60 anos sem Candido Portinari: o artista e poeta do "Brasil real"

Candido Portinari, considerado um dos mais importantes artistas plásticos brasileiros, marcou a cena nacional e internacional com suas obras que falavam sobre um Brasil verdadeiro

"Passaram os acontecimentos;
Só não passam os sonhos. Tão
Reais que ninguém saberia distingui-los
De coisas acontecidas. Sentávamos ao
Redor do fogo nas manhãs frias, na
Colheita do café. O céu cobria-se de
Luzes nas noites geladas. Deitado
De costas, maravilhado, olhando,
Pedia a Deus para morrer.
Tinha perto de sete anos, seria
Anjo. Depois dos sete nem caixão azul
Teria. Por onde andais, meus sonhos?
Voltarei a sonhar? Estarei sonhando?"

Na contramão de um Brasil que tentava negar seu racismo e suas desigualdades sociais, Candido Portinari (1903 - 1962) fez de seu trabalho - poético e imagético - uma maneira de revelar a construção da História brasileira. Nas pinturas, denunciou a extrema pobreza em “Criança Morta” (1944) e “Os Retirantes” (1944); mostrou o verdadeiro rosto do brasileiro, distante daquele homem branco europeu, em “O Lavrador de Café” (1934), “O Mestiço” (1934) e “Índia e Mulata” (1934); pintou a leveza do cotidiano infantil em “Menino Plantando Bananeira” (1940), “Menino no Balanço” (1960) e “Palhacinhos na Gangorra” (1957); e destacou o histórico colonizador do País em “Algodão” (1938), “Borracha” (1938) e “Cana” (1938).

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E seus poemas também dialogam com assuntos similares. Situações às vezes tão cotidianas e que passam despercebidas se tornam as temáticas dos escritos de Portinari. Uma criança em uma colheita de café que teve seu direito de sonhar retirado; um homem preto que morreu no meio da rua e não obteve sequer um reconhecimento em sua homenagem; as lembranças de um primeiro amor de infância; a brutalidade de um matadouro de animais; a solidão de uma madrugada em meio ao mau tempo; a felicidade na infância que aparece no momento em que o circo itinerante chegava à cidade. O dia a dia do brasileiro todo estava ali, entre as palavras de seus poemas e as cores de suas pinturas.

Obra 'Retirantes' (1944), de Candido Portinari
Obra 'Retirantes' (1944), de Candido Portinari (Foto: Reprodução/ Itaú Cultural)

Nascido no dia 29 de dezembro de 1903, na fazenda de café Santa Rosa, em Brodowski, em São Paulo, ele era filho de imigrantes italianos pobres. Por causa disso, não chegou a completar o ensino primário. Mas ele enveredou desde cedo por uma outra área: a das artes. Adolescente, ajudava a restaurar igrejas da região e logo depois foi ao Rio de Janeiro para se matricular na Escola Nacional de Belas Artes.

A capital carioca lhe abriu portas: foi reconhecido por professores e participou de exposições. Naquela época, destacava-se por suas inspirações modernistas. Entretanto, o artista marcou a geração da década de 1930, que trazia temas nacionais, com fortes críticas sociais e políticas. Misturava várias referências, como o expressionismo alemão, o cubismo de Pablo Picasso (1881 - 1973) e o muralismo típico do México.

Foi em 1928 que ganhou o Prêmio de Viagem ao Estrangeiro da Exposição Geral de Belas-Artes, fez as malas e foi para Paris estudar. Com saudades de seu lugar de origem, voltou ao Brasil dois anos depois e começou a retratar de maneira mais recorrente o povo brasileiro. Distanciou-se de sua formação acadêmica para adotar uma forma mais experimentalista de pintar. Também iniciou uma veia muralista, que se firma com seus painéis no Monumento Rodoviário da estrada Rio de Janeiro - São Paulo, em 1936.

Obra 'A Primeira Missa no Brasil', de Candido Portinari
Obra 'A Primeira Missa no Brasil', de Candido Portinari (Foto: Candido Portinari/ Museu Nacional de Belas Artes)

Na década de 1940, filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) e até tentou seguir carreira política. Devido a suas visões ligadas à esquerda, fez um autoexílio para fugir das perseguições durante o governo de Eurico Gaspar Dutra (1883 - 1974). Em conversa com Vinícius de Moraes (1913 - 1980), divulgada pelo Museu Casa de Portinari, explicou: “não pretendo entender de política. Minhas convicções, que são fundas, cheguei a elas por força da minha infância pobre, de minha vida de trabalho e luta, e porque sou um artista. Tenho pena dos que sofrem, e gostaria de ajudar a remediar a injustiça social existente. Qualquer artista consciente sente o mesmo”.

Nos anos 1950, começa a ter problemas de saúde causados pela intoxicação por chumbo - presente nas tintas que ele usava. Contrariando os médicos, continuou a trabalhar, viajar para exposições e produzir novas pinturas. Em 6 de fevereiro de 1960, há exatas seis décadas, morreu em decorrência da doença.

O poeta Portinari

Portinari não era somente artista plástico, mas também era poeta. Durante sua primeira estadia na Europa, quando ganhou uma bolsa de estudos, encantou-se pelo lugar que nasceu, Brodowski. Neste processo de redescoberta de seu local de nascimento, passou a pintar fazendo referências à região.

“Não se pode, porém, dizer tudo pelos meios plásticos. Havia ainda em Portinari muito que contar da sua infância e de seu povoado. E, ultimamente, Portinari começou a escrever umas coisas a modo de poemas. Ele chamava-as simplesmente escritos. ‘Vão aqui mais alguns escritos’, dizia-me nos bilhetes que acompanhavam a remessa das suas produções literárias”, escreveu Manuel Bandeira (1886 - 1968), poeta a quem Candido Portinari confiou seus rascunhos, em texto publicado no livro “Poemas de Portinari”, da Fundação Nacional de Artes (Funarte).

Obra 'Retrato de Manuel Bandeira' (1931), de Candido Portinari
Obra 'Retrato de Manuel Bandeira' (1931), de Candido Portinari (Foto: Candido Portinari/ Projeto Portinari)

“Naturalmente a técnica de Portinari-poeta está longe da técnica de Portinari-pintor. Ele próprio tem consciência disso. Todavia as duas técnicas são irmãs. Mais: são gêmeas", explicou. Ele ressalta que as temáticas são as mesmas, em sua essência: a vida no povoado.

“Ainda que Portinari não tivesse sido o grande pintor que foi, toda esta poesia seria válida pelo que ela encerra de aguda e generosa sensibilidade, de registro fiel da vida brasileira no interior. Assim é que tem ela duplo interesse e importância para nós: com valor intrínseco, fundamenta, explica, de certa maneira completa, a obra do pintor, a obra patética de um homem que viveu sempre, desde menino, ‘entre o sonho e o medo’”, explica.

Conheça Portinari

Museu Casa de Portinari

O Museu Casa de Portinari, instituição da Secretaria da Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, era a antiga residência do artista em Brodowski. Foi neste local que ele iniciou suas experiências com pinturas murais e aprofundou as técnicas de seus trabalhos. Por isso, o lugar foi preservado para manter a história de sua produção artística.

O espaço cultural oferece um tour virtual para explorar todos os ambientes da casa. A partir da tecnologia, é possível conhecer as obras do Candido Portinari que estão expostas, além do contexto de cada uma delas.

O museu também realiza algumas programações virtuais, que estão disponíveis no site oficial. Neste domingo, 6 de fevereiro, por exemplo, haverá a live “Candido Portinari: um homem, um tempo, uma nação”. Em alusão aos 60 anos de morte do artista, haverá uma conversa sobre sua vida, sua trajetória profissional e seu legado posterior.

Saiba mais: no site do Museu Casa de Portinari

Projeto Portinari

Criado em 1979 pelo filho João Candido Portinari, o Projeto Portinari surgiu com o objetivo de resgatar a obra do artista e colocá-la em acesso público. A maior parte de seus trabalhos estava em acervos privados no período de sua morte. “É como brasileiro que me sinto no dever de trabalhar para que todos possamos nos reencontrar com tua obra e, através dela, com nós mesmos”, escreveu o fundador em carta no ano de lançamento do Projeto Portinari. No site, estão disponíveis mais de 5 mil registros.

Saiba mais: no site do Projeto Portinari

Poemas de Portinari

A Fundação Nacional de Artes (Funarte) editou e publicou o livro “Poemas de Portinari”, organizado por Letícia Ferro, Patrícia Porto e Suely Avellar. O conteúdo digital, disponível para acesso gratuito, é uma reedição dos poemas de Candido Portinari inicialmente publicados em 1964 pela Livraria José Olympio Editora. Os textos introdutórios são de Antonio Callado e Manuel Bandeira. Por meio de poemas, falou sobre suas memórias de infância, criticou a situação social do País e revelou seus pensamentos mais íntimos.

Saiba mais: no site da Funarte

Portinari: O Pintor do Povo

A exposição "Portinari: O Pintor do Povo" pode ser explorada virtualmente no site do Google Arts & Culture. O trabalho, feito em parceria com o Projeto Portinari, apresenta a vida, fatos curiosos sobre o artista brasileiro, além de mostrar várias facetas de sua obra. Muitas das produções dele estão disponíveis e são divididas por temáticas.

Saiba mais: no site do Google Arts & Culture

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