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Bastardos Inglórios é mais do que brincadeira autorreferencial: é uma ode à força redentora do cinema
| Foto:
Divulgação/Warner
A francesa Mélanie Laurent encarna uma femme fatale com sede de vingança, em citação ao clássico noir Cat People.

Há quem cobre do cineasta norte-americano Quentin Tarantino “conteúdo”, “reflexão”. Trata-se de uma demanda conservadora: o diretor de Pulp Fiction – Tempo de Violência e Bastardos Inglórios tem muito a dizer, mas, para compreendê-lo, é preciso analisar sua obra formalmente.

Se Tarantino não tem, aparentemente, o desejo de discutir as mazelas do mundo, questões existenciais ou a relação entre os seres humanos, seu cinema exuberante, verborrágico e embotado de sentidos, revela um criador inquieto, disposto a falar de cinema e de cultura pop. Só não vê (e ouve) quem não quer.

Bastardos Inglórios, atualmente em cartaz, é uma obra-prima da metalinguagem. “Comete” o delito de reescrever a história da Segunda Guerra Mundial, valendo-se de um delírio magistralmente executado. Fala do cinema como força redentora, espaço do impossível – ele é capaz de matar Adolf Hitler, de derrubar o Terceiro Reich.

Na fórmula dessa fantasia ele mistura os épicos de montanha de Pabst e estrelados por Leni Riefenstahl, a diretora do documentário nazista O Triunfo da Vontade. Também recorre aos westerns spaghetti de Sergio Leone, presente na trilha sonora, recheada de temas de Ennio Morricone, e nas cenas de ação e violência, gráficas, estetizadas e coreografadas com o uso de câmera lenta, de sangue falso e farto. Também revisita o cinema noir de Jacques Tourneur,diretor francês da primeira versão de Cat People, filme clássico homenageado tanto na figura vingativa e totalmente femme fatale da sobrevivente Shosanna Dreyfus (Mélanie Laurent) dentro sala de projeção do cinema quanto no tema cantado por David Bowie, extraído da trilha do remake anos 80 de Paul Schrader, A Marca da Pantera. E o que dizer do coronel Hans Landa, personagem extraordinário, à altura do Vincent Vega de John Travolta, defendido com maestria pelo austríaco Christoph Waltz? Ele é a encarnação do mal, da manipulação, mas ao mesmo tempo sedutor, o que o torna ainda mais aterrorizante.

Poderia escrever páginas sobre Bastardos Inglórios, mas acho que este não é espaço adequado, até porque trata-se de um filme que pede a ação do tempo para que algumas conclusões sedimentem. Mas tenho a sensação de que Tarantino está melhor, mais maduro e mais surpreendente como criador. ainda que seus filmes sejam aparentes brincadeiras autorreferenciais sem consequência. Fez um dos grandes filmes que vi neste ano. Alguém discorda?

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