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Redes Sociais Virtuais: Um Estudo da Formação, Comunicação e Ação Social DANIEL BONFIM DA SILVA São Paulo 2011 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO DANIEL BONFIM DA SILVA Redes Sociais Virtuais: Um Estudo da Formação, Comunicação e Ação Social Dissertação apresentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Design e Arquitetura Área de Concentração: Design e Arquitetura Orientador: Prof. Dr. Carlos Roberto Zibel Costa São Paulo 2011 Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte. EXEMPLAR REVISADO E ALTERADO EM RELAÇÃO À VERSÃO ORIGINAL, SOB RESPONSABILIDADE DO AUTOR E ANUÊNCIA DO ORIENTADOR. O original se encontra disponível na sede do programa São Paulo, 19 de outubro de 2011 Silva, Daniel Bonfim da Redes Sociais Virtuais: Um Estudo da Formação, Comunicação e Ação Social / Daniel Bonfim da Silva; orientador Carlos Roberto Zibel Costa – São Paulo, 2011. 119 p. : il. Dissertação (Mestrado) – Universidade de São Paulo - FAU, 2011 1. Redes Sociais. 2. Comunicação Digital. 3. Ciberespaço. 4. Sociedade da Informação. I. Costa, Carlos Roberto Zibel, orient. II. Título CDU 004.77 S586r A Gilda Bonfim, minha mãe. AGRADECIMENTOS Ao Prof. Dr. Carlos Roberto Zibel Costa, pelas orientações, discussões e ensinamentos que marcaram a evolução deste trabalho. À Profa. Dra. Daniela Kutschat Hanns e ao Prof. Dr. Caio Adorno Vassão, pelas sugestões fundamentais à estruturação desta dissertação. À Profa. Dra. Maria Celina Novaes Marinho, pelas instruções sobre o uso correto da língua portuguesa. Aos funcionários da Pós-Graduação da FAU-USP, especialmente à Diná e Isa, pela solicitude durante todo o mestrado. À Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, pela oportunidade de realização do curso de mestrado. Com o enfraquecimento da ordem de leitura do Estado contemporâneo face aos interesses do capital internacional, e com a emergência do indivíduo e dos dispositivos de comunicação, aparece aqui e ali uma reciprocidade entre as redes e as subjetividades, como se, ao se retirar, a hierarquização social deixasse ver não apenas uma pluralidade de pensamentos, mas o fato de que pensar é pensar em rede. André Parente RESUMO SILVA, D. B. Redes Sociais Virtuais: Um Estudo da Formação, Comunicação e Ação Social. 2011. 119 p. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, 2011. As redes sociais virtuais são um meio de comunicação que se diferencia da mídia tradicional por uma razão fundamental: a distribuição entre os usuários da capacidade de comunicar. O usuário dessas redes não se limita à posição de espectador, pois ele pode ser também autor, produtor e promotor de textos ou outros materiais. Cai, portanto, o modelo top- down unidirecional, e ganha espaço uma comunicação bidirecional (entre usuários) e difusa, o que representa a transição de uma topologia de árvore para outra, oposta, de rizoma. O objetivo deste trabalho é compreender a comunicação nas redes sociais virtuais, o que será feito analisando-as externa e internamente. Visa-se a formar, dessa maneira, um construto sobre essas redes quanto à sua técnica e seus usuários, sua forma e suas identidades, o que delas irradia e nelas se desenvolve, e, assim, precisar as características fundamentais da comunicação nesses espaços. Palavras chave: Redes Sociais, Comunicação Digital, Ciberespaço, Sociedade da Informação. ABSTRACT SILVA, D. B. Virtual Social Networks: A Study on the Development, Communication, and Social Action. 2011. 119 p. Dissertation (Master Degree) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, 2011. Virtual social networks are a means of communication that differs from traditional media due to one fundamental reason: the power to communicate is distributed among their users. In these networks, the user is not merely the spectator, but also the author, the producer, and the promoter of texts or other materials. Therefore, these networks put aside the unidirectional top- down model, giving ground to the emergence of a bidirectional and diffuse communication, which represents a topological transition from tree to rhizome. This research looks for understanding the communication in virtual social networks by analyzing them internally and externally. It seeks building a construct on these networks' technique and users, their shape and identities, what irradiates from them and what grows in them, thus allowing the understanding of the fundamental communication characteristics in these spaces. Keywords: Social Networks, Digital Communication, Cyberspace, Information Society. LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Filme M: rede social de gângsters e mendigos .............................................................. 6 Figura 2 – Ponte ou bridge em um grafo ........................................................................................ 8 Figura 3 – Social plug-in do Facebook no site do Greenpeace..................................................... 45 Figura 4 – Comentários de usuários ao final dos artigos do Libération ....................................... 64 Figura 5 – Tab de comentários do Wall Street Jounal ................................................................... 65 Figura 6 – Comentário no Wall Street Journal .............................................................................. 66 Figura 7 – TimesPeople, interação de microblog no jornal The New York Times ....................... 70 Figura 8 – Amostra de tela do Diaspora ........................................................................................ 73 Figura 9 – Social Bookmarking no Clarín..................................................................................... 75 Figura 10 – Iniciativa The Current Cause da Current TV ............................................................ 77 Figura 11 – Home page da Free Speech TV ................................................................................. 79 Figura 12 – Home page do Open Source Cinema ......................................................................... 81 Figura 13 – Ushahidi: controle de incidentes no Quênia após as eleições de 2007 ...................... 83 Figura 14 – Seção Conversations do site TED ............................................................................. 85 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Variação média dos preços de ICT nos Estados Unidos por período (%) ................... 55 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Esquema de classificação da pesquisa em Comunidades Virtuais ............................ 36 Gráfico 2 – Percentual de domicílios com acesso à Internet no Brasil ......................................... 52 Gráfico 3 – Usuários da Internet no Brasil em 2005 e 2008 ......................................................... 52 Gráfico 4 – Finalidade do acesso à Internet no Brasil .................................................................. 54 file:///C:/Users/morgana/Documents/Master/RedesSociais13072011_2.docx%23_Toc298334994 SUMÁRIO 1 Introdução ..................................................................................................................... 1 2 Rede - Conceito e Aplicações ....................................................................................... 4 2.1 A Internet e a World Wide Web .............................................................................. 4 2.2 Redes Sociais.........................................................................................................5 2.3 Análise de Redes Sociais....................................................................................... 7 3 A Sociedade em Rede ................................................................................................. 12 3.1 Rede, Fluxos e Globalização ............................................................................... 13 3.2 Virtualização........................................................................................................ 15 3.3 Determinismo Tecnológico e Racionalização Subversiva .................................. 17 3.4 Informação na Rede ............................................................................................ 20 3.5 Dromocracia Cibercultural .................................................................................. 22 4 Redes Sociais: Rizoma, Espaço e Identidade ............................................................. 24 4.1 Redes Sociais como Rizoma ............................................................................... 25 4.2 Espaço de Fluxos ................................................................................................. 27 4.3 Identidade ............................................................................................................ 29 4.4 Diluição de Bytes: Sociedade Líquida e a Rede ................................................. 33 5 Interação em Redes Sociais On-line: Modelos ........................................................... 35 5.1 Antecessores: Comunidades, Grupos e Times Virtuais ....................................... 38 5.2 Microblogs .......................................................................................................... 39 5.3 Sites de Rede Social ............................................................................................ 41 5.3.1 Incorporação de Sites de Rede Social a outros Sites da Web ......................... 43 5.4 Redes Sociais para Dispositivos Portáteis ........................................................... 46 5.5 Crowdsourcing .................................................................................................... 47 6 Usuários ...................................................................................................................... 50 6.1 Internet – Crescimento e Usuários ...................................................................... 51 6.2 Perspectiva Econômica ....................................................................................... 55 6.3 Participação Política ............................................................................................ 57 7 Casos de Uso .............................................................................................................. 61 7.1 Comunidades Virtuais ......................................................................................... 63 7.1.1 Liberation.fr ................................................................................................... 63 7.1.2 WSJ.com (Wall Street Journal) ...................................................................... 65 7.1.3 Fórum Ofchan ................................................................................................ 67 7.2 TimesPeople ........................................................................................................ 69 7.3 Diaspora .............................................................................................................. 71 7.4 Crowdsourcing .................................................................................................... 74 7.4.1 Social Bookmarking no Clarin.com ............................................................... 75 7.4.2 Current TV ..................................................................................................... 76 7.4.3 Free Speech TV ............................................................................................. 78 7.4.4 Remix Culture ................................................................................................ 80 7.4.5 Ushahidi ......................................................................................................... 82 7.4.6 TED Conversations ....................................................................................... 84 8 Comunicação dos Movimentos Sociais na Rede ........................................................ 86 8.1 Técnicas, Conhecimentos e Práticas Instrumentais de Ação............................... 87 8.2 Ações de Resistência e Transformação ............................................................... 88 8.3 Reconstrução dos Vínculos ................................................................................. 91 8.4 Propriedade e Controle das Tecnologias de Produção e Transmissão................. 93 8.5 Tecnocapitalismo e Democracia .......................................................................... 96 8.6 O Autor Digital como Produtor ........................................................................... 97 8.7 Novas Mídias: Abertura e Pessoalidade .............................................................. 98 8.8 Manipulação Invisível: Astroturfs ..................................................................... 100 9 Conclusão ................................................................................................................. 102 Bibliografia ..................................................................................................................... 105 1 1 INTRODUÇÃO Hoje é comum que os usuários da Web naveguem por sites como Facebook, Orkut e Twitter para mandar mensagens aos amigos, comentar algumas notícias e manter relações sociais ativas. À primeira vista, esses sites podem parecer um mero espaço para entretenimento e passatempo; no entanto, este trabalho mostra que eles são mais que isso. Há mudanças significativas em andamento nas redes sociais virtuais, que também se irradiam fora delas. A forma como a informação flui nessas redes desafia o modelo top-down 1 da mídia tradicional. A horizontalidade da comunicação 2 abre espaço para minorias exporem suas ideias para toda a sociedade e iniciarem ações transformadoras efetivas 3 . Relativizam-se fronteiras geográficas e abre-se espaço para a formação de um ambiente cultural global 4 . Quando se pensa em comunicação, alguns elementos mudam com as redes sociais virtuais: os agentes, o conteúdo e a topologia do fluxo de dados. Os usuários assumem identidades projetadas e de resistência 5 , pois podem usar um avatar 6 como escudo. O conteúdo não passa pelo crivo de um corpo editorial, e sua popularização depende da escolha dos usuários em mantê-lo ou não em circulação. As redes sociais virtuais, sem eixo centralizador de transmissão, difusas e sem uma estrutura previsível 7 , pois sua expansão depende da vontade dos usuários, aproximam-se, topologicamente, do rizoma 8 , e afastam-se do modelo arbóreo da mídia tradicional. 1 Top-down, ou “acima-abaixo”, “de cima para baixo”. Nesse contexto, representa a informação que flui, unidirecionalmente, dos detentores do poder de comunicar (e. g. a mídia tradicional) para todo o resto da sociedade. 2 Dahlgren (2005) destaca que o acesso à Internet, facilitado por avanços tecnológicos e por questões econômicas (como redução de custos), viabilizou o crescimento de uma grande rede digital de ativistas, capazes de interagir por meio de uma comunicação horizontal. Os resultados dessa horizontalidade são analisados no oitavo capítulo. 3 Considerando-se a possibilidade de figuras marginais difundirem ideias por toda a rede, analisada por Granovetter (1973, p. 1367), e descrita na seção 2.3. 4 José Eduardo Faria (2010) trata da relativização de fronteiras Estatais e da formação de umambiente cultural global por meio do uso da tecnologia. Manuel Castells (2000a) ressalta a importância dos fluxos na sociedade em rede. Esse tema é tratado no terceiro capítulo. 5 Os tipos de identidade são descritos por Castells (2009) e analisados na seção 4.3. 6 Avatar é a representação imaginária de si mesmo que o internauta usa em ambientes virtuais (AULETE e VALENTE, 2006). 7 Aspectos da topologia das redes sociais virtuais são analisados na seção 4.1. 8 Estrutura que “estabelece incessantemente conexões entre cadeias semióticas, organizações de poder, e circunstâncias relacionadas às artes, ciências e lutas sociais”, definida por seis princípios (DELEUZE e GUATTARI, 2000, p. 7-22), tratada em detalhes na seção 4.1. 2 À medida que os agentes de comunicação se desprofissionalizam 9 , as redes sociais tornam-se não apenas espaço para circulação de conteúdos alternativos, mas também um modo de produção de conteúdo alternativo à mídia tradicional. Nelas, os autores podem se tornar produtores e emissores de informação. Assim se produzem vídeos, textos, e outros materiais compartilhados nas redes sociais. Reduzem-se nessas redes o controle e os custos da produção e da transmissão, que ainda inviabilizam o modelo de autor como produtor 10 na mídia tradicional. A própria visão que se pode ter da tecnologia muda face às finalidades que os usuários dão às redes sociais virtuais. Os sites que oferecem serviços de rede social pouco seriam se não fossem os usuários. Deles depende a maior parte do conteúdo divulgado, os grupos formados e os canais de compartilhamento. Até mesmo movimentos sociais podem se desenvolver nesses sites, como se verá adiante, o que permite vê-los como um instrumento do que Feenberg (1995b) chama de racionalização subversiva. Outro fator de mudança social proveniente das redes sociais virtuais é a forma como elas se relacionam com o espaço físico. Essa relação causa interferências mútuas. Os espaços de fluxos 11 passam a ser compostos por redes sociais on-line 12 , além de cidades, edifícios e outros espaços físicos; os indivíduos vivem parte do seu tempo nesses espaços virtuais, e neles se aproximam de pessoas que habitam locais distantes. O que acontece nas redes sociais também pode ser influenciado pela forma como seus usuários se relacionam com o espaço físico que os cerca 13 . Todas as funções das redes sociais virtuais seriam pouco significativas se os usuários que delas participassem fossem uma amostra mínima da sociedade. No entanto, como se mostrará adiante, considerando a sociedade brasileira, não só o percentual da população com acesso à Internet e que usa redes sociais é grande, como também esse número cresce rapidamente 14 . Assim, essas redes se tornam um potencial veículo de comunicação de massa. 9 A simplificação da comunicação na Web e a intensificação do amadorismo na produção e divulgação de informações são analisadas por Clay Shirky (2008, p. 55) e estudadas na seção 8.7. 10 O “autor como produtor” é um conceito de Walter Benjamin cuja essência é de que a criação de obras radicais de arte, literatura, crítica e quaisquer outros tipos não deveria apenas desafiar a dominância do capitalismo de um ponto de vista conceitual, mas deveria ativamente trabalhar para transformar suas próprias condições de produção (BENJAMIN, 1970). A análise desse tema é aprofundada na seção 8.6. 11 Castells (2000a, p. 442) descreve espaço de fluxos como “a organização material de práticas sociais de tempo compartilhado que funcionam em fluxos”. Esse conceito será analisado e contextualizado na seção 4.2. 12 Usa-se aqui, e no decorrer do texto, a expressão rede social on-line como sinônimo de rede social virtual. 13 Nas redes sociais para dispositivos portáteis, analisadas na seção 5.4, a vivência dos usuários no espaço físico determina a sua participação no ambiente virtual. 14 Vide sexto capítulo. 3 Há, porém, que se ter alguns detalhes em vista quando se pensa nas redes sociais como um modelo de comunicação livre de interferências. A Internet e a maior parte dos serviços de rede social são propriedades privadas, que visam ao lucro. Há questões sobre a privacidade e falsificação de perfis que afastam usuários e levantam, para as redes, a bandeira da manipulação de conteúdo e opiniões, que são problemas críticos da televisão. Como indicam os parágrafos anteriores, o recorte desta dissertação são as redes sociais virtuais, especialmente quanto à comunicação que nelas pode se desenvolver. Entende-se que essa comunicação pode ser explicada pela base teórica das redes sociais, e pela influência recíproca exercida entre as redes sociais virtuais, a sociedade e o espaço. São esses, portanto, os assuntos predominantes nos capítulos iniciais deste trabalho. Compreende-se também que a comunicação nas redes sociais virtuais pode se desenvolver de modos diferentes. Tais distinções podem resultar dos variados modelos de interação dessas redes, que são produtos de sua diversidade de aplicações e aspectos técnicos. O quinto e o sétimo capítulos dedicam-se ao aprofundamento do estudo dessas possibilidades de comunicação. Por fim, trata-se do uso das redes sociais virtuais como meio de formação e divulgação de movimentos sociais, inclusive de participação política. Para isso, analisam-se o acesso a essas redes, o exercício do controle e de interferências nas comunicações que nelas se desenvolvem, além de suas vantagens e desvantagens frente à mídia tradicional. Esse é o tema do oitavo capítulo. O objetivo aqui é formar um construto que permita a compreensão da comunicação que pode se desenvolver em redes sociais virtuais. Para isso, tomaram-se como fonte trabalhos que percorreram os campos da matemática aplicada, computação, economia, sociologia, política, design e psicologia, que permitiram o entendimento das características fundamentais da comunicação que acontece dentro das redes e do impacto fora delas. 4 2 REDE - CONCEITO E APLICAÇÕES Uma rede é um conjunto de nós interconectados. Um nó, de modo simplista, é o ponto em que uma curva se intercepta, e o que ele representa concretamente depende do tipo de rede de que se fala. Redes são estruturas abertas, capazes de se expandirem sem limites, integrando novos nós, desde que eles sejam capazes de se comunicar com a rede, ou seja, desde que compartilhem os mesmos códigos de comunicação (CASTELLS, 2000a, p. 501). Apesar de identificar estruturas contemporâneas, como as redes sociais virtuais, a palavra rede já é usada há vários séculos. Na língua francesa, ela apareceu no século XII, derivada do latim retilous. Então, essa palavra identificava as redes de caça ou pesca e as malhagens têxteis (MUSSO, 2004). Neste capítulo, descrevem-se duas aplicações relevantes do conceito de rede: a World Wide Web e as redes sociais, cuja base teórica está no campo de estudo da análise de redes sociais, tratado na seção 2.3 deste capítulo. 2.1 A Internet e a World Wide Web No contexto da computação, o conceito de rede ganhou aplicação e relevância particular. Os porquês dessa relevância e a mudança do paradigma de computação massiva após o início do uso das redes de computadores são descritos por Andrew S. Tanenbaum (2010, p. 2, tradução nossa): A combinação de computadores com as comunicações teve profunda influência na maneira como sistemas de computadores são organizados. O conceito de “centro de computação” como uma sala com um grande computador, a que usuários traziam seu trabalho pra ser processado, agora é obsoleto. O antigo modelo, de um único computador servindo todas as necessidades computacionais de uma organização, foi substituído por outro em que um grande número de computadores separados, mas interconectados, fazem o trabalho. Esses sistemas sãochamados redes de computadores [...]. 5 A Internet não é uma única rede, mas uma rede de redes, e a Web é um sistema distribuído que se executa no topo da Internet [...]. Em um sistema distribuído, um conjunto de computadores independentes aparece para os usuários como um sistema único e coerente. Usualmente, ele tem um único modelo ou paradigma que é visível para os usuários. Frequentemente, uma camada de software no topo do sistema operacional, chamada middleware, é responsável pela implementação desse modelo. Um exemplo bem conhecido de sistema distribuído é a World Wide Web, em que tudo parece um documento (página da Web). Algumas das mais populares finalidades da Internet para usuários domésticos são o acesso a informação remota, comunicação interpessoal, entretenimento interativo e comércio eletrônico (TANENBAUM, 2010, p. 6). Como combinação entre a comunicação interpessoal e o acesso à informação remota estão as redes sociais virtuais. Nelas, o fluxo de informação é guiado pelos relacionamentos que as pessoas declaram ter entre si. Aplicações na Web em que se formam redes de usuários podem ter diferentes modelos de interação e finalidades. Além dos sites de rede social, em que usuários criam perfis e compartilham informações com amigos, há os microblogs, para troca de mensagens curtas e notícias, e as plataformas de crowdsourcing, em que grupos de pessoas contribuem para fins específicos. Esses modelos de interação serão analisados adiante, no quinto capítulo. 2.2 Redes Sociais O conceito de rede social surgiu com a apropriação de conhecimentos da teoria dos grafos e de redes por estudiosos de humanidades, como antropólogos e sociólogos, que visavam a compreender fenômenos sociais, analisando-os a partir de relações interpessoais (WASSERMAN e FAUST, 1994, p. 4). Interpretar a sociedade como uma rede de atores é, portanto, uma abstração que viabiliza a análise de sociedades. Nessas redes, os indivíduos, ou atores, são considerados como nós, as interações entre atores são consideradas como canais para fluxos de recursos, materiais ou imateriais, e conceitualizam-se estruturas (econômicas, sociais, políticas, etc.) como padrões duradouros de relações entre indivíduos (WASSERMAN e FAUST, 1994, p. 4). 6 Segundo Barnes (1969), as redes sociais atravessam classes e grupos sociais, ou seja, podem se referir a relações inter ou intraclasse. Tendo isso em vista, há um exemplo de rede social que vale ressaltar: a rede de espiões do filme M (1931), do diretor Fritz Lang. M é um filme de suspense em que um infanticida comete uma série de crimes em Berlim, mas a polícia não consegue prendê-lo. Comovidos, mas também preocupados com a agitação policial na cidade, os gângsters locais resolvem ajudar nas buscas pelo assassino. Com a ajuda da associação dos mendigos da cidade, eles criam uma rede de espiões que deveria monitorar cada passo de cada criança, e que vigiaria cada metro quadrado da cidade (HERZOG, 2009, p. 126). A rede de espiões de M tinha seu código de conduta e de comunicação, e apesar da incapacidade de seus membros, ladrões e mendigos, vigiarem individualmente a cidade, a grande quantidade de atores e fluxos de informações que constituíam essa rede dava-lhe condições para atingir o objetivo de capturar o infanticida. Figura 1 – Filme M: rede social de gângsters e mendigos 15 15 Fonte: Herzog (2009, p. 131). 7 Apesar de ser uma história fictícia, M ilustra o poder das redes sociais. Herzog (2009) delineou uma análise da rede social de M, identificando os seus atores e algumas de suas relações, para compreender quais as vantagens que ela teve, em relação à polícia, nas buscas pelo criminoso. Além de atores e relações, há outros conceitos na análise de rede social que podem ser úteis para a compreensão de uma sociedade. Eles são descritos na próxima seção. 2.3 Análise de Redes Sociais A análise de redes sociais é um campo de estudo que visa a aplicar conceitos matemáticos de redes e teoria dos grafos para medição e compreensão estatística de relações sociais. Esta seção será dedicada aos conceitos da análise de redes sociais que são relevantes para este trabalho. Apesar de este texto ainda não ter se aprofundado nos sites de rede social, o que pode causar certa confusão ao leitor quando começar a percorrer os próximos parágrafos, não há como mover esta seção para adiante. Os conceitos dela aparecerão pontualmente em todos os próximos capítulos, então são passagem obrigatória no trajeto que levará ao conhecimento sobre as redes sociais virtuais. Para facilitar o percurso do leitor que não tenha conhecimento prévio sobre esse assunto, propõe-se aqui um modelo simplificado, baseado na notação de grafos descrita por Wasserman e Faust (1994, p. 71-73). Pode se pensar em cada usuário de uma rede social, ou seja, qualquer um que tenha um perfil em uma rede, como um nó, identificado pela notação . As conexões entre esses nós (“amizade”) são linhas ou arcos, identificadas por . A princípio, as linhas não são orientadas, ou seja, pode representar a conexão de um nó para outro , ou do nó para . Na maior parte das redes sociais on-line, não há distinção entre essas duas linhas, o que, já se pode adiantar, implica sua simetria ou não orientação. Portanto, o conjunto de nós e conexões, ou usuários e amizades, de uma rede social, compõe um modelo de grafo, geralmente não orientado. Tendo em vista esse modelo simplificado, prossegue-se agora com o estudo sobre a análise de rede social, sua origem, função e conceitos relevantes. 8 O uso das redes de relações interpessoais para análise das implicações macrossociais, ou a análise de redes sociais, foi uma ferramenta que permitiu a conexão dos níveis micro e macro da teoria social (THELWALL, 2008, p. 1367). O estudo das redes sociais por antropólogos foi baseado em noções da teoria dos grafos 16 , cujos termos foram utilizados, e ampliados por uma terminologia própria, para a identificação de indivíduos e grupos sociais nas redes (BARNES, 1969). Alguns itens da terminologia da análise de redes sociais são importantes para este trabalho, entre eles o da força de uma relação, que é uma combinação da quantidade de tempo, intensidade emocional, intimidade e serviços recíprocos que caracterizam uma relação. Cada um desses itens é, de certa forma, independente dos outros, porém o conjunto é conectado (GRANOVETTER, 1973, p. 1367). O conceito de ponte (ou bridge, no texto original) é o de uma linha, em uma rede, que representa o único caminho entre dois pontos (HARARY, NORMAN e CARTWRIGHT, 1965, p. 198). Uma vez que, em geral, cada pessoa tem muitos contatos, uma ponte entre A e B provê a única rota em que a informação ou influência pode fluir de qualquer contato de A para qualquer contato de B e, consequentemente, a qualquer pessoa conectada indiretamente a B (GRANOVETTER, 1973, p. 1367). Figura 2 – Ponte ou bridge em um grafo 16 O estudo de teoria dos grafos ganhou intensidade a partir de 1920, embora o primeiro artigo sobre esse assunto seja de 1736. No século XX, a teoria dos grafos ganhou muitas aplicações, em Ciência da Computação, Química, Pesquisa Operacional, Engenharia Elétrica, Linguística e Economia (JOHNSONBAUGH, 2001, p. 263). 9 As palavras conexidade ou conectividade (connectedness ou connectivity) podem se referir a propriedades de distância entre pessoas, o número de caminhos entre elas, a existência de um caminho, ou a proporção de caminhos possíveis em relação a todos os que existem (BARNES, 1969). Barnes (1969) faz uma análise dicotômica reduzida a uma variável contínua, contando o número de relações observadas em uma rede formada porindivíduos e seus amigos, e dividindo esse número pela quantidade de relações possíveis; refere-se a essa variável como “densidade” da rede. Além disso, algumas características do relacionamento entre nós e da difusão nas redes são importantes para os capítulos a seguir. Inicialmente, há a hipótese esclarecida empiricamente de que, quanto mais forte for a relação entre dois indivíduos, mais similares eles serão (GRANOVETTER, 1973, p. 1362). Sendo A, B e C indivíduos integrantes de uma rede social, se relações fortes conectam A a B e A a C, e sendo B e C similares a A, eles serão provavelmente similares entre si, aumentando a possibilidade de uma amizade caso eles se encontrem. Em ordem reversa, quanto mais fracas as relações A-B e A-C, menor a probabilidade de uma relação C-B; nesse caso, a probabilidade de C e B serem compatíveis é menor (GRANOVETTER, 1973, p. 1364). Na análise das redes sociais, outros conceitos relevantes são os graus (degrees). O grau de um nó, , é o número de linhas que incidem no nó , equivalente ao número de nós adjacentes a . (WASSERMAN e FAUST, 1994, p. 100-126). Pensando-se em uma rede social virtual, o grau de um usuário seria o seu número de amigos. Também no contexto das redes sociais on-line, é relevante o estudo de (MISLOVE, MARCON, et al., 2007). Nele, identifica-se que essas redes seguem leis de potência (power laws), ou seja, que a probabilidade de seus nós terem um grau (degree) é proporcional a , com grande e , em que o parâmetro é chamado de coeficiente da lei de potência. Isso equivale a dizer que, nas redes sociais on-line, a probabilidade de um usuário ter certo número de conexões é uma função inversamente proporcional ao número de conexões elevado ao coeficiente da rede. Daí pode-se concluir que o número de usuários de uma rede social com muito mais conexões que a média tende a ser pequeno, e a homogeneidade do número de conexões dos usuários depende das características da rede, nesse caso representadas por . Alan Mislove e Massimiliano Marcon (2007) também analisam as redes livres de escala (scale free networks). São elas uma classe de rede de lei de potência em que nós de 10 grau alto tendem a estar conectados a outros nós de grau alto. Isso coloca esses nós no centro da rede, ou seja, na parte mais densa da rede. Descrito isso, pode-se passar à análise de fluxo de informação por figuras centrais (esses nós de alto grau) e marginais da rede. Granovetter (1973) analisa a adoção e difusão de idéias novas por figuras centrais, ou seja, as mais conhecidas e com conexões fortes, e marginais, menos conhecidas, quanto a sua posição na rede social. Ele ressalta que há visões diversas sobre isso; alguns estudos indicam que figuras inovadoras pioneiras são marginais, porque elas “não se conformam com as normas de tal maneira que são consideradas altamente desviantes do padrão”, pela observação de Everett M. Rogers (2003, p. 368). Marshall Becker (1970) aprofunda-se na questão da marginalidade ou centralidade dos inovadores pioneiros, referindo-se aos riscos percebidos na adoção de uma dada inovação. O seu estudo de inovação na saúde pública mostra que, quando um novo programa é considerado relativamente seguro e sem controvérsias, figuras centrais lideram a sua adoção; quando não, são as marginais. Ele explica a diferença em termos de um desejo maior da figura central de proteger sua reputação profissional. Granovetter defende que indivíduos marginais, com muitas relações fracas, que na análise organizacional das redes são conhecidos como “pessoas liaison” (ou pessoas de ligação), são capazes de difundir inovações com sucesso, pois, como as atividades desviantes de padrões enfrentam mais resistência que as normais e seguras, um número maior de pessoas tem que se expor a elas e adotá-las antes que se difundam por uma reação em cadeia. Pelo argumento de Becker, indivíduos centrais e renomados têm maior resistência em adotar novidades mais arriscadas; logo, cabe aos indivíduos marginais iniciar a difusão dessas novidades. No entanto, uma inovação inicialmente impopular, que se difunde por meio de indivíduos com poucas relações fracas, fica mais provavelmente confinada a alguns pequenos grupos (GRANOVETTER, 1973, p. 1367). Compatível com a proposição de Granovetter, de que pessoas liaison marginais são capazes de disseminar inovações por toda a rede, é a ideia de que minorias podem difundir mudanças, desde que seus membros estejam densamente conectados. Menos resistentes à novidade, como justifica o argumento de Becker, e capazes de atingir mais de um grupo, quando têm membros liaison, as minorias podem iniciar fluxos que atingem a maioria da sociedade, ou figuras centrais da rede, de acordo com os grupos inicialmente atingidos e a densidade de suas conexões. 11 As relações fracas não apenas contribuem com a difusão de novas ideias em redes, mas também com a mobilidade de seus nós, conforme descreve Granovetter (1973, p. 1373, tradução nossa): Do ponto de vista individual, então, relações fracas são um importante recurso para possibilitar oportunidades de mobilidade. Vistas de uma perspectiva macroscópica, relações fracas têm um papel de efetivação da coesão social. Quando um homem muda de emprego, ele não só muda de uma rede a outra, mas também estabelece uma relação entre elas. Tal relação é frequentemente do mesmo tipo daquela que facilitou seu próprio movimento. Especialmente em áreas de especialidades técnicas e profissionais que são bem definidas, a mobilidade estabelece estruturas de ponte com conexões fracas entre os agrupamentos (clusters). Informações e ideias então fluem mais facilmente pela área de especialidade, dando a ela um “senso de comunidade”, ativado em reuniões e convenções. O site de rede social LinkedIn 17 , que tem por objetivo promover conexões profissionais entre seus usuários, baseia-se nessa ideia. Nesse site, os profissionais geralmente se conectam a seus colegas de trabalho e, quando passam a atuar em uma nova instituição ou área, criam contatos novos, mas não descartam os antigos. Essas pessoas passam a ser, portanto, pontes entre clusters separados. 17 Disponível em <http://www.linkedin.com>. 12 3 A SOCIEDADE EM REDE Observaram-se até aqui aplicações para o conceito matemático de rede. O uso dessa teoria resultou em tecnologias inovadoras, como a World Wide Web, e na compreensão de alguns fenômenos sociais. Nesses casos, a ciência aplicou conscientemente o conceito de rede, e isso resultou em produtos e conhecimentos novos. Em contrapartida, a sociedade também absorveu esse mesmo conceito, possivelmente de modo menos consciente. O que se estuda hoje como globalização, em termos gerais, e como sociedade em rede, mais especificamente, é a análise dessa absorção pela sociedade. À primeira vista, não parece existir uma conexão significativa entre o estudo da sociedade em rede e o das redes sociais na Web. O primeiro desses estudos é nitidamente mais abrangente; seus atores têm identidades mais variadas e são mais numerosos; seus fluxos são de capital transnacional, poder e culturas. O segundo estudo, das redes sociais na Web, quando muito, parece tratar de uma simples amostra da sociedade. Essa dedução não é incorreta; os sites de rede social, de fato, contêm uma amostra da sociedade. No entanto, essa amostra não é insignificante. Só o Facebook, que é o mais visitado desses sites, tem um número de usuários que corresponde a 7% da população mundial 18 . Não é apenas o tamanho da amostra da sociedade contida nos sites de rede social que justifica a relevância entre o tema da sociedade em rede e este trabalho, mas também o potencial de crescimento que a existência de uma sociedade em rede representa para as redes sociais na Web.Castells (2000a) dedica um livro para descrever como a sociedade caminhou para o modelo de rede. Faria (2010) descreve o impacto da nova morfologia social na economia, direito e cultura. Em nenhuma dessas obras são mostrados indícios de que a sociedade adotou a estrutura de rede por imposição, mas sim de que esse foi um passo evolutivo e natural. De maneira similar, evoluíram tecnologias, comunicações e mídias, que ganharam a forma de redes. Como parte integrante da estrutura social, parece natural que as redes sociais virtuais adotem a mesma estrutura em que toda a sociedade se molda. Entender a formação da sociedade em rede, portanto, é uma forma possível de se compreender a formação das redes sociais na Web. 18 O Facebook declara ter 500 milhões de usuários (FACEBOOK, 2011b), e a população mundial em 2010 era de 6,9 bilhões (CENSUS, 2010). 13 Esclarecida a relação aqui visada entre os dois temas, cabe apresentar uma nota para que o leitor compreenda a estrutura deste capítulo. Além da descrição da sociedade em rede, cuja pertinência já foi explicada, trata-se aqui de alguns elementos que permitem a passagem para as próximas seções deste trabalho, mais diretamente conectadas às redes sociais na Web. Há neste capítulo uma análise da absorção da tecnologia pela sociedade e a virtualização de suas relações (seção 3.2). Em seguida, há um estudo do confronto entre a tecnologia e a sociedade, traduzido pelas correntes de pensamento favoráveis e opositoras ao determinismo tecnológico (seção 3.3). Nesse ponto, o trabalho chegará ao nível de imersão necessário para que se apresentem formas de fluxo de informação na rede (seção 3.4) e uma visão concentrada de sociedade, tecnologia, virtualização e velocidade, expressa pelo conceito de dromocracia cibercultural (seção 3.5). 3.1 Rede, Fluxos e Globalização A morfologia das redes dominou a sociedade nas últimas décadas e foi fonte de uma dramática reorganização das relações de poder. Comutadores 19 conectando as redes (como, por exemplo, fluxos financeiros controlando impérios de mídia que influenciam o processo político) passaram a ser instrumentos privilegiados e detentores do poder (CASTELLS, 2000a, p. 501). Assim, pode se concluir que, na sociedade em rede, o poder geralmente não está em nós, mas nos fluxos que eles estabelecem. No plano econômico, consolida-se um sistema de corporações mundiais, cujas redes formais e informais de negócios tendem a enfraquecer o poder dos Estados, e no plano institucional esgota-se a ideia de hierarquia como princípio ordenador da vida social (FARIA, 2010, p. 3). Como há muitas redes, os códigos e comutadores interoperantes tornam-se as fontes fundamentais da formação, orientação ou desorientação das sociedades (CASTELLS, 2000a, p. 502), o que reforça a proposição de Granovetter sobre a análise de redes sociais, de que é 19 Comutadores são dispositivos que podem interromper ou permitir o fluxo de corrente elétrica num sistema (AULETE e VALENTE, 2006). Nesse caso, o uso do termo é por comparação, já que os nós de uma rede são capazes de dar continuidade ou interromper os fluxos dessa rede. 14 possível compreender aspectos macrossociais a partir de relações diádicas (GRANOVETTER, 1973, p. 1360). Como uma tendência histórica, funções e processos dominantes na sociedade da informação estão crescentemente organizados em redes. Essa forma de organização social existiu em outros tempos e espaços, mas o novo paradigma da tecnologia da informação fornece base material para sua penetração na estrutura social. Castells (2000a, p. 500) argumenta que essa lógica de rede leva a uma determinação social de nível mais alto que a dos interesses sociais específicos expressos pelas redes: o poder dos fluxos tem precedência sobre os fluxos de poder, e há preeminência da morfologia social sobre a ação social. Castells chama esse novo modelo de Sociedade em Rede. Nessa sociedade, empresas, Estados e investidores internacionais conectaram-se e fortaleceram-se. Reinventaram-se as formas de geração de capital. Surgiram nas últimas décadas novos produtos financeiros, derivados dos tradicionais títulos e ações, além de novas atividades produtivas, comerciais e financeiras, que levaram a proporção de ativos financeiros mundiais em relação à produção de 109% para 316% entre 1980 e 2005 (FARIA, 2010, p. 2). Nesse caso, o acesso global a atividades econômicas que já existiam localmente foi determinante para um crescimento significativo dos investimentos; sem a conexão entre investidores e produtores espalhados pelo mundo, esse crescimento da relação entre ativos financeiros e produção possivelmente não seria tão significativo. Para a reestruturação que culminou na sociedade em rede, foi fundamental a conjunção entre a sociedade, a tecnologia e, especialmente, a comunicação mediada por computadores (CMC) 20 . Trata-se, na próxima seção, de um dos resultados dessa combinação: a virtualização das interações humanas. 20 De computer-mediated communication (RHEINGOLD, 2000, p. xviii). 15 3.2 Virtualização Com a intensificação do uso da CMC, ganharam notoriedade a partir da década de oitenta do século XX as comunidades virtuais, como espaços de discussão e colaboração intermediada por computadores, que serão tratados em detalhes adiante (vide seção 5.1). Essas comunidades foram precursoras das redes sociais virtuais e puseram em discussão a questão da virtualização em ambientes da Web. “Virtual” é um termo usado cotidianamente para indicar algo que não é real ou físico. Isso parece, a princípio, adequado para qualificar o tipo de comunidade descrito acima, já que, nelas, há computadores entre os usuários, os quais não necessariamente têm uma relação de proximidade física. No entanto, a virtualidade tem, na visão acadêmica, um significado mais preciso, que ajuda a entender alguns aspectos dos sistemas baseados em CMC. Com esse fim, trata-se nesta seção do conceito de “virtualidade”, pela definição de Pierre Lévy. A palavra virtual vem do latim medieval virtualis, termo proveniente de virtus, ou seja, força, potência. Na filosofia escolástica 21 , o virtual é o que existe em potência, e não em ato. O virtual tende a se atualizar, sem passar, entretanto, à concretização efetiva ou formal de algo previamente definido. Por exemplo, a árvore é virtualmente presente na semente (LÉVY, 1998, p. 13), pois, ao se plantar a semente, não se sabe de antemão qual a forma exata da árvore que se desenvolverá. “Possível” e “virtual” são também conceitos diferentes. O possível já está constituído, e pode se realizar sem que nada mude na sua determinação nem em sua natureza. É um real latente. O possível é exatamente como o real, apenas lhe falta a existência. A realização de um possível não é uma criação, no sentido pleno desse termo, pois a criação implica também a produção inovadora de uma ideia ou forma (LÉVY, 1998, p. 13-4). Para Lévy (1998, p. 14-5), o conceito oposto à virtualização é a atualização, que é como a solução para um problema, uma solução que não estava contida antecipadamente no enunciado. A atualização é a invenção de uma forma a partir de uma configuração dinâmica de forças e de finalidades. Na atualização, ocorre uma produção de qualidades novas, uma transformação de ideias, uma verdadeira formação que alimenta o virtual ao redor. Por exemplo, se o 21 Filosofia escolástica é a designação da filosofia medieval ensinada na “Escola”, ou seja, em instituições de ensino eclesiásticas e universidades europeias, entre os séculos IX e XVI (DUROZOI e ROUSSEL, 1997). 16 desenvolvimento de um programade computador é puramente lógico, criado pela dupla possível/real, a interação entre humanos e sistemas é criada pela dialética entre o virtual e o atual (LÉVY, 1998). Daí as comunidades on-line poderem ser consideradas, formalmente, virtuais, pois a forma como elas evoluem depende da interação de seus usuários, e é indefinida até que se atualize. Não são, tampouco, possíveis, porque o que delas resulta não é apenas a realização de algo latente, mas sim resultado de interações imprevisíveis. O conceito oposto, da virtualização, consiste em uma passagem do atual ao virtual. De acordo com Pierre Lévy (1998, p. 15-16, tradução nossa): A virtualização não é uma desrealização (a transformação de uma realidade em um conjunto de possibilidades), mas uma mutação da identidade, do centro de gravidade ontológico do objeto considerado: no lugar de se definir principalmente por sua atualidade (uma “solução”), a entidade encontra sua consistência essencial em um campo problemático. Virtualizar uma entidade qualquer consiste em descobrir a questão essencial à qual ela corresponde, a fazer mudar a entidade na direção dessa interrogação, e a redefinir a atualidade de partida como resposta a uma questão particular [...]. A atualização vai de um problema a uma solução. A virtualização passa de uma dada solução a outro problema. Ela transforma a atualidade inicial em caso particular de uma problemática mais geral, sobre a qual é colocado um acento ontológico. Assim fazendo, a virtualização fluidifica as distinções instituídas, aumenta os graus de liberdade, cria um motor vazio. Se a virtualização não fosse mais que a passagem de uma realidade a um conjunto de possibilidades, ela seria desrealizante. Nas comunidades virtuais, a partir de um conjunto de infraestrutura e interfaces, desenvolvidos e apoiados em tecnologias computacionais, pessoas iniciam e desenvolvem interações cujos resultados não são previsíveis. O que se discute em uma comunidade, os tópicos criados, o tipo e o tom das respostas dependem dos usuários, seus interesses e sua identidade. Não se sabe o que uma comunidade se tornará alguns meses depois da sua criação. As comunidades virtuais não são, tampouco, um retrocesso ou uma desrealização das comunidades físicas; geralmente os temas que se colocam em discussão nas comunidades são aqueles sobre os quais os usuários querem aprender, ou fatos novos sobre os quais querem ouvir outras perspectivas. Não existe uma transferência total das relações físicas para essas 17 comunidades, principalmente porque o tipo de relação que se estabelece nelas é diferente, geralmente de muitos para muitos em um universo de comunicação assíncrona. Usando o conceito de virtualização de Lévy, pode-se pensar ainda nas comunidades virtuais como um retorno às bases conceituais de comunidades, fundadas pela necessidade de indivíduos interagirem e pela posse e valorização de uma identidade coletiva, dando-se uma nova perspectiva à forma de comunicação, à necessidade de se respeitarem fronteiras geográficas e a proximidade física. Seguindo esse raciocínio, as comunidades virtuais são a virtualização de comunidades físicas, e não a sua desrealização. 3.3 Determinismo Tecnológico e Racionalização Subversiva Os sites de rede social são um reflexo do feedback e da interação dos seus usuários interconectados; eles são uma amostra da sociedade em rede, em que se podem observar alguns dos fluxos dela. Esses sites são, virtualmente, ambientes para comunidades e relacionamentos, mas a atualização disso, ou seja, a transformação desses sites como meios de comunicação em espaços de colaboração e relacionamento interpessoal, depende dos usuários. Pierre Lévy (1998, p. 15) afirmou que a interação de usuários com um software é um processo de atualização, ou seja, de criação. Em parte, essa criação pode acontecer na própria estrutura lógica do software. Nos sites de rede social, por exemplo, as informações e os avatares que se veem dependem das conexões e ações de cada usuário no site. O usuário interage, portanto, com pessoas e informações que dependem dele e de suas conexões com outros usuários. São os próprios participantes (nós) da rede que decidem a quem querem se conectar e quais conteúdos querem compartilhar; tais ações são executadas, mas não decididas, pelo software. Essa visão, de que a tecnologia pode ser adaptada pela sociedade, encontra oposição. Há, por exemplo, a corrente de pensamento do determinismo tecnológico. Ela surgiu no mundo acadêmico no século XX, e baseia-se na aceitação de que as tecnologias têm uma lógica funcional autônoma que pode ser explicada sem referência à sociedade, mas que é determinante para a evolução social. Na visão dos deterministas, como descreve Andrew 18 Feenberg (1995b, p. 5), o destino da sociedade seria ao menos parcialmente dependente da tecnologia, um fator não social que influencia a sociedade sem ser influenciado por ela. Mencionar o determinismo tecnológico nesse momento é relevante para analisar a possibilidade de as ações de cidadãos que se desenvolvem on-line serem de fato fenômenos sociais, ou ainda simples casos de utilização da tecnologia. Para Thorstein Veblen, pioneiro estudioso do determinismo tecnológico, a tecnologia moldou a sociedade; ele aponta a máquina como o que diferenciou a sociedade moderna do antigo regime (VEBLEN, 2005, p. 144). Para Veblen, pode-se dizer que a sociedade responde à máquina (ou tecnologia), e não o contrário. Transportando essa ideia para o contexto dessa pesquisa, pode-se pensar que o desenvolvimento de um movimento que se inicia na Web está limitado pela própria tecnologia, e até mesmo que o movimento se inicia só porque há tecnologia disponível. Para analisar-se a capacidade de resposta dos sites de rede social às necessidades dos usuários, pode-se considerar um de seus aspectos – o volume de armazenamento de dados. Se um movimento se desenvolvesse com mensagens registradas em um banco de dados, por exemplo, com um limite de armazenamento inalterável, que possibilitasse a inclusão de 1000 mensagens, esse movimento poderia se extinguir no momento em que os usuários fizessem sua milésima postagem. Se os sites de rede social fossem assim, poderia se pensar neles, ao menos sob essa perspectiva, como um tipo de tecnologia incapaz de responder às necessidades dos usuários. Sabe-se, no entanto, que não é esse o funcionamento de tais sites. Toda a informação armazenada neles é mantida em data centers 22 capazes de guardar uma quantidade de dados de magnitude muito superior à capacidade humana de produzi-los. Além disso, há redundâncias que impedem que os dados sejam completamente perdidos, mesmo que haja uma catástrofe que destrua um dos data centers. Os dados são alocados de forma inteligente – não é necessário manter um espaço fixo para cada usuário, já que a alocação pode ser dinâmica, ou seja, atribui-se mais espaço a um usuário à medida que ele produza novas informações. Da mesma forma que alguns autores dizem que o determinismo tecnológico é uma teoria reducionista, como Strobel e Tillberg-Webb (2009, p. 79), seria também um 22 Data centers (ou centros de dados) são centrais de servidores (server farms) conectados entre si por redes locais e a computadores externos por VPNs (virtual private networks), WANs (wide area networks) privadas ou pela Internet. Para que o conjunto funcione, também são necessárias aplicações de software e protocolos de rede específicos (ARREGOCES e PORTOLANI, 2004, p. 7-8). 19 reducionismo aqui limitar a oposição a essa teoria com o único argumento, segundo o qual os sites de rede social armazenam tanta informação quanto os usuários quiserem, logo respondem às necessidades dos usuários. Há, no entanto, pesquisas que se contrapõem aodeterminismo tecnológico, como, por exemplo, a de Andrew Feenberg 23 . O trabalho desse autor é relevante porque foi produzido nas últimas duas décadas, portanto durante o desenvolvimento das redes sociais na Web, e porque sua produção se enquadra no campo da Filosofia da Tecnologia, e assim tem mais mecanismos formais para se contrapor ao determinismo. Feenberg não considera que a sociedade seja aprisionada pela tecnologia, mas sim que a tecnologia influencia e é influenciada pela sociedade. Nesse ponto, o autor faz uma crítica ao determinismo tecnológico, que se reflete em seu artigo “Racionalização Subversiva” (FEENBERG, 1995b). Esse título, conforme explica o autor, implica uma provocativa oposição às conclusões de Max Weber, que apontam efeitos nocivos da democracia industrial na sua teoria de racionalização. Weber definiu a racionalização como um crescente papel da automação no controle na vida social, uma tendência levando ao que se chamou “gaiola de ferro” da burocracia (WEBER, 2003, p. 181). “Racionalização subversiva” seria, então, um paradoxo (FEENBERG, 1995b, p. 4). Na visão de Feenberg, a tecnologia, como objeto social, pode ser sujeita à interpretação como qualquer outro artefato cultural, mas é geralmente excluída de estudos humanistas. No entanto, ela merece mais atenção nesse campo de estudo. Nos pilares deterministas, assegura-se que a essência da tecnologia está na função tecnicamente explicável, ao invés de ter um significado hermeneuticamente definido. Nesses mesmos pilares, métodos humanísticos podem iluminar apenas aspectos extrínsecos da tecnologia, como a embalagem e a publicidade, ou reações populares a inovações controversas, como energia nuclear e barrigas de aluguel. Portanto, o determinismo tecnológico minimiza as conexões entre a tecnologia e a sociedade e considera que a tecnologia é autogenerativa (FEENBERG, 1995b, p. 8-9). Ao interpretar a tecnologia, Feenberg considera que os objetos tecnológicos têm duas dimensões hermenêuticas: o sentido social, que é o desenvolvimento da tecnologia controlado em primeira instância pelo debate de interpretações, e o horizonte cultural, que representa o 23 Prof. Dr. Andrew Feenberg é membro do comitê de pesquisa em Filosofia da Tecnologia na escola de comunicação da Simon Fraser University. Em 1982, liderou o Text Weaver Project, uma das primeiras plataformas de educação on-line (SFU, 2011). 20 desenvolvimento tecnológico limitado pelas normas culturais originadas na economia, ideologia, religião e tradição (FEENBERG, 1995b, p. 9). Existe compatibilidade entre a análise interpretativa da tecnologia proposta por Feenberg e o tema aqui tratado, tendo em vista, conforme uma observação anterior, a conjunção entre a sociedade em rede e a tecnologia, bem como o exemplo dos sites de rede social, em que a tecnologia viabiliza fluxos, mas também é moldada pela vontade social, ou seja, ganha sentido social e cultural à medida que os usuários se conectam e se comunicam. 3.4 Informação na Rede Em alguns aspectos analisados neste trabalho, como o esgotamento da ideia de hierarquia à medida que a sociedade se estrutura em redes (FARIA, 2010, p. 3), ou a capacidade de figuras marginais atingirem toda a rede a que pertencem (GRANOVETTER, 1973, p. 1367), alterou-se a forma de divulgação de informação na sociedade em rede, que passou de um modelo unidirecional (top-down) a outro bidirecional ou multidirecional. Os sites de rede social são um contraponto ao modelo de difusão de informações centralizador da mídia de massa tradicional, cujo eixo são a televisão, o rádio e os jornais, pois, nesses sites, a escolha dos temas discutidos depende dos usuários. Neste capítulo, trata- se da evolução do sistema de mídia tradicional para o modelo bottom-up 24 possibilitado por novas tecnologias. Castells (2000a) analisa o crescimento da cultura da mídia de massa, movido pela difusão da televisão nas três décadas que sucederam a Segunda Guerra Mundial. Nesse período, as mídias existentes (principalmente rádio, jornais impressos e cinema) reestruturaram-se em um sistema cujo coração era a TV. O sistema dominado pela TV poderia ser facilmente caracterizado como mídia de massa (CASTELLS, 2000a, p. 358-9). Nesse sistema, poucos emissores de informação centralizadores são capazes de atingir milhões de espectadores com a mesma mensagem e 24 Bottom-up, oposto de top-down. Literalmente “abaixo-acima”, ou, contextualmente “de baixo para cima”. Um caso de comunicação bottom-up aqui descrito é o fluxo de informação de figuras marginais para figuras centrais de uma rede social. 21 conseguem, assim, dominar a cultura popular. De acordo com Castells (2000a, p. 365, tradução nossa): Esse sistema, em que imagens atrozes de guerras reais podem ser absorvidas quase como parte de filmes de ação, tem um impacto fundamental: o nivelamento de todo conteúdo no conjunto de imagens recebidas por cada pessoa. É um sistema de feedback entre espelhos distorcidos: a mídia é a expressão da cultura popular, e essa cultura forma-se principalmente com material fornecido pela mídia. Durante a década de 1980, novas tecnologias transformaram o mundo da mídia; os jornais passaram a ser escritos, editados e impressos por subsidiárias, permitindo que edições simultâneas do mesmo jornal fossem produzidas para diversas áreas; equipamentos como o walkman criaram ambientes de áudio portáteis com músicas que podiam ser selecionadas pessoalmente; o rádio tornou-se crescentemente especializado, com estações temáticas e subtemáticas; equipamentos de videocassete popularizaram-se em todo o mundo, e tornaram- se, em muitos países em desenvolvimento, uma alternativa ao broadcast 25 oficial. O desenvolvimento da tecnologia da TV a cabo, promovida nos anos 1990 pela fibra ótica e a digitalização, e o broadcast direto por satélite aumentaram o espectro de transmissão, e colocaram pressão nas autoridades para desregulamentação das comunicações em geral e da televisão em particular (CASTELLS, 2000a, p. 365-367). Castells remete-se a McLuhan ao escrever que nesse novo sistema, com a diversificação da mídia e a possibilidade de atingir a audiência precisamente, o meio é a mensagem (CASTELLS, 2000a, p. 368). Os canais de TV passaram a transmitir programas diferentes para cada região, mais adequados às realidades locais. Surgiu também a CNN, em 1980, que produzia conteúdo noticioso em vídeo e o compartilhava em sua totalidade com subsidiárias. Esse evento alterou o modo como a informação flui na mídia (JOHNSON, 2003, p. 107). Ainda não se tratava de uma rede, já que a informação vinha da cadeia principal de TV e era adaptada pelas subsidiárias, sem feedback ou interação dos usuários, mas a CNN deu um passo importante para aproximar do usuário o controle da mídia. 25 Usa-se aqui o termo inglês broadcast (literalmente, difusão), que se refere à emissão e transmissão regular por meio de rádio ou televisão de programas noticiosos, recreativos, educativos, mensagens publicitárias, oficiais, etc. (AULETE e VALENTE, 2006). 22 Esse processo continuou a passos largos. Em seguida, com o surgimento dos pontos de encontro on-line, na década de 80 do século XX, notadamente a WELL 26 , em 1985, com suas comunidades autorreguladas (RHEINGOLD, 2000, p. XV), depois comunidades de notícias e discussão temáticas, como o Slashdot.org, criado por Rod Malda (JOHNSON, 2003, p. 113), e finalmente a ascensão dos sites de rede social, que se consolidaram como centros de atração de usuários da Web, sendo o Facebook, atualmente, o segundo site mais visitado nos Estados Unidos (ALEXA, 2011b). Essa não foi apenas a ascensão de um modelo de site, mas de umaforma de fluxo de informação, em que o usuário pode optar por aquilo que quer ver, e com o que pode interagir. 3.5 Dromocracia Cibercultural A velocidade do fluxo de informações na sociedade em rede, a relativização de fronteiras nacionais e o surgimento de fronteiras eletrônicas globais compuseram a análise de Eugênio Trivinho (2007) sobre um novo contexto social: a dromocracia 27 cibercultural. Nesse contexto, a cibercultura aparece como categoria de época, substituta do conceito de sociedade, reino do interativo e do virtual. “A dromocracia cibercultural surge como o processo civilizatório fundado e articulado pelo usufruto da tecnologia digital em todos os setores da experiência humana” (TRIVINHO, 2007, p. 23), e esse usufruto, resultado do “acoplamento corporal e simbólico-imaginário entre o ser humano e a máquina”(TRIVINHO, 2007, p. 248), quebra a barreira do local, pois em posse de seu computador, e ligado a sua rede, o usuário torna-se membro de um espaço único. Local é a conexão, e globais os vínculos da Internet, sendo que a civilização midiática atual é glocal 28 , ou glocalizada, participante de “um universo macrossocial de circulação em 26 Whole Earth “Lectronic” Link, ou Ligação Eletrônica de Toda a Terra, detalhada na seção 5.1. 27 Dromocracia é um termo cunhado pelo arquiteto Paul Virilio, que representa a supremacia da velocidade na formação da estrutura social contemporânea e na comunicação. Do grego dromos (corrida) e kratía (força, poder) (VIRILIO, 1977, p. V; VIRILIO, 1996, p. 122). 28 De acordo com Roland Robertson (1995, p. 28), o conceito de glocalização refere-se à simultaneidade e interpenetração do local e global, ou do particular e universal. O autor descreve que o conceito de glocalização pode substituir, em algumas circunstâncias, o de globalização, com a vantagem de enfatizar a problemática do espaço, à medida que pessoas e nações do mundo interconectam-se. Para Eugênio Trivinho (2007), o glocal surgiu com a tecnologia de telefonia, que permitiu a troca simultânea de informações por pessoas espacialmente separadas. 23 excesso de sentidos fragmentários como paisagens tecnoculturalmente monopolistas, fragmentadas pelos e alicerçadas em mercados regionais, nacionais e internacionais, e nas quais se joga e se enreda, de maneira original e insólita, a vida social” (TRIVINHO, 2007, p. 287). A cibercultura glocalizada, sem fronteiras, veloz e excessiva, é um efeito da Web para a sociedade, e pode ser intensificada com algumas ações sociais on-line, de que podem participar simultaneamente agentes espalhados pelo globo. Tais ações podem contribuir com mudanças locais ou globais. Um caso de ação social com participação global foi o SuperPower Nation29 , um projeto organizado pela BBC 30 , em que internautas puderam discutir problemas que afetavam seus países ou questões econômicas, sociais e políticas globais. Por um curto período, esses internautas formaram uma rede de discussão intensiva. A comunicação podia acontecer em vários idiomas, já que os usuários tinham as mensagens do chat traduzidas para a sua própria língua em tempo real. Os resultados do projeto ficaram registrados no site da BBC. 29 O site do projeto SuperPower está disponível em <http://www.bbc.co.uk/worldservice/ specialreports/superpower.shtml>. Acesso em: 10 set. 2010. 30 BBC (British Broadcasting Corporation) é a maior organização de broadcasting no mundo, financiada por uma taxa paga pelos cidadãos ingleses (BBC, 2011). 24 4 REDES SOCIAIS: RIZOMA, ESPAÇO E IDENTIDADE Neste capítulo, serão tratadas duas características das redes sociais on-line. A primeira é a forma, que se refere à maneira de associação dos nós da rede social, onde eles estão no espaço físico, como a rede se expande e como uma rede social pode ser comparada a um rizoma. Em seguida, trata-se da identidade dos usuários, os próprios nós da rede, o que eles são ou representam. Ressalta-se que uma rede deve ser entendida como uma lógica de conexões, e não de superfícies (KASTRUP, 2004), logo a forma de uma rede pode mudar sem que se altere a capacidade de seus nós de difundir informações. No entanto, no caso das redes sociais on-line, a distribuição global é significante, pois possibilita a existência de fluxos globais e novas formas de interação locais e interlocais. Assim, quanto maior a superfície atendida por uma rede social virtual, tende a ser maior a variedade cultural e o número de fluxos presentes nessa rede. Neste trabalho, o uso do conceito de rizoma associado às redes sociais tem duas finalidades. A primeira delas é ressaltar que essas redes, por seu caráter topológico, aproximam-se do rizoma (COSTA, 2010, p. 104), e podem penetrar as fissuras do discurso do capital e promover infiltrações desconstrutoras, assim como afirma Verônica Bernardi (2001) sobre a literatura, a arte e a psicanálise. A segunda finalidade é ressaltar a diferença entre o modelo de comunicação nas redes sociais on-line e o que caracteriza a televisão, o rádio e a mídia impressa. Esse último modelo é arbóreo, pois, a partir de um eixo principal (a emissora de TV, ou rádio, ou a redação do jornal), a informação ramifica-se até chegar aos espectadores ou leitores, que não são interconectados. Quando se analisam redes sociais virtuais, é significativo verificar a distribuição espacial dos nós. Distribuídos no espaço físico, mas unificados no meio digital, os usuários de redes sociais virtuais ganham novas capacidades. Uma dessas capacidades é a de alterar o espaço de vivência. Os usuários das redes sociais virtuais podem conviver com pessoas de outros países. Quando interagem com o seu 25 espaço físico, esses usuários podem gerar dados para pessoas de qualquer lugar do mundo que façam parte de seu círculo de amizade, como acontece com os usuários do Foursquare 31 . Assim, as redes sociais virtuais podem integrar, ou mesmo ser, o que Castells (2000a, p. 442) define como espaços de fluxos. O conceito de Castells, em associação com as redes sociais on-line, será descrito na seção 4.2 deste capítulo. 4.1 Redes Sociais como Rizoma Os sites de rede social permitem que seus usuários troquem informações, definam os assuntos que serão discutidos e sobre os quais dados serão compartilhados. Como são os usuários que optam por dar sequência ao fluxo de divulgação de informações, por meio das funcionalidades de retweet, tags e like 32 , ou usando outras formas de divulgação nos sites de rede social, alguns assuntos ganham notoriedade e outros ficam restritos a pequenos grupos; entretanto, em redes densas, um único usuário geralmente não é suficiente para bloquear-se um fluxo de informação. Em uma rede social não se pode saber de antemão o que atingirá muitos ou poucos nós da rede, e as únicas maneiras de impedir que um fluxo iniciado em uma sub-rede atinja outras são (1) que elas não estejam conectadas, ou (2) que estejam conectadas por pontes (bridges) em que um dos nós decida interromper o fluxo. Nesse aspecto, a divulgação pelos sites de rede social é diferente do modelo de broadcast, em que divulgar significa atingir a maior parte dos espectadores, e não divulgar para todos é geralmente uma escolha feita por poucos. Deleuze e Guattari (2000, p. 15-22) analisam a árvore e o rizoma, que podem ser conceitualmente associados, respectivamente, ao modelo de comunicação broadcast e das redes sociais. Esses autores detalham a descrição do rizoma em cinco princípios: da conexão, 31 Rede social em que usuários registram sua presença em lugares de uma cidade, como bares e restaurantes cadastrados, para divulgá-la a seus amigos e, assim, promoverem-se encontros (FOURSQUARE,2011). 32 Retweet é a funcionalidade do site Twitter para enviar-se, ou redistribuir-se, a todos os contatos de um usuário algo que foi comentado por um de seus contatos; a inclusão de tags (em português etiquetas) é uma função do site YouTube para que usuários classifiquem vídeos, que se tornam mais facilmente encontráveis em buscas; a função Like do site Facebook é similar ao retweet, ou seja, equivale a mandar uma mensagem para todos os contatos de um usuário, com a diferença de que, no Facebook, isso pode ser feito para mensagens de outros e também para divulgar notícias, aplicativos (apps), imagens, vídeos, etc. Na versão em português do Facebook, a funcionalidade like chama-se curtir. 26 da heterogeneidade, da multiplicidade, da ruptura a-significante, da cartografia e decalcomania: Por princípio da conexão entende-se que qualquer ponto de um rizoma pode ser conectado a qualquer outra coisa, e deve ser, o que os diferencia da árvore ou raiz, que fixa uma ordem [...]. Pelo princípio da heterogeneidade, um rizoma indefinidamente estabelece conexões entre cadeias semióticas, organizações de poder, e circunstâncias relativas às artes, ciências e lutas sociais [...]. Uma multiplicidade não tem nem sujeito nem objeto, mas somente determinações, grandezas, dimensões que não podem crescer sem que mudem de natureza. Multiplicidades são rizomáticas, e expõem pseudomultiplicidades arborescentes. Todas as multiplicidades são planas, uma vez que elas preenchem, ocupam todas as suas dimensões: falar-se-á, então, de um plano de consistência das multiplicidades, de dimensões crescentes segundo o número de conexões que se estabelece nele. As multiplicidades planas a n-dimensões são a-significantes e a- subjetivas [...]. Pelo princípio da ruptura a-significante, um rizoma pode ser rompido, quebrado em um lugar qualquer, e ainda retomar o seu desenvolvimento segundo uma ou outra de suas linhas ou segundo outras linhas. Todo rizoma compreende linhas de segmentaridade segundo as quais ele é estratificado, territorializado, organizado, significado, atribuído, etc., mas corresponde também a linhas de desterritorialização pelas quais ele foge sem parar. Há ruptura no rizoma cada vez que linhas segmentares explodem numa linha de fuga, mas a linha de fuga faz parte do rizoma. Faz-se a ruptura, traça-se a linha de fuga, mas corre-se sempre o risco de reencontrar nela organizações que reestratificam o conjunto, formações que dão novamente o poder a um significante, atribuições que reconstituem um sujeito. Os grupos e os indivíduos contêm microfascismos sempre à espera de cristalização [...]. Com relação ao princípio da ruptura a-significante, Carlos Zibel Costa (2010, p. 105) analisa, em associação com a interpretação de Virgínia Kastrup (2004), que o rizoma se diferencia da estrutura por ser composto de linhas que figuram o movimento, o tempo inventivo. Em contraste, as estruturas são definidas em um conjunto de pontos e posições. Pelo quinto e sexto princípios, da cartografia e decalcomania, um rizoma não pode ser justificado por nenhum modelo estrutural ou gerativo. Ele é estranho a qualquer ideia de eixo genético ou de estrutura profunda. Um eixo genético é como 27 uma unidade pivotante objetiva sobre a qual se organizam estados sucessivos; uma estrutura profunda é, antes, como que uma sequência de base decomponível em constituintes imediatos, enquanto que a unidade do produto se apresenta numa outra dimensão, transformacional e subjetiva. Não se sai, assim, do modelo representativo da árvore ou da raiz pivotante ou fasciculada, já que o eixo genético ou a estrutura pivotante são como modelos de decalque [...]. O rizoma é como mapa, e não decalque. O mapa é aberto, e conectável em todas as suas dimensões, desmontável, reversível, suscetível a receber modificações constantemente. Ele pode ser rasgado, revertido, adaptar-se a montagens de qualquer natureza, ser preparado por um indivíduo, um grupo, uma formação social. Pode-se desenhá-lo numa parede, concebê-lo como obra de arte, construí-lo como ação política ou como uma meditação. Uma das características mais importantes do rizoma talvez seja a de ter sempre múltiplas entradas. Como os rizomas, as redes sociais são heterogêneas em suas conexões, que podem ser interpessoais, de pessoas a objetos (vídeos, instituições), e nelas a conexão entre nós é determinante para que a rede se desenvolva. A rede é múltipla, não subjetiva, pois não representa um único tema, sujeito ou assunto; todo o seu desenvolvimento, que não segue um padrão de decalque, é resultado da complexidade das conexões voluntárias de cada usuário. Além disso, ainda que os nós sejam iguais como entidades da rede, e as funcionalidades da rede social sejam as mesmas para todos os nós, não há decalcomania, já que as finalidades que se pode dar à rede são imprevisíveis. Essa característica também faz com que nenhum nó possa controlar a rede sozinho. 4.2 Espaço de Fluxos As redes sociais on-line permitem que usuários localizados em espaços separados interajam simultaneamente – comuniquem-se, vejam-se. Uma pessoa pode mudar para outro país e manter todas as suas amizades on-line. As redes sociais fazem parte do espaço de vivência desses usuários. Castells captura essa ideia no conceito de espaço de fluxos. Nesta seção, visa-se a estudar a disposição das redes sociais on-line no espaço físico, como integrantes e constituintes de espaços de fluxos. Esse estudo é complementar à análise das redes sociais online on-line como grafos, e não exclui seus princípios e constatações. 28 Pela definição de Castells (2000a, p. 442), espaço de fluxos é a organização material de práticas sociais de tempo compartilhado que funcionam em fluxos. É uma nova forma de organização espacial, possibilitada pelas tecnologias da informação, em que processos síncronos podem se desenvolver em diversos espaços físicos, conectados eletronicamente. Partindo-se da definição de Castells, serão analisados a seguir os sites de rede social como parte dos espaços de fluxos. Na descrição do autor, espaço não é um reflexo da sociedade, é uma expressão dela. Formas e processos espaciais são criados pela dinâmica global de toda a sociedade. Isso inclui tendências contraditórias derivadas de conflitos e estratégias entre atores sociais demonstrando interesses e valores opostos. Além disso, processos sociais influenciam a construção de ambientes herdados de estruturas sócio-espaciais prévias. Para Castells (2000a, p. 442), espaço é tempo cristalizado. Com os sites de rede social, o espaço de vivência social e relacionamento pode se expandir a diversas regiões físicas do mundo. A escolha de amigos não depende necessariamente de eles estarem fisicamente próximos, mas sim da presença dessas pessoas na rede social virtual. Sobre a relação entre o espaço e a sociedade, é explicitado por Castells (2000a, p. 440, tradução nossa) que: [...] do ponto de vista da teoria social, espaço é o suporte material de práticas sociais de tempo compartilhado. Imediatamente adiciono que qualquer suporte material tem um significado simbólico. Por práticas sociais de tempo compartilhado, refiro-me ao fato de que o espaço une essas práticas que são simultâneas no tempo. É a articulação material dessa simultaneidade que dá sentido ao espaço vis à vis a sociedade É nesse aspecto que o espaço virtual também ganha sentido social. Nele, pessoas encontram-se, dialogam e manifestam-se, e suas ações se articulam, geralmente, em uma mesma página Web. Os sites de rede social compõem os espaços de fluxos de seus usuários e, como tal, pela definição de Castells, têm sentido social. Os fluxos são a expressão dos processos que dominam nossa vida econômica, política e simbólica (CASTELLS, 2000a, p. 442), que dependem de um suporte
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