Com a Copa do Mundo no Qatar, que começa neste domingo (20), realizada coladinha na polarizada eleição presidencial no Brasil, questiona-se a capacidade da seleção de futebol, paixão histórica de grande parte dos brasileiros, de resgatar a união em uma sociedade rachada ao meio. A Seleção Brasileira estreia no torneio na próxima quinta-feira (24), às 16h, contra a Sérvia.

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Em uma interpretação que vê ampliação da chance de trégua no período do Mundial, há o componente torneio em si, já que a competição costuma ter o poder natural de envolver torcedores em um ambiente de confraternização.

— A Copa tem um significado forte porque, no momento dos jogos, essa divisão [de ideologia] deixa de existir — afirma o cientista político Marco Antonio Carvalho Teixeira, professor da FGV-SP.

No pleito mais acirrado desde a redemocratização, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi eleito presidente pela terceira vez, batendo o atual chefe do Executivo, Jair Bolsonaro (PL), por 50,90% contra 49,10%.
Na sociedade, o resultado das urnas se traduziu em cisões entre famílias e grupos de amigos, não raramente conflituosas.

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A visão do docente vira realidade nas palavras de torcedores brasileiros que estão no Qatar para torcer pela seleção de Tite, que em entrevista à Folha no começo de outubro frisou, ao falar sobre os problemas do Brasil, que “o futebol não pode carregar a solução do prazer, da satisfação”.

— A Copa chega no momento oportuno, de o Brasil se unir. Vai tirar um pouco da tensão que ainda existe no nosso país — afirma Wallace Leite, 67, que verá sua décima Copa do Mundo in loco.

Ao lado dele, Esdras Macedo, 57, pensa parecido e destaca o fato de o torneio acontecer no fim do ano, depois das eleições:

— A gente precisava sair daquele momento aflitivo que o Brasil estava passando. A Copa ser direcionada para o final do ano parece até que não foi obra do acaso. Imagina se fosse em junho, com todo aquele clima no Brasil. Seria um inferno. A mudança de datas foi essencial para o Brasil, para que as pessoas se unam em torno de um ideal, mesmo que seja no futebol.

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Politização da camisa do Brasil

Nesse contexto, muitas camisas da seleção brasileira acabaram engavetadas, já que passaram a simbolizar somente a metade bolsonarista do país.

Continuarão engavetadas agora, na época da Copa? Ou a seleção brasileira conseguirá, com os jogadores passando uma mensagem de convergência em torno de uma meta — o hexacampeonato —, transformar o pensamento da parcela da população que criou aversão à “amarelinha” (como o célebre treinador Mario Zagallo referia-se à camisa)?

Especialistas em política e estudiosos do esporte tentam chegar a um veredicto, e há algum otimismo.

— A camiseta amarela é um símbolo oficioso do Brasil. Não é oficial, não é a bandeira, não é o hino, mas tem um poder muito grande. O bolsonarismo capturou, sequestrou esse símbolo — diz Flávio de Campos, coordenador do Ludens (Núcleo Interdisciplinar de Estudos Sobre Futebol e Modalidades Lúdicas), da USP.

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O também professor de história lembra, contudo, que o uso da camiseta amarela é anterior ao bolsonarismo, remetendo às manifestações de junho de 2013 de setores mais à direita, no governo de Dilma Rousseff (PT):

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— Ela se tornou um símbolo da derrubada da Dilma e depois um símbolo da campanha do Bolsonaro, em 2018, e do bolsonarismo agora, até com esses grupos golpistas que conclamam a ruptura institucional e o não reconhecimento do resultado das eleições.

Uma parcela mais radical do eleitorado de Bolsonaro passou, desde a derrota nas eleições de 30 de outubro, a promover atos antidemocráticos, de cunho golpista, incluindo bloqueios de estradas.

A própria CBF se empenha para despolitizar a camisa brasileira, por meio de uma campanha.

— Nossa mensagem é de incentivo. O futebol não vive sem o torcedor. E conectar as pessoas de todas as idades, lugares, cores, raças, ideologias e religiões ao futebol é o nosso propósito — disse Ednaldo Rodrigues, presidente da entidade, eleito em março deste ano.

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Para José Carlos Marque, livre-docente em comunicação e esporte pela Unesp, é preciso voltar às origens da amarelinha.

— Temos que devolver a camisa amarela ao lugar dela e não permitir que seja um símbolo apropriado pela direita, até porque o amarelo não é um símbolo da direita em nenhum lugar do mundo — afirma José Carlos Marques, livre-docente em comunicação e esporte pela Unesp.

Um possível empecilho para a desvinculação da camisa canarinho do bolsonarismo e da direita é Neymar, dono da prestigiada camisa 10 que já foi de Pelé.

— Como o principal jogador da seleção brasileira assumiu uma posição pública de defesa do presidente Bolsonaro, é quase natural, em razão da polarização, que vários apoiadores de Lula mostrem reticência de se engajar no apoio à seleção em um primeiro momento — disse o cientista político Carlos Pereira.

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— Quero crer que no decorrer da Copa, se o Brasil começar a ter um bom desempenho, com uma atuação destacada do Neymar, esses elementos de polarização tendam a se diluir — afirma o docente da FGV-RJ, que está na França como professor visitante da Universidade Paris 1.

Campos, da USP, ressalta que o posicionamento político de Neymar não deve ser encarado de forma condenatória:

— O Neymar nos representa, representa a seleção brasileira, que é essa seleção diversa de um país democrático. Vejo com bons olhos termos uma seleção com diversidade de escolhas políticas. É legítimo que ele tenha o direito de se posicionar politicamente.

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Uma Copa do Mundo que possa pacificar e reunificar o Brasil, resgatando paralelamente o significado da camisa amarela, passa também pela atitude dos expoentes políticos, especificamente os de esquerda, opinam os entrevistados.

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— As lideranças políticas que venceram as eleições, Lula, [o vice eleito Geraldo] Alckmin, bancadas de deputados e senadores que não estão ligados ao bolsonarismo e os governadores eleitos vão tomar uma atitude positiva de vestir a camisa amarela e estimular toda a sociedade a acompanhar a seleção brasileira neste momento? — questiona Campos, que também é pesquisador da história do futebol.

Teixeira, da FGV-SP, dá resposta a essa dúvida ao afirmar que “caberá aos políticos e ao presidente [eleito] da República se ocuparem de reunificar o país. Não será a Copa a encarregada disso”.

— Seria muito interessante se o Lula festejasse as vitórias do Brasil na Copa com a camisa amarela, porque é preciso devolvê-la àquilo que ela sempre foi, uma vestimenta mítica do futebol brasileiro e também uma vestimenta mítica de outras modalidades no Brasil, como o vôlei e o basquete — afirma Marques, da Unesp.

O próprio petista afirmou, em publicação nas redes, que adotaria o verde e amarelo durante o torneio:

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— A Copa do Mundo começa daqui a pouco e a gente não tem que ter vergonha de vestir a camiseta verde e amarela. A camiseta não é de partido político, é do povo brasileiro. Vocês vão me ver usando a camiseta amarela, só que a minha terá o número 13.

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