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  • Foto do escritorÁbine Fernando Silva

Os Embalos de Sábado à Noite (1977)

Atualizado: 2 de jan.

Direção: John Badham

Roteiro: Norman Wexler

Elenco principal: John Travolta, Karen Lynn Gorney, Donna Pescow, Barry Miller, Paul Pape, Joseph Cali.

John Travolta (Tony Manero) botando para quebrar na "2001 Odissey"

Obra responsável por “eternizar” a era da “Disco Music” nas telas do cinema, “Embalos de Sábado à Noite” não só capta com muita energia imersiva o espírito pulsante, iluminado e colorido das pistas de dança, como também descortina uma Nova York setentista e suburbana atravessada por sérios problemas sociais que afetam diretamente a juventude, anulando perspectivas e sonhos, afundando-a num imobilismo desacreditado, fazendo-a experimentar as crises e conflitos coletivos muitas vezes através de escolhas arriscadas e inconsequentes. Não se engane acreditando que o filme de John Badham, “embalado” por canções sinérgicas como Stayin’ Alive ou Night Fever do Bees Gees, repleto de uma extravagância visual contemplativa com longas sequencias coreografadas na boate “2001 Odissey”, cujo protagonista investe pra valer no figurino sexy e estiloso de seu tempo, pretende apenas entreter, empolgar e endeusar a geração apaixonada da “Disco”. Pelo contrário, o enredo do longa estrutura-se no drama de uma juventude cujo recorte étnico-cultural (negros, latinos, ítalo-americanos) sugere os traumas de uma sociedade cheia de fraturas e muros, lutando pela sobrevivência sem muitos horizontes, mas encontrando na expressividade artística da dança, da música e da diversão coletiva a indistinção democrática agregadora, o extravaso catártico e compensatório de um mundo duro, hostil e implacável para além do baile. Tony Manero (John Travolta), morador de um humilde subúrbio italiano no Brooklyn, Nova York passa seus dias entre os “rolês” com os “The Faces”, o trabalho mal remunerado numa loja de tintas do bairro, as brigas com a família e a badalação na discoteca “2001 Odissey”, onde rouba a cena, principalmente com as garotas, através do seu gingado sensual e de suas coreografias que contagiam a todos. A rotina e o destino do charmoso “pé de valsa” muda bruscamente na noite em que o jovem conhece na pista a talentosa dançarina Stephanie (Karen Lynn Gorney) e prontamente se apaixona, dando início a uma insistente jornada para conquistar a garota e convencê-la a participar de um concurso de dança promovido pela boate, o que faz eclodir alguns conflitos relacionais e de visão de mundo entre ambos, mexendo de vez com a cabeça e com os planos pessoais do fútil rapaz. O roteiro de Norman Wexler concentra-se na rotina do humilde e vaidoso Tony Manero, mas apresenta outras camadas por meio do mergulho no cotidiano da vida dos demais jovens pobres ítalos americanos, seus dilemas juvenis, frustrações pessoais e a retratação da manifestação de uma cultura patriarcal machista, sexista, xenófoba e homofóbica (todos estes fatores aparecem na trama com maior ou menor intensidade). Há também o preconceito classista reproduzido pela personagem de Karen Lynn Gorney, muito bem trabalhado através da contradição inerente a sua própria condição cultural e socioeconômica. Stephanie nega e despreza aquele mundo marginal e sem perspectivas a sua volta, tentando sobrepor-se por meio da defesa de ideais meritocráticos, não medindo a arrogância de seu julgamento, embora sua atitude inconformista e assertiva sejam elementos positivos para influenciar mais adiante a vida do estagnado protagonista. Ora, a própria jovem também acaba “engolida” pela ganância, o mal caratismo e a falta de escrúpulos dos ricos ou das pessoas consideradas educadas, instruídas e bem sucedidas.

Karen Lynn Gorney (Stephanie) contracena com John Travolta (Tony Manero) em "Os Embalos de Sábado a Noite"

A tensão racial é outro tema relevante da trama que não a escancara, distribuindo-a estrategicamente ao longo das experiências de Tony e sua turma, seja quando a relaciona ao comportamento das gangues, seja quando revela sutilmente a forma como os “The Faces” se referem aos negros ou aos latinos. Em contrapartida, a discoteca representa o espaço por excelência da “democracia racial” ou da “carnavalização social”, uma vez que se abandonam temporariamente os papéis, as hierarquias, a luta de classes, o racismo ou outras formas de preconceito em nome da pura diversão e da dança. O último ato de “Embalos de Sábado à Noite”, por exemplo, prova a transformação pessoal do mimado Tony, seu senso de justiça e consciência ao não aceitar o prêmio de “Rei do Brooklyn” no concurso de dança, reconhecendo que o casal latino teve desempenho muito melhor. Embora em muitos momentos a ironia à figura do rei do baile se sobressaia, outros aspectos positivos de sua personalidade ajudam a construir o carisma e a identificação com o expectador como certa ingenuidade rebelde, o companheirismo, o tom galanteador, a sensibilidade afetiva com a família, os amigos e até mesmo com Annette (Donna Pescow), a garota apaixonada pelo “bonitão” dançarino. A dramaticidade do roteiro, com diálogos bem construídos e repletos de momentos emocionalmente intensos preconiza o retrato de uma juventude desamparada em relação aos problemas e dilemas da geração, sem a orientação e as condições básicas para desenvolver suas potencialidades. A direção de John Badham capta com realismo e naturalidade a atmosfera de uma Nova York setentista, decadente e suburbana, cujos problemas da juventude e as tensões sociais emergem em meio a efervescência escapista do espírito da “Disco Music”, tão reverenciado, mas incapaz de ofuscar àquela dura realidade. Os longos planos sequencias nas ruas e na boate, os enquadramentos próximos que ressaltam as emoções das interpretações e a obsessão pelo espetáculo do corpo em movimento do protagonista, assim como um mise en scene que transborda a energia dos espaços marcam uma produção que não perde de vista o drama, ainda que as transições para um clima de festa, principalmente na boate “2001 Odissey” se imponha com uma fotografia que realça as cores vivas e vibrantes da iluminação ambiente. A ênfase nas sequencias narrativas de dança de Tony Manero possuem uma duração considerável, são sinérgicas, imersivas e contagiantes, sempre muito bem alinhadas com a trilha sonora, personagem onipresente e inconfundível do filme. Em se tratando das canções, “Embalos de Sábado à Noite” tem a banda Bee Gees como carro chefe atravessando momentos emblemáticos com a estridência vocal do trio na já mencionada “Stayin' Alive", “How Deep Is Your Love" e “More Than A Woman”, além de outras pérolas que sacudiram os bailes do mundo todo como "A Fifth of Beethoven" (Walter Murphy) e "Night on Disco Mountain" (David Shire). John Travolta tem o traquejo ideal para viver um personagem que lhe exige flexibilidade dramática, gingado como dançarino e o desafio do amadurecimento individual. O ar cafajeste, malandro, vaidoso e fútil vai dando espaço para a sensibilidade emotiva, para a circunspeção, a responsabilidade, o senso de justiça e finalmente o desejo de conquistar um futuro melhor, tudo isto, à medida que o talentoso rei das pistas vai se deixando influenciar por Stephanie. Falando nela, Karen Lynn Gorney consegue transmitir a personalidade ambígua de uma jovem ambiciosa, cheia de sonhos de grandeza, antipática e esnobe, porém, tão vítima do ciclo vicioso da falta de oportunidades e das condições sociais adversas quanto Tony e seus amigos. “Embalos de Sábado à Noite” tem o impacto, carisma e a energia para conquistar gerações, tudo isto porque o poder sugerido pelas temáticas e reflexões de sua mensagem vão muito além da exuberância sensual e contagiante da era de ouro da “Disco Music”.


Por: Ábine Fernando Silva


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