Rua da Conceição é a mais antiga da cidade e foi projetada, ainda no século XVI, pelo padre jesuíta Gaspar de Samperes – Fotos: Juliana Manzano

No século XVIII, Natal era caracterizada por eventos a céu aberto, semelhantes ao Carnatal atual, mas, evidentemente, em uma escala muito menor. Neste aspecto, a Rua da Conceição, localizada na Cidade Alta, desempenhava um papel central na vida social e política da capital potiguar, tornando-se um ponto de referência para os moradores. À medida que a cidade se expandia, a Rua da Conceição testemunhou mudanças urbanísticas significativas, com novas construções moldando a paisagem da região central da cidade.

Segundo historiadores, a Rua da Conceição não é apenas uma via urbana, mas um testemunho vivo da história da cidade que se desenrolou ao longo dos séculos. Desde suas origens modestas no século XVI até sua configuração atual, a via testemunhou transformações significativas, refletindo o crescimento e desenvolvimento da capital potiguar.

Até o ano de 1700, apenas duas ruas compunham Natal: a da Cadeia e o Caminho do Rio de Beber Água, que hoje corresponde às atuais ruas Santo Antônio e Conceição. A rua da Conceição, como a conhecemos hoje, começou a se formar a partir das cercas que delimitavam os fundos dos terrenos voltados para a rua da matriz.

O historiador e membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN), Adailton Figueiredo, explica como se deu o processo de urbanização de Natal. “Começou na região que hoje corresponde exatamente à Cidade Alta. Para ser mais exato, ali na Praça André de Albuquerque, onde provavelmente foi fincada a Cruz e foi rezada uma missa no dia 25 de dezembro de 1599, dando origem a cidade do Natal. Evidentemente, a área era um descampado, ainda com vegetação nativa, que foi sendo desbravada. Então, a primeira rua que vai surgir é popularmente chamada Caminho do Rio de Beber Água. Nós tínhamos na região onde hoje é o Viaduto do Baldo, uma área onde havia água potável para consumo da população. Então, aquela região era caminho indispensável, fundamental para que houvesse o abastecimento da cidade em qualquer ponto que a população estivesse. Outro detalhe curioso é que o Caminho para Beber Água, a hoje Rua da Conceição mais a atual Rua Santo Antônio, terminando evidentemente na região aonde tem água, nas proximidades do Baldo”, detalha.

O século XIX marcou a consolidação da rua da Conceição como uma via importante em Natal. Documentos históricos de 1791 fazem referência à rua como a “rua direita, que vai por detrás da matriz”. Em 1808, o nome “Rua da Conceição” apareceu oficialmente em uma concessão de terras.

O professor e historiador Henrique Lucena ressalta que a rua da Conceição é a mais antiga da cidade. Ele detalha que a via foi projetada, ainda no século XVI, pelo arquiteto espanhol e padre jesuíta Gaspar de Samperes. “O mesmo que projetou o Forte dos Reis Magos e os limites da cidade colonial fundada pelos portugueses em 1599. O traçado original se ligava até a atual Rua Santo Antônio, na época era conhecida como “Caminho do Rio de Beber Água”. Em algum momento entre o século 18h, 19h, houve a interrupção do traçado com a construção de uma praça e a extensão da matriz de Nossa Senhora da Apresentação”, explicou.

Questionado sobre o porquê a via recebeu o nome de “Rua da Conceição”, Adailton Figueiredo conta. “Há relatos de que a rua da Conceição passa a receber esse nome porque, em uma das residências, havia uma imagem de Nossa Senhora da Conceição, de aproximadamente 30 centímetros, conforme descrito por Luís da Câmara Cascudo. Estamos falando do século XVI, quando tínhamos presença religiosa/católica portuguesa muito intensa, e as pessoas tinham nessa imagem uma referência religiosa. Ao passarem por ali, rendiam suas orações, suas rezas, seus pedidos à Nossa Senhora da Conceição. E aí popularizou-se, chamar a rua, o caminho de beber água, de Rua da Conceição, em alusão exatamente à imagem de Nossa Senhora da Conceição”, esclarece.

Ao longo dos anos, a Rua da Conceição recebeu construções marcantes para a formação da cidade, como o primeiro sobrado particular de Natal, construído em 1819 pelo capitão José Alexandre Gomes de Melo. Este edifício, conhecido como “sobradinho”, agora abriga o Museu Café Filho e é um testemunho tangível da história da cidade. Alguns chegam a dizer que Café Filho, o único potiguar que se tornou presidente do Brasil, chegou a morar no sobrado. Porém, não há prova documental que confirme esta informação.

Em 1908, partes da rua da Conceição foram sacrificadas para dar lugar ao parque que abriga o antigo Palácio do Governo, conhecido hoje como Pinacoteca do Estado, destacando a disposição da cidade em evoluir e se adaptar. O século XX trouxe mais mudanças, incluindo a demolição de um quarteirão para dar lugar à Praça 7 de Setembro.

A rua da Conceição guarda, ainda, um capítulo que se liga a festas contemporâneas, como o Carnatal. A via era palco de grandes bailes públicos promovidos pela alta sociedade natalense. Em 2 de dezembro de 1868, um baile público trouxe algo inédito às terras natalenses: a introdução da bebida gelada. O evento recebeu um carregamento de gelo proveniente do Recife/PE.

No final do século XIX, a rua da Conceição também foi vital para o surgimento da imprensa potiguar, pois era o local onde os principais jornais da cidade se concentravam. Ali viveu A Situação, do Dr. Henrique Câmara, em 1877, O Correio de Natal, de João Carlos Wanderley, em 1878; A Liberdade, órgão do Partido Liberal, em 1885; O Nortista e o Diário de Natal, de Elias Souto, 1895; A Capital, em 1908, de Galdino Lima, Honório Carrilho e Juvenal Antunes e dezenas de jornais menores impressos.

Infelizmente, a rua da Conceição não escapou das intervenções urbanísticas do século XX, sofrendo mutilações para dar lugar a construções modernas, como a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte. Recentemente, uma restauração na praça por trás da igreja matriz afetou o Caminho do Rio de Beber Água, gerando preocupações sobre a preservação da memória cultural da cidade.

Hoje, a rua da Conceição serve como uma cápsula do tempo, abrigando o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, o Museu Café Filho, a Casa de Padre João Maria, secretarias municipais e testemunhando a continuidade da história da cidade.

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