Uso compartilhado de drogas x dolo eventual no homicídio decorrente de overdose: STJ analisa o caso

dolo eventual no homicídio decorrente de overdose

Uso compartilhado de drogas x dolo eventual no homicídio decorrente de overdose: STJ analisa o caso

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o AgRg no AREsp 1980372 / CE, decidiu que, diante da manifesta ausência de provas indicativos da prática de homicídio doloso, ou da assunção do risco de matar, impõe-se a desclassificação para crime culposo, com remessa dos autos ao juízo competente para julgamento, não havendo cogitar em usurpação da competência constitucional do tribunal do júri.

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Uso compartilhado de drogas

O uso compartilhado de drogas é considerado um crime intermediário entre tráfico (art. 33) e porte de drogas para consumo próprio (art. 28), e puni aquele que oferece substância ilícita, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem.

Portanto, para que o crime de uso compartilhado de drogas possa se consumir são necessários os seguintes requisitos:

  • Oferecimento da droga não ocorrer de maneira habitual, frequente;
  • Não ser oferecida com objetivo de se auferir lucro;
  • Ser oferecida para pessoas conhecidas, próximas, para juntos a consumirem.

Em suma, o indivíduo que consome esporadicamente a droga e a oferece a outra pessoa de seu relacionamento, sem insistência e sem objetivo de lucro, não incorre no delito descrito no caput do art. 33 da Lei de Drogas, isso, assim, resta ausente o dolo específico do caput.

O art. 33, § 3°, da Lei de Drogas, prevê pena de detenção, de 6 meses a 2 anos, e pagamento de multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28 (advertência sobre os efeitos das drogas; prestação de serviços à comunidade e/ou medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo).

Diferença entre dolo eventual e culpa consciente

Para entendermos melhor o caso em análise pelo STJ, precisamos relembrar a diferença entre dolo eventual e culpa consciente.

O dolo eventual abrange noção de risco. No dolo eventual o agente não se preocupa com o que vai causar, ter como resultado. Ele assume o risco da ocorrência do resultado.

Já a culpa se divide em culpa consciente e culpa inconsciente. Quando falamos da culpa consciente quer se dizer que há previsão. O agente prevê o resultado. Na culpa consciente o agente prevê o resultado, mas acredita que tal fato não irá acontecer. Ou seja, neste caso não há assunção de risco pelo agente.

Dolo eventual e culpa consciente possuem um fator de convergência: Trata-se da previsão. Porém, no dolo eventual o agente não liga para o resultado, assume o risco da sua ocorrência. Na culpa consciente, o agente acredita que não vai acontecer.

Culpa inconsciente é aquela em que o agente não possui a previsão. Ou seja, ele não chega a visualizar o resultado como possível. O agente atua com inobservância do dever objetivo de cuidado, mas não prevê o resultado como possível.

Para adentrarmos ao caso analisado pelo STJ, resta um questionamento importante: a overdose significa dolo eventual daquele que oferece a droga ao outro no caso de uso compartilhado?

No caso em tela (AgRg no AREsp 1980372 / CE), o STJ entendeu que não, haja vista que, conforme destacado na própria decisão, o recorrente e a vítima, usuários de drogas, na data dos fatos fizeram uso compartilhado de morfina injetável. Instantes depois da mútua aplicação, ele percebe que ela está desacordada, possivelmente, em decorrência de overdose.

Considerando que ambos estavam drogados, questiona-se: qual o grau de consciência do agente naquele momento?

Ora, sabe-se que o dolo exige a plena consciência. Vê-se que os elementos dos autos estão exatamente a justificar a manifesta ausência de dolo. Lembrando que o agente que atua com a consciência alterada não pode responder pela prática de crime por dolo eventual. 

Destaque da decisão do STJ sobre o tema

“Interposto recurso em sentido estrito, o Tribunal a quo deu provimento ao recurso defensivo para desclassificar para o delito de homicídio culposo, determinando o retorno dos autos ao juízo competente, consignando que “a prova indica claramente que o réu não assumiu, porque não cogitou, no momento em que, supostamente, aplicou a droga na vítima, o risco de produzir nela o resultado morte”. Extrai-se do voto condutor do julgamento (fls. 1127-1137): […] A tentativa de prestar socorro, frustrada pela debilidade e sonolência momentâneas do réu, ainda sob o efeito da mesma droga que matou a vítima; o vagar sem rumo pela cidade; a desorientação psíquica, havendo, inclusive, referências testemunhais a uma contida intenção suicida, tudo isso conduz à inexorável conclusão de que o acusado, ora recorrente, não foi indiferente, tendo, ao contrário, ficado seriamente abalado pela morte da vítima. Deflui indiscutivelmente da prova coligida que Gregório Donizete Freire Neto jamais assumiu, introjetou ou sequer calculou, de alguma forma, qualquer risco de provocar a morte de Yrna de Souza Castro Lemos, com a qual, segundo os relatos testemunhais, mantinha um relacionamento afetivo estável e desejado por ambos, e no qual o consumo ilícito de morfina era uma atitude frequente.”

Ementa

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. PENAL. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AOS ARTS. 74, §§ 1º E 3º E 413, DO CPP. HOMICÍDIO. USO COMPARTILHADO DE DROGAS. OVERDOSE. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. EFEITO DEVOLUTIVO. DOLO EVENTUAL. NÃO DEMONSTRADO. AUSÊNCIA ELEMENTOS CAPAZES DE DEMONSTRAR A ASSUNÇÃO DO RISCO DE MATAR. DESCLASSIFICAÇÃO. CRIME CULPOSO. REMESSA AO TRIBUNAL DO JÚRI. INVIABILIDADE. NECESSIDADE DE REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA N. 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO.
1. A interposição de recurso em sentido estrito devolve ao Tribunal a quo a análise de toda a matéria impugnada.
2. Diante da manifesta ausência de provas indicativos da prática de homicídio doloso, ou da assunção do risco de matar, impõe-se a desclassificação para crime culposo, com remessa dos autos ao juízo competente para julgamento, não havendo cogitar em usurpação da competência constitucional do tribunal do júri.
3. A inversão do julgado recorrido demandaria o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, providência inviável nesta instância especial, nos termos da Súmula n. 7 do STJ.
4. Agravo regimental provido para não conhecer do recurso especial.
(AgRg no AREsp n. 1.980.372/CE, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, relator para acórdão Ministro João Otávio de Noronha, Quinta Turma, julgado em 27/9/2022, DJe de 30/9/2022.)

Para ler a decisão na íntegra, clique aqui.

Fonte: STJ

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