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    Eleições 2022

    Realizada em ano eleitoral, Copa do Mundo tem histórico de uso político

    Depois de 92 anos, principal torneio de futebol do planeta ocorrerá em ano de disputa presidencial, mas após a votação ― competição coincide com eleições no Brasil desde 1994; cinco presidentes já levantaram a taça ao lado dos atletas

    Vampeta dá cambalhota na rampa do Palácio do Planalto, em Brasília, onde a seleção brasileira foi recebida pelo presidente Fernando Henrique Cardoso depois da conquista da Copa do Mundo de 2002, no Japão e na Coreia do Sul
    Vampeta dá cambalhota na rampa do Palácio do Planalto, em Brasília, onde a seleção brasileira foi recebida pelo presidente Fernando Henrique Cardoso depois da conquista da Copa do Mundo de 2002, no Japão e na Coreia do Sul Estadão Conteúdo

    Rodolfo Stipp Martinocolaboração para a CNN

    Na semana decisiva da Copa do Mundo de 1950, a concentração da seleção mais parecia um ponto de peregrinação. Políticos que tentavam vincular as próprias imagens ao sucesso dos jogadores passaram a visitar a equipe, grande favorita ao título.

    Pouco antes da decisão contra os uruguaios, os atletas brasileiros tiveram de se encontrar com dois candidatos a presidente naquele ano: Eduardo Gomes (UDN) e Cristiano Machado (PSD).

    Só que a festa preparada no Maracanã, maior estádio do mundo na época e construído especialmente para o mundial, virou decepção.

    Em campo, o Uruguai venceu o Brasil por 2 a 1 e conquistou o título. Menos de três meses depois, nem Gomes nem Machado se elegeram.

    Getúlio Vargas (PTB) obteve o melhor desempenho nas urnas e voltou ao poder ― apenas cinco anos após ter saído do cargo que havia ocupado entre 1930 e 1945.

    Ao longo da história, muitos políticos procuraram se aproximar do futebol, apesar das incertezas sobre os resultados da iniciativa.

    Professor da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Sobre Futebol e Modalidades Lúdicas (Ludens), Flávio de Campos diz que a importância da seleção brasileira para os líderes políticos foi crescendo à medida que a popularidade do esporte aumentava.

    A seleção acabou se tornando um símbolo oficioso do Brasil. É normal que tenha tido uma disputa para se aproximar dela

    Flávio de Campos, professor da USP

     

    A lógica inversa também era normal: dirigentes de futebol passaram a procurar o poder. O professor Bernardo Buarque de Hollanda, da Escola de Ciências Sociais do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, da Fundação Getúlio Vargas (FGV-CPDOC), lembra do papel de João Havelange, que presidiu a Confederação Brasileira de Desportos por 17 anos, de 1958 a 1975.

    “Havelange sempre foi um articulador entre a seleção e os poderes políticos. Esteve com Juscelino Kubitschek, com João Goulart e com os militares, a quem, inclusive, fez muitos elogios. Foi uma figura estratégica nessa aproximação do imaginário da seleção com o Brasil”, diz.

    E 2022 é, novamente, ano de Copa do Mundo ― mas, depois de 92 anos, o principal torneio de futebol do planeta ocorrerá após a eleição presidencial brasileira.

    Carros de presente para os campeões

    A conquista de uma Copa obrigatoriamente fazia com que os jogadores se encontrassem com os presidentes da República. No caso do Brasil, seleção nacional que detém o maior número de mundiais, isso aconteceu cinco vezes.

    Na primeira delas, em 1958, após vencerem a Copa na Suécia, os atletas foram ao então presidente, Juscelino Kubitschek, no palácio do Catete, no Rio de Janeiro.

    Em seu discurso, JK considerou o triunfo em campo como a “afirmação de uma raça”.

    Em 1962, com o bicampeonato, João Goulart, ocupando a Presidência, saudou os jogadores em Brasília com festa. As câmeras do Canal 100 registraram cenas da celebração.

    O narrador descreveu que o “povo invadiu o palácio e ninguém pôde contê-lo em um delírio jamais visto”.

    O tricampeonato veio em 1970, em plena ditadura militar e depois de o AI-5, o Ato Institucional nº 5, baixado em dezembro de 1968, ter suspendido direitos civis e políticos e intensificado a repressão, resultando em torturas e assassinatos de opositores do governo.

    Quem comandava o país naquele ano era o general Emílio Garrastazu Médici, que gostava de futebol. O interesse dele era tanto que teria pedido a convocação do atacante Dario, o Dadá Maravilha, então centroavante do Atlético Mineiro.

    Treinador da seleção na época, João Saldanha respondeu que não escalava o ministério, e o presidente não escalaria o time.

    Saldanha era ligado ao PCB (Partido Comunista Brasileiro) e caiu antes da Copa. Seu substituto, Zagallo, optou em levar Dario para o torneio.

    Logo após a conquista, Médici usou politicamente a imagem da seleção, em declaração registrada pelo jornal Folha de S.Paulo.

    Disse ser um “brasileiro comum” que identificava no sucesso do time os princípios para a luta “em favor do desenvolvimento nacional”, citando “unidade e convergência de esforços”.

    As ideias de unidade e progresso eram exploradas pela ditadura e aparecem na música ufanista “Pra Frente, Brasil”, que se tornou o grande tema da equipe.

    Na volta da seleção ao Brasil, Médici se encontrou com os jogadores em Brasília e levantou a taça Jules Rimet.

    Outro político que tentou se aproveitar do tricampeonato foi o então prefeito de São Paulo, Paulo Maluf.

    Além de se reunir com os atletas vencedores e homenageá-los, presenteou-os com 25 carros do modelo Fusca, utilizando dinheiro público.

    Os veículos eram verdes e traziam, no para-brisa, um adesivo com o mote da ditadura militar: “Brasil, ame-o ou deixe-o”.

    Em 1974, Maluf foi condenado a devolver o dinheiro usado na compra dos carros aos cofres públicos, mas recorreu e acabou inocentado no final.

    Atletas do tri: foco no campo

    Anos depois desses episódios, o capitão do tricampeonato, Carlos Alberto Torres, comentou em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em 1988, que os jogadores brasileiros da Copa de 1970 se preocupavam apenas em vencer o torneio ― e não em serem usados pelo regime militar como propaganda.

    “A nossa preocupação era estar bem fisicamente, porque tecnicamente nós sabíamos que, se bem preparados para jogar na altitude mexicana, nós ganharíamos a Copa do Mundo. Sem pensar em ditadura. O que interessava para nós era a nossa carreira, o orgulho profissional em ganhar uma Copa do Mundo”, disse o ex-jogador.

    Na época da entrevista, Torres pretendia se lançar candidato a vereador pelo PDT no Rio de Janeiro — ele ocuparia o cargo entre 1989 e 1993.

    Outro campeão de 1970, Tostão escreveu numa coluna para a Folha de S.Paulo, em 2014, que os jogadores não sabiam dos crimes da ditadura.

    “Eles [atletas] e a população desconheciam também as atrocidades que ocorriam no país. Isso tem sido revelado com o tempo. Eu me informava com meus irmãos mais velhos, politizados e, como eu, contrários à ditadura”, afirmou.

    Resultado das Copas x resultado nas urnas

    Por nove vezes as Copas do Mundo e as eleições para presidente do Brasil foram disputadas no mesmo ano.

    Dessas, somente a de 1930, na primeira edição do torneio, contou com a votação antes dos jogos.

    Em 1950, o pleito vencido por Vargas ocorreu apenas 79 dias depois da derrota para o Uruguai, conhecida como “Maracanazo”.

    Desde 1994, a competição esportiva e a disputa eleitoral caem sempre nos mesmos anos. A Copa costuma ser disputada nos meses de junho e julho, e as eleições ocorrem em outubro.

    Veja imagens: presidentes, política, a seleção brasileira e as Copas do Mundo

    Em julho de 1994, o então presidente Itamar Franco recebeu, no Palácio do Planalto, a equipe tetracampeã. Ele cumprimentou individualmente o elenco, entregou medalhas de condecoração e foi aplaudido por torcedores que assistiam à homenagem.

    Menos de três meses depois, seu ex-ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que havia participado da criação do Plano Real, venceu a eleição presidencial.

    Em 2002, foi a vez do próprio Fernando Henrique Cardoso, no fim de seu segundo mandato, receber o time do penta. Ele levantou a taça e a beijou.

    Quando o jogador Vampeta desceu a rampa do Planalto dando cambalhotas, FHC aplaudiu, aos risos. A imagem das acrobacias rodou o mundo. Anos depois, Vampeta afirmou, em algumas entrevistas, que estava alcoolizado.

    Diferentemente do que aconteceu com Itamar, Fernando Henrique viu um opositor vencer a eleição realizada após a Copa. Luiz Inácio Lula da Silva (PT) superou o candidato governista, José Serra, no segundo turno.

    Lula é fã de futebol ― e torcedor do Corinthians. Em sua trajetória, liderou grandes assembleias no estádio da Vila Euclides, em São Bernardo do Campo (SP), no fim da década de 1970.

    Em seus dois governos, o petista não viu a seleção ser campeã, mas foi durante sua gestão que o Brasil assegurou o direito de sediar a Copa de 2014 e as Olimpíadas do Rio de Janeiro de 2016.

    Nos dias seguintes aos anúncios oficiais, imagens com o presidente estampavam os jornais. Só que a conquista política virou desgaste para sua sucessora, Dilma Rousseff (PT).

    O alto gasto público para construir estádios e organizar a Copa ajudou a fomentar os protestos em 2013 que acabaram conhecidos como “Jornadas de Junho”.

    No ano seguinte, Dilma foi vaiada e xingada nos estádios durante a Copa. O evento foi realizado sem falhas de organização.

    Apesar da oposição crescente, a presidente se reelegeu 110 dias depois da estrondosa derrota da seleção brasileira por 7 a 1 para Alemanha, no Mineirão, na semifinal da Copa.

    As cores do futebol como elemento político

    Durante o governo da petista, protestos nas ruas foram se repetindo de forma crescente e o futebol voltou à cena: o uniforme do time da CBF passou a ser usado por seus opositores nas manifestações.

    “O que tem de novo nesse período foi uma apropriação da camisa da seleção por apoiadores de políticos da direita”, diz o professor Flávio de Campos, da USP.

    “O uso da camisa verde-amarela da seleção, daquele jeito que vimos, nem a ditadura militar tinha conseguido”, ressalta.

    Após o impeachment de Dilma, em 2016, e ao longo do mandato de Michel Temer (MDB), a cor amarela continuou como parte do vestuário dos apoiadores do então candidato Jair Bolsonaro (agora no PL) na eleição seguinte, em 2018.

    Não foram raras as vezes em que o atual presidente da República vestiu camisas de futebol ou foi a estádios. Uma delas foi quando Bolsonaro resolveu acompanhar uma partida do Flamengo em Brasília ao lado do então ministro da Justiça, Sergio Moro (Podemos).

    Ambos usaram a camisa do clube carioca e foram aplaudidos.

    Em 2020, em meio a manifestações contrárias e favoráveis a Bolsonaro em São Paulo, torcidas de times de futebol foram protestar contra o governante usando camisas de times como Corinthians, Palmeiras, São Paulo e Santos, enquanto os apoiadores do presidente continuaram se identificando com o uso do uniforme amarelo da CBF.

    Como lembra o professor Bernardo Buarque de Hollanda, da FGV-CPDOC, houve ali uma “divisão cromática”, com o futebol “representando um elemento demarcador das diferenças políticas”.

    Caso a seleção vença o hexacampeonato no Qatar e os jogadores se reúnam com Bolsonaro, essa será a sexta vez que um presidente do Brasil receberá os atletas campeões logo após a conquista esportiva.

    Mas a exaltação de um possível triunfo do time da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) não ocorreria na campanha eleitoral.

    Como a sede é no Qatar, a Federação Internacional de Futebol (Fifa) decidiu marcar o início da competição em novembro, quando as temperaturas são mais baixas no país.

    O primeiro turno da votação será em 2 de outubro, e o segundo, se necessário, no dia 30 do mesmo mês.

    As partidas do mundial começam em 21 de novembro. A final está marcada para 18 de dezembro, duas semanas antes do término do atual mandato de presidente.

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