No domínio da paleontologia, é preciso estar sempre preparado para que algo que se julgava saber com certeza seja posto em causa por novas descobertas. Foi o que aconteceu com as descobertas de um sítio fossilífero em Marrocos, revelando factos surpreendentes que desafiam o que pensávamos ser verdades estabelecidas.

O local em questão é a bacia sedimentar de Ouled Abdoun, localizada perto da cidade de Khouribga, no Norte de Marrocos. Encontram-se ali fósseis do final do Cretácico, apenas um milhão de anos antes da extinção em massa do Cretácico-Paleogénico, incluindo dinossauros, répteis marinhos e peixes. E os resultados do seu estudo são surpreendentes.

UMA GRANDE VARIEDADE DE DINOSSAUROS

Uma das coisas que deve ser posta em causa é a ideia estabelecida de que os dinossauros já estavam em declínio aquando da sua extinção, devido às alterações climáticas e ao vulcanismo. Foi observado que, de facto, muitas famílias de dinossauros, bem como outros répteis pré-históricos, parecem ter diminuído em variedade durante o Cretácico.

No entanto, o que este sítio nos mostra é exactamente o contrário: uma grande variedade de dinossauros, desde saurópodes e predadores de tamanho médio até dinossauros com bico de pato e grandes carnívoros do tamanho de cães. Isto mostra que a fauna do actual Norte de África era bastante variada e que, portanto, nem todos os dinossauros estavam em declínio.

Há que considerar que África, no final do Cretácico, não era a grande massa de terra que é hoje, pois o nível do mar era muito mais alto. Segundo os cientistas, nessa altura, era um grande continente insular, de dimensão semelhante à da Austrália actual. E, geralmente, a diversidade em ambientes insulares era menor. No entanto, o que as descobertas mostram é uma diversidade comparável à das grandes massas de terra.

Os herbívoros africanos do final do Cretácico incluíam, por exemplo, saurópodes titanossaurídeos do tamanho de elefantes e hadrossauros do tamanho de cavalos (dinossauros com bico de pato). Mas o mais interessante são os carnívoros, que eram bastante diversificados, o que implica uma abundância e variedade de herbívoros, uma vez que os carnívoros normalmente se especializam em tipos específicos de presas.

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NICK LONGRICH

A espécies recentemente descobertas em Marrocos. 

Entre eles, foram encontrados fósseis de três espécies endémicas de abelisaurídeos, uma família de terópodes originária do hemisfério Sul. Uma delas é o Chenanisaurus barbaricus, que, com quase dez metros de comprimento e dois metros de altura, era o predador de topo do seu ecossistema. Os outros dois, mais pequenos (um do tamanho de um cavalo e o outro do tamanho de um cão grande), ainda não foram nomeados.

Assim, a crença de que todos os dinossauros estavam em declínio quando se extinguiram deve ser revista. Pelo contrário, vários especialistas acreditam que alguns deles estavam numa época de grande expansão, como Nicholas R. Longrich, professor de paleontologia e biologia evolutiva na Universidade de Bath (Reino Unido): "Em baixas latitudes, os dinossauros estavam a prosperar, até mesmo a diversificar-se".

Longrich argumenta que os dinossauros foram dizimados no seu auge: "Durante mais de 100 milhões de anos, evoluíram e diversificaram-se, produzindo uma variedade notável de espécies: predadores, herbívoros, espécies aquáticas e até formas voadoras, as aves. Depois, num único momento catastrófico, foram todos dizimados nos meses de escuridão causados pela poeira e fuligem do impacto."

DINOSSAUROS NADADORES

O segundo facto surpreendente é que alguns destes dinossauros parecem ter nadado até África. Especificamente, os hadrossauros. Esta família de herbívoros evoluiu no que é hoje a América do Norte, que estava então separada de África pelo mar. Na verdade, como mencionado acima, era uma ilha na altura.

Pelo menos três espécies de hadrossauros habitaram o Norte de Áfricano final do Cretácico. Entre elas, uma espécie recentemente descrita, o Minqaria bata, do tamanho de um pónei. Embora pequenos dentro da sua família, os seus cérebros eram excepcionalmente grandes para os padrões dos dinossauros. Possuíam uma crista alongada na cabeça que provavelmente usavam para emitir sons e comunicar.

Uma vez que estes hadrossauros, tanto quanto sabemos, apareceram muito depois de África ter sido separada do resto das terras emergentes, a única possibilidade é que tenham nadado até lá. O problema é que, para lá chegarem, teriam de atravessar centenas de quilómetros de águas abertas, algo que Longrich considera "extremamente improvável".

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RAUL MARTIN

Uma explicação possível seria que, a dada altura, houve uma descida das temperaturas que facilitou a formação de calotes polares e, assim, o nível da água desceu o suficiente para que África não estivesse tão isolada dos continentes mais próximos. Assim, os hadrossauros poderiam ter chegado seguindo uma rota indirecta, ou seja, atravessando entre massas de terra próximas para chegar a África.

"Estas travessias oceânicas podem ser acontecimentos que ocorrem uma vez num milhão de anos, mas o Cretácico durou 100 milhões de anos. Nesse período, podem ter acontecido muitas coisas estranhas, como os dinossauros atravessarem os oceanos", diz Longrich. De facto, os fósseis mostram que os hadrossauros não só chegaram a África, como também se diversificaram extraordinariamente.

As descobertas deste extraordinário "cemitério de dinossauros" levantam muitas questões e mostram quantos mistérios ainda rodeiam estas criaturas e a sua extinção, e que aquilo que pensamos saber sobre eles nunca deve ser tomado como garantido.

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