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Julio Gomes

Brasil x Espanha em 2013 despertou o complexo de pitbull do nosso futebol

Jogadores da seleção brasileira comemoram título da Copa das Confederações no Maracanã em 2013 - REUTERS/Kai Pfaffenbach
Jogadores da seleção brasileira comemoram título da Copa das Confederações no Maracanã em 2013 Imagem: REUTERS/Kai Pfaffenbach

03/05/2020 11h32

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Tem uma coisa muito bacana que gira em torno do futebol brasileiro: a confiança. Tem uma que é péssima: o excesso dela. O "complexo de vira-lata", expressão cunhada por Nélson Rodrigues após a tragédia de 50, marca, de fato, nossa sociedade em quase todos os setores e aspectos. No futebol, no entanto, somos o contrário. Sofremos do "complexo de pitbull".

O brasileiro é arrogante, se considera superior a todos os outros e só respeita no futebol quem ganha... dele. O fato de nos autodenominarmos "país do futebol" já é uma boa síntese do complexo de pitbull. E esse sentimento, que nos faz mais mal do que bem, aflorou de forma impressionante após aquela final da Copa das Confederações de 2013, quando o Brasil venceu a Espanha por 3 a 0 no Maracanã.

Ali, ecoa forte o grito de "o campeão voltou", como se houvesse apenas um campeão no futebol. A Alemanha poderia ter cantado a mesma musiquinha depois do 7 a 1, um ano depois? Afinal, títulos não faltam para eles.

O fato é que nunca haverá um domínio no futebol como houve entre 1958 e 1970. E podemos ter a quase certeza de que depois disso, por um quarto de século, os times de futebol do Brasil eram os melhores do mundo - ou alguns dos melhores do mundo. Seremos eternamente fonte de talento, porque o abismo social do nosso país, nossa maior tristeza, será sempre um gerador de jogadores de futebol - além da cultura do esporte estar muito presente, o futebol é visto como esperança única de subir de vida para milhões.

O Brasil nunca chegará a uma Copa do Mundo sem chances de ser campeão. O país é uma potência do esporte. Tudo isso é verdade, a confiança é justificada.

Maaaaaaaas...

O problema é o excesso. É achar que só nós jogamos, só nós ganhamos, só nós temos habilidade. Há outros países do mundo em que proporcionalmente mais gente joga futebol do que no Brasil. Há outros países do mundo em que o interesse pelo esporte é maior do que o nosso. E, fundamentalmente, fomos alcançados e ultrapassados. Porque o futebol, como todo esporte, foi invadido pela ciência e pela tecnologia. Hoje, é possível "fabricar" grandes jogadores. O século 20 foi nosso. Mas o atual é o 21, não é mais o 20.

Em 2012, eu e meu caro amigo Sérgio Patrick resolvemos escrever um livro que nunca foi escrito. "Por que o Brasil vai perder a Copa". Conforme as pesquisas e entrevistas avançaram, fomos ampliando a ideia e mudaríamos o título para "Por que o Brasil não é o país do futebol". Vimos como essencialmente a Alemanha era o país do futebol. O livro seria, na prática, uma profecia do 7 a 1. Mas ele nunca foi escrito.

E, admito, parte do motivo por termos recuado foram os 3 a 0 contra a Espanha em 2013. Em termos de conteúdo, absolutamente nada do que pesquisamos, estudamos e pensamos mudava por causa daquela Copa das Confederações. Mas a percepção, sim. Não adianta escrever um livro para parecer idiota, certo? O resultado manda demais no futebol. E se o Brasil ganhasse a Copa? Isso sempre podia, pode e poderá acontecer.

Porque amarelona a seleção nunca vai ser. Nunca terá o medo de ganhar. O problema é que o medo de perder é cada vez maior, porque este é um país que não aceita a derrota no futebol. O medo de perder foi um fator presente em 2010 e 2018, o excesso de medo de perder atrapalha mais do que ajuda. Vira desespero.

Houve o vexame de 2006 e a derrota de 2010, e o brasileiro via, de longe, uma nova força emergir no futebol mundial: a Espanha. Mas, para passar do "nosso" crivo, ela tinha que vir aqui e ganhar do Brasil no Maracanã. Como se isso fosse necessário para uma seleção bicampeã europeia e campeã do mundo.

Só que todos, absolutamente todos, os times têm ascensão, auge e queda. Qual a duração do auge? É isso o que diferencia os gigantes dos grandes dos nem tão grandes das aberrações (tipo Grécia-2004). Aquela Espanha de 2013 já estava em queda após o ciclo que começara em 2005. Não deu o devido valor ao torneio e, um ano depois, eliminada na primeira fase da Copa do Mundo, caiu na real. Em um jogo de futebol, tudo pode acontecer. Aquela seleção brasileira de Felipão não era ruim, longe disso.

Com a Espanha no auge, poderia vencer também - a Suíça venceu em 2010, oras, é futebol. Mas, com a Espanha caindo, com Neymar voando e jogando em casa, o Brasil aumentou bem suas chances. Tanto que venceu bem. O problema não são as causas daquela vitória, são as consequências.

Uma, que eu já tratei no Sincerão, subestimar aquela geração espanhola em função daquele jogo. Outra, a confiança que Scolari ganhou em jogadores que não mereciam tal status. E a outra consequência foi o despertar desse espírito de pitbull. O brasileiro realmente passou a acreditar que nunca havia perdido a coroa, que seguia sendo o bambambam, o suprasumo, o dono do jogo.

Aí "descobre" a Holanda de Cruyff, "descobre" que o Chile de Sampaoli era bom, "descobre" o trabalho que a Alemanha fazia no futebol, "descobre" que a Bélgica tem jogadores bons para caramba, "descobre" uma penca de coisas a cada Copa do Mundo. Aí vem um 7 a 1 na telha um ano depois e ninguém sabe de onde veio o caminhão.

O Brasil é forte. Sempre será. Mas não é o dono do jogo desde os anos 70. A primeira lição histórica veio na Copa de 74. Depois, vieram tantas outras. Entremeadas, no entanto, com momentos de sucesso.

Jogos como o de 2013 me fazem pensar que nunca aprenderemos.