bicicletas, a amar o verde e as flores. Foi tudo muito bom. Recordo-me da minha 1ª comunhão. Tinha 7 anos e dentre os conhecimentos adquiridos em nossa História Cristã muito me impressionou o relato sobre os Mártires. Cheguei a invejá-los, pois achava que eles conquistaram o Céu, com dor, é verdade, mas depressa e sem passar pelas lutas e dificuldades que eu via assoberbar os adultos. Eu achava a vida de criança muito boa, mas... a outra não me seduzia. Aos 9 anos fui em visita aos meus avós paternos que residiam no interior, em Rio Pardo. Veio buscar-me o tio Vicentinho. De trem viajamos um dia até Cachoeiro do Itapemirim, fazendo baldeação para outro trem menor que nos levou até Castelo. Aí pernoitamos em casa meu tio Braz Vivacqua. Então... veio a parte realmente original da viagem. Acabaram-se as estradas de ferro. A cavalo se deveria ir em frente. Foi-me destinado o melhor animal do grupo, um cavalo pampa, branco com placas castanho dourado de nome Leão, muito bonito, manso e de boa índole. Nosso grupo era pequeno. Meu tio, eu, um capataz, seu ajudante e um animal de carga. No dia da partida fomos acordados às 3 hs da madrugada. Após farta alimentação galgamos as montarias. Neste tempo o sexo feminino, mesmo em se tratando de crianças, só 193 montava de lado, em silhão. Assim fomos nós pela estrada afora. Não era noite de lua, mas as estrelas eram numerosíssimas. A escuridão não era total. Não sei se efeito estrelar ou mesmo que houvesse certa luminosidade no ar, o fato é que se distinguem os vultos das árvores e a estrada era um largo risco no chão. Paulatinamente fomos subindo as franjas da serra do mar. Pouco a pouco uma luz difusa se infiltrava entre o arvoredo, desenhando os contornos. O céu se tingia em tons rosa dourado e com força se manifestou a claridade do dia. E com o sol veio o calor. Era verão. Sempre subindo a serra, lá no mais alto contemplávamos a exuberância da floresta descendo a encosta e lá embaixo uma forte caudal cristalina luzia em borbulhas brancas, correndo pela mata virgem. Ai que vontade de naquelas águas tomar um banho! Claro que este desejo era impossível. Mas de outro modo a sensação do banho veio. Foi quando se ouviu uma voz: - Vamos entrar numa Noruega. A estrada se bifurcou e nos encontramos num atalho onde os altos ramos das árvores se uniam projetando uma sombra ponteada de luz tremendo sobre um riacho convertido agora na própria estrada. Os animais pisavam o cascalho coberto de água e se ouvia um som claro, penetrante. Um frescor tudo invadiu, invadiu até a alma! Quanta beleza! Nas árvores, em cachos desabrochavam orquídeas em profusão. Outras floriam esparsas pelos galhos, dando a impressão que boiavam no ar. Nas frestas das pedras marginais cresciam samambaias gigantes. Begônias se enlaçavam e suas flores coloridas enfeitavam o fundo verde. Dentro deste cenário incrível de Mata Atlântica cavalgamos algum tempo, enquanto o curso do riacho coincidia com o caminho da estrada que encontramos adiante. Então o riacho se desviou para descer a encosta e se juntar abaixo à caudal cristalina que aí corria. Ficou-me a sensação boa do frescor num mergulho na Mater Natura, mergulho que confortou e ajudou a enfrentar o restante do caminho. O sol já ia a pino quando chegamos em Muniz Freire. Fomos simpaticamente acolhidos por tio Carmo e tia Filomena De Biase. Esta bondosamente fez preparar para mim num bacião grande, um banho morno, onde sal grosso fora diluído na água. Isto era usança naqueles tempos, após viagens longas a cavalo. A maior etapa da viagem já estava cumprida. De Castelo a Muniz Freire 9 léguas foram vencidas. Restavam 7 léguas até atingir a meta final, Rio Pardo, onde habitavam meus avós e padrinhos, Vicente e Tereza De Biase. Dentre as recordações da meninice, ficou-me em imagem forte a lembrança do aparecimento nas águas do porto, de uma baleia com baloete ao lado. Foi extraordinário! A cidade parou para ver o cetáceo e seu filhote. O comércio fechou. Os colégios idem. Os 194 funcionários públicos procuravam janelas e posições do alto de onde se avistasse o mar. Carmem e eu logo fomos para casa com a tal licença escolar concedida. Aí chegadas, trocadas os uniformes por vestidos brancos, usuais nos passeios marítimos, fomos com papai e mamãe para o Cais do Schmidt onde nossa lancha nos esperava. Margarida, a terceira irmã não foi porque não foi achada no momento. Quando a lancha começou a singrar o mar, oh! Que surpresa! Vislumbrar no meio das águas a baleia que esguichava ao lado do baleote, e ao longe, na beira de um cais abandonado, quem? Margarida! Na velha amurada, cercada de populares, com seu vestido branco, sentada, as perninhas penduradas, a ver desfilar baleia e baleote! Foi aquele Olá!!! E seguimos adiantes. Nesta primeira etapa fiquei impressionada com a cor vermelha do mar. Ferida por um arpão rudimentar, o sangue da baleia tingira as águas. Que pena! Por quê?! Tão mais belo seria deixá-la soberana nas águas! Mas... seguimos adiante. A baleia saiu do porto e se dirigiu para o alto mar. Então trocamos de embarcação passando para a maior lancha de Vitória, a “Alice”, que fazia o trabalho de rebocar “fundas” com sacas de café, pertencente ao empresário trapicheiro Antenor Guimarães e lá fomos nós. Desta lancha fora lançado um arpão poderoso, amarrado em uma corda grossa e era a baleia quem puxava a embarcação!, em vez de ser a lancha quem arrastasse a baleia. Fomos até bem alto mar. Houve vez em que a baleia submersa se elevou, justo por baixo da lancha “Alice”, fazendo-a balançar-se e sendo atirada de lado, quase desgovernada. Nesta altura dos acontecimentos, quando todos tremiam de frio, pois ninguém estava aparelhado para enfrentar a temperatura ambiente, mandou o bom senso, enfim acordado! Foi desligada a corda da baleia e retornamos. Junto aos fatos ficou-me na lembrança a figurinha resoluta e independente de minha irmã Margarida e o caráter aventureiro corajoso de meus pais... e muita pena da baleia! Nota de edição: a ortografia foi corrigida para o português atual e os parágrafos organizados conforme a numeração definida pela compositora.