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    Como fica o Brasil após a recomendação da OMS para a redução da poluição do ar

    A exposição à poluição do ar causa a morte de 7 milhões de pessoas a cada ano no mundo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde

    Novos estudos apontam que a poluição causa danos à saúde humana em concentrações ainda mais baixas do que se tinha conhecimento
    Novos estudos apontam que a poluição causa danos à saúde humana em concentrações ainda mais baixas do que se tinha conhecimento Foto: Alexandros Maragos (Getty Images)

    Lucas Rochada CNN

    Em São Paulo

    A Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou, na quarta-feira (22), novas diretrizes globais sobre a qualidade do ar. O novo texto tem como base mais de 500 estudos científicos, analisados por painéis de pesquisadores da OMS, que indicam que a poluição causa danos à saúde humana em concentrações ainda mais baixas do que se tinha conhecimento. O documento deve ter impactos no Brasil (leia mais abaixo) e renova um conjunto de orientações, que havia sido atualizado pela última vez em 2005.

    As diretrizes se referem a seis grandes poluentes: dois tipos de material particulado (PM 2.5 e PM 10), o ozônio (O₃), o dióxido de nitrogênio (NO₂), o dióxido de enxofre (SO₂) e o monóxido de carbono (CO).

    O objetivo das diretrizes é proteger a saúde das populações, reduzindo os níveis dos principais poluentes atmosféricos, alguns dos quais também contribuem para as mudanças climáticas. Especialistas consultados pela CNN ajudam a entender a situação do Brasil e destacam os principais desafios do país na área.

    O que é o material particulado e por que ele é tão nocivo

    Uma das principais recomendações da OMS é a redução da emissão global da forma mais fina do material particulado (PM 2.5) pela metade. O índice considerado tolerado, que era de até 10 microgramas por metro cúbico, passou para 5.

    “As diretrizes da OMS dizem que as partículas entram profundamente no nosso organismo e causam doenças sistêmicas. Se reconheceu que as partículas mais finas são aquelas que têm maior potencial tóxico e, consequentemente, é sobre elas que têm que existir maior proteção à saúde”, explica o pesquisador Paulo Saldiva, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), que participou da elaboração dos documentos da OMS em 2005 e em 2021.

    O material particulado é gerado principalmente pela combustão de combustíveis usados em diversos setores, como transporte, energia, indústria, agricultura, além das residências.

    Em 2013, essas partículas em suspensão, juntamente com a poluição do ar, foram classificadas como cancerígenas pela Agência Internacional de Pesquisa do Câncer (IARC), da OMS.

    Os dois tipos de materiais particulados são capazes de penetrar nos pulmões de maneira profunda. No entanto, as partículas mais finas (PM 2.5) são ainda mais perigosas, pois conseguem alcançar a corrente sanguínea, levando a impactos cardiovasculares e respiratórios, além de afetar outros órgãos.

    De acordo com o pesquisador da USP, as consequências da exposição a longo prazo aos poluentes atmosféricos são semelhantes aos danos causados pelo uso do cigarro.

    “Morte prematura, agravamento de doenças respiratórias, como a asma, bronquite crônica e enfisema, infarto agudo do miocárdio, infarto cerebral, câncer de pulmão e possivelmente de bexiga. A poluição já está nos livros textos de medicina como um dos fatores que podem levar a essas condições”, afirma Saldiva.

    Segundo o especialista, outras consequências da poluição do ar ainda permanecem em estudo, como o desenvolvimento de malformações congênitas e a aceleração no processo de evolução de doenças cognitivas como o Alzheimer.

    “A OMS coloca a poluição do ar como um dos maiores riscos ambientais evitáveis para a mortalidade no planeta. Quando se controla a poluição, com o aumento da eficiência dos motores e mudando a matriz energética, você também combate os efeitos de longo prazo em termos de gases do efeito estufa”, ressalta.

    A situação no Brasil

    No Brasil, o contexto da poluição atmosférica é avaliado pelo Ministério do Meio Ambiente através da Rede Nacional de Monitoramento da Qualidade do Ar. Os padrões são estabelecidos por resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).

    Especialistas ressaltam que o monitoramento é insuficiente na maior parte dos estados brasileiros e que as informações disponibilizadas publicamente sobre a qualidade do ar e das fontes de poluição ainda são escassas.

    Em agosto, o ministério lançou o Programa Nacional Ar Puro, que reúne, entre outras iniciativas, um aplicativo de monitoramento da poluição atmosférica. De acordo com a pasta, o programa coloca em ação o Sistema Nacional de Monitoramento da Qualidade do Ar (MonitorAr), que permitiria divulgar informações em tempo real, por meio de site e aplicativo gratuitos.

    A estratégia prevê, ainda, a instalação de estações de alta tecnologia nos 17 estados do país que ainda não contam com essa estrutura. Pelo menos 126 estações no Brasil já foram integradas à iniciativa, em estados como Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul, Espírito Santo e Bahia, de acordo com o ministério.

    A CNN procurou o Ministério do Meio Ambiente para obter as informações sobre a emissão no país dos poluentes descritos pela OMS no novo documento, mas não obteve retorno.

    Segundo o Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), uma organização sem fins lucrativos criada em 2006, o controle das fontes poluidoras, como indústrias e veículos, ainda é insuficiente para atender os padrões de qualidade do ar indicados pela OMS.

    De acordo com o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), uma iniciativa do Observatório do Clima, o Brasil teve um aumento de 9,6% das emissões brutas de gases de efeito estufa em 2019, em comparação com o ano anterior. O país lançou 2,17 bilhões de toneladas de dióxido de carbono, contra 1,98 bilhão em 2018.

    Para Paulo Saldiva, pesquisador da USP, o Brasil se encontra em um momento decisivo em relação ao posicionamento diante da emissão de gases poluentes.

    “O Brasil fez muito da lição de casa. A cidade de São Paulo, que tem a maior série histórica de medidas de poluição, é mais limpa hoje do que era nos anos 1970. Foi uma das coisas que melhorou ao longo do tempo. Isso foi feito baseado na mudança da qualidade do combustível e melhoria da tecnologia do motor a explosão. Só que nenhum carro emite perfume”, comenta.

    Segundo Saldiva, os avanços alcançados nos últimos anos devem servir de impulso para a busca por melhorias. Para o pesquisador, os melhores resultados poderão ser obtidos a partir do mercado e dos novos hábitos da população.

    “Hoje, um jovem já não tem apego a ter um veículo como era antigamente. Está acontecendo uma mudança no uso excessivo do carro, assim como houve para o cigarro. Eu vejo uma perspectiva mais objetiva baseada na mudança de comportamento e consequente mudança do mercado”, afirma.

    Para o pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Christovam Barcellos, o Brasil enfrenta três grandes frentes para reduzir a poluição atmosférica: o controle das queimadas, a geração de energia limpa e o investimento em veículos menos poluentes.

    “As três grandes fontes de material particulado que temos no Brasil são o veículo automotor, que pode ser substituído pelo álcool, que é muito menos poluente do que a gasolina; a geração de energia limpa, como eólica e solar — infelizmente vamos usar cada vez mais a termelétrica –; e a redução de queimadas, que são a grande fonte de poluição atmosférica”, ressalta.

    O pesquisador de engenharia de transportes Marcio D’Agosto, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explica que a concentração dos poluentes do ar pode variar de acordo com os níveis de emissão e as características territoriais e climáticas de cada cidade. Por isso, estabelecer metas para a redução na emissão das substâncias nocivas é um processo complexo.

    Segundo o especialista do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ), a mesma quantidade de um poluente emitida em uma cidade como São Paulo, por exemplo, pode representar uma concentração distinta no ar em relação ao Rio de Janeiro. Essa diferença está associada principalmente às condições de relevo, umidade do ar e regime de ventos em cada uma das metrópoles.

    “Esses tipos de poluentes são de ação local, ou seja, em princípio eles podem comprometer a saúde das pessoas e dos seres vivos, de uma forma geral, que estão próximos da fonte de emissão. Nas cidades, os principais responsáveis pela emissão desse tipo de poluente são os veículos automotores que queimam qualquer tipo de combustível”, afirma Marcio.

    De acordo com ele, a composição das emissões pode ser diferente, mas toda queima de combustível emite poluente atmosférico. “O material particulado está muito associado à fumaça preta, de ônibus, caminhão e veículos comerciais que queimam óleo diesel. Os outros automóveis e motocicletas estão mais associados ao monóxido de carbono, ao hidrocarboneto não queimado e aldeído, que são outros tipos de poluentes”, afirma.

    Ausência de mudanças custa vidas, diz OMS

    De acordo com estimativas da OMS, a cada ano, a exposição à poluição do ar causa a morte de 7 milhões de pessoas, além da redução do tempo de vida de indivíduos saudáveis.

    Para as crianças, os impactos são ainda mais acentuados, incluindo a diminuição do crescimento e da função pulmonar, infecções respiratórias e asma grave. Nos adultos, a doença isquêmica do coração e o acidente vascular cerebral (AVC) são as causas mais comuns de mortes atribuíveis à poluição do ar, além de evidências de outros agravos, como diabetes e doenças neurodegenerativas.

    O peso crescente da poluição em países de baixa e média renda

    As disparidades na exposição à poluição do ar estão aumentando em todo o mundo, de acordo com a OMS. Países de baixa e média renda apresentam níveis crescentes de poluição do ar devido à urbanização em grande escala e ao desenvolvimento econômico associado principalmente à queima de combustíveis fósseis.

    Embora a OMS considere algumas melhorias na qualidade do ar nas últimas três décadas, a instituição reforça que milhões de pessoas continuam a morrer prematuramente, principalmente populações mais vulneráveis.