Francisco de Assis e os bisnetos Dav Tartáglia e Beatriz Ribeiro

Francisco de Assis Ribeiro e os bisnetos Davi Tartáglia e Beatriz Ribeiro

Arquivo pessoal

Francisco de Assis Ribeiro, de 83 anos, tem 12 netos e quatro bisnetos. A relação muito próxima construída por eles, segundo o aposentado, é ótima, pois seu nível de compreensão permite conviver com eles e enxergar neles o futuro. “Eles despertam em mim muito amor. Hoje, de um modo geral, as crianças têm um nível de compreensão e atitudes que não tinham na minha época. Elas têm muito mais informações pela mídia, como também estão mais evoluídas para preparar o mundo para um futuro bem melhor do que esse nosso, com mais empatia, amor, compreensão e boa vontade.”

Esse tipo de convívio, apesar da grande diferença de idade entre idosos e crianças, é muito benéfico e enriquecedor para ambos. Segundo Simone de Paula Pessoa Lima, geriatra da Saúde no Lar, empresa especializada em home care, a criança demanda contato físico e atenção. “Ela quer alguém que a escute, que partilhe com ela a descoberta de todo um mundo novo que está aprendendo. Já o idoso também demanda atenção de alguém que converse com ele. Que tenha tempo para interagir sem pressa. Então juntamos ‘a fome com a vontade de comer’”, comenta.
 

Ela explica que ainda existe um carinho nessa relação. “A criança por si busca contato físico e costuma ser bem carinhosa e é desse contato que o idoso sente falta: do abraço, de segurar a mão, por exemplo. Por isso, esse encontro/partilha de tempo e vida entre idosos e crianças acaba sendo uma troca positiva para os dois.

A expressão usada para os avós de que eles são  “pais com mais calma, tempo e experiência” é um fato. A maioria dos idosos tende a ter mais tempo por já estarem  aposentados e sem a correria do trabalho, ou pelo menos daquele horário tão rígido. 

Simone explica que a preocupação em educar não costuma ser o foco principal da relação. “Ela acaba sendo deixada a cargo dos pais, tornando o convívio mais leve e gratificante. A experiência mostra caminhos mais brandos até para, quando necessário, corrigir. Os idosos conseguem curtir mais os netos do que puderam curtir os próprios filhos. Podem trocar experiências e brincar com a geração mais nova.”}

Janete Nascimento com a neta Maria Clara

Janete Nascimento: contato com a neta Maria Clara a faz esquecer dos problemas

Arquivo pessoal

Mente afiada

Por outro lado, essa alegria e intensidade da criança ajudam nas atividades físicas do idoso, já que é quase impossível não se movimentar ao estar com uma criança. Isso favorece a  musculatura do idoso e mantém a mente “afiada”. Além disso, é comum que os idosos não só ensinem, mas aprendam com as crianças. Existem teses provadas cientificamente que falam que a interação e o convívio entre idosos e crianças aumentam a esperança dos mais velhos. 

O aprendizado, conforme Simone, vem da troca, por exemplo, relacionada às diferenças de gerações. “Existem netos que ajudam a avó a fazer um caderno de receita, organizando e escrevendo as receitas dos quitutes ou mesmo digitalizando-as; têm aqueles que ensinam a ligar a TV e entrar nos vários canais de streaming.” Os avós podem ajudar na contação de histórias e nas leituras para as crianças, aprendendo novas informações, conteúdos e palavras. 

geriatra Simone de Paula Pessoa Lima

A geriatra Simone de Paula Pessoa Lima destaca a troca de vivências entre gerações

Mariana Beltrame/divulgação

A moda agora são os ‘netos de aluguel’

Uma novidade, explica a geriatra, são os netos de aluguel - pessoas que vão à casa de idosos para ajudá-los com a parte de informática, por exemplo. Eles são contratados, mas precisam ter um cuidado especial com essa população para atingir o objetivo de ensiná-los, gerando aprendizado em questões motoras, cognitivas ou sentimentais.

Os netos também ajudam seus avós a resgatarem o passado, já que perguntam sobre brincadeiras que eles também tenham feito ou mesmo de vivências passadas por eles no período em que eram crianças. Francisco, por exemplo, procura exemplificar aquilo que ele é hoje, sem falar do que ele era no passado.

“A nossa compreensão das coisas vai mudando, paradigmas mudam, prioridades mudam, assim como a visão espiritual da vida e do mundo. Próximo deles, há também uma retrospectiva da nossa vida  como um todo. Isso nos ajuda a nos esforçarmos para sermos melhores a cada dia. Eu diria que a minha geração e as gerações mais antigas eram muito hipócritas, e hoje, não. Hoje a gente vê mais verdade do que hipocrisia.”

Ele acredita que o mundo está melhorando e cita como exemplo os tempos desde a pré-história, história antiga, história moderna, até chegar na contemporânea.  “A gente vai ver que o mundo vem se aprimorando, as pessoas estão melhorando, a visão das coisas, a compreensão e a moral.”

Tudo isso tende a inspirar os idosos, que estão aptos a mudanças, a melhorias que não param de evoluir. Mesmo que aconteça uma limitação do corpo físico por conta dos anos, a mente segue dependendo de estímulos. Todas as vezes que eles têm contato com pessoas novas, conhecimentos novos, isso melhora e faz com que eles evoluam, melhorem pontos de vista e até preconceitos.

Um outro bom exemplo é o da professora Janete  Nascimento, de 57 anos. Ela conta que o convívio com sua netinha de 4 anos é um presente de Deus. “É uma relação alegre,  prazerosa recheada de risos, brincadeiras, música, idas ao parquinho e muita conversa, de maneira despreocupada com o tempo, sem correria, com muita leveza.”

De acordo com Janete, esse contato a torna uma pessoa mais paciente, mais alegre, descontraída e divertida. “Ela mexe com meu humor. Sua chegada em minha casa ou uma ligação de vídeo fazem o meu dia mais feliz. É mágico. Posso estar triste ou preocupada com algo que ela consegue me fazer esquecer tudo e apenas querer aproveitar o momento.” Emocionalmente, Janete acredita que a convivência é um santo remédio. “Não há nada melhor do que vê-la ávida por brincar, e certa, confiante de que estarei com ela. É a construção de uma grande e eterna amizade cheia de muita cumplicidade”, pontua.  

A idosa acredita que a proximidade com os netos faz com que os avós remetam ao seu passado tanto em relação à infância, convivência com os pais e avós, quanto à infância dos filhos. “Não há como deixar de comparar estes períodos, recordar momentos alegres, felizes, ou até mesmo difíceis. Avaliar, reconhecer o que deu certo e  nossos erros.” 

Janete acredita ser uma referência na vida de Maria Clara. Segundo ela, tanto a presença, como a ausência na vida dos netos é extremamente marcante e, portanto, os avós  têm muita responsabilidade na construção dos valores e personalidade deles.

Umas das coisas importantes desse laço é diminuir a solidão do idoso, seja com a contação de histórias, brincadeiras, jogos, atividades manuais, como mexer com a terra, na horta, realizar colagens e reciclar materiais.