Augusto Diniz | Música brasileira

Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.

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Vanessa da Mata: ‘Mulheres passam perigo neste País’

Cantora e compositora lança neste Dia Internacional da Mulher seu sétimo álbum entre as dores dos últimos tempos e a leveza

Foto: Priscila Prade/Divulgação
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Vanessa da Mata saiu de casa, no interior do Mato Grosso, aos 14 anos para tentar a sorte em Uberlândia (MG), onde passou a tocar em bares da cidade.

Vi muitas vezes, inclusive dentro da minha família, casos abusivos. Eu vejo hoje, até por mim mesma, a necessidade de um trabalho de libertação, do que é dado pelo gênero masculino de fazer, prover, sustentar”, conta. A cantora e compositora diz que ter uma menina neste país com alto índice de violência “precisa se preocupar muito” – Vanessa tem dois filhos e uma filha, irmãos adotados por ela. 

“Quando falo com minhas amigas, nenhuma passou a vida sem ter uma situação séria no Brasil de abuso. Perdi uma há pouco tempo de câncer que dizia ter certeza que era por causa de traumas. A gente tem um lado muito feio. A gente sabe fazer festa, mas é muito violento. A gente é muito fruto de abuso”, diz.

A cantora lembra que, ao sair de casa, tinha necessidade de autoafirmação e ao mesmo tempo de se proteger. “Tive momentos de muita dor e perigos. Em São Paulo fui assaltada 10 vezes – os detalhes são horrorosos. Eu escolhi sobreviver em todos os sentidos”, conta. 

Para ela, chegou o momento das mulheres falarem disso. “Agora vai ser uma explosão daquelas que foram maltratadas em muitos sentidos. Aí vai ter que caber a leveza da poesia musical, a terapia, o conceito de religiosidade, que trazem um alívio. E a gente também deve atuar com força dentro de política para as mulheres que passam perigo”, diz.

Novo disco

Com o nome de Vem Doce, o sétimo álbum de estúdio de Vanessa, de 13 faixas, “vai desde uma Vizinha Enjoada (faixa sobre problemas com a vizinhança) que todo mundo tem a Face e Avesso (sobre nosso atraso) de um Brasil que a gente viu nos últimos tempos muito dolorido, muito feio”, como ela cita. 

“Tenho simbiose com esse lado mais jogado, negligenciado do Brasil”, acrescenta. “Esse disco está bem acentuado neste sentido, chuta a porta. Tem também o outro lado, do romance, maravilhoso. Não tão escancarado, não tão bobinho, mas um romance cheio de ironia”. 

A única canção do disco que Vanessa da Matta não assina é Comentário a Respeito de John, de Belchior com José Luiz Penna. É a primeira vez que ela grava Belchior, e conta com a participação do pernambucano João Gomes – também fã do cearense.

“Ele traz essas coisas de percorrer as ruas do Brasil. Vejo nossas cores e influências, esse Brasil profundo. Nossos protagonistas e antagonistas. O próprio legado dele é esse momento novo brasileiro”, descreve a canção do inesquecível Belchior e quem considera um “injustiçado” em reconhecimento. 

Além de Face e Avesso, outra faixa com tom político-social de autoria da artista é Foice: a canção trata da dificuldade de reconhecermos a pluralidade e a diversidade em meio à incompetência política. 

Destaques são ainda a canção Me Liga (com Dom Lucas) – uma música bem resolvida em letra e melodia, com toque de samba – e Gêmeos (de autoria só da Vanessa), com uma letra sobre o livre arbítrio, um tema em que a cantora constrói entre pensamentos culturais e religiosos pré-determinados uma saída desse padrão.

Vanessa da Mata traz leveza (mais uma vez) nas canções, percorrendo sonoridades não exageradas de pop, MPB, algo regional e o som da periferia. 

A cantora percorre muito bem esses elementos na faixa-título Vem Doce (composição com DJ Papatinho) que abre o disco, Eu Repetiria (com Ana Carolina), Fogo, Fique Aqui (com o rapper L7nnon, que participa da gravação), Amiga Fofoqueira (só de Vanessa da Mata e na linha do cotidiano Vizinha Enjoada), Menina (com Ilan Adar) que é uma poesia, e Oi (com Marcelo Camelo). Vanessa da Mata prova mais uma vez que sabe seduzir ouvintes como ninguém.

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