Joias do Cinema Brasileiro - Vol. 1: Saneamento Básico, O Filme (2007)
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  • Foto do escritorGuilherme Cândido

Joias do Cinema Brasileiro - Vol. 1: Saneamento Básico, O Filme (2007)

Hoje, 19 de junho, é celebrado o Dia do Cinema Nacional, uma homenagem ao pioneirismo de Afonso Segretto (1875 - 1919), reconhecido como o primeiro brasileiro a registrar imagens em movimento no território nacional, em 1898, quando filmou a Baía de Guanabara enquanto chegava ao Rio de Janeiro a bordo da embarcação francesa Brésil.


Para marcar a data, resolvi iniciar uma série de críticas sobre produções brasileiras, aproveitando também para desfazer uma imagem equivocada que muitos conterrâneos ainda possuem mesmo após 125 anos de prolífica produção cinematográfica. Até mesmo pessoas com fácil acesso à cultura tentam diminuir nossa Arte, menosprezando filmes que infelizmente são muito mais prestigiados no exterior do que pelo próprio povo, refletindo uma mentalidade anacrônica que só faz limitar o alcance de obras consagradas em festivais renomados, que perdem cada vez mais espaço para as famigeradas neo-chanchadas, isto é, produções com linguagem televisiva, mas em formato longa-metragem. O que contribui para a consequente difamação do Cinema Brasileiro num ciclo vicioso difícil de ser rompido.


Por isso, para mostrar um pouco da riqueza do nosso Cinema, divulgando pérolas pouco conhecidas e relembrando outras preciosidades, tentarei ajudar a reverter essa situação, criando essa coluna que também (espero) poderá servir como um guia para aqueles interessados em explorar um pouco mais a nossa gigantesca e diversa produção cinematográfica.


E, para inaugurá-la, talvez não houvesse escolha mais adequada do que Saneamento Básico, O Filme, uma carta de amor ao processo fílmico e que utiliza o humor para retratar a nossa realidade.


Vol. 1 – Saneamento Básico, O Filme (Jorge Furtado, 2007)


Escrito e dirigido por Jorge Furtado. Com: Fernanda Torres, Wagner Moura, Camila Pitanga, Bruno Garcia, Paulo José, Tonico Pereira, Lázaro Ramos, Janaína Kremer, Lúcio Mauro Filho e Zéu Britto.


Talento precioso vindo do rico polo cinematográfico gaúcho, Jorge Furtado é responsável por algumas das obras mais memoráveis e distintas do nosso Cinema. É dele o hipnótico e informativo Ilha das Flores (1989) um documentário em curta-metragem que ganhou as salas de aula brasileiras na época em que foi lançado. O Homem Que Copiava (2003) e Meu Tio Matou um Cara (2004) renovaram o humor nacional, priorizando piadas inteligentes embaladas por um ritmo ágil e protagonizados por personagens carismáticos. Saneamento Básico, O Filme, seu quarto longa-metragem para o Cinema, acaba sendo um pouco de tudo, misturando alguns dos melhores elementos de suas obras anteriores. O resultado é uma das comédias mais divertidas e autênticas desde a Retomada.


Escrita e dirigida por Furtado, a trama segue vários personagens, todos alinhados com a ideia de que a pequena cidade onde moram precisa urgentemente de uma fossa, pois a falta de saneamento vem afetando não só o ambiente, como está prejudicando direta e/ou indiretamente os habitantes. Assim, o filme começa com Marina (Fernanda Torres, excepcional como sempre) reunindo um grupo de moradores para redigir um documento a fim de solicitar a construção à Prefeitura.

O problema é que não há planos ou sequer verba para a realização da obra, mas a funcionária do gabinete dá uma dica: há um edital de financiamento para a produção de um filme que se encontra em esquecimento após ser abandonado pelo filho de um político. E se não for utilizado, o dinheiro (mais do que suficiente para bancar as obras), retornará aos cofres públicos. Para obtê-la, basta entregar um vídeo de ficção. Marina e seus vizinhos, claro, se animam com a ideia, mas não demoram a se perguntar: o que diabos seria ficção?

Assim, Furtado prepara o espectador para um delicioso mergulho em todos os processos que envolvem a produção de um filme, desde a escrita do roteiro (que rende ótimas brincadeiras sobre erros comuns cometidos por marinheiros de primeira viagem), passando pela busca por um patrocínio (a loja "Só Lindezas" está no centro de uma gag hilária), as dificuldades durante as filmagens (atuações robóticas são alguns dos problemas) e até a pós-produção, quando Lázaro Ramos surge para roubar a cena como o montador Zico.

Claro que seria impossível falar sobre o elenco de Saneamento Básico sem apontar a presença do grande Paulo José (de clássicos nacionais como Macunaíma e Todas as Mulheres do Mundo), parceiro de longa data de Jorge Furtado (é dele a narração de Ilha das Flores), que evoca a fragilidade de Otaviano com sensibilidade, mas que também não perde a oportunidade de brilhar ao ilustrar seu lado rabugento. E mesmo que conte com ótimas participações de Bruno Garcia e Tonico Pereira, o destaque inquestionável é Camila Pitanga que, como a inocente Silene "Seagal" (a explicação da escolha de seu nome artístico é impagável), é responsável pelas maiores gargalhadas do filme.

É curioso notar como Furtado tem cuidado ao abordar o desconhecimento dos locais, encarados pelo realizador como pessoas simples e bem-intencionadas, mas longe de serem estúpidas. O humor (sem apelar para escatologia, nudez ou palavrões) surge dos resultados, muitas vezes equivocados, das buscas dos personagens pelo know how que os falta, como o “telefone sem fio” que acaba levando Marina e seu marido Joaquim (Wagner Moura, divertidíssimo) a entenderem o gênero ficção como um filme de monstro (até ao dicionário eles acabam recorrendo).

No meio disso tudo, o roteiro ainda encontra espaço para incluir críticas sutis e bem humoradas, seja à política brasileira (com o prefeito aparecendo para tirar proveito da situação), à realidade de quem tenta fazer Cinema no Brasil e às necessidades de quem acaba tendo de abdicar da cultura para levar o sustento à família. A produção não se esquece de que não são todos os brasileiros que podem se dar o luxo de assistirem a um filme ou a investirem em Arte.

E é por isso que Saneamento Básico, O Filme merece ser valorizado e continua relevante mesmo depois de 15 anos desde sua estreia. Por um lado, o atestado de competência de um brilhante cineasta e roteirista, por outro, a união perfeita de entretenimento, informação, e Arte, provando e comprovando a importância da cultura.

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