2013 1º Vol Morfologia e função Fasc I.pdf - Biblioteca Digital do IPB ...
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Carlos Aguiar<br />
Botânica<br />
para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
<strong>Vol</strong>ume I <strong>Morfologia</strong> e <strong>função</strong> (fasc. 1)<br />
Instituto Politécnico de Bragança<br />
<strong>2013</strong>
Publica<strong>do</strong> pelo Instituto Politécnico de Bragança<br />
Imagem da capa: Alstonia boonei De Wild. (Apocynaceae) (Bafatá, Guiné-‐Bissau)<br />
Versão de 18-‐V-‐<strong>2013</strong><br />
© Carlos Aguiar<br />
ISBN 978-‐972-‐745-‐123-‐4
1 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
“Crescem as flores no seu dever biológico,<br />
e as cores que patenteiam, por sua natureza,<br />
só podem ser aquelas, e não outras.<br />
Vermelhas, amarelas, cor de fogo,<br />
lilazes, carmesins, azuis, violetas,<br />
assim, e só assim,<br />
tu<strong>do</strong> conforme a sua natureza.<br />
Ásperas são as folhas, macias, recortadas<br />
ou não, tu<strong>do</strong> conforme;<br />
e o aprumo como tal,<br />
ou rasteiras, ou leves, ou pesadas,<br />
tu<strong>do</strong> no seu dever,<br />
por sua natureza.”<br />
[…]<br />
«Poema da Minha Natureza» in Novos Poemas<br />
Póstumos, António Gedeão<br />
"A vida só pode ser entendida olhan<strong>do</strong> para trás,<br />
mas precisa ser vivida olhan<strong>do</strong> para a frente."<br />
Søren Kierkegaard
2 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente
3 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
Índice<br />
Prólogo aos quatro volumes...........................................................................................................7<br />
Objecto ...........................................................................................................................................7<br />
Breve reflexão epistemológica .......................................................................................................7<br />
Fontes de informação...................................................................................................................10<br />
Histologia e anatomia vegetal. <strong>Morfologia</strong> e relações morfologia-‐<strong>função</strong> de plantas-‐com-‐<br />
semente...................................................................................................................................10<br />
Biologia da reprodução de plantas-‐com-‐semente...................................................................10<br />
Estrutura das descrições das famílias e taxa superiores .........................................................10<br />
Botânica económica.................................................................................................................10<br />
Abreviaturas, siglas e expressões latinas......................................................................................11<br />
Convenções ..................................................................................................................................11<br />
Imagens ........................................................................................................................................12<br />
1. Conceito de planta................................................................................................................13<br />
2. A célula e os teci<strong>do</strong>s das plantas-‐com-‐semente.....................................................................16<br />
2.1. A célula vegetal .....................................................................................................................16<br />
2.2. Os teci<strong>do</strong>s vegetais ...............................................................................................................18<br />
2.2.1. Meristemas ...................................................................................................................................19<br />
2.2.2. Teci<strong>do</strong>s definitivos simples ...........................................................................................................22<br />
Parênquima ..................................................................................................................................22<br />
Colênquima e esclerênquima .......................................................................................................23<br />
2.2.3. Teci<strong>do</strong>s definitivos complexos ......................................................................................................23<br />
2.2.3.1. Epiderme...............................................................................................................................23<br />
2.2.3.2. Teci<strong>do</strong> fundamental ..............................................................................................................24<br />
2.2.3.3. Teci<strong>do</strong> vascular......................................................................................................................24<br />
O transporte de água e nutrientes ...............................................................................................24<br />
Xilema...........................................................................................................................................25<br />
Floema..........................................................................................................................................26<br />
3. Organização <strong>do</strong> corpo das plantas-‐com-‐semente ..................................................................26<br />
<strong>Vol</strong>ume e superfície nas plantas...................................................................................................28<br />
Estrutura modular das plantas .....................................................................................................29<br />
Simetria ........................................................................................................................................32<br />
Homologia e analogia. Princípio da homologia ............................................................................32<br />
Variação morfológica intraespecífica ...........................................................................................33<br />
Adaptação e aclimatação .............................................................................................................34<br />
4. Sistema vegetativo das plantas-‐com-‐semente.......................................................................34<br />
4.1. Aspectos morfológicos comuns a to<strong>do</strong> o corpo vegetativo ..................................................34<br />
Espinhos .......................................................................................................................................34<br />
Emergências .................................................................................................................................35<br />
Corpos nutritivos, hidáto<strong>do</strong>s e nectários extraflorais ..................................................................38
4 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
Galhas...........................................................................................................................................39<br />
4.2. Raiz........................................................................................................................................40<br />
4.2.1. Funções da raiz .............................................................................................................................40<br />
4.2.2. Anatomia da raiz ...........................................................................................................................40<br />
4.2.2.1. Estrutura primária da raiz .....................................................................................................40<br />
Meristemas e teci<strong>do</strong>s ...................................................................................................................40<br />
Epiderme e córtex ........................................................................................................................41<br />
Cilindro central .............................................................................................................................42<br />
<strong>Morfologia</strong> da extremidade radicular e ramificação ....................................................................42<br />
4.2.2.2. Estrutura secundária .............................................................................................................43<br />
4.2.3. Aspectos gerais da morfologia externa da raiz .............................................................................44<br />
Tipos de radicação........................................................................................................................44<br />
Direção e estrutura <strong>do</strong> sistema radicular .....................................................................................45<br />
Situação e consistência.................................................................................................................45<br />
4.2.4. Metamorfoses da raiz ...................................................................................................................45<br />
Tipos de metamorfose..................................................................................................................45<br />
Raízes tuberosas...........................................................................................................................47<br />
4.2.5. Modificações causadas por microrganismos ................................................................................48<br />
Micorrizas .....................................................................................................................................48<br />
Simbioses com bactérias diazotróficas.........................................................................................49<br />
4.2.6. As raízes das árvores.....................................................................................................................49<br />
4.3. Caule .....................................................................................................................................50<br />
4.3.1. Funções <strong>do</strong> caule ..........................................................................................................................50<br />
4.3.2. Anatomia <strong>do</strong> caule das plantas-‐com-‐semente..............................................................................50<br />
4.3.2.1. Estrutura primária .................................................................................................................51<br />
Teci<strong>do</strong>s e meristemas...................................................................................................................51<br />
Epiderme e córtex ........................................................................................................................51<br />
Cilindro central .............................................................................................................................52<br />
4.3.2.2. Estrutura secundária .............................................................................................................53<br />
Espessamento secundário nas gimnospérmicas e dicotiledóneas ...............................................53<br />
Espessamento primário e secundário nas monocotiledóneas .....................................................55<br />
Felogene e riti<strong>do</strong>ma......................................................................................................................56<br />
Lenho de reação ...........................................................................................................................57<br />
4.3.3. Alongamento, ramificação e cla<strong>do</strong>ptose ......................................................................................57<br />
Gemas...........................................................................................................................................57<br />
Número ........................................................................................................................................60<br />
Alongamento rameal....................................................................................................................61<br />
Intensidade <strong>do</strong> alongamento .......................................................................................................62<br />
Prolepsia e silepsia .......................................................................................................................63<br />
Tipo e grau da ramificação ...........................................................................................................63
5 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
Direção e orientação ....................................................................................................................63<br />
Apoio <strong>do</strong>s caules das plantas trepa<strong>do</strong>ras .....................................................................................64<br />
Dominância e controlo apicais .....................................................................................................64<br />
Cla<strong>do</strong>ptose....................................................................................................................................65<br />
4.3.4. Aspectos gerais da morfologia externa <strong>do</strong> caule ..........................................................................66<br />
Situação e consistência.................................................................................................................66<br />
Superfície......................................................................................................................................66<br />
4.3.5. Metamorfoses <strong>do</strong> caule ................................................................................................................66<br />
4.3.6. Produção de látex .........................................................................................................................69<br />
4.4. Folha......................................................................................................................................69<br />
4.4.1. Funções da folha ...........................................................................................................................69<br />
4.4.2. Anatomia da folha.........................................................................................................................70<br />
Epiderme ......................................................................................................................................70<br />
Mesofilo. Anatomia da folha. .......................................................................................................71<br />
Anatomia de Kranz .......................................................................................................................72<br />
Adaptações anatómicas ao nível da folha ....................................................................................73<br />
4.4.3. Filomas..........................................................................................................................................73<br />
Teoria telomática de W. Zimmermann.........................................................................................73<br />
Tipos de filomas............................................................................................................................74<br />
4.4.4. Aspectos gerais da morfologia externa da folha...........................................................................75<br />
Situação ........................................................................................................................................75<br />
Diferenciação................................................................................................................................75<br />
Posição .........................................................................................................................................76<br />
Nervação <strong>do</strong> limbo .......................................................................................................................76<br />
Forma <strong>do</strong> limbo e recorte.............................................................................................................79<br />
Divisão ou composição.................................................................................................................82<br />
Apêndices foliares ........................................................................................................................84<br />
Superfície e epifilia .......................................................................................................................85<br />
Consistência e cor.........................................................................................................................85<br />
Duração ........................................................................................................................................86<br />
Filotaxia ........................................................................................................................................86<br />
Ptixia e vernação ..........................................................................................................................88<br />
Heterofilia.....................................................................................................................................88<br />
4.4.5. Metamorfoses da folha.................................................................................................................89<br />
Bolbos e bolbilhos ........................................................................................................................89<br />
Outras metamorfoses...................................................................................................................90<br />
4.5. O corpo das gramíneas .........................................................................................................91<br />
5. Referências ...........................................................................................................................92
6 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente
7 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
Prólogo aos quatro volumes<br />
Este <strong>do</strong>cumento não é um livro texto de referência e muito menos um trata<strong>do</strong>. Resume-‐se a uma revisão<br />
bibliográfica mais ou menos atualizada, complementada pela experiência de 20 anos de ensino e investigação <strong>do</strong> seu<br />
autor, em torno de temas chave de organografia vegetal 1 , biologia da reprodução, evolução, de botânica sistemática<br />
de plantas-‐com-‐semente e de botânica económica. Tem por destinatários os estudantes <strong>do</strong> ensino superior que<br />
necessitam de adquirir, num curto perío<strong>do</strong> de tempo, conhecimentos básicos de botânica. Por isso, a organização <strong>do</strong><br />
texto, a linguagem, e, muitas vezes, a estrutura das frases nem sempre será fácil de perseguir. De início a sua leitura<br />
será trabalhosa, quan<strong>do</strong> não cansativa, porém, a persistência e a perseverança abrirão as portas a um conjunto de<br />
conhecimentos essenciais para to<strong>do</strong>s aqueles que têm a plantas como objecto de trabalho.<br />
Objecto<br />
A forma externa, a biologia da reprodução e a organização sistemática, como produtos de um processo evolutivo,<br />
e o uso humano das plantas-‐com-‐semente são os objetos maiores deste livro. O seu estu<strong>do</strong> pode ter diferentes<br />
pen<strong>do</strong>res. Por exemplo, pode ter uma abordagem descritiva-‐formal, uma perspectiva histórico-‐evolutiva ou insistir<br />
em aspectos funcionais. Procurou-‐se uma abordagem híbrida, ten<strong>do</strong> em mente conferir competências a futuros<br />
profissionais de “biologia aplicada”. Para tal foi dada uma ênfase especial aos seguintes temas: i) descrição <strong>do</strong>s<br />
caracteres morfológicos externos e internos de maior interesse taxonómico (vol I); ii) relações morfologia-‐<strong>função</strong><br />
(vol. I); iii) biologia da reprodução das plantas-‐com-‐semente (vol. II); iv) fundamentos de biologia da evolução das<br />
plantas (vol. II); v) história evolutiva da plantas-‐terrestres (vol. II); vi) sistemas de classificação botânica e<br />
nomenclatura (vol. III); vii) sistemática e filogenia <strong>do</strong>s grandes grupos de plantas-‐com-‐semente (vol. III); viii)<br />
tipologia, origem e evolução das plantas cultivadas (vol. IV); ix) taxonomia, características morfológicas diagnóstico e<br />
distribuição das plantas úteis de maior interesse económico.<br />
A segunda parte <strong>do</strong> II volume, depois de uma pequena introdução à biologia da evolução, inclui uma história<br />
evolutiva das plantas-‐terrestres. Pode parecer estranho que um tema tão especializa<strong>do</strong> e volátil como este seja<br />
desenvolvi<strong>do</strong> num livro de botânica que se pretende aplica<strong>do</strong>. As plantas, ao longo da sua evolução, foram tanto<br />
agentes de mudança como sujeitos passivos nas alterações climáticas e na dinâmica da composição química da<br />
atmosfera terrestre. O solo como hoje o conhecemos é uma criação das plantas-‐terrestres. Sem noções de evolução<br />
das plantas é impossível entender estes três temas chave das ciências <strong>do</strong> ambiente (vd. (Berling, 2007)). Depois,<br />
como escrevia em 1973 o evolucionista norte-‐americano de origem ucraniana Theo<strong>do</strong>sius Dobzhansky, "Nada em<br />
biologia faz senti<strong>do</strong> excepto à luz da evolução”.<br />
Breve reflexão epistemológica<br />
Na organização <strong>do</strong>s seres vivos reconhecem-‐se vários níveis de complexidade (vd. Figura 1). As células, as<br />
unidades elementares da vida, organizam-‐se em teci<strong>do</strong>s, os teci<strong>do</strong>s em órgãos e sistemas, e estes, por sua vez,<br />
integram os organismos. Os indivíduos ocupam nichos ecológicos e trocam informação genética entre si no âmbito<br />
de uma população. A componente viva <strong>do</strong>s ecossistemas, a biocenose, compreende indivíduos de diferentes<br />
espécies. Finalmente, os ecossistemas organizam-‐se em sistemas ecológicos de complexidade variável (e.g.<br />
comunidade vegetal, série de vegetação, geossérie e bioma). Os diferentes níveis de complexidade interatuam entre<br />
si, de forma tanto mais intensa quanto mais próximos estiverem na escala de complexidade, e ajustam-‐se às<br />
flutuações e variações direcionais <strong>do</strong> ambiente abiótico e biótico, através de rearranjos na sua estrutura (e.g.<br />
composição florística de uma comunidade vegetal ou plasticidade fenotípica <strong>do</strong>s indivíduos) e pela ação da seleção<br />
natural à escala <strong>do</strong> indivíduo. A biologia e a ecologia, à semelhança de outras ciências fundamentais, procuram<br />
explicar e prever a estrutura e <strong>função</strong> de cada nível de complexidade, em <strong>função</strong> <strong>do</strong>s imediatamente anteriores.<br />
Constata-‐se, porém, que “em cada salto de complexidade” este esforço esbarra na emergência de novas<br />
propriedades, não previstas nos níveis de complexidade inferiores. Por exemplo, a estrutura <strong>do</strong> genoma é<br />
insuficiente para uma compreensão total <strong>do</strong> funcionamento celular, ou a autoecologia das espécies é insuficiente<br />
para explicar e prever o funcionamento de um ecossistema. Os epistemólogos – os especialistas em filosofia da<br />
1 A organografia vegetal ou fitomorfologia tem por objecto a morfologia externa das plantas (= estrutura externa). A anatomia<br />
vegetal dedica-‐se à morfologia interna (= estrutura interna). Neste texto consideram-‐se redundantes os conceitos de estrutura,<br />
morfologia e forma.
8 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
ciência – repartem-‐se em <strong>do</strong>is grupos para explicar a emergência de novas propriedades. Muitos são de opinião que<br />
a escassez de conhecimento está na origem das limitações <strong>do</strong> reducionismo 2 e, por conseguinte, as propriedades<br />
ditas emergentes são um artefacto das limitações epistémicas da mente humana. Os holistas, pelo contrário,<br />
admitem que a emergência de propriedades é uma característica constitutiva <strong>do</strong>s sistemas complexos.<br />
Qualquer destas duas hipóteses não impede que atividades humanas tão complexas como a agronomia, a<br />
silvicultura ou a restauração ecológica, todas elas parte de uma grande disciplina que poderíamos denominar por<br />
biologia aplicada, se possam aproveitar das abordagens reducionistas-‐mecanicistas próprias da ciência moderna. Sob<br />
esta perspectiva, uma botânica dirigida à sistematização das formas, <strong>do</strong>s sistemas de reprodução e da diversidade <strong>do</strong><br />
mun<strong>do</strong> vegetal, e ao uso humano das plantas, conforme se segue neste texto, oferece informação indispensável para<br />
a prática da biologia aplicada, impossível de obter noutros <strong>do</strong>mínios da biologia. Isto é, o acervo de informação e<br />
méto<strong>do</strong>s da organografia vegetal, da botânica sistemática, da biologia de reprodução de plantas e da botânica<br />
económica são insubstituíveis mas não suficientes para o agrónomo, o silvicultor e ao especialista em restauração<br />
ecológica exercerem a sua atividade de forma eficaz e eficiente.<br />
Figura 1. Níveis de<br />
complexidade <strong>do</strong> vivo<br />
O conhecimento científico resulta da observação meticulosa da realidade através da concorrência de<br />
instrumentos conceptuais e observacionais <strong>do</strong>s mais diversos tipos. Os instrumentos conceptuais (e.g. conceitos,<br />
teorias, hipóteses e modelos), formaliza<strong>do</strong>s matematicamente ou não, categorizam e organizam a realidade, i.e.<br />
atribuem-‐lhe uma estrutura por nós percepcionável. Os instrumentos observacionais (e.g. microscópio e sondas de<br />
DNA) permitem ultrapassar as limitações físicas <strong>do</strong>s nossos senti<strong>do</strong>s. To<strong>do</strong> o conhecimento científico é, por<br />
definição, não <strong>do</strong>gmático porque está sujeito a um escrutínio permanente por parte da comunidade científica e <strong>do</strong>s<br />
utiliza<strong>do</strong>res da ciência. Os mecanismos de revisão e de aperfeiçoamento <strong>do</strong> conhecimento atribuem à ciência uma<br />
enorme capacidade de explicar, de prever o funcionamento e de atuar na realidade. Por outras palavras, o<br />
conhecimento científico está particularmente adequa<strong>do</strong> para a solução de problemas. No entanto, o conhecimento<br />
científico deve ser aceite sempre de forma provisória porque não pode ser comprova<strong>do</strong>. Não existem verdades<br />
absolutas em ciência, existem sim conceitos mais ou menos consistentes, e teorias e hipóteses mais ou menos<br />
corroboradas. O conhecimento científico não é definitivo e não deve (pode) ser toma<strong>do</strong> como tal.<br />
As relações forma-‐<strong>função</strong> nas plantas são um bom exemplo da humildade que deve caracterizar a atitude<br />
científica. A <strong>função</strong> de muitas formas, internas e externas, das plantas é autoevidente: as gavinhas servem para<br />
ancorar as plantas aos suportes e o néctar das flores é uma recompensa para os poliniza<strong>do</strong>res. No entanto, muitas<br />
formas atuais foram evolutivamente adquiridas num passa<strong>do</strong> remoto, e no presente não desempenham qualquer<br />
<strong>função</strong> ou têm uma <strong>função</strong> distinta da <strong>função</strong> primordial. As formas podem, ainda, nunca ter desempenha<strong>do</strong> uma<br />
<strong>função</strong> e a sua retenção ser uma obra <strong>do</strong> acaso. Os raciocínios de tipo adaptativo, que relacionam a forma com o<br />
desempenho de uma dada <strong>função</strong>, exigem uma ampla base indutiva observacional ou, de preferência, corroboração<br />
experimental. As proposições teleológicas <strong>do</strong> género “as plantas desenvolveram espinhos para evitar a herbivoria”<br />
simplesmente devem ser evitadas. A especulação em torno das relações forma-‐<strong>função</strong> envolve, por conseguinte,<br />
eleva<strong>do</strong>s níveis de incerteza. Propõe-‐se, por isso, que o utiliza<strong>do</strong>r deste texto tenha uma atitude crítica em relação<br />
aos temas mais adiante discuti<strong>do</strong>s.<br />
A observação empírica da forma das plantas faculta a detecção de padrões, por exemplo, na posição relativa <strong>do</strong>s<br />
órgãos vegetais, na forma das folhas ou na estrutura da flor e <strong>do</strong> fruto. A conceptualização e a inventariação das<br />
regularidades na forma das plantas são uma das tarefas mais antigas e importantes da botânica. Os conceitos são<br />
2 O reducionismo é uma <strong>do</strong>utrina filosófica que sustenta que a fragmentação em partes da realidade é necessária, e suficiente,<br />
para explicar o to<strong>do</strong>. Portanto, para os reducionistas, sistemas complexos como os seres vivos ou os ecossistemas não são mais<br />
<strong>do</strong> que a soma das suas partes. A ciência é intrinsecamente reducionista. Na prática da ciência a realidade é decomposta em<br />
níveis de complexidade. Cada um destes níveis, por seu la<strong>do</strong>, é explora<strong>do</strong> per se, procuran<strong>do</strong>-‐se estabelecer as conexões causais<br />
entre diferentes níveis de complexidade.
9 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
representações mentais, que no âmbito da organografia vegetal resumem as propriedades de um objecto natural: o<br />
corpo das plantas. No capítulo dedica<strong>do</strong> à botânica sistemática os objetos naturais conceptualiza<strong>do</strong>s serão os taxa.<br />
Uma correspondência biunívoca inequívoca entre os conceitos, representa<strong>do</strong>s por vocábulos ou símbolos (e.g.<br />
fórmulas florais), e os objetos ou ideias conceptualiza<strong>do</strong>s melhoram a qualidade e acelera as trocas da informação<br />
entre professores e alunos, ou entre os praticantes de uma ciência. Quanto maior a precisão e o detalhe de um<br />
corpo conceptual, maior o seu valor heurístico, i.e. maior a sua utilidade para gerar hipóteses e mais longe se pode<br />
chegar na compreensão <strong>do</strong> objeto de estu<strong>do</strong>. Logo, no estu<strong>do</strong> científico da forma das plantas, da biologia da<br />
reprodução ou na sistemática de plantas, a observação e a construção de hipóteses – sustentadas na grande teoria<br />
unifica<strong>do</strong>ra da biologia que é a teoria da evolução – devem caminhar la<strong>do</strong> a la<strong>do</strong> com a construção de um corpo<br />
consistente de termos e conceitos. Todas as ciências, sem exceção, cultivam um corpo de termo e conceitos, na<br />
botânica tem um denso lastro histórico que recua aos tempos em que o latim era a língua franca das gentes cultas.<br />
No que à organografia vegetal diz respeito, pese embora uma história de quase três séculos de observação e<br />
descrição atenta da forma das plantas, falta ainda percorrer um longo caminho em busca da universalidade e<br />
consistência terminológico-‐conceptual. Como referem Voght et al. (Vogt, Bartolomaeus, & Giribet, 2009) a descrição<br />
da morfologia <strong>do</strong>s entes viventes continua dificultada pela falta: (i) de uma terminologia estandardizada de uso<br />
comum; (ii) de um méto<strong>do</strong> comum estandardiza<strong>do</strong> de descrição morfológica; (iii) e de um conjunto de princípios a<br />
aplicar na delimitação de caracteres morfológicos. Esta limitação é, como se discute no vol. III (Sistemas cladísticos),<br />
um sério entrave à conjunção da informação molecular com a informação morfológica no estabelecimento de<br />
filogenias.<br />
A filogenia e a sistemática molecular ganharam, nas últimas décadas, uma importância acrescida em biologia. Os<br />
caracteres moleculares são hoje mais valoriza<strong>do</strong>s <strong>do</strong> que os caracteres morfológicos no estabelecimento de<br />
filogenias, na exploração de padrões filogeográficos ou na delimitação <strong>do</strong>s taxa de categoria superior. O fenótipo é<br />
um produto direto da expressão génica. Por outro la<strong>do</strong>, a exploração das relações genoma-‐fenótipo exige uma<br />
perfeita compreensão da estrutura das plantas e o uso de termos precisos. Deste mo<strong>do</strong>, o estu<strong>do</strong> da morfologia<br />
externa e interna e da biologia da reprodução das plantas antecede, necessariamente, a “descida” à fisiologia e ao<br />
gene. No que à filogenia e sistemática diz respeito, é consensual entre os especialistas que a morfologia e os da<strong>do</strong>s<br />
moleculares são complementares: um tipo de informação não dispensa o outro.<br />
A botânica sistemática desenvolve-‐se na confluência de um conjunto alarga<strong>do</strong> de ciências fundamentais, e.g.<br />
evolução, histologia e ecologia. Esta disciplina oferece um conjunto de princípios, méto<strong>do</strong>s e informação descritiva<br />
que permite apreender a diversidade vegetal que nos rodeia de uma forma rápida e estruturada. Uma vez que a<br />
partilha de caracteres entre as plantas se deve, frequentemente, à partilha de antepassa<strong>do</strong>s comuns, a sistemática<br />
vegetal permite que os seus utiliza<strong>do</strong>res aperfeiçoem as suas capacidades inatas de antecipar a organização <strong>do</strong><br />
mun<strong>do</strong> vivo à escala da sua percepção visual (tema a retomar no início <strong>do</strong> vol. III, O porquê de classificar). A botânica<br />
sistemática é uma ciência moderna e de vanguarda. No passa<strong>do</strong> reduzia-‐se à prática da classificação biológica das<br />
plantas. Hoje, por exemplo, é fundamental em ecologia – em ecologia as biocenoses são geralmente segmentadas ao<br />
nível da espécie ou da família, – em paleoclimatologia, no melhoramento de plantas e na testagem de hipóteses de<br />
biogeografia e de biologia da evolução.<br />
A botânica conforme é abordada neste texto – chamemos-‐lhe botânica geral ou clássica – é uma disciplina de<br />
charneira entre a evolução, a biogeografia, a etnobiologia e a agronomia. Ronse De Craene e Wanntorp (Ronse De<br />
Craene & Wanntorp, Introduction : establishing the state of the art – the role of morphology in plant systematics,<br />
2011) criticam duramente o efeito negativo que o fascínio pelo molecular está a ter na persistência, e no progresso,<br />
<strong>do</strong> conhecimento sobre a morfologia das plantas e a sua sistemática: na botânica geral. Insidiosamente, a<br />
universidade (assim como o ensino não universitário) está a eliminar a botânica geral <strong>do</strong>s curricula quebran<strong>do</strong>, de<br />
forma irreparável, um cadeia secular de transmissão de saberes, trocan<strong>do</strong>-‐os por conhecimentos hiper-‐<br />
especializa<strong>do</strong>s. De acor<strong>do</strong> com os mesmos autores, a falta de investimento em botânica de clássica está em<br />
contraciclo com a crise da biodiversidade que ameaça as sociedades modernas. A sobrevalorização <strong>do</strong> molecular em<br />
detrimento da botânica clássica reduz a utilidade social da educação.
10 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
Fontes de informação<br />
Este <strong>do</strong>cumento divide-‐se em quatro volumes que correspondem a quatro grandes objetos da botânica:<br />
morfologia externa, biologia reprodutiva, sistemática e botânica económica. Num capítulo menor <strong>do</strong> segun<strong>do</strong><br />
volume foi feita uma pequena introdução à biologia da evolução das plantas.<br />
Histologia e anatomia vegetal. <strong>Morfologia</strong> e relações morfologia-‐<strong>função</strong> de plantas-‐com-‐semente<br />
A pequena introdução à célula, histologia e anatomia vegetais que abre o vol. I, e as descrições anatómicas que a<br />
se seguem inspiraram-‐se nas publicações de Esau (Esau, 1977), Beck (Beck, 2010), Moreira (Moreira, Histologia<br />
Vegetal, 1983), Moreira (Moreira, Anatomia das Plantas: Estruturas, 2010) e Rudal (Rudal, Anatomy of Flowering<br />
Plants. An Introduction to Structure and Development, 2007), complementadas com artigos e livros diversos de<br />
recente publicação. A componente de histologia e anatomia vegetais necessita de ser melhor trabalhada em edições<br />
futuras. Propõe-‐se aos utiliza<strong>do</strong>res desta publicação o seu aprofundamento nas seguintes páginas Web:<br />
http://botweb.uwsp.edu/anatomy/; http://www.cls.zju.edu.cn/sub/fulab/plant_Antomy/plant/index.html.<br />
As Noções de <strong>Morfologia</strong> Externa de Plantas Superiores <strong>do</strong> Prof. João de Carvalho e Vasconcellos (Vasconcellos,<br />
1969) fixaram a terminologia botânica de uso corrente em Portugal e não se antevê, para breve, a sua substituição<br />
por outras publicações. Ainda assim, no estu<strong>do</strong> da forma das plantas são indispensáveis o Diccionario de Botánica de<br />
Pio Font Quer (Font Quer, 1985) e o Glossário de Termos Botânicos da Prof. Rosette Battarda Fernandes (Fernandes,<br />
1972). Na preparação deste <strong>do</strong>cumento foram também extensivamente consulta<strong>do</strong>s os livros de Pérez-‐Morales<br />
(Pérez-‐Morales, 1999), Judd et al. (Judd, Campbell, Kellog, Stevens, & Donoghue, 2007), Vozzo (Vozzo, 2002), Keller<br />
(Keller, 2004), Ingrouille & Eddie (Ingrouille & Eddie, 2006), Bell (Bell, 2008), Ronse de Craene (Ronse De Craene,<br />
Floral Diagrams: An Aid to Understanding the Flower Morphology and Evolution, 2010), Beentje (Beentje, 2012) e um<br />
grupo alarga<strong>do</strong> de artigos cita<strong>do</strong>s nas referências bibliográficas.<br />
A normalização terminológica e conceptual com o vocabulário <strong>do</strong> Plant Ontology Consortium<br />
(http://www.plantontology.org/index.html) fica adiada para uma próxima versão desta publicação. Fica prometi<strong>do</strong><br />
que edição de 2014 terá um pen<strong>do</strong>r um pouco mais tropical <strong>do</strong> que a atual.<br />
Biologia da reprodução de plantas-‐com-‐semente<br />
A biologia da reprodução é um tema indispensável para compreender a evolução, a fisiologia da produtividade e<br />
melhoramento de plantas. Com mais de 100 anos de edições sucessivas, o Strasburger: Trata<strong>do</strong> de Botánica (Sitte,<br />
Weller, Bresinsky, Kadereit, & Korner, 2003) continua a ser uma das fontes mais valiosas de informação sobre a<br />
biologia da reprodução de plantas. O livro de texto de Díaz et al. (Díaz Gonzalez, Fernandez-Carvajal Alvarez, &<br />
Fernández Prieto, 2004) contém uma descrição cuida<strong>do</strong>sa e precisa <strong>do</strong>s ciclos de vida das plantas.<br />
Estrutura das descrições das famílias e taxa superiores<br />
Desde a publicação <strong>do</strong> Genera Plantarum de Antoine de Jussieu, no final <strong>do</strong> séc. XVIII, que a família é a categoria<br />
taxonómica superior ao género mais utilizada na organização <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> vegetal. A organização taxonómica das<br />
famílias e grandes grupos taxonómicos seguida no vol. III deste livro funda-‐se no APG III (Angiosperm Phylogeny<br />
Group, 2009). A descrição das famílias botânicas foi, em grande parte, adaptada <strong>do</strong> Guia de Árvores e Arbustos de<br />
Portugal Continental de Bingre et al. (Bingre, Aguiar, Espírito-Santo, Arsénio, & Monteiro-Henriques, 2007), que por<br />
sua vez foi beber grande parte da sua informação a (Heywood, 1993), (Stevens, 2001+), (Spichiger, Savoilainen,<br />
Figeat, & Jeanmonod, 2004) e (Judd, Campbell, Kellog, Stevens, & Donoghue, 2007). Para facilitar a percepção da<br />
morfologia das famílias, de uma forma muito concisa, é oferecida informação sobre o número de espécies à escala<br />
global ou presentes em Portugal continental e um apontamento sobre as plantas de maior interesse económico. Os<br />
exemplos incluí<strong>do</strong>s nos <strong>do</strong>is primeiros volumes e nas descrições das famílias, salvo indicação em contrário, referem-‐<br />
se à flora de Portugal (inc. arquipélagos atlânticos) ou a plantas cultivadas.<br />
Para saber mais sobre as famílias das plantas-‐com-‐semente recomendam-‐se <strong>do</strong>is livros de referência: W. Judd et<br />
al. (Plant Systematics. A Phylogenetic Approach, 2002) e V. H. Heywood (Flowering Plants of the World, 1993). O site<br />
http://www.mobot.org/MOBOT/research/APweb/welcome.html é indispensável para quem se quiser manter<br />
actualiza<strong>do</strong> com as descobertas taxonómicas mais recentes.<br />
Botânica económica
11 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
Uma vez que os alunos de ciências agrárias e <strong>do</strong> ambiente são o público-‐alvo deste <strong>do</strong>cumento foi atribuída uma<br />
grande importância ao uso das plantas. A bibliografia usada no volume de botânica económica envolveu livros-‐texto<br />
de proveniências várias e um alarga<strong>do</strong> conjunto de papers da área da arqueologia e da história da agricultura.<br />
Abreviaturas, siglas e expressões latinas<br />
No Quadro 1 expõem-‐se as abreviaturas, siglas e expressões latinas a<strong>do</strong>ptadas neste texto.<br />
Quadro 1. Abreviaturas, siglas e expressões latinas.<br />
Az – Arquipélago <strong>do</strong>s Açores. ICN – Código Internacional de Nomenclatura<br />
para Algas, Fungos e Plantas *<br />
ca. – circa, aproximadamente. ICNCP – Código Internacional de Nomenclatura<br />
das Plantas Cultivadas**.<br />
Tomaram-‐se como esdrúxulas as palavras de etimologia grega derivadas de filos “amigo” ou de fito “planta”; e.g.<br />
xerófito (planta adaptada a ambientes secos), gametófito (v.i.), heliófilo (que aprecia a luz) e fitófilo (que ama as<br />
plantas). As palavras compostas com a raiz grega phyllo ou filo “folha”, não têm acentuação, são graves; e.g.<br />
esporofilo (v.i.) e mesofilo (v.i.). Estes são três exemplos de grafia conflituosa na bibliografia, cuja solução, em última<br />
instância, se baseou em Font Quer (1985).<br />
Convenções<br />
p.p. – pro parte, uma parte.<br />
s.l. – sensu lato, num senti<strong>do</strong><br />
alarga<strong>do</strong> <strong>do</strong> termo.<br />
cf. – confer, conferir, ver. inc. – incluso, incluí<strong>do</strong>. s.str. – sensu stricto, num senti<strong>do</strong><br />
estrito <strong>do</strong> termo.<br />
cv. – cultivar. lat. – em latim. sin. – sinónimo.<br />
e.g. – exempli gratia, por exemplo. Lu – Portugal continental. sing. – singular.<br />
excl. – excluso, excluí<strong>do</strong>. Ma – arquipélago da Madeira (inc. ilhas da<br />
Madeira, Porto Santo e Desertas).<br />
sp. – espécie não determinada.<br />
fam. – família. M.a. – milhões de anos antes <strong>do</strong> presente. sp.pl. – várias espécies.<br />
gén. – género. MS – matéria seca. subsp. – subespécie.<br />
i.e. – isto é. n.b. – nota bene, preste atenção. vd. – vide, ver.<br />
ing. – em língua inglesa . o.m.q. – o mesmo que.<br />
* Em vigor o código de Melbourne desde 1 de Janeiro de 2012 (McNeill, et al., 2012). ** em vigor a oitava edição, de 2009<br />
(Brickell, et al., 2009)<br />
Nomes latinos infraespecíficos, específicos e supraespecíficos – grafa<strong>do</strong>s em itálico, e.g. Celtis australis e<br />
Magnoliophyta; refira-‐se que na literatura mais atual existe a tendência de italicizar apenas os nomes genéricos,<br />
específicos e infraespecíficos.<br />
Vernaculização de nomes latinos – à exceção <strong>do</strong>s nomes genéricos, específicos e infraespecíficos admite-‐se que<br />
to<strong>do</strong>s os nomes latinos podem ser vernaculiza<strong>do</strong>s. Os sufixos previstos pelo ICN (McNeill, et al., 2012) foram<br />
aportuguesa<strong>do</strong>s no feminino e no plural: -‐phyta em “-‐fitas” (divisão ou filo), -‐phytina em “-‐fitinas” (subdivisão ou<br />
subfilo), -‐opsida em “-‐ópsidas” (classe), -‐idae em “-‐idas” (subclasse), -‐ales em “-‐ales” (ordem), -‐ineae em “-‐íneas”<br />
(subordem), -‐aceae em “-‐áceas” (família), -‐oideae em “-‐oideas” (subfamília), -‐eae em “-‐eas” (tribo) e -‐inae em “-‐inas”<br />
(subtribo). Exemplos: equisetópsidas, rosales e magnoliáceas. Nomes vulgares de uso corrente foram reti<strong>do</strong>s depois<br />
de clarifica<strong>do</strong> o seu significa<strong>do</strong>, e.g. fetos, musgos. Os nomes vernáculos <strong>do</strong>s taxa foram toma<strong>do</strong>s como substantivos<br />
comuns e escritos em minúsculas, e.g. angiospérmicas, coníferas e asteráceas.<br />
Tradução <strong>do</strong>s cla<strong>do</strong>s – nas publicações de filogenética vegetal em língua inglesa os cla<strong>do</strong>s geralmente terminam<br />
em “ids”. Na sua tradução para português optou-‐se por substituir “ids” por “idas”, e.g. rosids em rosidas e lamiids
12 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
em lamiidas. O sufixo “ideas” usa<strong>do</strong> por alguns autores de língua portuguesa, e.g. rosidas ou lamiidas, não nos<br />
parece adequa<strong>do</strong>.<br />
Sufixo “fita” – em harmonia com a literatura mais recente em inglês o sufixo “fita” foi usa<strong>do</strong> de forma<br />
indiscriminada para designar grandes grupos taxonómico sem uma categoria taxonómica definida, e.g. briófitas,<br />
cormófitas, traqueófitas pteridófitas e licófitas.<br />
Redundâncias fonéticas – para evitar redundâncias fonéticas os nomes específicos, foram, por vezes, abrevia<strong>do</strong>s,<br />
e.g. Q. robur (= Quercus robur) (vd. Nomenclatura biológica clássica [vol. III]).<br />
Grafia <strong>do</strong>s nomes vulgares – em minúsculas, hifeniza<strong>do</strong>s e entre aspas, e.g. «lódão-‐bastar<strong>do</strong>».<br />
Grafia <strong>do</strong>s nomes de cultivares – em acor<strong>do</strong> com o ICNCP, primeira letra maiúscula, hifeniza<strong>do</strong>s e entre aspas<br />
simples ou, sem aspas, e então precedi<strong>do</strong>s da abreviatura “cv.”, e.g. alface ‘Orelha-‐de-‐mula’ e macieira cv. Starking<br />
(vd. Nomenclatura de plantas cultivadas [vol. III]).<br />
Grafia <strong>do</strong>s cla<strong>do</strong>s (grupos monofiléticos) – em minúsculas. As relações filogenéticas entre os grupos que<br />
constituem os cla<strong>do</strong>s foram pontualmente expressas através de parêntesis rectos, e.g. cla<strong>do</strong> fixa<strong>do</strong>r de azoto das<br />
fabidas = Fabales [Rosales [Cucurbitales + Fagales]].<br />
Grafia <strong>do</strong>s gra<strong>do</strong>s (grupos parafiléticos) – em minúsculas e entre aspas simples, e.g. ‘carófitas’, ‘briófitas’ e<br />
‘angiospérmicas basais’.<br />
Imagens<br />
As representações esquemáticas sem autoria são originais. As fotografias sem identificação autoral provêm <strong>do</strong><br />
acervo de fotografia botânica <strong>do</strong> autor.<br />
Propõe-‐se que o leitor acompanhe a leitura deste texto, em particular <strong>do</strong> vol. III, com visitas regulares ao site<br />
(imagem com hiperligação):<br />
Uma checklist da flora de Portugal está disponível aqui (imagem com hiperligação):<br />
Persistem inúmeros erros, omissões e gralhas: conto com to<strong>do</strong>s os utiliza<strong>do</strong>res para os corrigir. Para esse fim<br />
está à vossa disposição o seguinte endereço de e-‐mail: botanica@ipb.pt.<br />
Como tantas vezes acontece, o texto padece de erros de formatação causa<strong>do</strong>s pelo programa de gestão de<br />
referencias bibliográficas.
13 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
1. Conceito de planta<br />
Aristóteles (séc. IV a.C.) admitiu <strong>do</strong>is grandes grupos de seres vivos, depois de Carlos Lineu (séc. XVIII)<br />
categoriza<strong>do</strong>s ao nível <strong>do</strong> reino: reino Plantae e reino Animalia (=Metazoa). O zoólogo alemão Ernst H. Haeckel, em<br />
1866, reconheceu que nem to<strong>do</strong>s os seres vivos eram animais ou plantas ao propor, sem grande sucesso no meio<br />
académico, um novo reino – o reino Protista – reunin<strong>do</strong> os atuais procariotas, os protozoários, as algas e os fungos.<br />
Durante a maior parte <strong>do</strong> século XX os livros-‐texto de botânica, além das plantas-‐terrestres (= embriófitas), incluíram<br />
no reino das plantas to<strong>do</strong> o tipo de algas, os fungos e, em alguns casos, as bactérias. Somente em 1961, quase cem<br />
anos depois da proposta de E. Haeckel, os microbiologistas R. Y. Stanier e C. B. van Neil clarificaram a oposição<br />
fundamental entre procariotas e eucariotas, identificada na década de 1920 pelo biólogo francês É<strong>do</strong>uard Chatton,<br />
eliminan<strong>do</strong>, em definitivo, a dicotomia planta-‐animal.<br />
Robert Whittaker (Whittaker, 1969) propôs, com temporário êxito, um sistema de classificação alternativo à<br />
aproximação lineana, funda<strong>do</strong> em cinco reinos: Monera, Protista, Animalia, Fungi e Plantae. Este conheci<strong>do</strong> sistema<br />
tem uma ín<strong>do</strong>le funcional e ecológica – R. Whittaker era um ecólogo de vegetação – e não expressa qualquer tipo de<br />
relação evolutiva. Apoia-‐se no nível de organização (procariotas e eucariotas, unicelulares ou multicelulares), no<br />
mo<strong>do</strong> de nutrição (autotrofia, ingestão e absorção) e no papel desempenha<strong>do</strong> pelos seres vivos nos ecossistemas<br />
naturais (produtores, consumi<strong>do</strong>res e decompositores). Os conhecimentos acumula<strong>do</strong>s nas últimas três décadas de<br />
bioquímica, fisiologia, genética e biologia evolutiva, a par da progressiva aceitação <strong>do</strong> princípio da monofilia – os<br />
taxa têm de incluir to<strong>do</strong>s, e apenas, os descendentes de um ancestral comum (vd. Conceitos e objetivos da<br />
taxonomia [vol. III]) – implicaram uma restrição significativa <strong>do</strong> conceito de planta e a substituição <strong>do</strong> sistema<br />
ecológico/funcional de R. Whittaker por sistemas de classificação filogenéticos.<br />
As plantas são eucariotas (<strong>do</strong>mínio Eukaryota), um <strong>do</strong>s três <strong>do</strong>mínios (= super-‐reinos) da vida celular – por<br />
definição excluin<strong>do</strong> vírus e priões – defini<strong>do</strong>s por Carl Woese et al. (Woese, Kandler, & Wheelis, 1990). Embora a<br />
origem <strong>do</strong>s eucariotas permaneça um enigma e um <strong>do</strong>s maiores desafios da biologia evolutiva, as relações<br />
filogenéticas entre os grandes grupos de eucariotas estão convergir num consenso. O sistema de classificação de Adl<br />
et al. (Adl, et al., 2005), por exemplo, reconhece cinco grandes grupos de eucariotas: Amoebozoa, Rhizaria,<br />
Opisthokonta, Chromalveolata e Archaeplastida sob a categoria não formal de “super-‐grupo”, que alguns autores<br />
preferem içar à categoria de reino. Grosso mo<strong>do</strong> <strong>do</strong>is deles, Amoebozoa e Rhizaria, reúnem essencialmente seres<br />
unicelulares; os Opisthokonta incluem, entre outros seres, fungos (Fungi) e animais (Metazoa); os oomicetas<br />
(Oomycota, Chromalveolata), as algas-‐castanhas (Phaeophyceae, Chromalveolata) e as diatomáceas (Bacillariophyta,<br />
Chromalveolata) são as Chromalveolata mais conhecidas; as plantas encontram-‐se nas Archaeplastida.<br />
O nome “Plantae” continua em uso, a designar combinações dispares de organismos fotossintéticos. Os autores<br />
mais recentes reduzem o conceito de Plantae, agora raramente concretiza<strong>do</strong> com a categoria de reino, a um<br />
agrega<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong> pelas plantas-‐terrestres e por um número variável de grupos de algas. Um ponto da situação<br />
atualiza<strong>do</strong> deste conceito pode ser aprecia<strong>do</strong>, por exemplo, no Tree of Life (http://tolweb.org/tree/). A designação<br />
Plantae é aplicada por estes e muitos outros autores, a um grande grupo monofilético constituí<strong>do</strong> pelas glaucófitas<br />
(Glaucophyta 3 , vd. Estádios inicias da evolução das plantas-‐terrestres [vol. II]) + algas-‐vermelhas (Ro<strong>do</strong>phyta) +<br />
plantas-‐verdes (= Chlorobionta 4 ). O nome Plantae porém é equívoco porque desde a fundação da moderna<br />
nomenclatura biológica por Carlos Lineu (vd. Nomenclatura, vol. III), nos mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> séc. XVIII, foi usa<strong>do</strong> com<br />
múltiplos senti<strong>do</strong>s. A solução mais parcimoniosa talvez seja evitar o nome Plantae e substituí-‐lo por Archaeplastida 5 ,<br />
sem concretizar a categoria taxonómica (Adl, et al., 2005), traduzi<strong>do</strong> para a linguagem comum por plantas ou<br />
linhagem-‐verde (vd. Quadro 1).<br />
As plantas-‐verdes, um <strong>do</strong>s três grupos de Archaeplastida, repartem-‐se por duas grandes linhagens: as<br />
Chlorophyta e as Streptophyta (Leliaert, et al., 2012). As algas incluídas nas Streptophyta, as Charophyta 6 , são<br />
evolutivamente muito próximas <strong>do</strong> seu grupo irmão, as atuais plantas-‐terrestres (= Equisetopsida 7 ; vd. As primeiras<br />
3 O.m.q. Glaucocystophyta (glaucocistófitas).<br />
4 Ou ainda Viridaeplantae, Viridiplantae, Chlorobiota ou Chloroplastida.<br />
5 Um terceiro nome disponível na bibliografia: Primoplantae.<br />
6 As Charophyta (‘carófitas’ ou ‘algas-‐carófitas’), e implicitamente as ‘algas-‐verdes’ (=Chlorophyta + Charophyta), são parafiléticas<br />
porque não incluem to<strong>do</strong>s os descendentes de um ancestral comum, concretamente excluem as plantas-‐terrestres.<br />
7 Ou ainda Embryobionta ou Embryophyta.
14 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
plantas-‐terrestres [vol. II]). A classe Equisetopsida (plantas-‐terrestres ou embriófitas) abrange as ‘briófitas’ (=<br />
hepáticas + antóceras + musgos), as ‘pteridófitas’ (= licopódios + fetos) e as plantas-‐com-‐semente (= angiospérmicas<br />
+ gimnospérmicas). As hepáticas são basais relativamente às restantes plantas-‐terrestres, portanto, foram o primeiro<br />
grupo, entre as plantas-‐terrestres atuais, a diferenciar-‐se e a colonizar a terra emersa, algures durante o perío<strong>do</strong><br />
Or<strong>do</strong>vícico.<br />
No Quadro 2 faz-‐se um enquadramento taxonómico <strong>do</strong>s principais grupos de plantas-‐terrestres. Embora se tenha<br />
opta<strong>do</strong> por uma categorização formal <strong>do</strong>s grandes grupos de seres vivos e de plantas é importante referir que as<br />
categorias formais entre o <strong>do</strong>mínio e a classe, inclusive, são, na prática, dispensáveis (vd. Nomenclatura filogenética<br />
[vol. III]). Por essa razão na bibliografia é frequente o uso indiscrimina<strong>do</strong> <strong>do</strong> sufixo de divisão “phyta” (vd.<br />
Nomenclatura biológica clássica [vol. III]). A taxonomia das plantas-‐vasculares é retomada no vol. III.<br />
Quadro 2. Enquadramento taxonómico da classe Equisetopsida «plantas-‐terrestres». Basea<strong>do</strong> em (Adl, et al.,<br />
2005); (Chase & Reveal, 2009); (Christenhusz, Reveal, Martin, Robert, & Chase, 2011); (Christenhusz,<br />
Zhang, & Schneider, A linear sequence of extant families and genera of lycophytes and ferns, 2011).<br />
Categoria taxonómica Taxa Nome vulgar<br />
Sem categoria formal Eukaryota eucariotas<br />
Sem categoria formal Archaeplastida linhagem-‐verde ou plantas<br />
Sem categoria formal Chlorobionta plantas-‐verdes<br />
Sem categoria formal Streptophyta estreptófitas<br />
Classe Equisetopsida plantas-‐terrestres, embriófitas<br />
Subclasse Marchantiidae hepáticas<br />
Subclasse Bryidae musgos<br />
Subclasse Anthocerotidae antóceras<br />
Subclasse Lycopodiidae licopodiidas, licófitas, licopódios<br />
Subclasse Ophioglossidae ophioglossidas, fetos-‐ophioglossi<strong>do</strong>s<br />
Subclasse Equisetidae equisetidas, fetos-‐equiseti<strong>do</strong>s, equisetófitas, equisetas<br />
Subclasse Marattiidae marattiidas, marattiófitas, fetos-‐marattii<strong>do</strong>s<br />
Subclasse Polypodiidae polipodiidas, polipodiófitas, fetos-‐verdadeiros, fetos-‐<br />
leptoesporangia<strong>do</strong>s<br />
Subclasse Cycadidae cicadidas, cicadófitas, cicas, cicas<br />
Subclasse Ginkgoidae ginkgoídas, ginkgófitas, ginkgos<br />
Subclasse Pinidae pinidas, pinófitas, coníferas<br />
Subclasse Gnetidae gnetidas, gnetófitas<br />
Subclasse Magnoliidae angiospérmicas, magnoliidas, plantas-‐com-‐flor, magnoliófitas<br />
Uma vez que este texto versa as plantas-‐com-‐semente, e as plantas-‐terrestres cormofíticas serão ciclicamente<br />
recordadas, impõe-‐se, desde já, uma importante questão: o que é uma planta-‐terrestre? As plantas-‐terrestres<br />
(Equisetopsida) são um taxon monofilético, cujos elementos partilham um conjunto alarga<strong>do</strong>s de características,<br />
maioritariamente devidas a uma ancestralidade comum. Estas características serão desenvolvidas nos capítulos que<br />
se seguem. O Quadro 3 resume as principais características das plantas-‐terrestres.
15 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
Quadro 3. Principais características estruturais e funcionais das plantas-‐terrestres. Basea<strong>do</strong> em (Ingrouille & Eddie,<br />
2006) e autores vários.<br />
Característica Descrição<br />
Estrutura celular eucariótica Organismos com um núcleo e outras estruturas celulares complexas encerradas por<br />
membranas<br />
Multicelularidade Indivíduos com mais de uma célula, com diferentes funções e interdependentes entre<br />
si<br />
Imobilidade Organismos fixos a um substrato durante grande parte <strong>do</strong> seu ciclo biológico, com fases<br />
de dispersão breves, normalmente sob a forma de esporos ou de sementes<br />
Com uma estrutura modular vd. Estrutura modular das plantas<br />
Elevada plasticidade fenotípica vd. Variação morfológica intraespecífica<br />
Crescimento indetermina<strong>do</strong> vd. Organização <strong>do</strong> corpo das plantas-‐com-‐semente<br />
Paredes celulares celulósicas Estrutura rígida que envolve o protoplasma maioritariamente constituída por um<br />
polímero de β celulose<br />
Cutícula Camada não celular, cerosa de proteção <strong>do</strong>s órgãos aéreos primários<br />
Revestimento de algumas<br />
estruturas reprodutivas com<br />
esporopolenina<br />
Biopolímero complexo, de composição química pouco conhecida, muito resistente à<br />
agressão química, emprega<strong>do</strong> na proteção de esporos e grãos de pólen contra os raios<br />
UV e a dessecação<br />
Foto-‐autotrofia Produzem compostos orgânicos complexos e ricos em energia a partir de moléculas<br />
inorgânicas simples (e.g. H2O, CO2, K + , e NO3 -‐ ), e da energia (sob a forma de ATP) e <strong>do</strong><br />
poder redutor (sob a forma de NAPH2) gera<strong>do</strong>s pelas moléculas de clorofila excitadas<br />
pela luz <strong>do</strong> sol<br />
Órgãos assimila<strong>do</strong>res 8 com<br />
uma elevada relação<br />
superfície/ volume<br />
Elevada relação superfície/ volume conseguida através da redução da espessura das<br />
folhas e <strong>do</strong> diâmetro das raízes; consequência da fototrofia e <strong>do</strong> consumo de alimentos<br />
inorgânicos diluí<strong>do</strong>s (vd. <strong>Vol</strong>ume e superfície nas plantas)<br />
Estomas Pequenas aberturas na superfície <strong>do</strong>s órgãos aéreos primários por onde se processam<br />
as trocas gasosas com o exterior (ausentes na maioria das ‘briófitas’)<br />
Órgãos especializa<strong>do</strong>s na<br />
absorção de nutrientes <strong>do</strong> solo<br />
Órgãos fotossintetiza<strong>do</strong>res<br />
suporta<strong>do</strong>s por um sistema<br />
tubular rígi<strong>do</strong><br />
Ciclo de vida haplodiplonte<br />
heteromórfico<br />
Rizoides (nas ‘briófitas’ e no protalo das ‘pteridófitas’) ou sistema radicular<br />
Sistemas de caules com folhas s.l., i.e. com filídios <strong>do</strong>s musgos, microfilos e megafilos<br />
nas plantas vasculares (vd. Teoria telomática de W. Zimmermann)<br />
Com meiose desfasada da fecundação e alternância de duas gerações – fases haploide<br />
(gametófito) e diploide (esporófito) – de distinta morfologia (vd. Ciclo de vida das<br />
plantas, vol. II)<br />
Anterídeos e arquegónios Órgãos onde se diferenciam, respectivamente, gâmetas ♂ e ♀ (vd. Contextualização<br />
taxonómica <strong>do</strong> ciclo de vida das plantas-‐terrestres, vol. II)<br />
Esporângios Órgãos onde se diferenciam esporos (vd. Contextualização taxonómica <strong>do</strong> ciclo de vida<br />
das plantas-‐terrestres, vol. II)<br />
Embrião Estrutura multicelular geralmente protegi<strong>do</strong> por um teci<strong>do</strong> multicelular haploide (nas<br />
‘briófitas’, ‘pteridófitas’ e gimnospérmicas) ou triploide (nas angiospérmicas) (vd.<br />
Contextualização taxonómica <strong>do</strong> ciclo de vida das plantas-‐terrestres, vol. II)<br />
8 Entende-‐se por assimilação a incorporação e conversão de nutrientes no protoplasma, processo que nas plantas envolve a<br />
fotossíntese nos órgãos herbáceos aéreos (folhas e caules primários) e a absorção de nutrientes pelas raízes.
16 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
O esporófito (fase diploide <strong>do</strong> ciclo de vida das plantas-‐terrestres) das plantas-‐com-‐semente é constituí<strong>do</strong> por<br />
três órgãos fundamentais: raiz, caule e folhas. A flor é um ramo curto muito modifica<strong>do</strong>, com folhas especializadas<br />
na reprodução sexuada (vd. Flor, vol. I, fasc. II). Qualquer outra estrutura nas plantas reside ou resulta da<br />
modificação destes três órgãos. O seu conjunto constitui o cormo ou corpo da planta. Os órgãos das plantas são, por<br />
sua vez, constituí<strong>do</strong>s por teci<strong>do</strong>s, e os teci<strong>do</strong>s por células. A estrutura interna ou anatomia vegetal refere-‐se à<br />
organização <strong>do</strong>s teci<strong>do</strong>s no interior <strong>do</strong>s órgãos (vd. Breve reflexão epistemológica). Antes avançar no estu<strong>do</strong> da<br />
estrutura externa das plantas, o tópico principal deste volume (capítulos 3, 4 e 5), convém rever alguns aspetos da<br />
estrutura da célula e de histologia vegetal, que se resumem no ponto 2.<br />
2. A célula e os teci<strong>do</strong>s das plantas-‐com-‐semente<br />
2.1. A célula vegetal<br />
A célula foi descrita pela primeira vez pelo inglês Robert Hooke [1635-‐1703], em 1665, a partir de cortes finos de<br />
cortiça. Ao holandês Antonie van Leeuwenhoek [1632–1723] cabe a honra da primeira observação de células vivas e<br />
de microrganismos unicelulares. As evidências observacionais subsequentemente acumuladas, assistidas pelos<br />
progressos da microscopia óptica, culminaram século e meio depois na teoria celular. Esta teoria fundamental da<br />
biologia, originalmente proposta pelos cientistas alemães Matthias Schleiden e Theo<strong>do</strong>r Schwann em 1839, postula<br />
que: i) to<strong>do</strong>s os seres vivos são constituí<strong>do</strong>s por células; ii) a célula é o elemento fundamental da organização da<br />
vida; iii) todas as células descendem de outra célula. A vida, tal como a conhecemos, evoluiu uma única vez: to<strong>do</strong>s os<br />
seres vivos têm, em última instância, um ancestral comum, cujas características quedam por clarificar. A natureza<br />
celular <strong>do</strong> primeiro ser vivo é, porém, inequívoca: a célula é uma plesiomorfia, i.e. um carácter ancestral, de toda a<br />
vida terrestre (vd. Sistemas cladísticos [vol. III]).<br />
A célula eucariota ancestral de todas<br />
as plantas era heterotrófica:<br />
alimentava-‐se, por fagocitose, de<br />
substâncias orgânicas complexas. Com a<br />
aquisição, por en<strong>do</strong>ssimbiose, de um<br />
plastídio fotossintético (vd. Do<br />
nascimento da vida às algas ancestrais<br />
das plantas-‐terrestres [vol. II]) os<br />
componentes orgânicos da célula<br />
vegetal principiaram a ser produzi<strong>do</strong>s<br />
no seu interior, a partir <strong>do</strong>s esqueletos carbona<strong>do</strong>s forneci<strong>do</strong>s pela fotossíntese. A célula vegetal pode especializar-‐<br />
se na alimentação de substâncias minerais simples, capazes de penetrar na célula por absorção – e a fagocitose<br />
volveu inútil. A absorção, ao invés da fagocitose, é compatível com o desenvolvimento de uma parede celular rígida<br />
com uma <strong>função</strong> de proteção contra preda<strong>do</strong>res e ambientes hipotónicos 9 Figura 2. Constituintes da célula vegetal.<br />
. Contu<strong>do</strong>, a parede celular celulósica<br />
característica das plantas-‐verdes dificulta a excreção de subprodutos tóxicos <strong>do</strong> metabolismo. Uma das soluções<br />
evolutivas encontradas pelas plantas para este problema consistiu na sua acumulação num vacúolo, que nas células<br />
mais velhas ocupa a quase totalidade <strong>do</strong> protoplasma, e comprime o citoplasma e o núcleo para a periferia da célula<br />
(vd. terminologia na Figura 2). A parede celular e o vacúolo são apenas duas das muitas caraterísticas que<br />
diferenciam a célula vegetal da célula animal, descritas ao pormenor nos livros-‐texto de biologia.<br />
9 Com poucos sais e que causam a turgescência e a eventual lise (ruptura) da célula
17 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
O desenvolvimento celular compreende três processos: i) divisão<br />
e multiplicação celulares – incremento <strong>do</strong> número de células; ii)<br />
alongamento celular – aumento da dimensão das células; e iii)<br />
diferenciação celular – especialização funcional das células. As células<br />
vegetais dividem-‐se por mitose, outro tema aborda<strong>do</strong> em detalhe nos<br />
livros de biologia geral. A meiose é um evento constante mas raro no<br />
ciclo de vida das plantas vasculares, sempre associa<strong>do</strong> com a<br />
produção de esporos (vd. Ciclo de vida das plantas [vol. II]). Entre<br />
outras peculiaridades, na divisão celular por mitose nas plantas a<br />
individualização das células filhas (= citocinese) é de imediato<br />
sucedida pela formação de parede celular. As divisões celulares<br />
paralelas à superfície de um órgão – divisões periclinais– aumentam a<br />
sua espessura (Figura 3A); as divisões anticlinais são perpendiculares<br />
à sua superfície (Figura 3B). Nos órgãos cilíndricos (= axiais) – raiz e<br />
caule – as divisões celulares anticlinais, por sua vez, podem ser<br />
transversas (perpendiculares ao eixo longitudinal) (Figura 3A) ou<br />
radiais (decorrem num plano longitudinal). As divisões anticlinais<br />
transversas alongam os órgãos. As divisões anticlinais radiais<br />
ocorrem, por exemplo, no câmbio vascular e na felogene (vd. Os<br />
meristemas) em resposta às tensões resultantes <strong>do</strong> aumento <strong>do</strong><br />
diâmetro de raízes ou caules causa<strong>do</strong> pelo crescimento secundário.<br />
A parede celular primária das células somáticas (não reprodutivas) das plantas-‐vasculares diferencia-‐se ainda no<br />
interior <strong>do</strong>s meristemas (vd. Os meristemas). A parede celular primária é uma armadura resistente, e ao mesmo<br />
tempo porosa e extensível, a fim de permitir o alongamento celular. É constituída por três tipos de polissacarídeos<br />
(Refrégier, Höft, & Venhettes, 2012): microfibrilas de celulose (um polímero hidrófilo 10 de β-‐glucose), entrelaçadas<br />
por hemiceluloses (polímeros de xiloglucano), numa matriz de pectinas (um polímero de áci<strong>do</strong> galacturónico). A<br />
celulose representa apenas cerca de 15% <strong>do</strong> peso seco da parede primária. As células alongam-‐se em consequência<br />
da pressão exercida pelo protoplasma na parede celular primária. Neste processo é determinante o crescimento <strong>do</strong><br />
vacúolo.<br />
Fin<strong>do</strong> o perío<strong>do</strong> de alongamento celular muitas plantas constroem uma parede celular secundária por dentro da<br />
parede primária. A parede celular secundária resulta da acumulação de compostos que a enrijecem, sobretu<strong>do</strong> de<br />
celulose (que pode atingir os 94% <strong>do</strong> seu peso seco), em geral combinada com lenhina, um polímero aromático<br />
hidrófobo. Como adiante se explica, as células da en<strong>do</strong>derme (vd. Estrutura primária da raiz ) e <strong>do</strong> felema (vd.<br />
Felogene e riti<strong>do</strong>ma) acumulam suberina, uma outra substância hidrofóbica, desta feita de natureza cerosa.<br />
Interrompem as paredes celulares, tanto primárias como secundárias, pequenas aberturas conhecidas por<br />
pontuações (ing. pits). As pontuações de duas células vizinhas geralmente opõem-‐se e são percorridas por cordões<br />
microscópicos de protoplasma, os plasmodesmos 11 . Esta continuidade membranar e protoplasmática das células<br />
vegetais não tem paralelo nas células animais, mas não é caso único entre os seres vivos (ocorre também nos<br />
fungos). As pontuações podem ser simples, ou mostrar uma aréola (pontuações areoladas, ing. bordered pits), como<br />
acontece nos elementos traqueais (vd. Xilema).<br />
Além <strong>do</strong> citoplasma, vacúolo, núcleo e organitos celulares, as células contêm, frequentemente, inclusões de vária<br />
ordem; e.g. grânulos de ami<strong>do</strong> e cristais oxalato de cálcio. As ráfides são cristais de oxalato de cálcio ou de carbonato<br />
de cálcio, alonga<strong>do</strong>s e em forma de agulha, comuns e de fácil observação microscópica, que se admite terem algum<br />
efeito na contenção da herbivoria; e.g. abundantes na Calocasia esculenta (Araceae) «inhame». Muitas gramíneas e<br />
cucurbitáceas, entre outras plantas-‐com-‐semente, depositam grandes quantidade de sílica, intra e/ou<br />
extracelularmente, sobretu<strong>do</strong> nas células da epiderme (células silicosas), sob a forma de acumulações microscópicas<br />
conhecidas por corpos de sílica ou fitólitos (ing. phytoliths). Foi demonstra<strong>do</strong> em gramíneas tropicais que a formação<br />
10 Com afinidade para com as moléculas de água; que atrai a água. Opõe-‐se a hidrófobo.<br />
11 Ou plasmodesmata; sing. plasmodesmo.<br />
A<br />
B<br />
Figura 3. Orientação das divisões<br />
celulares. A) Divisão periclinal. B) Divisão<br />
anticlinal transversa.
18 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
de corpos de sílica nas folhas era maior nas plantas provenientes de pastagem sujeitas a uma herbivoria intensa e<br />
nas plantas intensamente desfoliadas (McNaughton & Tarrants, 1983). Aparentemente, a silicificação <strong>do</strong>s limbos das<br />
gramíneas também tem a <strong>função</strong> de deter a herbivoria. Dizem-‐se ergásticas as substâncias de reserva, ou os<br />
subprodutos <strong>do</strong> metabolismo, constituintes de acumulações intracelulares ou inclusas na parede celular. As células<br />
com substâncias ergásticas caem, muitas vezes, no conceito de idioblasto (vd. Os teci<strong>do</strong>s das plantas vasculares).<br />
2.2. Os teci<strong>do</strong>s vegetais<br />
O termo desenvolvimento (= ontogénese) refere-‐se à história das transformações estruturais vividas por um<br />
indivíduo, ou por uma parte de um indivíduo, desde o embrião, ou de um meristema, até à senescência. Diz-‐se, por<br />
exemplo, que os espinhos foliares e caulinares têm uma ontogénese distinta porque os primeiros são folhas<br />
modificadas e os segun<strong>do</strong>s caules modifica<strong>do</strong>s (vd. Homologia e analogia. Princípio da homologia e Espinhos). O<br />
desenvolvimento das plantas envolve <strong>do</strong>is processos distintos: crescimento e diferenciação. O crescimento é um<br />
acréscimo da massa de células vivas origina<strong>do</strong> pela multiplicação (mitose) e alongamento das células. O número de<br />
tipos celulares, teci<strong>do</strong>s, órgãos e, em último caso, a fisionomia das plantas, são uma consequência da diferenciação 12<br />
celular.<br />
A B C D<br />
Figura 4. Planos de corte em órgãos cilíndricos. A) Plano transversal. B) Plano radial ou longitudinal. C) Plano<br />
tangencial. D) Qualificação espacial das paredes celulares em relação ao eixo longitudinal.<br />
Os teci<strong>do</strong>s são estuda<strong>do</strong>s no âmbito da histologia; a sua disposição espacial nos órgãos é o objecto da anatomia.<br />
Os cortes histológicos com técnicas de coloração diferencial 13 continuam a ser a técnica microscópica base da<br />
histologia e da anatomia vegetais. No estu<strong>do</strong> histológico-‐anatómico <strong>do</strong>s órgãos cilíndricos distinguem-‐se três planos<br />
de corte, consoante a sua orientação em relação ao eixo longitudinal (= eixo maior) (Figura 4): i) plano transversal –<br />
plano perpendicular ao eixo longitudinal; ii) radial (= longitudinal ou radial longitudinal) – plano axial que intercepta<br />
o eixo longitudinal e divide o órgão em duas partes iguais; iii) tangencial (= tangencial longitudinal) – plano axial<br />
paralelo ao eixo longitudinal. Vocábulos similares são usa<strong>do</strong>s para precisar a topografia das paredes celulares:<br />
parede tangencial (= periclinal), parede radial e parede transversal (Figura 4). As paredes tangenciais podem ser<br />
internas ou externas, e as paredes transversais anteriores ou posteriores.<br />
Os teci<strong>do</strong>s das plantas vasculares repartem-‐se em <strong>do</strong>is grandes grupos de acor<strong>do</strong> com a sua capacidade de<br />
divisão e <strong>função</strong>: teci<strong>do</strong>s meristemáticos (vd. Os meristemas) e teci<strong>do</strong>s definitivos. As células <strong>do</strong>s primeiros têm<br />
capacidade meristemática, i.e. de se dividirem por mitose, e dão origem aos segun<strong>do</strong>s. Tradicionalmente, os teci<strong>do</strong>s<br />
definitivos são organiza<strong>do</strong>s <strong>do</strong> seguinte mo<strong>do</strong>: i) teci<strong>do</strong>s de proteção – epiderme e periderme; ii) teci<strong>do</strong>s<br />
fundamentais, de síntese, de reserva, de suporte ou secretores – parênquima, colênquima, esclerênquima e teci<strong>do</strong>s<br />
12 Alguns autores identificam desenvolvimento com diferenciação.<br />
13 Que diferenciam, geralmente pela cor, diferentes tipos celulares e de teci<strong>do</strong>s.
19 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
secretores; iii) teci<strong>do</strong>s de transporte – xilema e floema. Uma organização funcional desta ín<strong>do</strong>le é redutora porque<br />
só o xilema desempenha, em simultâneo, funções de transporte, de suporte e de reserva, e contém células<br />
parenquimatosas 14 . Em alternativa os teci<strong>do</strong>s vegetais podem classificar-‐se atenden<strong>do</strong> à sua forma e <strong>função</strong> em: i)<br />
teci<strong>do</strong>s essencialmente elabora<strong>do</strong>res – parênquimas clorofilinos (= clorênquima) ou incolores, e teci<strong>do</strong>s secretores<br />
epidérmicos ou internos; ii) teci<strong>do</strong>s essencialmente mecânicos de proteção: epiderme e súber; iii) teci<strong>do</strong>s<br />
essencialmente de suporte: colênquima, esclerênquima e parênquima lenhoso; e iv) teci<strong>do</strong>s essencialmente de<br />
transporte: xilema e floema.<br />
Os teci<strong>do</strong>s definitivos podem ainda organizar-‐se em teci<strong>do</strong>s simples e teci<strong>do</strong>s complexos (Rudal, Anatomy of<br />
Flowering Plants. An Introduction to Structure and Development, 2007). Os teci<strong>do</strong>s simples são constituí<strong>do</strong>s por um<br />
único tipo celular, pontualmente interrompi<strong>do</strong> por células com características únicas (= idioblastos). São teci<strong>do</strong>s<br />
simples o parênquima, o colênquima e o esclerênquima (vd. Teci<strong>do</strong>s simples). Os teci<strong>do</strong>s complexos envolvem vários<br />
tipos celulares, sen<strong>do</strong> reparti<strong>do</strong>s por três sistemas de teci<strong>do</strong>s com funções especializadas: i) teci<strong>do</strong> dérmico – <strong>função</strong><br />
de proteção (vd. Epiderme); ii) teci<strong>do</strong> fundamental – <strong>função</strong> fotossintética, reserva, preenchimento e suporte (vd.<br />
Teci<strong>do</strong> fundamental); iii) teci<strong>do</strong> vascular – <strong>função</strong> de transporte de água e nutrientes e, secundariamente, de reserva<br />
e sustentação (vd. Teci<strong>do</strong> vascular). O teci<strong>do</strong> dérmico reveste exteriormente as plantas. Dois teci<strong>do</strong>s complexos<br />
constituem o teci<strong>do</strong> vascular: o xilema e o floema. Integram o teci<strong>do</strong> fundamental os teci<strong>do</strong>s que não cabem nos<br />
conceitos de teci<strong>do</strong> dérmico ou vascular.<br />
Nas raízes e caules primários, o conjunto <strong>do</strong> teci<strong>do</strong> vascular mais o teci<strong>do</strong> fundamental a ele associa<strong>do</strong> (medula +<br />
teci<strong>do</strong>s interfasciculares) designa-‐se por cilindro central (= estela). Nos órgãos cilíndricos – raiz e caule – das<br />
‘pteridófitas’, gimnospérmicas e dicotiledóneas os teci<strong>do</strong>s vasculares estão, por regra, organiza<strong>do</strong>s num cilindro<br />
vascular. O córtex, de origem primária ou secundária (vd. Felogene e riti<strong>do</strong>ma), corresponde à massa de teci<strong>do</strong><br />
fundamental entre o cilindro central e a epiderme. Nas raízes e, sobretu<strong>do</strong>, nos caules primários, por dentro cilindro<br />
vascular ocorre muitas vezes outra massa de teci<strong>do</strong> fundamental, a medula, pela sua posição topográfica é parte<br />
integrante <strong>do</strong> cilindro central.<br />
2.2.1. Meristemas<br />
Nos estádios iniciais da germinação todas as células vivas da semente se dividem por mitose. A progressiva<br />
diferenciação celular que se sucede à germinação compromete esta capacidade. A produção de novas células (i.e. o<br />
crescimento) das plântulas 15 rapidamente fica restringida a um tipo particular de teci<strong>do</strong> indiferencia<strong>do</strong>: aos<br />
meristemas (ing. meristems). Algumas células de vegetais diferenciadas, sobretu<strong>do</strong> nos teci<strong>do</strong>s definitivos<br />
parenquimatosos (vd. mais adiante), podem, pontualmente, desdiferenciar-‐se e dividir-‐se, por regra sem grande<br />
impacto na estrutura <strong>do</strong> corpo das plantas. A produção de novas células nas plantas está então concentrada nos<br />
meristemas; nos animais a divisão celular ocorre de forma difusa, com diferentes atividades mitóticas, um pouco por<br />
to<strong>do</strong> o corpo, mais intensa antes de atingida a fase adulta.<br />
Os meristemas são teci<strong>do</strong>s de células estaminais 16 . Duas propriedades caracterizam as células estaminais, tanto<br />
vegetais como animais: i) a capacidade de se auto-‐perpetuarem, produzin<strong>do</strong> novas células estaminais; ii) a<br />
capacidade de se diferenciarem em tipos especializa<strong>do</strong>s de células. Nas preparações histológicas, as células vegetais<br />
estaminais destacam-‐se pelo citoplasma denso sem vacúolos ou com vacúolos muito pequenos, pelas paredes<br />
celulares delgadas, geralmente angulosas, e por um núcleo de grande dimensão. Permanecem indiferenciadas em<br />
aglomera<strong>do</strong>s compactos sem espaços intercelulares e não envelhecem; são virtualmente imortais e a origem de<br />
todas as células diferenciadas. Em última instância, num meristema, todas as células estaminais procedem de um<br />
grupo restrito de células, conheci<strong>do</strong> por células iniciais. As iniciais dividem-‐se com lentidão constituin<strong>do</strong> uma espécie<br />
de reserva que alimenta de células as restantes regiões <strong>do</strong> meristema. Nas algas, briófitas e em muitas pteridófitas<br />
ocorre uma única inicial; nas plantas-‐com-‐semente identifica-‐se mais <strong>do</strong> que uma célula inicial.<br />
14 De parênquima.<br />
15 Plântulas – plantas recém germinadas.<br />
16 Células-‐tronco na terminologia brasileira.
20 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
Quadro 4. Tipologia <strong>do</strong>s meristemas vegetativos<br />
Critério/Tipo Descrição Subtipos<br />
Quanto à origem<br />
Meristemas primários<br />
(ing. primary<br />
meristems)<br />
Meristemas<br />
secundários (ing.<br />
secondary meristems)<br />
Quanto à posição<br />
Meristemas apicais<br />
(ing. apical meristems)<br />
Meristemas laterais<br />
(ing. lateral meristems)<br />
Meristemas<br />
intercalares (ing.<br />
intercalary meristems)<br />
A sua origem remonta às células<br />
embrionárias, sem que tenha ocorri<strong>do</strong> uma<br />
interrupção da atividades meristemática; o<br />
adjetivo “primário” explicita a continuidade<br />
meristemática entre as células embrionárias<br />
e as células iniciais <strong>do</strong>s meristemas<br />
primários.<br />
Resultam da desdiferenciação celular (e.g. de<br />
células parenquimatosas), ou da reativação<br />
de células com capacidade meristemática<br />
temporariamente interrompida que ocorrem<br />
em regiões <strong>do</strong> caule e da raiz <strong>do</strong>minadas por<br />
células maduras<br />
Meristema apical caulinar (ing. shoot apical<br />
meristem), meristema apical radicular radicular<br />
(ing. root apical meristem), meristemas axilares<br />
(ing. axillary meristems), meristema de<br />
espessamento 17 primário (ing. primary<br />
thickening meristem) e meristemas intercalares<br />
(ing. intercalary meristems)<br />
Câmbio vascular (ing. vascular cambium)<br />
(= câmbio libero-‐lenhoso ou, simplesmente,<br />
câmbio), felogene (ing. phellogen) (= câmbio<br />
suberoso, ing. cork cambium, ou câmbio<br />
subero-‐felodérmico) e meristema de<br />
espessamentosecundário (ing. secondary<br />
thickening meristem)<br />
Localiza<strong>do</strong>s nos ápices de caules ou raízes Meristema apical caulinar e meristema apical<br />
radicular, meristema axilar<br />
Revestem em extensão variável os órgãos<br />
axiais (caule e raiz) promoven<strong>do</strong> um<br />
aumento em diâmetro<br />
Meristemas primários próprios das<br />
monocotiledóneas, embuti<strong>do</strong>s entre teci<strong>do</strong>s<br />
já diferencia<strong>do</strong>s<br />
Câmbio vascular, felogene, meristema de<br />
espessamento primário e meristema de<br />
espessamento secundário<br />
Meristema intercalar folhear (ing. leaf intercalar<br />
meristema); meristema intercalar caulinar (ing.<br />
stem intercalar meristema)<br />
Uma primeira classificação <strong>do</strong>s meristemas refere-‐se à sua determinação (Sablowski, 2007). Os meristemas<br />
determina<strong>do</strong>s (ing. determinate meristem) estão geneticamente programa<strong>do</strong>s para cessar a produção de novas<br />
células uma vez atingi<strong>do</strong> um estádio de desenvolvimento específico. Produzem estruturas com dimensão e formas<br />
determinadas, e.g. folhas (meristemas foliares) e flores (meristemas florais). Os meristemas indetermina<strong>do</strong>s (ing.<br />
indeterminate meristem) estão envolvi<strong>do</strong>s no crescimento de órgãos indetermina<strong>do</strong>s, i.e. raiz e caule (e por vezes<br />
inflorescência) (vd. Organização <strong>do</strong> corpo das plantas-‐com-‐semente).<br />
A vida pós-‐embriónica 18 das plantas-‐com-‐semente pode ser dividida em duas fases: fase vegetativa e fase<br />
reprodutiva. A transição da fase vegetativa para a fase reprodutiva implica a conversão de meristemas vegetativos<br />
indetermina<strong>do</strong>s, concretamente de meristemas apicais ou axilares caulinares, em meristemas reprodutivos,<br />
determina<strong>do</strong>s. Nesta conversão consite a diferenciação floral. Nas plantas-‐com-‐flor os meristemas reprodutivos<br />
passam por duas fases: meristema da inflorescência, enquanto diferenciam as estruturas da inflorescência, e<br />
meristema floral, quan<strong>do</strong> formam flores (vd. Iniciação floral) 19 . Os meristemas vegetativos são classifica<strong>do</strong>s de<br />
acor<strong>do</strong> com <strong>do</strong>is critérios: origem e posição (Quadro 4).<br />
A polaridade embrionária é definida num estádio inicial da diferenciação da semente, persistin<strong>do</strong> durante to<strong>do</strong> o<br />
ciclo de vida da planta, até à senescência. Os polos (= ápices) radicular e caulinar <strong>do</strong> embrião acolhem aglomera<strong>do</strong>s<br />
de células com capacidade meristemática permanente, que dão origem, após a germinação da semente, aos<br />
meristemas primários apical radicular e apical caulinar (Quadro 4). O alongamento lidera<strong>do</strong> pelos meristemas<br />
17 Ou “de engrossamento”, primário ou secundário.<br />
18 Que se segue à germinação das sementes.<br />
19 O estu<strong>do</strong> aprofunda<strong>do</strong> <strong>do</strong>s meristemas reprodutivos está para além <strong>do</strong>s objectivos desta publicação. Remetem-‐se os<br />
interessa<strong>do</strong>s no tema para a obra de (Moreira, Anatomia das Plantas: Estruturas, 2010).
21 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
primários apical radicular e caulinar gera o corpo primário das plantas. O diâmetro <strong>do</strong> ápice radicular onde se aloja o<br />
meristema apical radicular ronda os 0,2 mm; este diâmetro é maior e mais variável nos caules. Os meristemas apicais<br />
caulinares ao mesmo tempo que diferenciam caule e folhas deixam na axila das folhas pequenos aglomera<strong>do</strong>s de<br />
células meristemáticas que tomam o nome de meristemas axilares (Figura 5). Os meristemas axilares são os<br />
responsáveis pela ramificação da parte aérea das plantas (vd. Organização <strong>do</strong> corpo das plantas-‐com-‐semente).<br />
Depois de ativa<strong>do</strong>s em nada se distinguem de um meristema apical. As raízes não têm meristemas axilares: a sua<br />
ramificação segue um mecanismo diferente <strong>do</strong> caule (vd. Ramificação da raiz).<br />
Nos meristemas apicais, radiculares e caulinares, as<br />
células estaminais, i.e. as células iniciais mais as suas<br />
descendentes diretas, constituem o promeristema. Embora<br />
não sen<strong>do</strong> consensual, a maior parte <strong>do</strong>s autores inclui nos<br />
meristemas apicais regiões teciduais de transição 20 , recém-‐<br />
produzidas pelas células estaminais, constituídas por células<br />
com uma intensa atividade mitótica mas já com evidências<br />
de diferenciação. Distinguem-‐se três regiões teciduais de<br />
transição (Beck, 2010): a protoderme (ing. protoderm), o<br />
promeristema fundamental (ing. ground meristem) e o<br />
procâmbio (ing. procambium), que geram, respectivamente,<br />
a epiderme, o teci<strong>do</strong> fundamental cortical e medular, e a<br />
vasculatura primária (mais o periciclo na raiz). Nos<br />
meristemas apicais caulinares logo abaixo <strong>do</strong> promeristema<br />
distinguem-‐se ainda primórdios foliares.<br />
Nas monocotiledóneas, e em algumas dicotiledóneas, o<br />
meristema apical caulinar é coadjuva<strong>do</strong> por um meristema<br />
de espessamento primário (DeMason, 1983) (vd. Espessamento primário e secundário nas monocotiledóneas). Nas<br />
monocotiledóneas, e em algumas famílias de dicotiledóneas (e.g. Caryophyllaceae e Polygonaceae; (Khan, 2002)),<br />
persistem bandas de células meristemáticas, geralmente na base <strong>do</strong>s entrenós recém-‐diferencia<strong>do</strong>s, encravadas<br />
entre teci<strong>do</strong>s já diferencia<strong>do</strong>s, que facultam um alongamento intercalar <strong>do</strong>s entrenós. Nas gramíneas estes<br />
meristemas intercalares contribuem mais para o crescimento <strong>do</strong>s caules e a exposição das inflorescências <strong>do</strong> que os<br />
meristemas caulinares apicais, poden<strong>do</strong> ser ativa<strong>do</strong>s em caules já maduros. Ainda nas gramíneas também<br />
meristemas intercalares foliares. Os meristemas intercalares das gramíneas são pormenoriza<strong>do</strong>s mais adiante (vd. O<br />
corpo das gramíneas).<br />
Nas plantas só com crescimento primário – e.g. a grande maioria das monocotiledóneas e muitas dicotiledóneas<br />
anuais – o corpo primário mantem, até à senescência, a forma e a espessura atribuída pelos meristemas primários.<br />
Nas gimnospérmicas e nas dicotiledóneas s.l. com crescimento secundário o crescimento processa-‐se a <strong>do</strong>is tempos,<br />
governa<strong>do</strong> por meristemas vegetativos distintos: as raízes e os caules primeiro alongam-‐se pela extremidade pelos<br />
meristemas apicais primários; numa fase posterior, geralmente prontamente iniciada, aumentam de diâmetro<br />
(engrossamento) com a produção <strong>do</strong> corpo secundário pelos meristemas secundários. A formação <strong>do</strong> corpo<br />
secundário depende de <strong>do</strong>is meristemas laterais especializa<strong>do</strong>s: o câmbio vascular e a felogene. A alusão à sua<br />
lateralidade denota que se dispõem no senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> eixo caulinar ou radicular onde estão aloja<strong>do</strong>s. Regra geral,<br />
diferenciam-‐se a pouca distância <strong>do</strong>s meristemas apicais: no caule na região de contacto entre o córtex e os feixes<br />
vasculares primários, e na raiz normalmente a partir <strong>do</strong> periciclo. Nas monocotiledóneas com crescimento<br />
secundário entra em jogo o meristema de espessamento secundário.<br />
O câmbio é uma delgada e sensível película cilíndrica de células meristemáticas, de uma a várias células de<br />
espessura, que recobre to<strong>do</strong> o corpo secundário das plantas (raízes e caules secundários), imediatamente por<br />
debaixo da casca. O câmbio produz centriptamente (para dentro) xilema e centrifugamente (para fora) floema. A<br />
felogene tem uma estrutura semelhante ao câmbio; produz a periderme, um teci<strong>do</strong> complexo de proteção que<br />
20 Meristemas primários ou subzonas meristemáticas para outros autores. O termo meristema primário é equívoco (vd. Quadro<br />
4).<br />
Figura 5. Estrutura <strong>do</strong> meristema apical caulinar.<br />
Corte radial adapta<strong>do</strong> de www.<strong>do</strong>ctortee.com).
22 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
substitui a epiderme nos caules e raízes com crescimento secundário. O câmbio vascular, a felogene e o meristema<br />
de espessamento secundário são descritos com mais detalhe no capítulo dedica<strong>do</strong> ao caule (vd. Estrutura secundária<br />
<strong>do</strong> caule).<br />
Os meristemas podem diferenciar-‐se a partir de teci<strong>do</strong>s definitivos, numa posição distinta <strong>do</strong>s meristemas<br />
enumera<strong>do</strong>s no Quadro 4, por exemplo, na base de folhas em muitas plantas estolhosas (com estolhos) ou a partir<br />
de calos. Os calos são proliferações celulares que se produzem em feridas ou cortes; têm origem em células<br />
parenquimatosas que mantiveram a capacidade de se multiplicar em teci<strong>do</strong>s diferencia<strong>do</strong>s (não meristemáticos)<br />
(e.g. células <strong>do</strong>s raios xilémicos, vd. Felogene e riti<strong>do</strong>ma). Estes meristemas “fora <strong>do</strong> lugar” são genericamente<br />
designa<strong>do</strong>s por meristemas adventícios, e, eventualmente, dão origem a órgãos adventícios (e.g. raízes adventícias)<br />
(vd. Quadro 5).<br />
Parênquima<br />
2.2.2. Teci<strong>do</strong>s definitivos simples<br />
O conceito de parênquima reúne to<strong>do</strong>s os teci<strong>do</strong>s pouco<br />
especializa<strong>do</strong>s, tanto de formação primária como secundária, que<br />
enchem os órgãos das plantas. Regra geral constituem-‐no células de<br />
paredes delgadas, de forma poliédrica, de grandes vacúolos e<br />
abundantes espaços intercelulares. O seu vacúolo pode acumular to<strong>do</strong> o<br />
tipo de secreções, como sejam o ami<strong>do</strong>, cristais de substâncias várias<br />
(sobretu<strong>do</strong> oxalato de cálcio, sílica e carbonato de cálcio), óleos e<br />
taninos (vd. A célula vegetal). Muitos teci<strong>do</strong>s secretores 21 enquadram-‐se<br />
no conceito parênquima.<br />
O parênquima fundamental ou de preenchimento enche o córtex e a<br />
medula de caules e raízes. O aerênquima é um tipo de parênquima com<br />
abundantes espaços vazios entre as células, comum nas plantas<br />
aquáticas (e.g. a maioria <strong>do</strong>s Ranunculus subgén. Batrachium,<br />
Ranunculaceae) ou anfíbias (e.g. Oryza sativa «arroz» Poaceae), que tem<br />
por <strong>função</strong> o transporte de gases às partes submersas das plantas<br />
Figura 6. Aerêquima. Aerênquima <strong>do</strong><br />
pecíolo de Nuphar luteum<br />
(Nymphaeaceae) «nenúfar-‐amarelo»;<br />
n.b. <strong>do</strong>is escleritos (Deysson, 1965).<br />
(Figura 6). O parênquima com células fotossintéticas, tão frequentes no mesofilo das folhas e próximo da superfície<br />
<strong>do</strong>s caules primários, designa-‐se por clorênquima (= parênquima clorofilino). Reconhecem-‐se <strong>do</strong>is tipos de<br />
clorênquima: em paliçada (com células alongadas, compactadas) ou lacunoso (com grandes espaços intercelulares).<br />
O parênquima de reserva, por exemplo das raízes e caules tuberosos e das sementes, pode ser amiláceo, inulífero,<br />
oleaginoso ou sacarino consoante o tipo de reserva. Os catos e outras plantas xeromórficas 22 acumulam água num<br />
parênquima aquífero. O parênquima é o teci<strong>do</strong> base das partes edíveis (= comestíveis) <strong>do</strong>s frutos. O parênquima<br />
lenhoso tem um papel determinante na estrutura e funcionamento <strong>do</strong> lenho (vd. Estrutura secundária <strong>do</strong> caule).<br />
Embora a firmeza das plantas se deva, em grande parte, aos teci<strong>do</strong>s vasculares e aos teci<strong>do</strong>s de suporte<br />
(colênquima e esclerênquima), a células <strong>do</strong> parênquima quan<strong>do</strong> túrgidas têm também aqui um papel relevante. As<br />
plantas herbáceas murcham se os teci<strong>do</strong>s parenquimatosos perdem turgidez. A divisão celular de algumas células<br />
parenquimatosas com capacidade meristemática é reativada, por exemplo, após traumatismo (e.g. rotura de um<br />
ramo), com a diferenciação de um calo (vd. Felogene e riti<strong>do</strong>ma).<br />
No en<strong>do</strong>sperma, no contacto entre teci<strong>do</strong>s esporofíticos e gametofíticos ou nas terminações <strong>do</strong>s feixes<br />
vasculares <strong>do</strong>s frutos em desenvolvimento, folhas, nectários ou glândulas, por exemplo, observam-‐se células<br />
especializadas, geralmente de tipo parenquimatoso, caracterizadas pela presença de invaginações na parede celular<br />
forradas pela membrana plasmática, que aumentam a relação superfície/volume das células. Estas células, ditas<br />
células de transferência, têm a <strong>função</strong> de facilitar o movimento de açúcares e aminoáci<strong>do</strong>s entre os espaços<br />
21<br />
Os teci<strong>do</strong>s secretores não são aborda<strong>do</strong>s neste texto. Remetem-‐se os interessa<strong>do</strong>s no tema para a obra de (Moreira, Histologia<br />
Vegetal, 1983).<br />
22<br />
Com adaptações morfológicas à secura edáfica (<strong>do</strong> solo):
23 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
extracelulares e o interior das células (Offler, McCurdy, Patrick, & Talbot, 2003). As células de transferência<br />
associadas ao floema das folhas, por exemplo, carregam os açúcares produzi<strong>do</strong>s nas células <strong>do</strong> mesofilo e difundi<strong>do</strong>s<br />
pelo apoplasto no floema, que os redistribui pela planta.<br />
Colênquima e esclerênquima<br />
O colênquima e o esclerênquima desempenham uma <strong>função</strong> de suporte. Formam-‐se a partir de células de<br />
parênquima por espessamento das suas paredes com celulose e lenhina, respetivamente. As células <strong>do</strong> colênquima,<br />
ao invés <strong>do</strong> esclerênquima, são “vivas”. Distinguem-‐se das células parenquimatosas por apresentarem uma parede<br />
refringente ao microscópio, assimetricamente espessada, sobretu<strong>do</strong> com celulose (as paredes celulares <strong>do</strong><br />
colênquima não contêm lenhina). As células colenquimatosas são alongadas e flexíveis. Distendem-‐se sob o efeito de<br />
forças de tração; suspendida a tração não regressam à forma inicial. Estas duas características permitem-‐lhes<br />
acompanhar os órgãos em crescimento. As células colenquimatosas organizam-‐se em feixes, frequentemente de<br />
posição subepidérmica. O colênquima está maioritariamente associa<strong>do</strong> aos órgãos primários (inc. folhas) sen<strong>do</strong><br />
determinante na resistência mecânica oferecida pelos caules jovens e folhas.<br />
Os espessamentos das células <strong>do</strong> esclerênquima contêm uma grande quantidade de lenhina. Este tipo de teci<strong>do</strong><br />
aparece tanto no corpo primário, como no corpo secundário. Reconhecem-‐se <strong>do</strong>is tipos de células<br />
esclerenquimatosas: os escleritos e as fibras. Os escleritos 23 (= células pétreas) são células esclerenquimatosas<br />
isoladas, distribuídas ao acaso noutros tipos de teci<strong>do</strong>s, frequentemente isodiamétricas, com mais pontuações <strong>do</strong><br />
que as células das fibras; e.g. células que atribuem o gratina<strong>do</strong> característico das peras maduras. Constituem as<br />
fibras (= fibras esclerenquimatosas) células esclerenquimatosas muito mais compridas <strong>do</strong> que largas, agrupadas em<br />
feixes, associadas a uma enorme variedade de tipos de teci<strong>do</strong>s.<br />
As fibras esclerenquimatosas deformam-‐se sob tensão mas têm tendência a retornar à forma inicial. São<br />
xilémicas (ing. xylematic fibers) ou extraxilémicas (ing. non-‐xylematic fibers) consoante se encontrem, ou não,<br />
emersas no xilema, e primárias ou secundárias se têm origem em meristemas primários ou secundários. As fibras<br />
extraxilémicas (ing. bast fibers) situam-‐se no córtex, na vizinhança (externa) <strong>do</strong> cilindro vascular ou no floema<br />
designan<strong>do</strong>-‐se, respectivamente, por fibras corticais, fibras liberianas e fibras pericicíclicas ou perivasculares<br />
(Moreira, Histologia Vegetal, 1983). Nas monocotiledóneas as fibras extraxilémicas geralmente envolvem os feixes<br />
vasculares forman<strong>do</strong> feixes fibrovasculares, ou surgem isoladas no teci<strong>do</strong> fundamental. As fibras extraxilémicas têm<br />
uma grande importância têxtil, sen<strong>do</strong> extraídas em mais de 40 famílias de plantas. As fibras ditas macias ou moles,<br />
pela sua flexibilidade e elasticidade, são produzidas a partir das fibras extraxilémicas caulinares de dicotiledóneas;<br />
e.g. Corchorus capsularis (Malvaceae) «juta», Linum usitatissimum (Linaceae) «linho» e Cannabis sativa<br />
(Cannabaceae) «cânhamo». A fibras duras provêm das folhas de monocotiledóneas, das quais a Agave sisalana<br />
(Agavaceae) «sisal» é a mais conhecida.<br />
2.2.3. Teci<strong>do</strong>s definitivos complexos<br />
2.2.3.1. Epiderme<br />
A epiderme é uma camada celular contínua e compacta (sem espaços intercelulares), por regra unisseriada (com<br />
uma assentada de células), que cobre to<strong>do</strong> o exterior <strong>do</strong> corpo primário das plantas. A epiderme é múltipla (=<br />
plurisseriada ou pluriestratificada), por exemplo, nas folhas <strong>do</strong>s Ficus (Moraceae) «figueiras» e nas raízes com<br />
velâmen (vd. Metamorfoses da raiz). Nos órgãos com crescimento secundário a epiderme é substituída pela<br />
periderme.<br />
A epiderme de caules primários e folhas é constituída por vários tipos de células. Dominam este teci<strong>do</strong> células<br />
pouco especializadas, transparentes, de grandes vacúolos, com poucos a nenhuns cloroplastos, alongadas no senti<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong> eixo longitudinal <strong>do</strong> órgão. Esta matriz celular é interrompida por tipos celulares particulares, como sejam as<br />
células-‐guarda e as células anexas ou subsidiarias constituintes <strong>do</strong> complexo estomático (vd. Epiderme da folha),<br />
23 Esclereí<strong>do</strong>s na terminologia brasileira.
24 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
células motoras ou buliformes (vd. Epiderme da folha), células com paredes espessadas com sílica (células silicosas,<br />
vd. A célula vegetal) ou suberina (células suberosas), nectários e um sem número de emergências (e.g. (tricomas,<br />
papilas, células secretoras, vd. Emergências). Na epiderme da raiz diferenciam-‐se pelos radiculares (vd. Estrutura<br />
primária da raiz). Como se explica nos pontos dedica<strong>do</strong>s à anatomia da raiz, caule e folha, identifica-‐se, por vezes,<br />
por debaixo da epiderme, uma camada celular já pertencente ao teci<strong>do</strong> fundamental: a hipoderme. Embora só<br />
discrimináveis através de estu<strong>do</strong>s histológicos, as camadas internas da epiderme multisseriada e a hipoderme têm<br />
uma ontogénese distinta: epiderme, uni ou multisseriada, é diferenciada na protoderme, a camada mais externa <strong>do</strong>s<br />
meristemas apicais radicular e caulinar; a hipoderme provém <strong>do</strong> meristema fundamental.<br />
Reveste exteriormente a epiderme uma camada cerosa protetora – a cutícula –, por vezes complementada com<br />
expansões de ceras epicuticulares. O principal constituinte da cutícula – a cutina – é um composto lipídico hidrófobo.<br />
A cutícula, para além de conferir resistência a parasitas e a agentes físicos abrasivos (e.g. poeiras e cristais de cloreto<br />
de sódio), é largamente impermeável a gases e líqui<strong>do</strong>s, e reflete, difunde ou concentra os raios solares. A sua<br />
espessura é um factor determinante nas perdas de água por transpiração. A cutícula e a compactação das células<br />
epidérmicas providenciam, apesar de tu<strong>do</strong>, alguma sustentação mecânica aos teci<strong>do</strong>s primários. A cutícula de<br />
Copernicia prunifera (Arecaceae) «carnaúba», uma palmeira endémica <strong>do</strong> nordeste brasileiro, é suficientemente<br />
espessa para ser explorada comercialmente, obten<strong>do</strong>-‐se a cera-‐de-‐carnaúba.<br />
2.2.3.2. Teci<strong>do</strong> fundamental<br />
O teci<strong>do</strong> fundamental encontra-‐se nas partes <strong>do</strong> corpo primário das plantas não ocupadas pela epiderme, teci<strong>do</strong>s<br />
vasculares e cavidades (Rudal, Anatomy of Flowering Plants. An Introduction to Structure and Development, 2007).<br />
Corresponde a maior parte da massa <strong>do</strong> corpo primário das plantas. Tem uma <strong>função</strong> mecânica, de reserva ou<br />
fotossintética, sen<strong>do</strong> regra geral constituí<strong>do</strong> por uma matriz de parênquima (vd. Parênquima), variavelmente<br />
complementada com colênquima, esclerênquima (vd. Colênquima e esclerênquima) e teci<strong>do</strong>s secretórios. É<br />
diferencia<strong>do</strong> pelos meristemas apicais. Nas monocotiledóneas tanto os meristemas de espessamento primário e<br />
secundário como os meristemas intercalares também produzem teci<strong>do</strong> fundamental. Nas dicotiledóneas com<br />
crescimento secundário o câmbio cria teci<strong>do</strong> fundamental, na forma de fibras (xilémicas ou extraxilémicas) e de<br />
parênquima axial (disperso pelo floema e xilema secundários). A felogene produz a feloderme ou córtex secundário,<br />
com células parenquimatosas (vd. Estrutura secundária <strong>do</strong> caule).<br />
2.2.3.3. Teci<strong>do</strong> vascular<br />
O transporte de água e nutrientes<br />
Os fisiologistas nomeiam a componente não viva das plantas por apoplasto, e por simplasto o conjunto <strong>do</strong>s<br />
protoplastos. Integram o apoplasto as paredes celulares, os espaços intercelulares e o lúmen (= interior) <strong>do</strong>s<br />
elementos traqueais (por serem células mortas, vd. Xilema). Os plasmodesmos (vd. A célula vegetal) fazem <strong>do</strong><br />
simplasto um sistema contínuo que se alastra a toda a planta. No corpo das plantas, o movimento da água e<br />
nutrientes a curta distância faz-‐se por duas vias: por difusão pelo apoplasto (via apoplástica), ou pelo interior das<br />
células (via simplástica). Nas raízes, as bandas de Caspary (vd. Meristemas e teci<strong>do</strong>s da raiz) obrigam os solutos a<br />
penetrar nas células da en<strong>do</strong>derme, interrompen<strong>do</strong> a via apoplástica. A cutícula e a periderme também<br />
interrompem o apoplasto. As células de transferência (vd. Parênquima) desempenham um importante papel no<br />
movimento de nutrientes entre o simplasto e o apoplasto.<br />
O transporte a longa distância de água e nutrientes nas plantas vasculares é assegura<strong>do</strong> pelos teci<strong>do</strong>s vasculares:<br />
o xilema e o floema, geralmente anatomicamente associa<strong>do</strong>s em feixes vasculares. O xilema transporta a água e os<br />
nutrientes absorvi<strong>do</strong>s e processa<strong>do</strong>s na raiz para a parte aérea; o floema redistribui os produtos da fotossíntese. O<br />
movimento <strong>do</strong> flui<strong>do</strong> xilémico 24 é governa<strong>do</strong> por forças físicas e faz-‐se da raiz para as parte aérea. No xilema<br />
secundário ocorre algum movimento lateral através <strong>do</strong> parênquima <strong>do</strong>s raios xilémicos (vd. Espessamento<br />
24 Flui<strong>do</strong> xilémico ou seiva xilémica. Flui<strong>do</strong> floémico ou seiva floémica. Os termos seiva bruta e seiva elaborada estão a cair em<br />
desuso.
25 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
secundário nas gimnospérmicas e dicotiledóneas). O movimento <strong>do</strong> flui<strong>do</strong> floémico é multidirecional e consome<br />
energia. Faz-‐se <strong>do</strong>s teci<strong>do</strong>s de reserva ou <strong>do</strong>s órgãos produtores (folhas e caules herbáceos) (ing. sources) para aos<br />
centros consumi<strong>do</strong>res (e.g. raiz, meristemas, flores, frutos, ou teci<strong>do</strong>s de reserva) (ing. sinks). O xilema como o<br />
floema primários são diferencia<strong>do</strong>s pelo procâmbio; o xilema e o floema secundários pelo câmbio vascular (vd. Os<br />
meristemas). A maior parte da biomassa das plantas lenhosas é constituída por xilema secundário, também<br />
conheci<strong>do</strong> por lenho. Nas plantas sem crescimento secundário o floema e o xilema primários não são renova<strong>do</strong>s e<br />
permanecem funcionais durante toda a vida da planta.<br />
Xilema<br />
O xilema acumula as funções de transporte, de suporte e de reserva. É composto por diferentes combinações de<br />
parênquima, fibras esclerenquimatosas, vasos lenhosos e traqueí<strong>do</strong>s. Menos constantes são os escleritos e os vasos<br />
lacticíferos (que produzem látex, vd. Produção de látex). Constituem os vasos lenhosos (= traqueias) e os traqueí<strong>do</strong>s<br />
maduros <strong>do</strong>is tipos de células, respectivamente, os traqueí<strong>do</strong>s (o termo traqueí<strong>do</strong> usa-‐se na dupla aceção de célula e<br />
teci<strong>do</strong>) e os elementos <strong>do</strong>s vasos. Os traqueí<strong>do</strong>s (ing. tracheids) e os elementos <strong>do</strong>s vasos (ing. vessel elements) são<br />
genericamente designa<strong>do</strong>s por elementos traqueais (ing. tracheal elements). Têm em comum não possuírem<br />
protoplasma na maturidade (são células mortas) e exibirem abundantes em pontuações areoladas nas paredes<br />
laterais ou, em alternativa, espessamentos espirala<strong>do</strong>s, anelares ou escalariformes, por exemplo (Figura 7).<br />
Os traqueí<strong>do</strong>s (= tracóides) têm uma forma alongada (elevada relação<br />
comprimento/largura), uma parede secundária mais ou menos<br />
homogénea, e comunicam por intermédio das pontuações da parede (não<br />
possuem placas de perfuração). Os traqueí<strong>do</strong>s não se justapõem<br />
axialmente, antes lateralmente.<br />
Os elementos <strong>do</strong>s vasos são curtos e de grande diâmetro (quan<strong>do</strong><br />
compara<strong>do</strong>s com os traqueí<strong>do</strong>s) e dispõem de uma placa de perfuração em<br />
cada extremidade. A placa de perfuração pode ser simples (com uma única<br />
perfuração), ou múltipla, e compreender várias aberturas alongadas<br />
(designadas por barras) dispostas em paralelo como uma escada (placa de<br />
perfuração escalariforme), ou perfurações mais pequenas forman<strong>do</strong> um<br />
retículo (placas de perfuração reticuladas). Os vasos lenhosos organizam-‐se<br />
pela justaposição axial (= longitudinal) de elementos <strong>do</strong>s vasos, sen<strong>do</strong> as<br />
paredes de contacto entre <strong>do</strong>is elementos de vaso sucessivos<br />
perpendiculares às paredes longitudinais, ou oblíquas. A resistência à<br />
circulação <strong>do</strong> flui<strong>do</strong> xilémico nos vasos lenhosos é substancialmente menor<br />
<strong>do</strong> que nos traqueí<strong>do</strong>s. O flui<strong>do</strong> xilémico circula pelas perfurações e pelas<br />
pontuações porque a parede celular secundaria não é permeável a soluções<br />
aquosas.<br />
Os traqueí<strong>do</strong>s são filogeneticamente mais primitivos <strong>do</strong> que os<br />
elementos <strong>do</strong>s vasos. As gimnospérmicas, salvo raras exceções (subclasse<br />
Gnetidae), só têm traqueí<strong>do</strong>s. Curiosamente os vasos lenhosos aparecem<br />
com alguma frequência nos ‘pteridófitos’, um importante exemplo de<br />
convergência evolutiva com as angiospérmicas. Nas angiospérmicas a folha<br />
geralmente só contém traqueí<strong>do</strong>s; no caule e na raiz coexistem vasos<br />
lenhosos e traqueí<strong>do</strong>s, sen<strong>do</strong> mais abundantes os primeiros.<br />
No protoxilema, o primeiro xilema a ser diferencia<strong>do</strong> nos caules e raízes<br />
primários pelo procâmbio, os espessamentos da parede celular <strong>do</strong>s<br />
elementos traqueais, correspondentes à parede celular secundária, podem<br />
Figura 7. Espessamentos da parede<br />
celular <strong>do</strong>s elementos traqueais de<br />
protoxilema (a-‐d) e metaxilema (e-‐h).<br />
Legenda (corte longitudinal em cima,<br />
corte transversal em baixo):<br />
espessamentos anelares (a, b),<br />
espirala<strong>do</strong> (c, d, e) escalariforme (f),<br />
reticula<strong>do</strong> (g) e pontua<strong>do</strong> (h) (Deysson,<br />
1965)<br />
ser anelares (em forma de anel), espirala<strong>do</strong> (= helicoidal, em forma de hélice), escalariformes ou reticula<strong>do</strong>s (Figura<br />
7). As células <strong>do</strong> protoxilema, quan<strong>do</strong> situadas na proximidade ao meristema apical, estão sujeitas a forças de tração<br />
causadas pelo alongamento das células recém-‐diferenciadas: a deposição incompleta da parede secundária facilita o<br />
seu alongamento. As paredes secundárias <strong>do</strong>s elementos traqueais <strong>do</strong> metaxilema (xilema primário mais tardio) ou
26 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
<strong>do</strong> xilema secundário são extensas e geralmente apenas interrompidas por pontuações areoladas. Os diâmetro <strong>do</strong>s<br />
elementos traqueais é maior no metaxilema e no xilema secundário <strong>do</strong> que no protoxilema (Figura 7).<br />
Floema<br />
Na constituição <strong>do</strong> floema das angiospérmicas sobressaem <strong>do</strong>is tipos celulares: os elementos crivosos e as células<br />
companheiras. Acompanham-‐nos frequentemente parênquima de reserva, fibras liberianas, escleritos e vasos<br />
lacticíferos. Ao invés <strong>do</strong>s elementos de vaso xilémico e <strong>do</strong>s traqueí<strong>do</strong>s, as células especializadas no transporte <strong>do</strong><br />
flui<strong>do</strong> floémico – os elementos crivosos (ing. sieve elements) – são vivas. Os elementos crivosos maduros não têm<br />
núcleo, ribossomas, nem vacúolo, e o seu citoplasma confunde-‐se com o flui<strong>do</strong> floémico. Conectam-‐se pelo topo e<br />
dispõem-‐se em fiadas axiais, designadas por tubos crivosos (ing. sieve tube). No interior <strong>do</strong>s elementos crivosos<br />
abunda a calose, um outro polímero de β glucose, como a celulose. Esta substância acumula-‐se rapidamente nos<br />
tubos crivosos feri<strong>do</strong>s por acidentes ou por insectos impedi<strong>do</strong> a perda para o exterior de flui<strong>do</strong> floémico. As células<br />
companheiras (ing. companion cells), de natureza parenquimatosa, rodeiam os elementos crivosos, estan<strong>do</strong><br />
envolvidas na fisiologia <strong>do</strong> carregamento <strong>do</strong> flui<strong>do</strong> floémico com os produtos da fotossíntese. Tanto os elementos<br />
crivosos como as células companheiras não possuem parede celular secundária. O flui<strong>do</strong> floémico é transferi<strong>do</strong> entre<br />
os elementos traqueais floémicos pelas áreas crivosas (ing. sieve areas), i.e. por campos de poros sitos na parede<br />
celular, percorri<strong>do</strong>s por cordões microscópicos de protoplasma (de maior dimensão que os <strong>do</strong>s plasmodesmos), que<br />
conectam os elementos traqueais floémicos axialmente ou lateralmente contíguos. Na maioria das angiospérmicas<br />
as áreas crivosas estão concentradas nas extremidades <strong>do</strong>s elementos crivosos, constituin<strong>do</strong> placas crivosas (ing.<br />
sieve plates).<br />
Nas gimnospérmicas e em algumas angiospérmicas menos evoluídas, as áreas crivosas estão distribuídas por toda<br />
a parede celular. As células deste tipo, menos evoluídas que os elementos crivosos, tomam o nome de células<br />
crivosas (ing. sieve cells). Nas gimnospérmicas ocorrem células anatómica e fisiologicamente associadas às células<br />
crivosas, análogas às células companheiras das angiospérmicas, denominadas por células albuminosas (ing.<br />
albuminous cells).<br />
3. Organização <strong>do</strong> corpo das plantas-‐com-‐semente<br />
As raízes e os caules exibem a nível anatómico uma simetria radial (vd. Simetria) e, a maioria, tem um<br />
crescimento indetermina<strong>do</strong>. As folhas, pelo contrário, são, salvo raríssimas exceções 25 , determinadas e de simetria<br />
bilateral (vd. Simetria). Nos órgãos de crescimento determina<strong>do</strong>, como sejam as folhas e alguns tipos de caules (e.g.<br />
esporões), o crescimento e a diferenciação estão sujeitos a um estreito controlo genético, pouco sensível a factores<br />
ambientais. As folhas representam um caso extremo de determinação porque, concluída a sua diferenciação,<br />
mantêm a mesma forma e estrutura interna até à senescência (= morte).<br />
As folhas inserem-‐se, num padrão regular, obliquamente nos nós (= verticilos caulinares). A porção de caule entre<br />
<strong>do</strong>is nós sucessivos chama-‐se entrenó. Nas Ephedraceae «éfedras» e nas Casuarinaceae «casuarinas» os entrenós<br />
destacam-‐se com facilidade, são articula<strong>do</strong>s. Na axila de cada folha encontra-‐se, geralmente, pelo menos uma gema,<br />
i.e. um aglomera<strong>do</strong> de células indiferenciadas com capacidade meristemática (= capacidade de divisão celular),<br />
envolvi<strong>do</strong> por esboços de folhas, por vezes, com um revestimento externo de folhas de proteção escamiformes<br />
(catáfilos, vd. Tipos de filomas). Na extremidade distal <strong>do</strong>s ramos (vd. Quadro 5) situa-‐se uma gema apical, e no seu<br />
interior um meristema apical caulinar. As gemas axilares, e os meristemas axilares caulinares, localizam-‐se, como se<br />
depreende <strong>do</strong> termo, na axila das folhas. A queda das folhas deixa uma cicatriz foliar no nó, cuja forma tem valor<br />
diagnóstico em algumas famílias de plantas-‐com-‐flor (e.g. Moraceae).<br />
25 Estão descritas algumas excepções. As folhas têm crescimento indetermina<strong>do</strong>, por exemplo, na Welwitschia mirabilis<br />
(Welwitschiaceae, Gnetidae) e vários membros da família das Gesneriaceae (Magnoliidae).
27 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
O cormo das plantas-‐com-‐semente apresenta outros<br />
padrões que interessa explorar. As raízes inserem-‐se,<br />
geralmente, no colo (região de encontro <strong>do</strong> caule com o<br />
sistema radicular) ou noutras raízes. As raízes adventícias<br />
(Quadro 5, por definição, surgem em qualquer ponto da parte<br />
aérea, sobretu<strong>do</strong> nos nós <strong>do</strong>s caules, imediatamente abaixo da<br />
inserção das folhas. As raízes jamais possuem folhas embora,<br />
por vezes, possam diferenciar gemas adventícias que mais<br />
tarde dão origem a novos caules (designa<strong>do</strong>s, respectivamente,<br />
nas plantas lenhosas por pôlas radiculares e nas plantas<br />
herbáceas vivazes por rebentos de raiz). Nas raízes inserem-‐se<br />
outras raízes; nos caules, folhas com uma ou mais gemas<br />
axilares que, entretanto, podem evoluir em novos caules.<br />
Nas plantas-‐com-‐semente a formação <strong>do</strong> cormo inicia-‐se<br />
com a germinação da semente e a retoma <strong>do</strong> crescimento <strong>do</strong><br />
embrião. Este consta geralmente de (Figura 8):<br />
Radícula (= raiz embrionária) – esboço de raiz;<br />
Cotilé<strong>do</strong>nes – filomas embrionários frequentemente<br />
ricas em reservas (vd. Tipos de filomas);<br />
Plúmula – esboço de caule com folhas embrionárias a<br />
envolverem um meristema apical.<br />
Dois entrenós caulinares – o hipocótilo e o epicótilo –<br />
conectam, respectivamente, os cotilé<strong>do</strong>nes das<br />
eudicotiledóneas s.l. com a radícula e a plúmula. Nas Poaceae<br />
(= gramíneas) o primeiro entrenó <strong>do</strong> caule acima <strong>do</strong> cotilé<strong>do</strong>ne<br />
(escutelo, vd. Semente e germinação de Zea mays (Poaceae)<br />
«milho-‐graú<strong>do</strong>») designa-‐se por mesocótilo. O colo, como se referiu, corresponde à zona de transição entre a raiz e o<br />
caule.<br />
Antes de prosseguir com o estu<strong>do</strong> da organização <strong>do</strong> corpo das plantas-‐com-‐semente convém <strong>do</strong>minar os termos<br />
e conceitos resumi<strong>do</strong>s no Quadro 5. A biologia da evolução de plantas é retomada e desenvolvida no <strong>Vol</strong>. II.<br />
Quadro 5. Alguns conceitos fundamentais de organografia vegetal e biologia da evolução uso corrente na<br />
bibliografia<br />
Conceito Definição<br />
Organografia<br />
vegetal<br />
Concrescência<br />
(= coerência)<br />
Adnação<br />
(= aderência)<br />
Partes semelhantes unidas entre si, desenvolven<strong>do</strong>-‐se e crescen<strong>do</strong> em conjunto; e.g. em muitas<br />
espécies as pétalas estão soldadas entre si (i.e. concrescentes), forman<strong>do</strong> um tubo, dizen<strong>do</strong>-‐se a<br />
corola simpétala<br />
Partes distintas unidas entre si, desenvolven<strong>do</strong>-‐se e crescen<strong>do</strong> em conjunto; e.g. no cla<strong>do</strong> das<br />
asteridas os estames estão solda<strong>do</strong>s (= aderentes ou adna<strong>do</strong>s) ao tubo da corola dizen<strong>do</strong>-‐se, por<br />
isso, epipétalos<br />
Conivência Partes, embora não concrescentes, indistintas de tão encostadas.<br />
Crescimento<br />
determina<strong>do</strong><br />
Crescimento<br />
indetermina<strong>do</strong><br />
Figura 8. Estrutura <strong>do</strong> embrião e <strong>do</strong> cormo. A)<br />
Embrião jovem: Co – cotilé<strong>do</strong>ne. B) Embrião<br />
maduro (de uma semente): Hy – hipocótilo; Ra –<br />
radícula. C) Plântula: Pw – raiz primária. D) Estrutura<br />
<strong>do</strong> cormo de uma angiospérmica: Gk – gema apical;<br />
Sw – raízes laterais; w – raízes adventícias; n.b.<br />
gemas axilares.<br />
Tipo de crescimento, geralmente rápi<strong>do</strong>, automaticamente interrompi<strong>do</strong> assim que uma estrutura<br />
geneticamente determinada é concluída.<br />
Tipo de crescimento eventualmente ilimita<strong>do</strong>, cuja suspensão ou interrupção não se deve a causas<br />
genéticas.
28 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
Livre Vocábulo usa<strong>do</strong> para designar partes não concrescentes, nem aderentes; e.g. carpelos livres de um<br />
gineceu apocárpico<br />
Proximal (= anterior<br />
ou adaxial)<br />
Distal (= posterior<br />
ou abaxial)<br />
<strong>Vol</strong>ume e superfície nas plantas<br />
As plantas, e to<strong>do</strong>s os seres vivos que povoam o planeta Terra, são máquinas biológicas, e como tal sujeitas à<br />
segunda lei da termodinâmica: para crescerem, reproduzirem-‐se ou, simplesmente, para permanecerem vivas,<br />
consomem e dissipam energia. A interrupção <strong>do</strong> consumo de energia acarreta a desorganização das células e a<br />
morte <strong>do</strong>s indivíduos. A energia consumida pelas plantas provém diretamente da luz visível emitida pelo sol<br />
capturada pela clorofila 26 . As plantas são pouco eficientes na conversão da radiação solar em energia química (ATP) e<br />
poder redutor (NADPH) através da fotossíntese. Por outro la<strong>do</strong>, o dióxi<strong>do</strong> de carbono, o principal nutriente<br />
carbona<strong>do</strong> das plantas, ocorre em concentrações muito baixas no ar. Consequentemente, a evolução da parte aérea<br />
das plantas foi pressionada no senti<strong>do</strong> de um aumento da superfície em detrimento <strong>do</strong> volume. O sistema radicular<br />
foi sujeito a uma pressão evolutiva análoga porque a solução <strong>do</strong> solo é muito diluída. A captura de nutrientes,<br />
sobretu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s nutrientes de menor mobilidade (e.g. fósforo), depende da exploração de um grande volume de solo<br />
através de uma fina e extensa rede de raízes.<br />
O aumento da relação área/volume nas plantas fez-‐se à custa de folhas laminares, e de raízes e caules de<br />
pequeno diâmetro. Como se acabou de referir, esta tendência evolutiva é uma consequência direta <strong>do</strong> facto das<br />
plantas serem seres fototróficos que concentram compostos inorgânicos a partir de soluções gasosas (ar) ou aquosas<br />
(regra geral água <strong>do</strong> solo) muito diluídas. F. Hallé (Hallé, 2002) estima que a superfície externa da parte aérea de<br />
uma árvore com 40 m de altura possa ultrapassar 1 ha. A superfície das raízes é ainda maior. A relação superfície da<br />
parte área/superfície da parte subterrânea é muito variável. (Hallé, 2002) refere um valor meramente indicativo de<br />
1:130. Portanto, a superfície externa das raízes de uma planta com 40 m de altura pode atingir os 130 ha!<br />
26 Secundariamente sem clorofila e heterotróficas (plantas parasitas e plantas saprófitas). Secundariamente porque os ancestrais<br />
das plantas heterotróficas eram foto-‐autotróficos.<br />
Diz-‐se da parte de um órgão que está mais próxima <strong>do</strong> eixo ou <strong>do</strong> ponto onde se insere; e.g. o<br />
pecíolo corresponde à parte proximal da folha<br />
O inverso de proximal; e.g. o ápice da folha corresponde à parte distal da folha e o estigma tem<br />
uma posição distal no pistilo<br />
Segmento Partes em que um to<strong>do</strong> se divide; e.g. segmento de folha secta<br />
Adventício Vocábulo usa<strong>do</strong> para coadjuvar a designação de órgãos situa<strong>do</strong>s posições atípicas; e.g. raízes de<br />
origem caulinar (= raízes adventícias)<br />
Deiscência Processo ou mecanismo natural mediante o qual um fruto, uma antera ou um esporângio, entre<br />
outros órgãos, abrem espontaneamente e libertam para o exterior o respectivo conteú<strong>do</strong><br />
Biologia da<br />
evolução<br />
Adaptação Carácter morfológico ou funcional, produzi<strong>do</strong> por seleção natural, que incrementa a probabilidade<br />
de sucesso reprodutivo <strong>do</strong>s indivíduos porta<strong>do</strong>res no seu ambiente natural; por consequência, um<br />
indivíduo diz-‐se adapta<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> a sua forma, fisiologia e comportamento (nos animais) lhe<br />
conferem uma elevada probabilidade de sobrevivência e reprodução em condições naturais<br />
Metamorfose Conjunto das modificações morfológicas ocorridas numa planta, no decurso da sua história<br />
evolutiva, à escala <strong>do</strong> corpo (e.g. corpo das plantas aquáticas flutuantes <strong>do</strong> género Lemna<br />
[Araceae]) ou <strong>do</strong> órgão (e.g. folhas de proteção <strong>do</strong>s gomos). As metamorfoses adaptativas<br />
conferem vantagens reprodutivas aos indivíduos; algumas metamorfoses representam adaptações<br />
a ambientes <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> e não evidenciam uma <strong>função</strong> clara no presente; outras metamorfoses são<br />
exaptações, desempenham atualmente uma <strong>função</strong> distinta daquela sob cuja influência evoluíram<br />
(Gould & Vrba, 1982).
29 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
Estrutura modular das plantas<br />
A maioria <strong>do</strong>s animais exibe um crescimento e estrutura determina<strong>do</strong>s, i.e. são seres unitários (= não modulares).<br />
As estruturas externa e interna <strong>do</strong>s animais unitários – e.g. o número de membros e a posição espacial <strong>do</strong> aparelho<br />
digestivo ou <strong>do</strong>s pulmões de um mamífero ou de uma ave – mantêm-‐se praticamente inaltera<strong>do</strong>s durante to<strong>do</strong> o<br />
crescimento pós-‐embrionário. O volume e a massa <strong>do</strong> corpo estabilizam atingi<strong>do</strong> o esta<strong>do</strong> adulto. Os insectos de<br />
metamorfoses completas (= insectos holometábolos) embora sofram modificações estruturais muito profundas<br />
durante o seu desenvolvimento, transitam de forma determinada entre os estádios de ovo, larva, crisálida e adulto,<br />
e os adultos são muito semelhantes entre si. A dimensão e as estruturas interna e externa <strong>do</strong>s seres unitários<br />
encontram-‐se sob um controlo aperta<strong>do</strong> <strong>do</strong> genoma e são, por isso, pouco sensíveis aos factores ambientais.<br />
Consequentemente, o seu corpo só em parte pode ser ajusta<strong>do</strong> à disponibilidade de recursos. Este ajustamento<br />
ocorre ao nível da população através de variações da densidade populacional: se o alimento abunda multiplicam-‐se<br />
com celeridade; na falta de alimento morrem de fome em massa.<br />
As partes em que se divide o corpo <strong>do</strong>s animais unitários estão organizadas hierarquicamente, são<br />
interdependentes e têm, aproximadamente, a mesma idade, ainda que coexistam células mais velhas e mais jovens.<br />
Hierarquiza<strong>do</strong>s porque são constituí<strong>do</strong>s por um eleva<strong>do</strong> número de tipos celulares especializa<strong>do</strong>s, organiza<strong>do</strong>s em<br />
números tipos de teci<strong>do</strong>s, de órgãos e, finalmente, de sistemas, com funções definidas e permanentes. A<br />
interdependência é tal que os indivíduos necessitam de todas, ou de quase todas, as suas partes para se manterem<br />
funcionais, e é impossível isolar os órgãos (e.g. numa cirurgia, durante grandes perío<strong>do</strong>s de tempo). A organização<br />
hierárquica e a interdependência funcional das partes resultaram, em muitas linhagens evolutivas de animais<br />
unitários, numa acentuada complexificação e numa estreita integração funcional <strong>do</strong> corpo. Em contrapartida, a<br />
totipotência celular 27 reduziu-‐se, o que dificulta ou impede a reposição de partes perdidas por efeito da idade,<br />
<strong>do</strong>ença, acidente ou predação (e.g. senescência células cerebrais, teci<strong>do</strong> cardíaco necrosa<strong>do</strong>, perda de membros ou<br />
órgãos).<br />
As plantas, por oposição aos animais unitários, são organismos modulares de crescimento indefini<strong>do</strong>. Modulares<br />
porque constituí<strong>do</strong>s pela repetição de unidades multicelulares discretas, i.e. por módulos (= metâmeros), de grande<br />
autonomia funcional (semi-‐autónomas). De crescimento indefini<strong>do</strong> pelo facto de crescerem continuamente até à<br />
senescência (= morte), ainda que este crescimento possa ser interrompi<strong>do</strong> por perío<strong>do</strong>s de quiescência (= suspensão<br />
<strong>do</strong> desenvolvimento) mais ou menos alarga<strong>do</strong>s, nas estações desfavoráveis ao crescimento das plantas.<br />
A estrutura modular apenas se concretiza na parte aérea <strong>do</strong> corpo das plantas. As raízes não se decompõem em<br />
módulos, ou pelo menos em módulos exteriormente evidentes, e têm um crescimento oportunístico, dirigi<strong>do</strong> pelos<br />
gradientes de oxigénio, água e nutrientes no solo. Os ramos, pelo contrário, são construí<strong>do</strong>s através <strong>do</strong> “encaixe”<br />
sucessivo, como numa construção de lego, de um módulo elementar – o fitómero – constituí<strong>do</strong> por um entrenó, um<br />
nó e uma ou mais folhas com os respectivos meristemas axilares. Este módulo elementar, por sua vez, organiza-‐se<br />
em módulos de complexidade crescente; e.g. sistemas de ramos. O crescimento da parte aérea é menos<br />
oportunístico <strong>do</strong> que o das raízes, caso contrário, por exemplo, as copas das árvores seriam fortemente assimétricas<br />
e, nas latitudes mais elevadas <strong>do</strong> hemisfério norte, tombariam com a idade todas para sul. As flores são o módulo<br />
reprodutivo das angiospérmicas.<br />
As células vegetais são, genericamente, totipotentes. Esta propriedade, conjugada com a estrutura modular,<br />
permite que as plantas possam, com alguma facilidade, repor ou compensar a perda de partes. Quan<strong>do</strong> uma árvore<br />
perde uma fracção significativa da sua copa ativam-‐se gomos <strong>do</strong>rmentes, ou diferenciam-‐se meristemas adventícios,<br />
que iniciam a reconstrução da região danificada da copa. Em casos extremos a copa de uma árvore pode ser rolada<br />
(= totalmente eliminada) e novamente restaurada. Rolam-‐se as copas das árvores de Castanea sativa (Fagaceae)<br />
«castanheiro» infectadas com <strong>do</strong>ença da tinta (Phytophthora cinnamomi, Heterokontophyta) para estimular a<br />
emissão de raízes sãs e conter o avanço da <strong>do</strong>ença no sistema radicular; poucos anos depois as árvores têm uma<br />
nova copa e um sistema radicular parcialmente renova<strong>do</strong>. Uma argumentação análoga é utilizada para explicar a<br />
facilidade com que se propagam vegetativamente as plantas, com fragmentos de caules, de raízes ou folhas, com<br />
gomos isola<strong>do</strong>s ou, ainda, com pequenos aglomera<strong>do</strong>s de células nas técnicas de micropropagação laboratorial.<br />
27<br />
A totipotência celular é a capacidade de uma célula retomar a capacidade de se multiplicar (= capacidade meristemática) e dar<br />
origem a to<strong>do</strong>s os tipos de células diferenciadas <strong>do</strong> organismo.
30 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
Nas plantas, em alternativa ou em complemento à reposição, as partes perdidas podem ser compensadas por um<br />
crescimento mais vigoroso, mais ou menos descentraliza<strong>do</strong>, de outras. Os frutos das árvores-‐de-‐fruto comerciais têm<br />
maior calibre, e mais sementes, se um número significativo de flores for elimina<strong>do</strong> com uma poda em verde, por<br />
méto<strong>do</strong>s químicos ou por uma geada tardia. Algumas espécies arbustivas e as plantas herbáceas com intensa<br />
propagação vegetativa (e.g. por rizomas ou bolbos) são virtualmente imortais porque as partes que, por qualquer<br />
razão, colapsam são continuamente substituídas por outras novas. A resistência à herbivoria das plantas pratenses<br />
resulta, também, da sua estrutura modular: os animais herbívoros consomem biomassa aérea que posteriormente é<br />
restituída por meristemas intercalares e por meristemas axilares, localiza<strong>do</strong>s na proximidade da superfície <strong>do</strong> solo<br />
(vd. Corpo vegetativo das gramíneas).<br />
As plantas têm um corpo flexível em massa, volume e forma porque ajustam o número, a disposição espacial e,<br />
como se refere mais adiante, a forma e a natureza <strong>do</strong>s módulos às condições ambientais (e.g. temperatura) e à<br />
disponibilidade de recursos (e.g. luz e nutrientes). Diz-‐se, por isso, que as plantas têm uma grande plasticidade<br />
fenotípica (vd. Variação morfológica intraespecífica). Quan<strong>do</strong> os recursos são abundantes os meristemas caulinares<br />
ativos são mais numerosos e produzem mais módulos, geralmente de maior dimensão. Por consequência, os caules<br />
são mais ramifica<strong>do</strong>s e mais longos, e as inflorescências são mais numerosas e têm mais flores. Em condições de<br />
escassez são construí<strong>do</strong>s menos módulos, por vezes mais curtos, e em casos extremos é reduzi<strong>do</strong> o número de<br />
partes, e.g. pela abcisão de ramos (= cla<strong>do</strong>ptose, vd. Alongamento, ramificação e cla<strong>do</strong>ptose) e/ou folhas por efeito<br />
<strong>do</strong> ensombramento ou da escassez de água. O crescimento por módulos possibilita que as plantas ultrapassem,<br />
parcialmente, a limitações impostas à captura de recursos pela sua natureza séssil (imobilidade). Pela mesma razão,<br />
os animais sésseis geralmente também têm uma estrutura modular (e.g. corais). A totipotência e a semi-‐autonomia<br />
<strong>do</strong>s módulos que compõem as plantas permitem que o crescimento, ao nível <strong>do</strong> indivíduo, seja matematicamente<br />
modela<strong>do</strong> de forma análoga a uma comunidade de organismos similares e independentes, corresponden<strong>do</strong>, neste<br />
caso, cada “organismo” a um módulo individual.<br />
Entre as plantas, indivíduos com a mesma idade podem ter um tamanho e fisionomia muito distintas. Por outro<br />
la<strong>do</strong>, as células, os teci<strong>do</strong>s e os órgãos das plantas, ao contrário <strong>do</strong> ocorri<strong>do</strong> nos animais unitários, não têm a mesma<br />
idade. Num tronco as células diminuem de idade de dentro para fora e num ramo as folhas proximais são mais<br />
velhas <strong>do</strong> que as folhas distais. As plantas-‐com-‐flor (angiospérmicas) são mais plásticas que as restantes plantas-‐<br />
vasculares (fetos e gimnospérmicas), facto que, aparentemente, ajuda a explicar o seu sucesso evolutivo. A<br />
modularidade tem ainda outra vantagem importante: permite que os módulos possam evoluir de forma quase<br />
independente sem alterar significativamente o funcionamento de outras partes. Por exemplo, as flores podem estar<br />
sujeitas a uma grande pressão de seleção pelos poliniza<strong>do</strong>res enquanto o corpo vegetativo se mantém inaltera<strong>do</strong><br />
(i.e. em estase evolutiva). Nos seres unitários as mutações somáticas (nas células não reprodutivas) não são,<br />
geralmente, transmitidas à descendência. Nos seres modulares nada impede que uma mutação somática ocorrida<br />
num determina<strong>do</strong> ponto da copa não possa ser transmitida, por via assexual ou sexual, à descendência.<br />
O crescimento <strong>do</strong>s organismos modulares, além no número de módulos e o mo<strong>do</strong> como estão espacialmente<br />
organiza<strong>do</strong>s, envolve, como se referiu, duas outras componentes: a forma e a natureza <strong>do</strong>s módulos. Por exemplo,<br />
num mesmo indivíduo, ao nível <strong>do</strong> módulo elementar caulinar, os entrenós podem ser longos ou curtos e as folhas<br />
apresentarem modificações mais ou menos acentuadas: os ramos mais expostos ao sol têm, frequentemente, folhas<br />
mais pequenas; os ramos estiola<strong>do</strong>s pela falta de luz exibem entrenós mais longos e folhas maiores e mais delgadas;<br />
as plantas pratenses sujeitas a uma herbivoria intensa têm folhas mais pequenas, entrenós mais curtos e um hábito<br />
prostra<strong>do</strong>, etc. To<strong>do</strong>s estes casos são exemplos de plasticidade fenotípica porque as alterações na forma são<br />
controladas por factores ambientais. Pelo contrário, a diferenciação de flores, a formação de tubérculos ou a<br />
formação de rosetas foliares implicam mudanças radicais na natureza <strong>do</strong>s módulos e têm um controlo genético<br />
direto.<br />
As plantas, ao contrário <strong>do</strong>s animais unitários, estão “condenadas” a crescer continuamente porque a<br />
imobilidade confere-‐lhes uma grande susceptibilidade à herbivoria e à competição pela luz. A herbivoria só pode ser<br />
compensada pela reposição de partes perdidas e o acesso à luz depende, em muitas plantas, da capacidade de<br />
expandir folhas acima da canópia <strong>do</strong>s competi<strong>do</strong>res mais diretos. Nas plantas perenes a degradação <strong>do</strong>s sistemas<br />
fotossintético e vascular com o tempo é, também, resolvida pela continuidade <strong>do</strong> crescimento porque as plantas
31 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
têm capacidades limitadas de reparação daquelas funções. Ao nível <strong>do</strong> teci<strong>do</strong> vegetal e <strong>do</strong> órgão a substituição de<br />
partes é essencial parar assegurar a perenidade no funcionamento <strong>do</strong> corpo das plantas.<br />
Os mecanismos de degradação <strong>do</strong>s sistemas vascular e fotossintético estão bem esclareci<strong>do</strong>s. A água que<br />
preenche os vasos e traqueí<strong>do</strong>s <strong>do</strong> xilema encontra-‐se sob tensão. Consequentemente, os gases têm tendência a<br />
segregar-‐se em bolhas microscópicas que podem coalescer, formar bolhas maiores e obstruir os elementos<br />
condutores <strong>do</strong> xilema. Designa-‐se este fenómeno por embolia. As plantas têm mecanismos para se defenderem da<br />
embolia que não evitam, porém, uma lenta perda de eficiência <strong>do</strong> sistema condutor (i.e. da condutância hidráulica).<br />
A capacidade de conversão da energia da luz em cadeias carbonadas de alta energia vai decain<strong>do</strong> à medida que as<br />
folhas vão envelhecen<strong>do</strong>. Por três razões:<br />
Fotodegradação <strong>do</strong> sistema fotossintético – a incidência da luz nas folhas acarreta a formação de radicais<br />
livres que danificam as membranas cloroplásticas e os fotopigmentos;<br />
Degradação mecânica, herbivoria e parasitismo das folhas – as folhas estão sujeitas a abrasão (e.g. danos<br />
causa<strong>do</strong>s por grãos de areia ou sais transporta<strong>do</strong>s a grande velocidade pelo vento) e rasgam-‐se, sen<strong>do</strong><br />
consumidas ou parasitadas com alguma facilidade;<br />
Ensombramento das folhas por efeito <strong>do</strong> crescimento – uma vez que os ramos, enquanto funcionais, se<br />
alongam continuamente, as folhas mais velhas vão fican<strong>do</strong> relegadas para as camadas mais profundas da<br />
copa, cada vez mais ensombradas, até que os seus consumos respiratórios de energia ultrapassam os ganhos<br />
fotossintéticos.<br />
As estruturas reprodutivas das plantas, ao invés <strong>do</strong> corpo<br />
vegetativo, têm uma organização hierárquica e uma estrutura<br />
determinada. Na flor completa as pétalas sucedem-‐se às sépalas, os<br />
estames às pétalas e o gineceu ao androceu. Esta sequência tem<br />
um controlo genético preciso. Com a formação da flor extingue-‐se o<br />
meristema que lhe deu origem. A dimensão e a estrutura das partes<br />
<strong>do</strong>s órgãos reprodutivos das plantas são, por regra,<br />
intraespecificamente mais estáveis <strong>do</strong> que o corpo vegetativo. Este<br />
facto, soma<strong>do</strong> com a diversidade morfológica e funcional das<br />
estruturas reprodutivas e a sua estabilidade evolutiva, explica a sua<br />
importância na identificação e classificação <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> vegetal.<br />
A natureza modular das plantas torna a sua identificação<br />
bastante mais complexa que a <strong>do</strong>s animais unitários. Muitos destes<br />
animais podem ser positivamente identifica<strong>do</strong>s com base na<br />
silhueta, no tamanho, na cor, na postura corporal ou até no<br />
movimento. Por isso as aves ou os mamíferos são normalmente<br />
representa<strong>do</strong>s em corpo inteiro nos guias de campo. A fisionomia<br />
das plantas, por exemplo de uma árvore ou de um arbusto, é<br />
francamente menos informativa. A identificação das plantas obriga<br />
a uma observação visual de proximidade, por vezes com recurso a<br />
lupas de bolso, da inserção e forma das folhas, <strong>do</strong>s pelos das folhas,<br />
da estrutura da flor, <strong>do</strong>s frutos, entre outros aspectos. Ainda assim,<br />
sobretu<strong>do</strong> em ambientes tropicais, a forma das árvores e arbustos<br />
pode ser de grande utilidade para determinar a identidade de<br />
indivíduos, ou de populações de indivíduos de uma mesma espécie.<br />
Quan<strong>do</strong> se observam povoamentos arbóreos em fotografia aérea<br />
ou, a contraluz, é fácil distinguir a silhueta de uma Castanea sativa<br />
(Fagaceae) «castanheiro», de uma Tilia (Malvaceae, Tilioideae)<br />
«tília» ou de um Pinus pinea (Pinaceae) «pinheiro-‐manso».<br />
Uma outra importante diferença separa as plantas <strong>do</strong>s animais. Nos animais, num estádio inicial <strong>do</strong> seu ciclo de<br />
vida diferencia-‐se um grupo de células da qual derivarão os gâmetas. Estas células, ditas germinais, não ocorrem nas<br />
A<br />
B<br />
Figura 9. Simetria. A) Cistus ladanifer<br />
(Cistaceae): simetria radial: corola e androceu.<br />
Simetria por metameria: unidade entrenó e nó<br />
com duas folhas opostas. B) Viola riviniana<br />
(Violaceae): simetria bilateral: corola (n.b.<br />
existe apenas um plano de simetria porque as<br />
pétalas são distintas entre si, uma delas<br />
forman<strong>do</strong> um esporão na base) (de Bonnier &<br />
Douin, 1912-‐1935).
32 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
plantas. Nas plantas as células que se diferenciam em gâmetas não estão pré-‐determinadas numa fase embrionária<br />
porque o destino das células formadas nos meristemas é flexível.<br />
Simetria<br />
A simetria, por definição, consiste na repetição regular, geneticamente determinada, de elementos estruturais<br />
iguais ou similares (Figura 9). No Quadro 6 descrevem-‐se os três tipos de simetria encontra<strong>do</strong>s no corpo das plantas.<br />
As regras das simetrias por metameria e radial codificadas no genoma controlam a disposição espacial <strong>do</strong>s<br />
módulos elementares que constituem o corpo das plantas (fitómeros). Nas plantas estes tipos de simetria emergem,<br />
diretamente, da sua natureza modular. A forma <strong>do</strong>s indivíduos resulta da interação dessas regras com o ambiente,<br />
e.g. com a disponibilidade de água e nutrientes no solo. Uma programação completa <strong>do</strong> corpo das plantas, para além<br />
de incompatível com a volatilidade temporal intrínseca <strong>do</strong>s habitats das plantas, exigiria muito mais informação <strong>do</strong><br />
que a requerida na programação da metameria, da simetria radial e da estrutura <strong>do</strong>s fitómeros. As regras de<br />
simetria, conjugadas com a estrutura modular, são, então, uma solução evolutiva parcimoniosa (simples e que exige<br />
pouca informação) para gerar, em resposta ao ambiente, formas complexas e plásticas (plasticidade fenotípica, vd.<br />
Variação morfológica intraespecífica), mas, ao mesmo tempo, evolutivamente flexíveis, i.e. sensíveis a pressões de<br />
seleção de ín<strong>do</strong>le diversa. A prontidão para mudar é uma característica fundamental das plantas.<br />
Quadro 6. Tipos de simetria<br />
Tipo de simetria Descrição Exemplo<br />
Simetria por<br />
metameria<br />
repetição de elementos estruturais<br />
ao longo de um eixo<br />
Simetria radial repetição de um número variável de<br />
elementos estruturais, com um<br />
mesmo ângulo, em torno de um eixo<br />
Simetria bilateral repetição de elementos estruturais<br />
nos <strong>do</strong>is la<strong>do</strong>s de um plano de<br />
simetria; simetria pre<strong>do</strong>minante no<br />
reino animal<br />
repetição <strong>do</strong> módulo elementar caulinar – o fitómero –<br />
constituí<strong>do</strong> por um entrenó, um nó e uma ou mais folhas<br />
com os respectivos meristemas axilares<br />
pétalas em re<strong>do</strong>r <strong>do</strong> eixo floral (= receptáculo) ou a<br />
disposição radial <strong>do</strong>s teci<strong>do</strong>s no caule e na raiz<br />
flores zigomórficas (com um plano de simetria) e folhas<br />
<strong>do</strong>rsiventrais; comum nas flores polinizadas por insectos.<br />
Homologia e analogia. Princípio da homologia<br />
Na determinação das relações de parentesco entre taxa – basilar nos sistemas de classificação cladísticos (vd.<br />
Sistemas cladísticos [vol. III]) – é essencial a distinção entre analogia e homologia. As analogias são semelhanças<br />
geneticamente determinadas, morfológicas, fisiológicas ou moleculares, que resultam da convergência evolutiva de<br />
linhagens independentes (Figura 10). As analogias são uma consequência de pressões de seleção semelhantes que<br />
arrastam consigo adaptações, a nível morfológico ou fisiológico, também semelhantes. A forma cactiforme<br />
(semelhante a cactos) de várias Euphorbia africanas e canarinas é um exemplo clássico de convergência evolutiva. A<br />
homologia implica a partilha de ancestrais comuns nos quais tiveram origem os caracteres responsáveis pelas<br />
semelhanças atuais.<br />
A morfologia externa e a posição espacial no corpo da planta facilitam a identificação de órgãos homólogos<br />
evolutivamente muito modifica<strong>do</strong>s (Figura 11). Os espinhos situa<strong>do</strong>s na axila de uma folha, ou com pequenas folhas<br />
dispersas, têm, certamente, uma origem caulinar. Um par de espinhos inseri<strong>do</strong>s na proximidade <strong>do</strong> pecíolo de uma<br />
folha provavelmente corresponde a um par de estípulas modificadas (vd. Apêndices foliares). As emergências (vd.<br />
Emergências) não são homologáveis (interpretáveis) como caules, folhas, raízes ou gemas modificadas porque têm<br />
origem na epiderme ou em teci<strong>do</strong>s subepidérmicos caulinares ou foliares (e.g. acúleos de uma roseira e espinhos<br />
foliares). Nos casos extremos em que a morfologia externa e a posição espacial sejam inconclusivos, as raízes, as<br />
folhas e os caules podem ser diferencia<strong>do</strong>s, nem sempre com sucesso, através de cortes histológicos e de estu<strong>do</strong>s
33 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
ontológicos (de desenvolvimento). A adnação de órgãos, por exemplo de caules com folhas ou de estames com o<br />
cálice, dificulta este tipo de interpretação. To<strong>do</strong>s estes exemplos ilustram o princípio da homologia segun<strong>do</strong> o qual a<br />
<strong>função</strong> não define a estrutura, a identidade de uma estrutura nas plantas é antes determinada pela sua posição<br />
relativa e ontogénese.<br />
A<br />
B C<br />
Figura 10. Homologia e analogia. A) Carlina vulgaris (Asteraceae). B) Eryngium campestre (Apiaceae). C) Daucus<br />
carota (Apiaceae) (imagens extraídas de (Bonnier & Douin, 1911-‐1934)). O E. campestre é mais pareci<strong>do</strong> com a C.<br />
vulgaris mas filogeneticamente mais próximo <strong>do</strong> D. carota (pertencem à mesma família). A semelhança entre C.<br />
vulgaris e E. campestre resulta de convergência evolutiva: o hábito espinhoso é uma homologia.<br />
Variação morfológica intraespecífica<br />
A forma e a fisiologia das plantas variam intraespecificamente (entre os indivíduos da mesma espécie) por três<br />
causas fundamentais: variação ontogénica (= plasticidade ontogénica), variação ambiental (= plasticidade fenotípica)<br />
e variação genética (= plasticidade genética).<br />
A variação ontogénica abrange as diferenças entre os indivíduos, ou partes de indivíduos, juvenis e adultos. A<br />
transição da fase juvenil para a adulta está associada à capacidade de produzir flores: só as plantas ou as partes<br />
adultas de uma planta produzem flores. As alterações morfológicas e fisiológicas que subjazem esta transição são<br />
geneticamente determinadas. Nas plantas herbáceas a passagem da fase juvenil para a adulta é acompanhada por<br />
uma acentuada redução das taxas de crescimento. Nas plantas lenhosas a base da planta permanece com frequência<br />
juvenil, enquanto na extremidade da copa se diferenciam ramos adultos. Os ramos epicórmicos (vd. Intensidade <strong>do</strong><br />
alongamento) implicam uma regressão à condição juvenil. Para antecipar a floração das árvores de fruto colhem-‐se<br />
garfos ou borbulhas na extremidade das copas árvores, evitan<strong>do</strong>-‐se colher material para enxertia na base da copa ou<br />
ramos epicórmicos. As folhas juvenis, muitas vezes, são maiores (e.g. Eucalyptus), mais dentadas ou espinhosas (e.g.<br />
Quercus rotundifolia «azinheira»); a presença de espinhos é também frequente nos estádios juvenis (vd. espinhos).<br />
A plasticidade fenotípica é a capacidade demonstrada pelas plantas em modificar a sua morfologia e fisiologia em<br />
resposta a alterações ambientais. Esta capacidade tem um controlo genético indireto porque nem todas as plantas<br />
têm a mesma plasticidade fenotípica. O seu produto tem, porém, um controlo ambiental direto. A plasticidade<br />
fenotípica é, então, uma consequência da interação ambiente-‐genoma. Como se referiu anteriormente, a<br />
plasticidade fenotípica é facilitada pela natureza modular das plantas (vd. Estrutura modular das plantas). Tem um<br />
grande valor adaptativo porque as plantas são sésseis e habitam um mun<strong>do</strong> com uma distribuição <strong>do</strong>s recursos<br />
espacial e temporalmente heterogénea.
34 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
As características genéticas de cada indivíduo são fixadas durante a fecundação, consequentemente, não são<br />
influenciadas pelo ambiente (embora a sua expressão o possa ser). Consequentemente, nem todas as diferenças<br />
observáveis na forma e na <strong>função</strong> entre os indivíduos de uma mesma espécie têm um controlo ambiental. A<br />
variabilidade genética intraespecífica é a matéria-‐prima da evolução sobre a qual atua a seleção natural (vd. A<br />
síntese evolucionária moderna [vol. II]).<br />
As relações entre os mecanismos de regulação génica, os mecanismos fisiológicos e a variação morfológica<br />
intraespecífica (= plasticidade intraespecífica) estão para além <strong>do</strong>s objectivos deste <strong>do</strong>cumento.<br />
Adaptação e aclimatação<br />
Uma adaptação é uma característica morfológica ou fisiológica, geneticamente transmissível, favorecida por<br />
seleção natural. De acor<strong>do</strong> com o modelo de evolução por seleção natural originalmente postula<strong>do</strong> por Darwin, as<br />
características adaptativas primeiro surgem por acaso e só posteriormente a sua frequência é incrementada por<br />
seleção (vd. A síntese evolucionária moderna [vol. II]). O corpo vegetativo de um cacto xeromórfico (adapta<strong>do</strong> a<br />
climas de grande secura) envolveu a acumulação e a concatenação de um grande número de “acasos felizes”, i.e. de<br />
adaptações. Os raciocínios adaptativos simplistas <strong>do</strong> tipo “as plantas têm espinhos para se defenderem <strong>do</strong>s animais<br />
herbívoros” envolvem grandes riscos porque se sustentam em evidências circunstanciais potencialmente mal<br />
interpretadas (vd. Prólogo). A identificação de adaptações, i.e. a demonstração das vantagens adaptativas de<br />
caracteres, é complexa e morosa.<br />
O conceito de aclimatação é aplica<strong>do</strong> às modificações verificadas no corpo <strong>do</strong>s seres vivos em resposta a<br />
alterações <strong>do</strong> habitat, geralmente envolven<strong>do</strong> variáveis climáticas ou de solo. A adaptação é um processo<br />
genericamente lento, dirigi<strong>do</strong> pela seleção natural, acompanha<strong>do</strong> de alterações genéticas qualitativas e<br />
quantitativas sexualmente transmissíveis. A aclimatação, pelo contrário, não acarreta alterações genéticas mas tão-‐<br />
somente modificações fenotípicas, na morfologia e/ou na fisiologia da planta: é uma consequência direta da<br />
plasticidade fenotípica. A colocação ao ar livre de plantas propagadas em estufa para melhor suportarem condições<br />
climáticas mais extremas é um exemplo prático de aclimatação. Recentemente, foi prova<strong>do</strong> que alguns tipos de<br />
aclimatação são, pelo menos em parte, sexualmente transmissíveis. Os descendentes de plantas aclimatadas a<br />
determinadas condições ambientais – e.g. solos secos ou pobre de nutrientes – frequentemente crescem mais, e<br />
reproduzem-‐se com mais sucesso, nestas condições <strong>do</strong> que os descendentes de indivíduos não aclimata<strong>do</strong>s. A<br />
transmissão de caracteres adquiri<strong>do</strong>s por aclimatação está relacionada com modificações ao nível da repressão e<br />
expressão génica (e.g. metilação de genes), ainda não totalmente compreendidas. O estu<strong>do</strong> da transmissão de<br />
caracteres sem alterações <strong>do</strong> código genético – a epigenética – é uma área recente, de ponta e em franco progresso<br />
da biologia evolutiva (vd. Síntese evolucionária estendida [vol. II]).<br />
Espinhos<br />
4. Sistema vegetativo das plantas-‐com-‐semente<br />
4.1. Aspectos morfológicos comuns a to<strong>do</strong> o corpo vegetativo<br />
No corpo vegetativo das plantas é frequente a presença de vários tipos de estruturas aguçadas, geralmente, com<br />
a <strong>função</strong> de dissuadir a herbivoria e/ou de fincar as plantas a suportes. Reserva-‐se o termo espinho para as<br />
estruturas pontiagudas, rijas e difíceis de destacar, providas de feixes vasculares, resultantes da modificação total ou<br />
parcial de ramos, folhas, estípulas ou gomos. Os acúleos, como mais adiante de esclarece, são emergências.<br />
A posição <strong>do</strong>s espinhos no cormo permite, muitas vezes, identificar o órgão que lhes deu origem (Figura 11). Os<br />
espinhos de origem caulinar situam-‐se na axila de uma folha ou da sua cicatriz; e.g. espinhos de Echinospartum<br />
ibericum (Fabaceae) «cal<strong>do</strong>neira», Ulex (Fabaceae) «tojos» e Olea europaea var. sylvestris (Oleaceae) «zambujeiro».<br />
A superfície destes espinhos podem apresentar folhas mais ou menos modificadas ou as suas cicatrizes . Os espinhos<br />
de origem foliar por regra axilam uma gema ou um caule com origem numa gema axilar; e.g. espinhos de Cactaceae
35 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
«cactos». Os espinhos de origem estipular apresentam-‐se dispostos aos pares, geralmente um de cada la<strong>do</strong> de uma<br />
folha, de uma gema ou de caule desenvolvi<strong>do</strong> a partir de uma gema axilar; e.g. Robinia pseu<strong>do</strong>acacia (Fabaceae)<br />
«robínia».<br />
Figura 11. Espinhos e acúleos. A) Tipos de espinhos e acúleos (adapta<strong>do</strong> de (van Wyk & van Wyk, 2006)). B)<br />
Ulex airensis (Fabaceae), um endemismo <strong>do</strong> CW de Portugal Continental.<br />
Emergências<br />
As emergências são estruturas constituídas por células de origem epidérmica e subepidérmica não sen<strong>do</strong>, por<br />
isso, identificáveis com raízes, caules, gomos ou folhas modificadas (Bell, 2008). Como não possuem conexões<br />
vasculares destacam-‐se com alguma facilidade <strong>do</strong> órgão onde se inserem.<br />
A C<br />
B<br />
Figura 12. Emergências. A) Rubus brigantinus (Rosaceae): acúleos e glândulas estipitadas. B) Atriplex halimus<br />
(Amaranthaceae): folhas recobertas de glândulas salinas (foto A.J. Pereira, Flora-‐on) C) Drosera intermedia<br />
(Droseraceae): planta carnívora com pelos glandulosos foliares envolvi<strong>do</strong>s na digestão externa de insectos.
36 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
As emergências espinhosas, +/-‐ lenhosas, são muito frequentes nas plantas-‐com-‐flor. Designam-‐se<br />
genericamente por acúleos, embora na bibliografia a sua nomenclatura seja inconsistente (Figura 12). Os acúleos são<br />
particularmente abundantes nas Rosaceae, tanto nos caules (acúleos caulinares), como no pecíolo (acúleos<br />
peciolares), como ainda nas nervuras das folhas (acúleos foliares), e.g. Rubus ulmifolius (Rosaceae) «silvas» e Rosa<br />
(Rosaceae) «roseiras». As emergências espinhosas localizadas na margem das folhas (e.g. em Ilex aquifolium<br />
[Aquifoliaceae] «azevinho») são, inapropriadamente, designadas por espinhos foliares. As folhas com emergências<br />
espinhosas nas margens dizem-‐se espinescentes.<br />
Genericamente, designa-‐se por indumento o revestimento de origem epidérmica constituí<strong>do</strong> por pó de natureza<br />
cerosa ou salina, placas cerosas, papilas, escamas, tricomas (= pelos) ou glândulas, que recobre as superfícies das<br />
folhas, caules herbáceos (sem crescimento secundário) ou peças da flor (sobretu<strong>do</strong> <strong>do</strong> cálice). As plantas podem<br />
combinar mais de um tipo de indumento. Por exemplo, as Lamiaceae «labiadas» possuem um ou mais tipos de<br />
glândulas e de pelos glandulosos, combina<strong>do</strong>s com pelos não glandulosos, simples ou ramifica<strong>do</strong>s. Os órgãos<br />
desprovi<strong>do</strong>s de indumento dizem-‐se glabros; glabrescentes se este for raro e esparso. O indumento é<br />
particularmente importante na identificação das plantas ao nível da espécie. O início <strong>do</strong> crescimento secundário<br />
implica a eliminação <strong>do</strong> indumento <strong>do</strong>s caules. As folhas e as peças da flor não têm crescimento secundário mas<br />
podem perder parte <strong>do</strong> indumento com a idade.<br />
As papilas são pequenas projeções epidérmicas unicelulares em forma de mamilo. Nas escamas uma pequena<br />
projeção aplanada conecta-‐se à epiderme por um pequeno “pé”. Os tricomas têm uma forma muito variável.<br />
Reconhecem-‐se <strong>do</strong>is tipos principais: simples (não ramifica<strong>do</strong>s) – poden<strong>do</strong> ser unicelulares ou pluricelulares,<br />
glandulares ou não glandulares, pelta<strong>do</strong>s, ganchea<strong>do</strong>s, urticantes, etc.; ramifica<strong>do</strong>s – bifurca<strong>do</strong>s (em forma de T ou<br />
de Y), estrela<strong>do</strong>s (em forma de estrela, sésseis ou pedicula<strong>do</strong>s), dendríticos, etc.<br />
As glândulas 28 possuem capacidade secretória. A sua morfologia é muito diversa assim como os critérios usa<strong>do</strong>s<br />
na sua classificação; e.g. glândulas unicelulares ou pluricelulares, e glândulas sésseis ou providas de um pequeno pé<br />
flexível (pelos glandulosos) ou rígi<strong>do</strong> (glândulas estipitadas). As substâncias segregadas incluem enzimas<br />
proteolíticas, sais, resinas, óleos essenciais e substâncias urticantes. As glândulas produtoras de enzimas<br />
proteolíticas das plantas carnívoras participam na digestão externa de insectos e de outros organismos. As glândulas<br />
salinas desenvolvem-‐se, com abundância, nas plantas adaptadas a solos salinos ricos em cloreto de sódio, como<br />
acontece nas Amaranthaceae <strong>do</strong>s sapais holárticos (e.g. gén. Atriplex) e em algumas plantas <strong>do</strong>s mangais tropicais<br />
(e.g. Avicennia africana [Acanthaceae] «mangue-‐branco»). As glândulas que segregam óleos essenciais e/ou resinas<br />
têm, muitas vezes, uma forma globosa, quase microscópica, e cor amarela ou vermelha brilhante. Rompem-‐se e<br />
libertam o seu conteú<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> perturbadas (e.g. passagem de um insecto). A abundância deste tipo de glândulas<br />
nas plantas-‐com-‐flor indicia a sua importância na proteção <strong>do</strong>s órgãos herbáceos contra a herbivoria, sobretu<strong>do</strong> por<br />
insectos. Nas Urtica (Urticaceae) «urtigas» os pelos glandulosos são ocos e preenchi<strong>do</strong>s com um líqui<strong>do</strong> venenoso e<br />
urticante. A extremidade <strong>do</strong> pelo é arre<strong>do</strong>ndada e parte-‐se com facilidade em contacto com um corpo estranho. A<br />
parte remanescente toma a forma de uma agulha e penetra a pele <strong>do</strong>s mamíferos libertan<strong>do</strong> o seu conteú<strong>do</strong> no<br />
interior <strong>do</strong> corpo <strong>do</strong> animal.<br />
A terminologia associada ao indumento é muito especializada e diversa porque uma correta descrição das<br />
características da superfície <strong>do</strong>s órgãos aéreos das plantas é essencial em taxonomia. Os termos e conceitos mais<br />
utiliza<strong>do</strong>s na bibliografia de referência estão cita<strong>do</strong>s no Quadro 7 (Figura 13). O indumento desempenha uma, ou<br />
mais, das funções descritas no Quadro 8.<br />
Para além <strong>do</strong> indumento a superfície <strong>do</strong>s órgãos herbáceos pode ser: viscida – superfície viscosa, e.g. folhas e<br />
caules de Cistus ladanifer (Cistaceae) «esteva»; alveolada – com pequenas depressões separadas por pequenas<br />
arestas; perfurada – com pequenas perfurações.<br />
28<br />
Este termo é geralmente aplica<strong>do</strong> às glândulas epidérmicas. No entanto, as glândulas podem situar-‐se em camadas celulares<br />
mais profundas e nesse caso não cabem no conceito de emergência.
37 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
Quadro 7. Tipos de indumento. Basea<strong>do</strong> em (Vasconcellos, 1969).<br />
Tipo de indumento Descrição Exemplos<br />
Indumento não<br />
constituí<strong>do</strong> por<br />
pelos<br />
Pruinoso superfície com placas de cera turiões de Rubus ulmifolius (Rosaceae) «silva-‐<br />
comum»<br />
Farinoso<br />
(=pulverulento)<br />
superfície coberta com um pó geralmente de<br />
natureza cerosa<br />
29 Termo por vezes usa<strong>do</strong> para designar, de forma genérica, qualquer tipo de revestimento de pelos.<br />
Atriplex halimus (Amaranthaceae) e página<br />
inferior das Primula (Primulaceae)<br />
Papiloso com pequenas papilas Folhas de algumas populações de Rumex<br />
acetosa (Polygonaceae)<br />
Indumento de<br />
pelos compri<strong>do</strong>s a<br />
intermédios<br />
Acetina<strong>do</strong><br />
(= ceríceo)<br />
de pelos aplica<strong>do</strong>s e densos que atribuem um<br />
brilho de cetim<br />
página inferior das folhas de Salix alba<br />
(Salicaceae) «salgueiro-‐branco»<br />
Cilia<strong>do</strong> (= celhea<strong>do</strong>) pelos concentra<strong>do</strong>s na margem das folhas Erica tetralix e E. ciliata (Ericaceae)<br />
Flocoso de pelos que se destacam em flocos irregulares Verbascum pulverulentum (Scrophulariaceae)<br />
Hirsuto de pelos densos, um pouco rígi<strong>do</strong>s mas flexíveis,<br />
patentes ou quase<br />
Híspi<strong>do</strong> de pelos muito rígi<strong>do</strong>s, quase picantes, patentes e<br />
não muito densos<br />
Echium lusitanicum (Boraginaceae)<br />
muitas Boraginaceae<br />
Lanoso de pelos crespos (ondula<strong>do</strong>s) e macios, como a lã Marrubium vulgare (Lamiaceae)<br />
Piloso de pelos macios ergui<strong>do</strong>s e não ondula<strong>do</strong>s<br />
Setígero com sedas, i.e. pelos ásperos mais ou menos<br />
rígi<strong>do</strong>s e fortes<br />
Tearâneo<br />
(= aracnoide)<br />
com pelos finos e macios, tenuemente<br />
entrelaça<strong>do</strong>s, como uma teia de aranha<br />
Tomentoso com pelos moles enlea<strong>do</strong>s forman<strong>do</strong> um<br />
enfeltra<strong>do</strong> denso<br />
Echium tuberculatum e E. vulgare<br />
(Boraginaceae)<br />
Carthamus lanatus (Asteraceae)<br />
página inferior das folhas de Salix atrocinerea<br />
(Salicaceae) «borrazeira-‐preta»<br />
Urticante de pelos urticantes Urtica (Urticaceae) «urtigas»<br />
Viloso de pelos longos, macios, direitos ou sinuosos, não<br />
muito densos, patentes ou subpatentes e não<br />
entrecruza<strong>do</strong>s<br />
Indumento de<br />
pelos curtos<br />
Aveluda<strong>do</strong> de pelos finos, densos e ergui<strong>do</strong>s, de toque e<br />
aspecto semelhante ao <strong>do</strong> velu<strong>do</strong><br />
folíolos <strong>do</strong> Lupinus albus (Fabaceae)<br />
«tremoceiro-‐branco» e Vicia villosa (Fabaceae)<br />
Quercus pyrenaica (Fagaceae)<br />
Lanuginoso de pelos crespos e macios Chamaemelum nobile (Asteraceae) «macela»<br />
Puberulento de pelos muito curtos e esparsos Galium verum (Rubiaceae)<br />
Pubescente 29<br />
de pelos fracos e pouco densos Agrimonia eupatoria (Rosaceae)
38 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
A B<br />
Figura 13. Indumento. A) Tipos de indumento. Em cima (da esquerda para a direita): acetina<strong>do</strong>, viloso,<br />
hirsuto, lanoso, celhea<strong>do</strong>, híspi<strong>do</strong>. Em baixo (da esquerda para a direita): setígero, tearâneo, tomentoso,<br />
flocoso, pubescente, aveluda<strong>do</strong>, puberulento e lanuginoso (Vasconcellos, 1969). B) Indumento lanoso:<br />
Marrubium vulgare (Lamiaceae) (foto M.Porto, Flora-‐on). C) Indumento híspi<strong>do</strong>: Picris echioides<br />
(Asteraceae) (foto S. Chosas, Flora-‐on)<br />
Quadro 8. Funções <strong>do</strong> indumento<br />
Função Mecanismo<br />
Proteção contra o excesso de<br />
radiação<br />
Incremento da captura de luz<br />
para a fotossíntese<br />
ensombramento da superfície foliar através da reflexão ou absorção da radiação solar<br />
reflexão da radiação solar em direção às células fotossintéticas <strong>do</strong> mesofilo foliar<br />
Redução das perdas de água aumento da resistência à difusão de vapor de água conseguida com um aumento da<br />
espessura da camada limite e da formação de uma camada gasosa estável, rica em água,<br />
entre os pelos e a superfície foliar<br />
Isolamento térmico formação de uma camada gasosa estável entre os pelos e a superfície foliar e aumento da<br />
espessura da camada limite<br />
Retenção de nutrientes redução das perdas de iões por lixiviação da superfície foliar<br />
Tolerância à salinidade movimento ativo de sais <strong>do</strong> interior <strong>do</strong> mesofilo foliar para o exterior<br />
Defesa contra a herbivoria repulsão de insectos ou vertebra<strong>do</strong>s com pelos glandulosos<br />
Defesa contra<br />
microrganismos patogénicos<br />
afastamento <strong>do</strong> inóculo (e.g. esporos de fungos) da superfície foliar<br />
Proteção <strong>do</strong>s estomas redução <strong>do</strong>s riscos de bloqueio <strong>do</strong>s estomas com água ou partículas sólidas<br />
Digestão de insectos e outras<br />
“presas”<br />
produção de enzimas proteolíticas<br />
Corpos nutritivos, hidáto<strong>do</strong>s e nectários extraflorais<br />
Os corpos nutritivos são secreções sólidas de substâncias nutritivas, proteicas, lipídicas ou glicídicas, com <strong>função</strong><br />
de recompensa em relações mutualistas planta-‐insecto, geralmente com formigas (Hymenoptera, Formicidae). As<br />
relações mutualistas planta-‐fomigas designam-‐se por mirmecofilia. Os corpos nutritivos diferem <strong>do</strong>s nectários pelo<br />
facto de serem integralmente consumi<strong>do</strong>s, e não apenas os produtos por eles secreta<strong>do</strong>s. Podem localizar-‐se nas<br />
folhas, na base <strong>do</strong> pecíolo, nos caules ou mesmo na flor. Por exemplo, as formigas sul-‐americanas <strong>do</strong> género<br />
Pseu<strong>do</strong>myrmex constroem formigueiros em espinhos ocos e consomem corpos nutritivos situa<strong>do</strong>s no ápice <strong>do</strong>s<br />
C
39 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
Figura 14. Nectários extraflorais. Base <strong>do</strong> limbo<br />
de Prunus avium (Rosaceae) «cerejeira»<br />
folíolos de algumas Vachellia (e.g. Vachellia [Acacia] cornigera,<br />
Fabaceae), em contrapartida defendem a árvore <strong>do</strong> ataque de<br />
insectos e mamíferos herbívoros, eliminam folhas e caules de<br />
outras espécies de plantas que contactem com a árvore<br />
colonizada e suprimem as plantas que germinem na sua<br />
vizinhança (Rickson, 1975).<br />
Os hidáto<strong>do</strong>s são cavidades com um poro por onde é<br />
excretada solução xilémica; este fenómeno designa-‐se por<br />
gutação e ocorre com mais frequência quan<strong>do</strong> o ar está satura<strong>do</strong><br />
de água. Os hidáto<strong>do</strong>s são particularmente frequentes nas<br />
plantas das florestas tropicais húmidas. Os nectários extraflorais,<br />
ao contrário <strong>do</strong>s hidáto<strong>do</strong>s excretam soluções açucaradas – as<br />
meladas – que actuam como recompensa em relações<br />
mutualistas com insectos. Enquanto os nectários florais oferecem recompensas a poliniza<strong>do</strong>res, os nectários<br />
extraflorais servem recompensas a insectos mutualistas que defendem a planta contra a herbivoria (e.g. formigas<br />
que atacam larvas herbívoras de borboletas e outros insectos herbívoros). Os nectários extraflorais geralmente<br />
localizam-‐se no limbo ou nos extremos proximal ou distal <strong>do</strong> pecíolo das folhas, por vezes, em bolsas especializadas<br />
(<strong>do</strong>mácias); e.g. nectários extraflorais <strong>do</strong>s pecíolos das Passifloraceae «maracujazeiros» e da Prunus avium<br />
«cerejeira». Os apicultores conhecem bem o mel de melada, que tem um valor de merca<strong>do</strong> inferior ao mel de<br />
néctar.<br />
Galhas<br />
As galhas são crescimentos anormais causa<strong>do</strong>s por insectos, ácaros, fungos, bactérias ou feridas.<br />
Frequentemente, mostram formas características que permitem identificar, de forma indireta, o agente causal. As<br />
galhas são muito comuns em Quercus (Fagaceae) «carvalhos», e.g. galhas de Andricus quercustozae (Hymenoptera,<br />
Cynipidae) em Q. pyrenaica ou Q. faginea subsp. faginea, vulgarmente conhecidas por bugalhos, ou as galhas de<br />
Dryomyia lichtensteini (Diptera, Cecy<strong>do</strong>midae) em Q. suber e Q. rotundifolia. O nome vulgar da Pistacia terebinthus<br />
(Anacardiaceae) – «cornalheira» – deve-‐se às galhas folheares corniformes produzidas pela Baizongia pistaciae<br />
(Homoptera, Pemphigidae). Nos ramos das oliveiras (Olea europaea, Oleaceae) varejadas com violência são comuns<br />
galhas de origem bacteriana – «tuberculose» – causadas por uma bactéria, a Pseu<strong>do</strong>monas savastanoi.<br />
A B<br />
Figura 15. Galhas. A) Galha de Neuroterus quercusbaccarum (Hymenoptera, Cynipidae) em Q. faginea subsp.<br />
faginea (ca. 6 mm). B e C) Bugalho de Andricus quercustozae (Hymenoptera, Cynipidae) em Quercus faginea<br />
subsp. faginea (ca. 3,5 cm) (duas primeiras fotos). D) Galhas de Baizongia pistaciae (Homoptera, Pemphigidae)<br />
em Pistacia terebinthus (última foto à direita)<br />
C<br />
D
40 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
4.2. Raiz<br />
A raiz é um <strong>do</strong>s três órgãos fundamentais das plantas. Ao invés <strong>do</strong>s caules e das folhas, o sistema radicular tem<br />
um geotropismo positivo e permanece, na maioria <strong>do</strong>s casos, oculto no solo durante to<strong>do</strong> o ciclo de vida das plantas.<br />
A raiz é a metade escondida das plantas.<br />
4.2.1. Funções da raiz<br />
As raízes desempenham seis grandes funções: absorção de água e nutrientes, exclusão de substâncias tóxicas,<br />
ancoragem ao substrato, trocas gasosas, síntese de compostos orgânicos e reserva (Quadro 9). A <strong>função</strong> de<br />
assimilação é rara na natureza.<br />
A morfologia e a configuração espacial (arquitetura) das raízes têm uma grande influência na eficiência da<br />
absorção de nutrientes, sobretu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s nutrientes de menor mobilidade no solo, como o fósforo. Características que<br />
aumentem o volume de solo explora<strong>do</strong> pelas raízes, com reduzi<strong>do</strong>s custos metabólicos, são muito vantajosas em<br />
solos pobres em nutrientes de baixa mobilidade. A absorção <strong>do</strong> fósforo, por exemplo, é favorecida pela presença de<br />
aerênquima, de raízes pequeno diâmetro, de raízes superficiais muito ramificadas (porque as formas biodisponíveis<br />
deste nutriente estão concentradas nas camadas superficiais <strong>do</strong> solo), e pela produção abundante de pelos<br />
radiculares de grande comprimento. Nas plantas epífitas os nutrientes são extraí<strong>do</strong>s de resíduos orgânicos (e.g.<br />
folhas mortas), de partículas inorgânicas arrastadas pelo vento (e.g. argilas) e da água da chuva ou <strong>do</strong>s nevoeiros.<br />
Nas plantas parasitas a nutrição e o abastecimento em água são garanti<strong>do</strong>s, total ou parcialmente, pelos seus<br />
hospedeiros.<br />
Quadro 9. Funções da raiz<br />
Função Mecanismo<br />
Absorção de água e<br />
nutrientes<br />
Exclusão de substâncias<br />
tóxicas<br />
Função primordial da raiz; <strong>do</strong>s 27 elementos essenciais que constituem o corpo das plantas-‐<br />
terrestres apenas o carbono e o oxigénio não são total, ou maioritariamente, absorvi<strong>do</strong>s pela raiz a<br />
partir da solução <strong>do</strong> solo (água <strong>do</strong> solo + nutrientes em solução)<br />
Assim como absorve eficientemente nutrientes <strong>do</strong> solo a raiz impede a entrada no corpo das<br />
plantas de substâncias tóxicas (e.g. cloreto de sódio em solos salinos)<br />
Ancoragem ao substrato Ancoragem ao solo e a outros tipos de suporte (e.g. outras plantas, afloramentos rochosos, etc.)<br />
Reserva Função particularmente importante nas raízes tuberosas<br />
Trocas gasosas Direta ou indiretamente todas as células vegetais efetuam trocas gasosas com a atmosfera ou com<br />
a atmosfera <strong>do</strong> solo; algumas espécies possuem raízes especializadas nessa <strong>função</strong><br />
(pneumatóforos)<br />
Síntese de compostos<br />
orgânicos<br />
Síntese de hormonas vegetais, em particular de citoquininas<br />
Assimilação Em raras orquídeas tropicais; e.g. na Dendrophylax lindenii «orquídea-‐fantasma» os caules e as<br />
folhas estão ausentes ou muito reduzi<strong>do</strong>s e a <strong>função</strong> fotossintética é desempenhada pelas raízes<br />
Meristemas e teci<strong>do</strong>s<br />
4.2.2. Anatomia da raiz<br />
4.2.2.1. Estrutura primária da raiz<br />
A raiz primária é construída pelo meristema apical radicular. No centro <strong>do</strong> deste meristema distingue-‐se um<br />
centro quiescente de células iniciais de baixa ou nula atividade mitótica e <strong>função</strong> mal compreendida, que se esbate,
41 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
ou anula, durante os perío<strong>do</strong>s de repouso vegetativo (Rudal, Anatomy of Flowering Plants. An Introduction to<br />
Structure and Development, 2007). O meristema apical radicular diferencia células para diante (distalmente) e para<br />
trás (proximalmente) <strong>do</strong> centro quiescente. O meristema apical<br />
caulinar só forma células para trás <strong>do</strong> promeristema e não apresenta<br />
um centro quiescente.<br />
O meristema apical radicular está permanentemente encapsula<strong>do</strong><br />
no interior <strong>do</strong> ápice radicular pela caliptra (= coifa), uma estrutura em<br />
forma de capuz que protege as células meristemáticas <strong>do</strong> contacto<br />
direto com as partículas <strong>do</strong> solo e lubrifica o avanço das raízes. À<br />
medida que as raízes se alongam, a caliptra liberta para o exterior uma<br />
mucilagem lubrificante – o mucigel – e as suas camadas celulares<br />
externas de natureza parenquimatosa desagregam-‐se, sen<strong>do</strong><br />
substituídas por outras provenientes <strong>do</strong> meristema apical. Em posição<br />
distal em relação ao centro quiescente distingue-‐se um grupo de<br />
células meristemáticas forma<strong>do</strong>ras da caliptra, a caliptrogene (ing.<br />
calyptrogen). Esta região meristemática pode, em algumas espécies,<br />
colaborar na construção da epiderme e <strong>do</strong> teci<strong>do</strong> fundamental.<br />
Numa posição anterior relativamente ao centro quiescente situa-‐se<br />
o promeristema constituí<strong>do</strong> pelas células iniciais e suas descendentes<br />
mais diretas sem sinais de diferenciação celular. À semelhança <strong>do</strong><br />
meristema apical <strong>do</strong> caule, numa posição proximal relativamente ao<br />
promeristema, reconhecem-‐se distinguem-‐se três regiões teciduais de<br />
transição: a protoderme, o meristema fundamental e o procâmbio (vd.<br />
Os meristemas) (Figura 16).<br />
Num corte transversal de uma raiz primária diferenciada<br />
distinguem-‐se <strong>do</strong> exterior para o interior, as seguintes camadas<br />
teciduais: a epiderme, o córtex primário e o cilindro central (= estela).<br />
As caraterísticas histológicas da epiderme, <strong>do</strong> parênquima e <strong>do</strong>s<br />
teci<strong>do</strong>s vasculares foram descritas no ponto dedica<strong>do</strong> à histologia<br />
vegetal (vd. Os teci<strong>do</strong>s das plantas vasculares).<br />
Epiderme e córtex<br />
Figura 16. Representação esquemática da<br />
anatomia <strong>do</strong> ápice radicular (corte radial<br />
<strong>do</strong> meristema apical e da zona de<br />
alongamento). N.b. a densidade <strong>do</strong>s pontos<br />
indica a intensidade das mitoses (adapta<strong>do</strong><br />
com modificações de (Jensen & Kavaljian,<br />
1958)<br />
A epiderme da raiz é normalmente unisseriada, e desprovida de cutícula e estomas. Como mais adiante se refere,<br />
na designada zona pilífera emergem das células epidérmicas pelos radiculares unicelulares.<br />
Constitui o córtex a porção de teci<strong>do</strong> fundamental, tipo parênquima (parênquima fundamental ou de reserva),<br />
localiza<strong>do</strong> entre a epiderme e o periciclo, exclusive. O córtex inclui ainda a hipoderme (nem sempre presente) e a<br />
en<strong>do</strong>derme. Na raiz primária o córtex é mais espesso <strong>do</strong> que o cilindro central. As células <strong>do</strong> córtex apresentam uma<br />
forma arre<strong>do</strong>ndada, paredes celulares delgadas e abundantes espaços intercelulares. Têm uma importante <strong>função</strong><br />
de reserva, óbvia nas raízes tuberosas (e.g. Daucus carota «cenoura» Apiaceae) e são, geralmente, transparentes. Na<br />
proximidade da epiderme, ou da en<strong>do</strong>derme, podem percorrer o córtex feixes de esclerênquima. O funcionamento<br />
das raízes contracteis depende de células corticais especializadas (vd. Metamorfoses da raíz).<br />
Na en<strong>do</strong>derme, a camada mais interna <strong>do</strong> córtex, observam-‐se bandas de suberina ou lenhina – bandas de<br />
Caspary – a revestir as paredes radiais e transversais da en<strong>do</strong>derme (vd. Figura 17). As células ditas de passagem não<br />
apresentam bandas; por regra situam-‐se de frente ao xilema e abundam nas raízes das dicotiledóneas. Nas<br />
monocotiledóneas as en<strong>do</strong>derme é particularmente nítida, com células em forma de barril espessadas em U (Figura<br />
17 B).<br />
A impermeabilização da parede celular en<strong>do</strong>dérmica – a suberina e a lenhina são substâncias hidrofóbicas –<br />
obriga a água e os nutrientes que circulam pelos espaços intercelulares, e pelas paredes celulares da epiderme e <strong>do</strong><br />
córtex (via apoplástica), a penetrar nas células (via simplástica) da en<strong>do</strong>derme. A en<strong>do</strong>derme tem, assim, um papel
42 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
fundamental na seletividade <strong>do</strong>s processos de absorção ocorri<strong>do</strong>s na<br />
raiz. Não surpreende, por isso, que seja funcional pouco abaixo <strong>do</strong><br />
ápice radicular, na zona pilífera (vd. <strong>Morfologia</strong> da extremidade<br />
radicular e ramificação). No córtex de muitas espécies, sobretu<strong>do</strong><br />
entre as monocotiledóneas, sobressai pela sua regularidade uma<br />
camada simples de células imediatamente abaixo da epiderme, uma<br />
hipoderme (vd. Epiderme). As paredes celulares da hipoderme podem<br />
apresentar bandas de Caspary a reforçar a seletividade radicular,<br />
toman<strong>do</strong> então o nome de exoderme (Schreiber & Franke, 2011).<br />
Cilindro central<br />
O cilindro central é delimita<strong>do</strong> exteriormente por uma camada<br />
geralmente unisseriada (unicelular) de células, o periciclo (Esau, 1977).<br />
Segue-‐se-‐lhe um cilindro vascular e, no centro da raiz, uma massa de<br />
células parenquimatosas ou esclerenquimatosas, a medula (Figura 17).<br />
O periciclo progride encrava<strong>do</strong> entre a en<strong>do</strong>derme e os teci<strong>do</strong>s<br />
vasculares. É constituí<strong>do</strong> por células com paredes espessadas,<br />
compactas, sem espaços intercelulares que mantêm capacidade<br />
meristemática até eventualmente serem destruídas pelo crescimento<br />
secundário. As raízes laterais diferenciam-‐se no periciclo. Geralmente,<br />
o câmbio vascular e a primeira felogene têm também origem nas<br />
células <strong>do</strong> periciclo (vd. Estrutura secundária). Embora característico da<br />
raiz, em algumas espécies estende-‐se até ao caule primário (Esau,<br />
1977).<br />
Em cortes histológicos transversais a vascularização primária da raiz<br />
mostra a seguinte estrutura básica (Figura 17): i) feixes radiais (=<br />
alternos) fecha<strong>do</strong>s – i.e. feixes alternantes de floema e xilema,<br />
separa<strong>do</strong>s por camadas estreitas de parênquima (parênquima<br />
vascular) ou esclerênquima, sem câmbio vascular, regra geral<br />
concentra<strong>do</strong>s na periferia <strong>do</strong> cilindro central; ii) feixes de xilema<br />
radialmente alonga<strong>do</strong>s forman<strong>do</strong> como que uma estrela.<br />
Consoante o número de pólos vasculares (pontos da periferia <strong>do</strong><br />
cilindro central a partir <strong>do</strong>s quais se formam teci<strong>do</strong>s vasculares) as<br />
raízes primárias dizem-‐se diarcas, triarcas, tetrarcas (Figura 17 A) ou<br />
poliarcas. Geralmente, as raízes das dicotiledóneas s.l. são di, tri ou tetrarcas e as das monocotiledóneas poliarcas<br />
(Figura 17 B). As monocotiledóneas também podem apresentar um grande vaso lenhoso no centro da raiz. A<br />
diferenciação <strong>do</strong> xilema primário é centrípeta: primeiro diferencia-‐se o protoxilema numa posição mais exterior, na<br />
vizinhança <strong>do</strong> periciclo; os elementos <strong>do</strong> metaxilema são de maior diâmetro, mais espessos (de espessamento<br />
reticula<strong>do</strong> ou pontua<strong>do</strong>) e ficam reti<strong>do</strong>s no interior <strong>do</strong> cilindro vascular (Figura 17). A diferenciação <strong>do</strong> xilema<br />
primário caulinar (e <strong>do</strong> xilema secundário quer no caule quer na raiz), pelo contrário, faz-‐se de dentro para fora: é<br />
centrífuga. Diz-‐se, por isso, que o xilema primário radicular é exarco, e o xilema primário caulinar endarco.<br />
A estrutura <strong>do</strong> floema primário é variável: pode resumir-‐se a uns quantos tubos crivosos, ou envolver teci<strong>do</strong>s de<br />
suporte. A diferenciação o floema segue o mesmo padrão: o protofloema tem uma posição mais externa <strong>do</strong> que o<br />
metafloema, mas ao contrário <strong>do</strong> protoxilema e <strong>do</strong> metaxilema são difíceis de distinguir em cortes histológicos.<br />
<strong>Morfologia</strong> da extremidade radicular e ramificação<br />
Figura 17. Anatomia da raiz primária (corte<br />
transversal <strong>do</strong> cilindro central). A) Cilindro<br />
central de uma dicotiledónea – raiz tetrarca<br />
de Vicia faba (Fabaceae) «faveira» – a,<br />
córtex; b, en<strong>do</strong>derme (com grânulos de<br />
ami<strong>do</strong>); c, periciclo; d, fibras de<br />
esclerênquima; f, metaxilema; g, periciclo; h,<br />
xilema; i, floema. B) Cilindro central de uma<br />
monocotiledónea – raiz poliarca de Iris<br />
germanica (Iridaceae) «lírio» – a,<br />
en<strong>do</strong>derme com bandas de Caspary em U; b,<br />
células de passagem (de frente ao xilema); c,<br />
periciclo; d, xilema; f, floema; g, medula<br />
esclerificada (Belzung, 1900).<br />
As raízes recém-‐formadas são delgadas e frágeis. Imediatamente atrás <strong>do</strong> ápice radicular situa-‐se uma curta zona<br />
de alongamento, e logo a seguir a zona pilífera com não mais de um centímetro de comprimento (Figura 18). As<br />
células da raiz multiplicam-‐se no meristema apical, e expandem-‐se e diferenciam-‐se nos vários teci<strong>do</strong>s que<br />
compõem a raiz na zona de alongamento. As células recém-‐formadas alongam-‐se mais de dez vezes empurran<strong>do</strong><br />
A<br />
B
43 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
para diante a raiz solo adentro. A zona pilífera está revestida de pelos radiculares de origem epidérmica, que<br />
aumentam a superfície de contacto da raiz com as partículas e a solução <strong>do</strong> solo. A maior parte da água e <strong>do</strong>s solutos<br />
consumi<strong>do</strong>s pelas plantas são absorvi<strong>do</strong>s nesta região da raiz. Os pelos radiculares desempenham um papel<br />
particularmente importante na absorção de nutrientes presentes em baixas concentrações na solução solo ou<br />
imobiliza<strong>do</strong>s nas frações sólidas <strong>do</strong> solo, sobretu<strong>do</strong> <strong>do</strong> fósforo. Os pelos radiculares têm uma parede celular muito<br />
delgada e são extraordinariamente frágeis: degradam-‐se rapidamente (em poucos dias). O crescimento da raiz<br />
repõem, em contínuo, a zona pilífera. A zona pilífera dá então lugar à zona de<br />
ramificação, de onde irrompem raízes laterais e se inicia a diferenciação <strong>do</strong><br />
câmbio nas plantas com corpo secundário. Nas maioria das monocotiledóneas<br />
após a morte pelos radiculares, as células da epiderme destacam-‐se da raiz e<br />
são substituídas por células parenquimatosas corticais suberificadas ou<br />
lenhificadas, diferencian<strong>do</strong>-‐se uma exoderme. A persistência de uma<br />
epiderme com paredes engrossadas é menos frequente.<br />
A ramificação lateral da raiz, o tipo de ramificação <strong>do</strong>minante entre as<br />
plantas-‐vasculares, tem uma origem endógena, geralmente em células <strong>do</strong><br />
periciclo, adjacentes ao xilema. Antes de entrar em contacto com o solo, as<br />
raízes laterais recém-‐diferenciadas têm de rasgar o córtex radicular e a<br />
epiderme da raiz onde se inserem. As raízes laterais derivadas da raiz primária<br />
(embrionária) designam-‐se quanto à ordem de formação por raízes<br />
secundárias; as raízes terciárias inserem-‐se nas secundárias, e assim<br />
sucessivamente. As raízes adventícias são normalmente caulógenas mas<br />
podem ter origem no pecíolo, no limbo das folhas. Por regra diferenciam-‐se de<br />
teci<strong>do</strong>s imediatamente exteriores aos teci<strong>do</strong>s vasculares. As raízes podem<br />
ainda diferenciar-‐se de calos (vd. Os meristemas).<br />
4.2.2.2. Estrutura secundária<br />
Figura 18. Representação<br />
esquemática da morfologia da<br />
extremidade radicular. Legenda: a)<br />
coifa e meristema apical radicular,<br />
b) zona de alongamento, c) zona<br />
pilífera, d) zona de ramificação, e)<br />
ramificação.<br />
As plantas-‐com-‐semente alongam-‐se pelas extremidades (crescimento primário) e só depois, eventualmente, nas<br />
plantas com crescimento secundário, engrossam. As raízes das gimnospérmicas e da grande maioria das<br />
dicotiledóneas s.l. sofrem um crescimento secundário. A partir <strong>do</strong> momento em que se inicia a formação <strong>do</strong> corpo<br />
secundário da raiz, através da atividade <strong>do</strong> câmbio vascular e da felogene – os meristemas secundários <strong>do</strong> caule e da<br />
raiz são os mesmos – as raízes perdem a capacidade de absorver água e nutrientes, deixam de se ramificar,<br />
aumentam de diâmetro e na sua superfície diferencia-‐se uma periderme, em substituição da epiderme. Passam a ter<br />
uma <strong>função</strong> de suporte e fixação.<br />
O câmbio vascular é inicia<strong>do</strong> no periciclo ou a partir de células residuais <strong>do</strong> procâmbio alojadas no parênquima<br />
vascular. O câmbio acaba por coalescer forman<strong>do</strong> um cilindro contínuo de células meristemáticas. Numa fase inicial,<br />
na raiz o câmbio adquire uma forma ondulada, rodean<strong>do</strong> o xilema por fora, e o floema por dentro. O periciclo é<br />
empurra<strong>do</strong> para a periferia pelos teci<strong>do</strong>s vasculares secundários e eventualmente ganha capacidade meristemática e<br />
origina a felogene (Dubrovsky & Rost, 2012). Como acontece nos caules secundários, a formação da felogene e da<br />
periderme condena à morte as células da epiderme, <strong>do</strong> córtex primário e da en<strong>do</strong>derme. A suberina que reveste as<br />
paredes celulares <strong>do</strong> felema (= súber, vd. Felogene e riti<strong>do</strong>ma) minimiza as perdas de águas e solutos absorvi<strong>do</strong>s nas<br />
extremidades radiculares ainda de natureza primária. Ao mesmo tempo que a parte mais velha <strong>do</strong> sistema radicular<br />
aumenta de diâmetro são produzidas novas raízes na sua extremidade distal. Com o tempo, a estrutura interna <strong>do</strong>s<br />
caules e raízes secundárias é similar, embora possam diferir em alguns detalhes; e.g. o lenho <strong>do</strong> início e fim de<br />
estação geralmente não se consegue distinguir (vd. Xilema e floema secundários <strong>do</strong> caule) e o riti<strong>do</strong>ma é menos<br />
espesso (vd. Felogene e riti<strong>do</strong>ma). Esta estrutura é explicada com mais detalhe no capítulo dedica<strong>do</strong> ao caule (vd.<br />
Estrutura secundária <strong>do</strong> caule). Uma vez que o xilema primário na raiz tem uma formação centrípeta, importa ainda<br />
referir que nas raízes secundárias o metaxilema ocupa, frequentemente, a medula, sucedi<strong>do</strong>, em direção ao exterior,<br />
pelo protoxilema. Nos caules secundários a medula é normalmente parenquimatosa e contacta com o protoxilema
44 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
(o metaxilema tem uma posição mais externa). Estes caracteres são mais fáceis de observar em raízes e caules<br />
secundários jovens.<br />
As raízes carnudas seguem um modelo de crescimento secundário distinto das raízes secundarias lenhosas<br />
(Moreira, Anatomia das Plantas: Estruturas, 2010). Por exemplo, no Daucus carota (Apiaceae) «cenoura» o câmbio,<br />
além de xilema e floema, produz uma grande massa de parênquima de reserva. Na Beta vulgaris (Amaranthaceae)<br />
«beterraba» formam-‐se numerosos câmbios concêntricos que dão origem à estrutura tecidular anelar característica<br />
da raiz tuberosa desta espécie.<br />
As monocotiledóneas, incluin<strong>do</strong> grande parte das monocotiledóneas com crescimento secundário caulinar, não<br />
apresentam crescimento secundário ao nível da raiz, consequentemente a epiderme persiste durante toda a vida da<br />
raiz ou é substituída, como se referiu anteriormente, por uma exoderme com células de parede espessada com<br />
suberina (Rudal, Anatomy of Flowering Plants. An Introduction to Structure and Development, 2007). O meristema<br />
de espessamento secundário das monocotiledóneas com crescimento secundário por vezes estende-‐se à raiz.<br />
Tipos de radicação<br />
4.2.3. Aspectos gerais da morfologia externa da raiz<br />
Entende-‐se por sistema radicular o conjunto de todas as raízes de uma planta. A raiz dita primária ou principal<br />
tem origem na radícula (= raiz embrionária) e funde-‐se com o caule no colo (vd. Organização <strong>do</strong> corpo das plantas-‐<br />
com-‐semente). Em algumas espécies, sobretu<strong>do</strong> entre as monocotiledóneas, a raiz primária atrofia-‐se rapidamente e<br />
é substituída por raízes adventícias. Distinguem-‐se assim <strong>do</strong>is tipos de radicação: aprumada e fasciculada (Figura 19).<br />
No sistema radicular apruma<strong>do</strong> (= sistema radicular magnolioide) diferenciam-‐se uma raiz principal de origem<br />
embrionária lateralmente ramificada, um grande número de raízes espessas e, em oposição ao sistema radicular<br />
fascicula<strong>do</strong>, poucas raízes finas e pelos radiculares. A baixa relação entre o volume de raízes com capacidade de<br />
absorção e o volume total <strong>do</strong> sistema radicular é compensada por associações micorrízicas. Sistema radicular<br />
característico das gimnospérmicas e da grande maioria das dicotiledóneas s.l.<br />
O sistema radicular fascicula<strong>do</strong> (= sistema radicular graminoide) é mais<br />
homogéneo: não apresenta uma raiz principal sen<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong> por raízes<br />
adventícias semelhantes entre si, finas, delicadas, com abundantes pelos<br />
radiculares. A relação entre o volume de raízes com capacidade de absorção e<br />
o volume total <strong>do</strong> sistema radicular é elevada. Os primórdios radiculares<br />
adventícios diferenciam-‐se nos caules (raízes caulógenas), regra geral em nós<br />
subterrâneos ou aéreos e próximos da superfície <strong>do</strong> solo, a partir de células<br />
próximas <strong>do</strong> sistema vascular (vd. Ramificação das raízes). A diferenciação de<br />
raízes adventícias na base de folhas é menos frequente. A importância das<br />
raízes adventícias nas monocotiledóneas explica por que razão muitas delas<br />
podem ser transplantadas com sistemas radiculares muito danifica<strong>do</strong>s (e.g.<br />
cebola e palmeiras). Admite-‐se que este tipo de sistema radicular é mais<br />
eficiente <strong>do</strong> que a radicação aprumada (e por isso competitivamente<br />
vantajoso) na captura de água e nutrientes das camadas superficiais <strong>do</strong> solo,<br />
contu<strong>do</strong> é menos adequa<strong>do</strong> a ancorar plantas de grande dimensão ao solo e a<br />
absorver a água retida em camadas profundas <strong>do</strong> solo. Sistema radicular<br />
característico das monocotiledóneas e de algumas dicotiledóneas s.l. (e.g.<br />
Ranunculus [Ranunculaceae] «ranúnculos»).<br />
Figura 19. Tipos de sistema<br />
radicular. Sistema radicular<br />
apruma<strong>do</strong> de Malva (Malvaceae)<br />
«malvas» e sistema radicular<br />
fascicula<strong>do</strong> de uma Poaceae<br />
(Coutinho, 1898).<br />
Em algumas árvores (e.g. Salix [Salicaceae] «salgueiros») a raiz principal é tão rudimentar que a arquitetura <strong>do</strong><br />
sistema radicular se aproxima <strong>do</strong> modelo fascicula<strong>do</strong>. As plantas obtidas por estaca, ou por outros méto<strong>do</strong>s de<br />
propagação vegetativa que impliquem a formação de raízes adventícias, apresentam também um sistema radicular<br />
de morfologia intermédia.
45 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
Direção e estrutura <strong>do</strong> sistema radicular<br />
A raiz principal de um sistema radicular apruma<strong>do</strong> possui um geotropismo positivo: diz-‐se que é profundante. O<br />
geotropismo característico da raiz principal não se mantém, todavia, em todas as raízes laterais de um sistema<br />
radicular apruma<strong>do</strong>. Quanto à direção, as raízes secundárias, e de ordem superior, podem ser profundantes, pouco<br />
profundantes ou plagiotrópicas (próximas da horizontalidade). A plagiotropia facilita a disseminação tridimensional<br />
das raízes pelo solo e maximiza o volume de solo explora<strong>do</strong>. As raízes de plantas lenhosas que progridem na<br />
horizontal próximo da superfície <strong>do</strong> solo têm direito a uma designação especial: raízes pastadeiras. Estas raízes são<br />
fundamentais na nutrição das plantas porque exploram as camadas superiores <strong>do</strong> solo (horizonte A), mais ricas em<br />
nutrientes – resultantes da deposição de resíduos orgânicos ou da aplicação de fertilizantes – e de maior atividade<br />
biológica. Por essa razão, as oliveiras e outras fruteiras crescem mais, e são mais produtivas, nos pomares não<br />
mobiliza<strong>do</strong>s <strong>do</strong> que nos pomares ciclicamente mobiliza<strong>do</strong>s (lavra<strong>do</strong>s ou escarifica<strong>do</strong>s).<br />
Nas monocotiledóneas as raízes secundárias, pelo menos as de maior dimensão, são geralmente profundantes.<br />
No arroz (Oryza sativa, Poaceae), a planta modelo <strong>do</strong>s geneticistas de cereais, foram identifica<strong>do</strong>s quatro tipos de<br />
raízes. A raiz primária (seminal) emerge da semente aquan<strong>do</strong> da germinação. Em seguida formam-‐se raízes<br />
adventícias (pós-‐embrionárias), primeiro no nó <strong>do</strong> coleóptilo, e depois noutros nós da base <strong>do</strong> caule. Tanto a raiz<br />
embrionária como as raízes adventícias apresentam um geotropismo positivo. A ramificação destas raízes dá origem<br />
a mais <strong>do</strong>is tipos de raízes: raízes laterais de crescimento indetermina<strong>do</strong> profundantes, e raízes laterais<br />
determinadas, curtas e de geotropismo indefini<strong>do</strong>.<br />
Situação e consistência<br />
A tipologia básica da situação e consistência das raízes está condensada no Quadro 10.<br />
Quadro 10. Situação e consistência<br />
Critério Tipo/descrição<br />
Situação Subterrâneas – se imersas no solo; tipo mais frequente<br />
Tipos de metamorfose<br />
Aquáticas – próprias de plantas aquáticas, i.e. de plantas que vivem submersas ou na superfície de<br />
massas de água livre;<br />
Aéreas – muito frequentes em lianas e em plantas epífitas, i.e. plantas não enraizadas no solo,<br />
suportadas por outras plantas<br />
Consistência Herbáceas – raízes tenras, delgadas e flexíveis<br />
Lenhosas – raízes lenhificadas e rijas<br />
Carnudas (= tuberosas) – de grande volume e ricas em água e substâncias de reserva<br />
4.2.4. Metamorfoses da raiz<br />
As raízes apresentam vários tipos de adaptações com funções especializadas, por vezes associáveis a habitats<br />
particulares (e.g. zonas húmidas, sapais e florestas tropicais). As metamorfoses da raiz (= tipos radiculares) mais<br />
frequentes estão descritas no Quadro 11 (Figuras 20 e 21).
46 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
Quadro 11. Tipos de metamorfose da raiz (tipos de raízes)<br />
Tipo Descrição Exemplos<br />
Raízes trepa<strong>do</strong>ras Raízes adventícias, aéreas, geralmente adesivas, que<br />
auxiliam as plantas trepadeiras a aderirem aos seus<br />
suportes<br />
Raízes tuberosas Raízes de grande volume de forma cónica a fusiforme<br />
com <strong>função</strong> de reserva (vd. Raízes tuberosas)<br />
Haustórios<br />
(= raízes suga<strong>do</strong>ras)<br />
Raízes aéreas ou subterrâneas, próprias de plantas<br />
parasitas especializadas na penetração e extração de<br />
água e nutrientes <strong>do</strong>s seus hospedeiros<br />
Raízes contrácteis Raízes produzidas periodicamente; inicialmente<br />
alongam-‐se em profundidade, depois contraem-‐se,<br />
aumentan<strong>do</strong> de diâmetro, e puxam os órgãos<br />
caulinares para o solo; distinguem-‐se das restantes<br />
raízes pelo maior diâmetro e pela superfície enrugada<br />
Pneumatóforos (=<br />
raízes respiratórias)<br />
Raízes<br />
estrangula<strong>do</strong>ras<br />
Raízes aéreas emitidas por espécies adaptadas a zonas<br />
húmidas tropicais, para facilitar as trocas gasosas entre<br />
o sistema radicular e a atmosfera; frequentes nas<br />
plantas de mangal<br />
Após a germinação da semente, as raízes<br />
estrangula<strong>do</strong>ras descem pelo troco ou suspendem-‐se<br />
da copa <strong>do</strong>s hospedeiros até atingirem o solo; finda<br />
esta fase, as plantas aceleram o seu crescimento,<br />
competem com o hospedeiro pelos recursos<br />
ambientais e envolvem-‐no com uma rede raízes que<br />
acabam por coalescer e estrangulá-‐lo; este processo<br />
termina quan<strong>do</strong> a espécie estrangula<strong>do</strong>ra ocupa o<br />
espaço anteriormente preenchi<strong>do</strong> pelo hospedeiro<br />
Raízes tabulares Raízes plagiotrópicas, com <strong>função</strong> de suporte, muito<br />
engrossadas na face oposta ao solo, geralmente<br />
emergentes à superfície nas árvores mais velhas;<br />
frequentes nas grandes árvores tropicais<br />
Raízes escora Raízes com <strong>função</strong> de suporte emitidas da base <strong>do</strong><br />
tronco e das pernadas; a Zea mays «milho-‐graú<strong>do</strong>» e o<br />
Panicum milliaceum «milho-‐miú<strong>do</strong>» emitem raízes<br />
adventícias anormalmente espessas a partir <strong>do</strong>s nós<br />
inferiores <strong>do</strong> caule, visíveis acima <strong>do</strong> solo,<br />
interpretáveis como raízes escora<br />
Velâmen<br />
(= velame)<br />
Consiste numa espessa epiderme multisseriada (com<br />
várias camadas de células), esponjosa, de células de<br />
paredes espessadas, mortas na maturidade,<br />
esbranquiçada quan<strong>do</strong> seca, que se mantém inchada e<br />
húmida por muito tempo quan<strong>do</strong> para de chover; tem<br />
por <strong>função</strong> a absorção de água e nutrientes e a<br />
proteção das camadas mais interna da raiz, onde se<br />
encontram os teci<strong>do</strong>s vasculares<br />
Hedera sp.pl. (Araliaceae) «heras» e<br />
várias espécies de Piper (Piperaceae);<br />
Daucus carota (Apiaceae) «cenoura»<br />
Orobanche (Orobanchaceae)<br />
«orobanca» e Cuscuta<br />
(Convolvulaceae)<br />
Frequentes em plantas bulbosas (e.g.<br />
Lilium [Liliaceae]), nas gramíneas e nas<br />
Arecaceae «palmeiras»<br />
Rizophora mangle (Rizophoraceae)<br />
«mangue-‐vermelho» e Avicennia<br />
africana (Acanthaceae) «mangue-‐<br />
branco»<br />
Raízes aéreas emitidas por algumas<br />
espécies tropicais de Ficus (Moraceae)<br />
«figueiras» de germinação epífita (na<br />
parte aérea <strong>do</strong> hospedeiro)<br />
Ceiba pentandra (Bombacoideae,<br />
Malvaceae) «sumaumeira»; também<br />
nas árvores mais velhas e maior<br />
dimensão de Ficus carica (Moraceae)<br />
«figueira»<br />
Pandanus (Pandanaceae) «pandanos»<br />
e Rizophora mangle (Rizophoraceae)<br />
«mangue-‐vermelho»<br />
Comum em espécies epífitas tropicais,<br />
em particular das famílias Orchidaceae<br />
e Araceae
47 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
A<br />
C<br />
B<br />
! !<br />
Figura 20. Tipos de raiz. A) Dois nós com raízes escora em Panicum miliaceum (Poaceae). B) Raiz tabular e raízes escora<br />
(canto esquer<strong>do</strong> e la<strong>do</strong> direiro da imagem) de Ficus macrophylla (Moraceae). C) Pneumatóforos (raízes que emergem da<br />
água em torno da árvore) em Avicennia africana (Acanthaceae) «mangue-‐branco» (foto da autoria <strong>do</strong>s alunos <strong>do</strong>s 12º<br />
ano da Escola Portuguesa de Luanda, 2007)<br />
Raízes tuberosas<br />
A B C<br />
Figura 21. Tipos de raiz. A) Raízes tuberoso-‐aprumada de Daucus carota (Apiaceae) «cenoura» e tuberoso-‐fasciculada<br />
Asphodelus (Asphodelaceae) «asfódelos». B) Duas plantas parasitas sem clorofila – Orobanche (Orobanchaceae)<br />
«orobanca» à esquerda e Cuscuta (Convolvulaceae) «cuscuta» à direita – a parasitar por intermédio de haustórios (não<br />
visíveis na Figura) os respectivos hospedeiros. C) Raízes aéreas trepa<strong>do</strong>ras de um ramo juvenil de Hedera helix<br />
(Araliaceae) «hera» (Coutinho, 1898).<br />
Entende-‐se por tuberização das raízes o processo de engrossamento causa<strong>do</strong> pela acumulação de reservas<br />
(Figura 21). Consoante as espécies, e por vezes entre variedades da mesma espécie, a tuberização das raízes pode<br />
prolongar-‐se até ao colo ou ao caule; e.g. prolonga-‐se até ao caule na Brassica rapa (Brassicaceae) «nabo»,<br />
concretamente até ao hipocótilo, e a mais de um entrenó caulinar em algumas variedades de Beta vulgaris subsp.<br />
vulgaris (Amaranthaceae) «beterraba-‐sacarina». As substâncias de reserva mais frequentes nas raízes tuberosas são<br />
o ami<strong>do</strong> (um polímero de glucose), a inulina (um polímero <strong>do</strong>mina<strong>do</strong> pela frutose) ou os açúcares solúveis<br />
(sobretu<strong>do</strong> sacarose, um dissacarídeo de glucose e frutose). Acumulam ami<strong>do</strong>, i.e. são raízes amiláceas, as raízes de<br />
Manihot esculenta (Euphorbiaceae) «mandioca» (21-‐35% da MS) e de Ipomoea patatas (Convolvulaceae) «batata-‐<br />
<strong>do</strong>ce» (67-‐79% da MS); inulina, as raízes de Cichorium intybus var. sativum (Asteraceae) «chicória» (15-‐20% da MS),<br />
<strong>do</strong> Tragopogon porrifolius (Asteraceae) «salsifi» (4-‐11%) (Van Loo, Coussement, Leenheer, Hoebregs, & Smits, 1995)<br />
e <strong>do</strong>s inhames <strong>do</strong> género Dioscorea (Dioscoreaceae) (teores muito variáveis); sacarose, a raiz de beterraba-‐sacarina
48 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
(os açucares atingem 60-‐70% da MS). As raízes tuberosas são, geralmente, uma adaptação a habitats onde, chegada<br />
a estação favorável, é particularmente vantajoso iniciar no ce<strong>do</strong> o crescimento vegetativo (e.g. comunidades<br />
herbáceas de regiões com uma estação seca pronunciada) ou a produção de flores (e.g. pra<strong>do</strong>s e florestas<br />
caducifólias). A tuberização das raízes, frente à <strong>do</strong>s caules, tem em seu favor a proteção conferida pelo solo contra<br />
preda<strong>do</strong>res.<br />
As raízes ditas tuberoso-‐aprumadas (= tuberculoso-‐aprumadas) derivam de um sistema radicular apruma<strong>do</strong>; e.g.<br />
Daucus carota (Apiaceae) «cenoura». As raízes tuberoso-‐fasciculadas (= tuberculoso-‐fasciculadas) derivam de um<br />
sistema radicular fascicula<strong>do</strong>; e.g. Asphodelus (Asphodelaceae) «asfódelos». Vários géneros de orquídeas terrestres –<br />
e.g. Dactylorhiza, Ophrys e Orchis, to<strong>do</strong>s eles indígenas de Portugal continental – possuem, durante o perío<strong>do</strong> de<br />
floração, duas raízes tuberosas: uma delas, formada no ano anterior e de aspecto engelha<strong>do</strong>, suportou o arranque<br />
<strong>do</strong> crescimento <strong>do</strong> caule atual, a outra, mais lisa, com poucos meses de crescimento, sustentará o crescimento inicial<br />
<strong>do</strong> caule no ano seguinte.<br />
Micorrizas<br />
4.2.5. Modificações causadas por microrganismos<br />
As micorrizas são associações simbióticas radiculares entre fungos e plantas. As plantas recebem <strong>do</strong> fungo água,<br />
nutrientes, sobretu<strong>do</strong> fósforo, e proteção contra infecções radiculares fúngicas e toxinas presentes no solo (e.g.<br />
metais pesa<strong>do</strong>s). Os fungos, em troca, têm acesso aos produtos da fotossíntese da planta. 80% a 90% das plantas-‐<br />
com-‐semente têm micorrizas. As micorrizas são mais frequentes em solos pobres em nutrientes ou tóxicos. A<br />
dependência das plantas-‐vasculares das associações simbióticas micorrízicas é variável: as Proteaceae não têm<br />
micorrizas, as Betula (Betulaceae) «bi<strong>do</strong>eiros» desenvolvem-‐se adequadamente sem estas associações, o<br />
crescimento <strong>do</strong>s Quercus (Fagaceae) «carvalhos» e <strong>do</strong>s Pinus (Pinaceae) «pinheiros» é muito deprimi<strong>do</strong> sem<br />
micorrizas, as sementes de Orchidaceae «orquídeas» dependem de associações com fungos para germinar.<br />
Existem <strong>do</strong>is tipos principais de micorrizas: vesículo-‐arbusculares (= en<strong>do</strong>micorrizas, micorrizas en<strong>do</strong>tróficas) e<br />
forma<strong>do</strong>ras de manto (= ectomicorrizas, micorrizas ectotróficas). As micorrizas de Ericaceae (e famílias<br />
evolutivamente próximas) e de Orchidaceae enquadram-‐se em <strong>do</strong>is tipos especiais não desenvolvi<strong>do</strong>s no texto.<br />
Nas micorrizas vesículo-‐arbusculares o fungo invade as células corticais das plantas e a maior parte da massa<br />
fúngica situa-‐se no interior das raízes. Este tipo micorriza limita-‐se a complementar o papel das raízes na absorção de<br />
nutrientes <strong>do</strong> solo, sen<strong>do</strong> as raízes infectadas semelhantes às raízes normais. Consomem 1-‐15% <strong>do</strong> carbono fixa<strong>do</strong><br />
pelos hospedeiros e apresentam uma baixa especificidade fungo-‐planta hospedeira. São mais frequentes em solos<br />
com matéria orgânica bem humificada. Os fungos das micorrizas vesículo-‐arbusculares pertencem à divisão<br />
Glomeromycota (= Zygomycetes p.p.), uma das sete divisões atualmente reconhecidas no reino Fungi. Tipo<br />
<strong>do</strong>minante nas florestas tropicais, também presente nas gramíneas e muitas outras plantas herbáceas de óptimo<br />
tempera<strong>do</strong>.<br />
Nas micorrizas forma<strong>do</strong>ras de manto o fungo invade os espaços intercelulares <strong>do</strong> córtex radicular e forma uma<br />
fina camada de micélio, conhecida por manto micorrízico, que cobre a raízes finas. As raízes infectadas perdem os<br />
pelos radiculares e param de crescer; o fungo emite longos sistemas ramifica<strong>do</strong>s de hifas através <strong>do</strong> solo que<br />
substituem, quase por completo, as raízes infectadas na absorção de nutrientes. Consomem 15% ou mais <strong>do</strong><br />
carbono fixa<strong>do</strong> pelas plantas hospedeiras e demonstram uma grande especificidade fungo-‐planta hospedeira. São<br />
mais frequentes em solos de matéria orgânica ácida e pouco humificada. Os fungos das micorrizas forma<strong>do</strong>ras de<br />
manto enquadram-‐se nas divisões Basidiomycota, Ascomycota e Glomeromycota. Alguns cogumelos edíveis – e.g. ds<br />
géneos Lactarius e Boletus – são ectomicorrízicos. Tipo de micorriza presente em 90% das árvores temperadas e<br />
boreais.<br />
As plantas-‐terrestres estabeleceram relações simbióticas com fungos Glomeromycota num momento muito<br />
recua<strong>do</strong> da sua evolução. As en<strong>do</strong>micorrizas são a condição ancestral da micorrizia; provavelmente auxiliaram as<br />
primeiras plantas-‐terrestres a conquistar a terra emersa (Smith & Read, 2008). As ectomicorrizas e as<br />
en<strong>do</strong>ssimbioses com bactérias fixa<strong>do</strong>ras de azoto são em termos evolutivos mais tardias.
49 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
Simbioses com bactérias diazotróficas<br />
O azoto é o macronutriente mais escasso e que mais<br />
condiciona a produtividade vegetal nos agroecossistemas e nos<br />
ecossistemas naturais. Para fazer face a esta limitação alguns<br />
grupos de plantas-‐vasculares conseguiram estabelecer relações<br />
simbióticas com bactérias fixa<strong>do</strong>ras de azoto (= bactérias<br />
diazotróficas), macromorfologicamente expressas a nível<br />
radicular pela formação de nódulos radiculares (= nódulos<br />
bacterianos) 30 (Figura 22). As plantas-‐com-‐flor com simbiontes<br />
fixa<strong>do</strong>res de azoto forma<strong>do</strong>res de nódulos são quase exclusivas<br />
no cla<strong>do</strong> das rosidas I. As Gunneraceae, uma família basal das<br />
eudicotiledóneas superiores (vd. vol. III), são a única exceção.<br />
Evoluíram depois das micorrizas, no Mesozoico.<br />
As simbioses mais frequentes na Natureza desenvolvem-‐se<br />
entre plantas não leguminosas e actinomicetas <strong>do</strong> género<br />
Frankia. Os seus nódulos, de assinalável tamanho (2-‐3 cm de<br />
diâmetro), observam-‐se com facilidade, por exemplo, em raízes<br />
de Alnus glutinosa (Betulaceae) «amieiro», Myrica faya<br />
(Myricaceae) «samouco», Casuarina (Casuarinaceae)<br />
«casuarinas» e Hippophae (Elaeagnaceae). As simbioses mais<br />
conhecidas, mais estudadas e de maior importância económica<br />
desenvolvem-‐se entre alfa-‐proteobactérias e plantas da família das Fabaceae. Na associação entre a bactéria azul-‐<br />
esverdeada fixa<strong>do</strong>ra de azoto Anabaena azollae e as ‘pteridófitas’ aquáticas <strong>do</strong> género Azolla não se diferenciam<br />
nódulos. A Azolla filiculoides é uma temível invasora em águas paradas ricas em nutrientes em Portugal. Este e<br />
outras espécies são de há muito intensivamente utilizadas para incorporar azoto nos sistemas de agricultura de arroz<br />
em campos alaga<strong>do</strong>s na África e na Ásia (Roger, 1996).<br />
90% das plantas da família das Fabaceae estabelecem simbioses com pelo menos 12 géneros de alfa-‐<br />
proteobactérias fixa<strong>do</strong>ras de azoto (e.g. Rhizobium, Mesorhizobium, Sinorhizobium e Bradyrhizobium). Num primeiro<br />
estádio da infecção bacteriana das raízes, os rizóbios 31 penetram nas plantas através <strong>do</strong>s pelos radiculares. Uma vez<br />
estabeleci<strong>do</strong>s estimulam a atividade meristemática e a proliferação de células <strong>do</strong> córtex ou <strong>do</strong> periciclo. Os nódulos<br />
têm uma forma esférica ou mais ou menos alongada, similar a uma raiz lateral curta e espessa. Quan<strong>do</strong> funcionais,<br />
após esmagamento, exibem uma cor rosada causada por uma substância quimicamente próxima da hemoglobina, a<br />
leghemoglobina. Os simbiontes bacterianos localizam-‐se na zona mais central <strong>do</strong>s nódulos. Reconhecem-‐se <strong>do</strong>is<br />
tipos de nódulos entre as Fabaceae: nódulos determina<strong>do</strong>s – de forma esférica, com alguns dias a pouca semanas de<br />
duração; nódulos indetermina<strong>do</strong>s – de forma alongada, com vários meses de duração, alongan<strong>do</strong>-‐se à custa de um<br />
meristema apical.<br />
4.2.6. As raízes das árvores<br />
A B<br />
Figura 22. Nódulos. A) Nódulos indetermina<strong>do</strong>s<br />
em Trifolium (Fabaceae). B) Azolla pinnata subsp.<br />
africana (Azollaceae) em mosaico com folhas<br />
emergentes (de 4 folíolos) de Marsilea<br />
coromandeliana (Marsileaceae); n.b. a simbiose<br />
estabelecida entre a A. pinnata subsp. africana e a<br />
bactéria azul-‐esverdeada Anabaena azollae é<br />
determinante na produtividade <strong>do</strong> arroz na Guiné-‐<br />
Bissau (foto: Gabú, Guiné-‐Bissau).<br />
Tradicionalmente, admite-‐se que a estrutura <strong>do</strong> sistema radicular das árvores reflete, de algum mo<strong>do</strong>, a<br />
estrutura da copa: as raízes pouco ultrapassam a projeção vertical da copa e ocupam homogeneamente o solo em<br />
profundidade. Na realidade, as raízes das árvores acumulam-‐se nas camadas superficiais <strong>do</strong> solo e estendem-‐se<br />
muito para lá da projeção da copa (4 a 7 vezes o raio da copa) (Figura 23). Nos solos mais espessos as árvores<br />
emitem raízes profundantes (em maior número em solos pouco compactos) até encontrarem algum imperme, água<br />
30 Nem todas as relações simbióticas com bactérias diazotróficas formam nódulos. Por exemplo, bactérias fixa<strong>do</strong>ras de azoto <strong>do</strong><br />
género Burkholderia foram detectadas em Zea mays «milho-‐graú<strong>do</strong>» e Saccharum officinarum «cana-‐de-‐açúcar», duas plantas<br />
cultivadas da família das Poaceae «gramíneas» (Perin, et al., 2006).<br />
31 O vocábulo rizóbio, num senti<strong>do</strong> estrito, refere-‐se apenas às bactérias <strong>do</strong> género Rhizobium. Na bibliografia tem geralmente um<br />
senti<strong>do</strong> mais lato sen<strong>do</strong> aplica<strong>do</strong> às espécies capazes de nodular as raízes das leguminosas e fixar azoto atmosférico <strong>do</strong> género<br />
Rhizobium, ou de géneros aparenta<strong>do</strong>s. Recentemente, foram isoladas em leguminosas bactérias não pertencentes aos grupos<br />
tradicionais de alfa-‐proteobacterias fixa<strong>do</strong>ras de azoto (Willems, 2006).
50 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
ou atmosferas <strong>do</strong> solo demasia<strong>do</strong> pobres em<br />
oxigénio. As raízes profundantes atingem 1-‐2<br />
m de profundidade; nos solos com<br />
características físicas mais favoráveis (menos<br />
compactos e mais areja<strong>do</strong>s) atingem os 3-‐5 m<br />
de profundidade (Thomas, 2000). Para<br />
facilitar a ancoragem ao solo, a maioria das<br />
árvores desenvolve uma rede complexa de<br />
raízes laterais mais ou menos horizontais,<br />
rígidas e de grande espessura na proximidade<br />
<strong>do</strong> colo, que a poucos metros da projeção da<br />
copa se assemelham a cordas. Estas raízes<br />
ramificam-‐se, sobrepõem-‐se, enxertam-‐se<br />
umas nas outras, envolvem grandes pedras e<br />
penetram fissuras forman<strong>do</strong> uma estrutura<br />
sólida de grande resistência à tração. A<br />
enxertia radicular é um fenómeno frequente<br />
entre indivíduos vizinhos da mesma espécie.<br />
4.3. Caule<br />
Nas plantas-‐com-‐semente a formação <strong>do</strong> caule inicia-‐se com a germinação da semente. À medida que a planta<br />
cresce e se desenvolve, novos caules são gera<strong>do</strong>s a partir de outros de ordem inferior. Pontualmente, os caules têm<br />
origem em raízes (pôlas radiculares e rebentos de raiz). Caules vigorosos diferencia<strong>do</strong>s de raízes são utiliza<strong>do</strong>s na<br />
propagação de algumas plantas lenhosas (e.g. Salix [Salicaceae] «salgueiros»). A diferenciação de caules a partir de<br />
folhas é muito rara na natureza. As plantas sem caules aparentes dizem-‐se acaules.<br />
Os caules são entendi<strong>do</strong>s como eixos quan<strong>do</strong> nele se inserem, de forma hierarquizada, outros elementos, e.g. o<br />
tronco (eixo primário das árvores) relativamente aos ramos, estes relativamente às folhas, o pedúnculo de uma<br />
inflorescência relativamente aos pedicelos das flores, etc. De acor<strong>do</strong> com a ordem de inserção reconhecem-‐se eixos<br />
principais (= primários), secundários, etc. O mesmo raciocínio foi já anteriormente aplica<strong>do</strong> às raízes.<br />
4.3.1. Funções <strong>do</strong> caule<br />
A B<br />
Figura 23. As raízes das árvores. A) Modelo tradicional (em cima) e<br />
estrutura real <strong>do</strong>s sistema radicular (em baixo) das árvores (Thomas,<br />
2000). B) Rede de raízes laterais, mais ou menos horizontais, com a<br />
<strong>função</strong> de ancorar a árvore ao solo (Thomas, 2000).<br />
O caule desempenha as cinco grandes funções: expor as folhas à luz; expor as flores aos agentes poliniza<strong>do</strong>res;<br />
transportar água e substâncias nutritivas entre a raiz e as folhas (em ambos os senti<strong>do</strong>s); armazenar substâncias de<br />
reserva; realizar a fotossíntese nos caules não lenhosos com clorofila. A presença de folhas e, concomitantemente,<br />
de nós são as características macromorfológicas mais marcantes <strong>do</strong>s caules, que permitem a sua diferenciação<br />
imediata das raízes.<br />
4.3.2. Anatomia <strong>do</strong> caule das plantas-‐com-‐semente<br />
O caule primário é forma<strong>do</strong> pelos meristemas apicais primários, nas monocotiledóneas por regra auxilia<strong>do</strong>s pelos<br />
meristemas de espessamento primário (vd. Os meristemas). A organização <strong>do</strong>s teci<strong>do</strong>s no caule primário é mais<br />
complexa <strong>do</strong> que na raiz porque o caule suporta folhas (e as respetivas gemas axilares) e, por isso, tem que<br />
compreender feixes vasculares (traços) para as abastecer de nutrientes e delas drenar os produtos da fotossíntese.<br />
Como se referiu a respeito da raiz, com o tempo, a estrutura interna <strong>do</strong>s caules e raízes secundárias é idêntica.
51 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
Teci<strong>do</strong>s e meristemas<br />
4.3.2.1. Estrutura primária<br />
Uma vez que a estrutura e nomenclatura <strong>do</strong>s meristemas e teci<strong>do</strong>s caulinares foram abordadas, com algum<br />
detalhe, no ponto Os teci<strong>do</strong>s das plantas vasculares importa apenas recordar aqui que o meristema apical caulinar,<br />
ao contrário <strong>do</strong> que sucede na raiz, se caracteriza pela formação reiterada de entrenós e folhas nos seus flancos.<br />
Estes apêndices laterais são diferencia<strong>do</strong>s a intervalos regulares de tempo designa<strong>do</strong>s por plastocronos. Depois da<br />
diferenciação floral o meristema apical caulinar passa a diferenciar peças florais, em vez de folhas (vd. Os<br />
meristemas).<br />
Num corte transversal de um caule primário distinguem-‐se <strong>do</strong> exterior para o interior, as seguintes estruturas:<br />
epiderme, córtex (primário) e cilindro central.<br />
Epiderme e córtex<br />
A epiderme <strong>do</strong> caule primário tem menos<br />
estomas <strong>do</strong> que a epiderme foliar e rompe-‐se, e<br />
exfolia, mal se inicia o funcionamento <strong>do</strong> câmbio<br />
nas plantas com crescimento secundário. O córtex<br />
primário caulinar corresponde à porção de teci<strong>do</strong><br />
fundamental localiza<strong>do</strong> entre a epiderme e a região<br />
vascular. Ao contrário da raiz, nos caules primários<br />
o córtex está ausente (na maioria das<br />
monocotiledóneas), ou é menos espesso <strong>do</strong> que o<br />
cilindro central e a sua fronteira pouco nítida<br />
(condição característica das gimnospérmicas e<br />
dicotiledóneas).<br />
Quan<strong>do</strong> presente, no córtex primário caulinar é<br />
frequente a diferenciação, por debaixo da<br />
epiderme, de uma hipoderme (vd. Meristemas e<br />
teci<strong>do</strong>s da raiz) com várias células de espessura,<br />
geralmente enrijecida com abundante colênquima.<br />
O colênquima é profuso sobretu<strong>do</strong> nos caules<br />
angulosos, imediatamente por dentro da epiderme<br />
(e.g. caules de Lamiaceae). Nas gramíneas, e outras<br />
monocotiledóneas, o teci<strong>do</strong> de sustentação<br />
subepidérmico é constituí<strong>do</strong> por feixes, por vezes<br />
contínuos e em anel, de fibras de esclerênquima.<br />
Esta zona tecidular leva também o nome de<br />
hipoderme. As células parenquimatosas mais<br />
externas <strong>do</strong> córtex primário são frequentemente<br />
fotossintéticas: constituem um clorênquima e<br />
contribuem para a cor verde da maioria <strong>do</strong>s caules<br />
primários. Dispersos pelo parênquima cortical<br />
surgem, por exemplo, escleritos, fibras de<br />
esclerênquima, feixes de colênquima, e células ou<br />
canais secretores (e.g. de látex na Euphorbiaceae).<br />
Nas plantas aquáticas desenvolve-‐se um<br />
aerênquima no córtex caulinar, assim como no<br />
A<br />
Figura 24. Anatomia <strong>do</strong> caule primário das dicotiledóneas<br />
(corte transversal). A) Caule primário de Ricinus communis<br />
(Euphorbiaceae) «rícino» – a, epiderme; b, córtex; c, bainha<br />
en<strong>do</strong>dermóide com células ricas em grãos de ami<strong>do</strong>; d, células<br />
parenquimatosas; g, parênquima; h, metaxilema; i, protoxilema;<br />
k, parênquima medular (Belzung, 1900). B) Representação<br />
esquemática <strong>do</strong> caule primário de rícino no momento da<br />
diferenciação <strong>do</strong> câmbio vascular (comparar com figura A) – a,<br />
epiderme; b, córtex; c, bainha en<strong>do</strong>dermóide; células de<br />
parênquima; f, floema; g, câmbio; h raio medular; f, xilema; m,<br />
medula (Belzung, 1900). C) Caule de Cannabis sativa<br />
(Cannabaceae) «cânhamo» com evidências de crescimento<br />
secundário – a, epiderme; b fibra de esclerênquima corticais; d,<br />
bainha en<strong>do</strong>dermóide; f, fibras de esclerênquima; g, floema; h,<br />
câmbio; i, xilema (Belzung, 1900).<br />
córtex radicular (vd. Teci<strong>do</strong>s definitivos simples). Com o tempo as paredes das células parenquimatosas corticais<br />
podem lenhificar-‐se, i.e. acumular lenhina nas suas paredes secundárias.<br />
B<br />
C
52 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
No interior <strong>do</strong> caule das dicotiledóneas o córtex contacta directamente com um anel mais ou menos defini<strong>do</strong> de<br />
feixes vasculares (cilindro vascular), ou é delimita<strong>do</strong> por uma camada regular de células ditas en<strong>do</strong>dermóides<br />
(semelhantes às células da en<strong>do</strong>derme), desenvolven<strong>do</strong>-‐se uma bainha en<strong>do</strong>dermóide 32 (Rudal, Anatomy of<br />
Flowering Plants. An Introduction to Structure and Development, 2007). A bainha de ami<strong>do</strong> é uma bainha<br />
en<strong>do</strong>dermóide de células ricas em ami<strong>do</strong>. Em algumas plantas as células da bainha en<strong>do</strong>dermóide chegam a<br />
desenvolver tiras de Caspary. Ainda nas dicotiledóneas, na interface córtex – cilindro vascular pode desenvolver-‐se<br />
um cilindro contínuo de fibras de esclerênquima, com origem no meristema fundamental (fibras perivasculares) ou<br />
no procâmbio (fibras floémicas primárias), que genericamente se podem designar por fibras extraxilémicas primárias<br />
(vd. Colênquima e esclerênquima) (Esau, 1977).<br />
Cilindro central<br />
O cilindro central <strong>do</strong> caule primário é composto por: i) feixes vasculares duplos (com floema e xilema acopla<strong>do</strong>s)<br />
discretos, organiza<strong>do</strong>s (gimnospérmicas e dicotiledóneas), ou não (monocotiledóneas), num anel de teci<strong>do</strong> vascular<br />
(cilindro vascular) mais ou menos evidente, de contorno análogo ao contorno exterior <strong>do</strong> caule; ii) medula. No caule<br />
não ocorre en<strong>do</strong>derme, nem periciclo, duas camadas celulares características da raiz. A medula pode estar<br />
preenchida por teci<strong>do</strong> fundamental (e.g. parênquima de reserva ou aerênquima) ou estar ausente (na maioria das<br />
monocotiledóneas). Muitas gramíneas têm um caule fistuloso, oco por dentro.<br />
Através de cortes transversais sucessivos ao longo <strong>do</strong>s entrenós constata-‐se que os feixes vasculares desenham<br />
espirais caule acima. Em cortes longitudinais ou tangenciais<br />
comprova-‐se ainda que os feixes vasculares, quaisquer que seja o<br />
seu tipo, possuem ramificações laterais que divergem em direção<br />
às folhas (= traços foliares), gemas ou ramificações (caules), ou<br />
ao encontro de outros feixes vasculares estabelecen<strong>do</strong> uma<br />
densa rede.<br />
A disposição <strong>do</strong>s feixes vasculares no caule primário tem uma<br />
forte correlação filogenética, sobretu<strong>do</strong> na dicotomia<br />
monocotiledóneas – eudicotiledóneas. A sua descrição tem três<br />
componentes: i) a arrumação <strong>do</strong> xilema e <strong>do</strong> floema nos feixes<br />
vasculares; ii) a disposição espacial <strong>do</strong>s feixes vasculares nos<br />
entrenós (anatomia entrenodal); ii) disposição <strong>do</strong>s feixes<br />
vasculares nos nós (anatomia nodal).<br />
Os tipos de feixes vasculares mais relevantes no caule<br />
primário das plantas-‐com-‐semente são: i) feixes colaterais – com<br />
um feixe de xilema e outro de floema contíguos (condição mais<br />
frequente nas gimnospérmicas e dicotiledóneas); ii) feixes<br />
bicolaterais – <strong>do</strong>is feixes de floema a flanquear um feixe de<br />
xilema (tipo comum nas apocináceas, cucurbitáceas e<br />
solanáceas); iii) feixes concêntricos – floema ao centro envolvi<strong>do</strong><br />
por xilema (feixes anfivasais; tipo frequente nas<br />
monocotiledóneas, e.g. liliáceas e ciperáceas), ou floema a<br />
circundar o xilema (feixes anficrivais).<br />
Nos entrenós <strong>do</strong>s caules primários das dicotiledóneas (e das<br />
gimnospérmicas) os feixes vasculares são colaterais ou<br />
bicolaterais, abertos (com câmbio vascular entre o xilema e o<br />
floema), em número limita<strong>do</strong>, de tamanho uniforme e dispostos<br />
num anel concêntrico, o cilindro vascular (Figura 24). O floema é<br />
constituí<strong>do</strong> por elementos crivosos, células companheiras e<br />
células parenquimatosas. Os feixes são separa<strong>do</strong>s por assentadas<br />
32 Muitos autores não coíbem de designar por en<strong>do</strong>derme esta camada celular.<br />
Figura 25. Anatomia <strong>do</strong> caule primário das<br />
monocotiledóneas (corte transversal). A) e B)<br />
Caule primário de Zea mays (Poaceae) «milho» –<br />
a, metaxilema; b, protoxilema; c, células<br />
companheiras; d, elementos crivosos; c, lacuna; f,<br />
fibras de esclerênquima organizadas numa<br />
bainha; g, parênquima. N.b. feixes fibrovasculares<br />
dispersos numa matriz de parênquima na figura A<br />
(Sass, 1951).
53 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
de células parenquimatosas, conheci<strong>do</strong>s como raios medulares.<br />
Nas monocotiledóneas os feixes vasculares são de tipo colateral, bicolateral ou anfivasal, fecha<strong>do</strong>s, numerosos,<br />
de tamanho variável e geralmente envolvi<strong>do</strong>s por uma bainha de esclerênquima (Figura 25 A), constituin<strong>do</strong> feixes<br />
fibrovasculares. Estes feixes apresentam-‐se dispersos numa matriz de teci<strong>do</strong> fundamental, embora mais<br />
concentra<strong>do</strong>s em direção à periferia (Figura 25 A). O floema é unicamente composto por elementos crivosos e<br />
células companheiras (Figura 25 B). Nas monocotiledóneas, não é clara a diferenciação <strong>do</strong>s raios medulares e, na<br />
maior parte das espécies, como se referiu, <strong>do</strong> córtex, <strong>do</strong> cilindro vascular e da medula (Figura 25 A). Não cabe neste<br />
<strong>do</strong>cumento explorar as muitas exceções a estes <strong>do</strong>is modelos, genéricos, de anatomia entrenodal de dicotiledóneas<br />
e monocotiledóneas.<br />
Na maior parte das plantas com megafilos 33 (vd. Teoria telomática de W. Zimmermann), na vizinhança <strong>do</strong>s nós<br />
destacam-‐se um ou mais feixes vasculares – os traços foliares (= rastros foliares) – que arqueiam em direção, e se<br />
conectam a um órgão de natureza foliar. Em cortes histológicos transversais na proximidade <strong>do</strong>s nós observa-‐se uma<br />
alteração na disposição <strong>do</strong>s feixes vasculares característica <strong>do</strong>s entrenós. Designa-‐se por lacuna foliar o hiato no<br />
cilindro vascular preenchi<strong>do</strong> com parênquima causa<strong>do</strong> pela divergência <strong>do</strong>s traços. Por cima (em posição distal) <strong>do</strong>s<br />
traços foliares divergem, geralmente em número de <strong>do</strong>is, os traços das gemas, ou <strong>do</strong>s ramos jovens resultantes da<br />
ativação das gemas. A anatomia nodal tem uma grande consistência taxonómica e filogenética. O seu estu<strong>do</strong> pode<br />
ser considera<strong>do</strong> um tema avança<strong>do</strong> de anatomia vegetal.<br />
4.3.2.2. Estrutura secundária<br />
Espessamento secundário nas gimnospérmicas e dicotiledóneas<br />
A iniciação <strong>do</strong> câmbio por entre os feixes primários de floema e xilema, mais concretamente entre o metafloema<br />
e o metaxilema, marca o início <strong>do</strong> crescimento secundário nos caules de gimnospérmicas e dicotiledóneas (recorde-‐<br />
se que as monocotiledóneas não têm câmbio). Os primeiros estádios <strong>do</strong> crescimento secundário são fáceis de<br />
confirmar em cortes histológicos transversais pela presença de xilema secundário e, em particular, de raios xilémicos<br />
(vd. mais adiante) (Figura 26). O crescimento secundário inuma as células <strong>do</strong> proto e <strong>do</strong> metaxilema no interior <strong>do</strong>s<br />
órgãos cilíndricos e as suas funções acabam por ser substituídas pelos novos elementos traqueais diferencia<strong>do</strong>s pelo<br />
cambio vascular. Tanto nas raízes como nos caules secundários jovens o xilema primário é identificável pela ausência<br />
de raios xilémicos, e pela persistência de feixes de xilema radialmente alonga<strong>do</strong>s (no centro da raiz), ou de pequenas<br />
protuberâncias de xilema primário na margem da medula (no caule) (A. Carvalho, com. pessoal). O reconhecimento<br />
macroscópico da posição anatómica <strong>do</strong> câmbio tem um enorme interesse prático em agronomia. Nas enxertias,<br />
sejam elas de encosto, garfo ou borbulha (vd. Reprodução assexuada, vol. III), procura-‐se um contacto íntimo entre o<br />
câmbio <strong>do</strong> enxerto e <strong>do</strong> cavalo. O sucesso das enxertias depende <strong>do</strong> desenvolvimento de um câmbio e,<br />
implicitamente, de um sistema vascular comuns.<br />
No câmbio das gimnospérmicas e angiospérmicas reconhecem-‐se <strong>do</strong>is tipos de células: iniciais fusiformes e<br />
iniciais <strong>do</strong>s raios, as primeiras axialmente alongadas, as segundas sem uma dimensão maior, ambas dividin<strong>do</strong>-‐se<br />
periclinalmente com intensidade. Ciclicamente ocorrem divisões anticlinais radiais de mo<strong>do</strong> a que o câmbio possa<br />
acompanhar o aumento de diâmetro <strong>do</strong> caule (vd. A célula vegetal). As iniciais fusiformes formam o chama<strong>do</strong><br />
sistema axial, constituí<strong>do</strong> por células axialmente alongadas de elementos traqueais (traqueí<strong>do</strong>s, vasos lenhosos,<br />
elementos crivosos ou células crivosas), células albuminosas (nas gimnospérmicas), células companheiras (nas<br />
angiospérmicas), fibras xilémicas e floémicas, e parênquima axial (Figura 26). As iniciais <strong>do</strong>s raios formam o sistema<br />
radial: bandas estreitas radiais de células parenquimatosas, conhecidas por raios vasculares ou raios medulares<br />
secundários (ing. vascular rays, secondary medullary rays), tanto no xilema como no floema. Os raios xilémicos<br />
(associa<strong>do</strong>s ao xilema, ing. xylem rays) e os raios floémicos (intercala<strong>do</strong>s no floema, ing. phloem rays) são<br />
necessariamente contíguos. O parênquima <strong>do</strong> xilema, seja ele axial ou radial, designa-‐se por parênquima lenhoso. O<br />
parênquima lenhoso radial pode ser unisseria<strong>do</strong>, se tiver uma célula de espessura num corte tangencial, ou<br />
33<br />
Nas plantas vasculares com microfilos (licopodiidas) e nos Equisetum (equisetidas, já com megafilos) o cilindro central <strong>do</strong> caule<br />
primário é contínuo.
54 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
plurisseria<strong>do</strong>s se ostentar mais de duas células de espessura. Nas gimnospérmicas, além <strong>do</strong> parênquima lenhoso,<br />
fazem parte <strong>do</strong>s raios xilémicos traqueí<strong>do</strong>s transversais.<br />
A B<br />
Figura 26. Estrutura secundária <strong>do</strong> caule. A) Caule secundário de Spartium juncem (Fabaceae) ainda com<br />
epiderme primária – a, parênquima cortical clorofilino; b, lentícula; c, esclerênquima; d, epiderme; e, parênquima<br />
cortical; f, floema; g, câmbio; h, xilema secundário; i, parênquima medular: j, lacuna central (Palhinha & Cunha,<br />
1939). B) Cortes transversal, tangencial e radial de um tronco de angiospérmica (Ferreirinha, 1958)<br />
A produção de teci<strong>do</strong> vascular secundário oculta rapidamente a estrutura primária. O floema secundário<br />
comporta, como o floema primário, elementos crivosos (ou células crivosas) e células companheiras (ou células<br />
albuminosas), frequentemente acompanhadas por fibras floémicas e parênquima axial floémico. A massa e o volume<br />
<strong>do</strong> floema secundário são residuais quan<strong>do</strong> compara<strong>do</strong>s com o xilema secundário. O crescimento secundário é<br />
<strong>do</strong>mina<strong>do</strong> pelos elementos traqueais <strong>do</strong> xilema secundário (= lenho). Como os traqueí<strong>do</strong>s e os vasos lenhosos são<br />
constituí<strong>do</strong>s por células mortas, qualquer árvore combina um espesso e mecanicamente rígi<strong>do</strong> “core” de teci<strong>do</strong><br />
morto, grosso mo<strong>do</strong> com a forma de um cone, com um delga<strong>do</strong> revestimento de células vivas (câmbio + floema +<br />
vários tipos de parênquima e alguns tipos celulares de menor importância), exteriormente protegi<strong>do</strong> por um<br />
riti<strong>do</strong>ma.<br />
Nas madeiras de árvores de climas tempera<strong>do</strong>s e mediterrânicos, e nas áreas tropicais com estação seca o<br />
câmbio têm uma atividade sazonal: no início da estação de crescimento produz células xilémicas de paredes mais<br />
finas e de maior diâmetro (lenho de início de estação, inicial ou de Primavera), e no final da estação células de<br />
paredes mais espessas e de menor diâmetro (lenho de fim de estação, final ou de Outono). Os <strong>do</strong>is tipos de lenho<br />
depõem-‐se sob a forma de bandas (anéis), em muitas espécies visíveis à vista desarmada, sen<strong>do</strong> o lenho de<br />
Primavera mais claro que o de Outono. Nos anos de Primavera seca a estrutura <strong>do</strong> lenho de Primavera aproxima-‐se<br />
da <strong>do</strong> Outono. O somatório destas duas camadas constitui um anel de crescimento (= camada de crescimento).<br />
A organização espacial de os tipos celulares produzi<strong>do</strong>s pelo câmbio tem um grande valor diagnóstico na<br />
identificação microscópica de madeiras (Ferreirinha, 1958). Nas gimnospérmicas o lenho é constituí<strong>do</strong> apenas por<br />
traqueí<strong>do</strong>s (excepto Gnetidae) e os raios são muito estreitos. Nas espécies com resina – as resinosas na gíria silvícola<br />
– desenvolvem-‐se canais de resina por entre os traqueí<strong>do</strong>s. Os traqueí<strong>do</strong>s transversais assim como os canais de<br />
resina são exclusivos das gimnospérmicas. Ao invés das árvores angiospérmicas, nas gimnospérmicas o lenho de<br />
Primavera é mais espesso <strong>do</strong> que o lenho de Outono. A estrutura das madeiras das folhosas, i.e. das árvores<br />
angiospérmicas, envolve arranjos muito varia<strong>do</strong>s de vasos lenhosos, traqueí<strong>do</strong>s e vários tipos de parênquima axial e<br />
radial que não cabe aqui aprofundar. Um padrão que se repete, porém, é a redução <strong>do</strong> número e diâmetro <strong>do</strong>s vasos<br />
lenhosos ao longo da estação de crescimento. Na terminologia silvícola é habitual falar-‐se em lenho homogéneo e<br />
lenho heterogéneo para diferenciar o lenho das gimnospérmicas (sem elementos <strong>do</strong>s vasos) <strong>do</strong> lenho das<br />
angiospérmicas (com elementos <strong>do</strong>s vasos).<br />
Nos caules primários ou com escasso crescimento secundário, as ramificações são abastecidas por feixes<br />
vasculares provenientes <strong>do</strong> eixo principal (os rastos): há uma continuidade entre os teci<strong>do</strong>s vasculares <strong>do</strong>s eixos e
55 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
das ramificações. Nas plantas lenhosas o teci<strong>do</strong> vascular secundário das ramificações forma uma espécie de cunha<br />
sobre o qual se sobrepõe o crescimento secundário <strong>do</strong> eixo onde se insere o ramo. Os teci<strong>do</strong>s vasculares <strong>do</strong>s eixos e<br />
das ramificações não estão orienta<strong>do</strong>s no mesmo senti<strong>do</strong>, e não são contínuos.<br />
Nos caules secundários as partes mais velhas <strong>do</strong> lenho perdem a <strong>função</strong> de transporte e de reserva (mantêm a de<br />
suporte), e ficam relegadas para as camadas mais profundas <strong>do</strong> caule. No intuito de aumentar a resistência a<br />
parasitas, muitas espécies enchem estas células com resinas, gomas e ceras produzidas no câmbio, e transportadas e<br />
depositadas pelas células <strong>do</strong>s raios xilémicos. Diferencia-‐se, assim, uma parte mais escura e interna <strong>do</strong> lenho – o<br />
cerne, durame, duramen ou lenho inativo – de outra parte clara, externa e parcialmente funcional – o alburno ou<br />
lenho ativo. O cerne e o durame nem sempre se apresentam bem<br />
defini<strong>do</strong>s.<br />
Espessamento primário e secundário nas<br />
monocotiledóneas<br />
O câmbio vascular, como se referiu anteriormente, é exclusivo das<br />
dicotiledóneas. Contu<strong>do</strong>, muitas monocotiledóneas sem crescimento<br />
secundário produzem caules de assinalável espessura, e outras ainda<br />
demonstram crescimentos secundários. A espessura <strong>do</strong> caule da<br />
maioria das monocotiledóneas deve-‐se à ação simultânea de um<br />
meristema apical e de um meristema de espessamento primário<br />
(MEP) (Rudal, Lateral meristems and stem thickening growth in<br />
monocotyle<strong>do</strong>ns, 1991) (Figura 27). O MEP localiza-‐se na proximidade<br />
<strong>do</strong> meristema apical, entre o córtex e a região vascularizada <strong>do</strong> caule.<br />
A sua conexão com o meristema apical é variável mas na maioria das<br />
monocotiledóneas pouco se afasta <strong>do</strong> meristema apical. Consiste<br />
numa camada com várias células de espessura de células<br />
meristemáticas que produzem para fora parênquima e para dentro<br />
feixes vasculares individualiza<strong>do</strong>s numa matriz parenquimatosa,<br />
como é próprio das monocotiledóneas (Figura 27). Em algumas<br />
espécies forma células com paredes espessadas com suberina. Além<br />
<strong>do</strong> engrossamento primário, o MEP é ainda responsável pelo<br />
estabelecimento de ligações vasculares entre o caule e a raiz e as<br />
folhas e, em algumas espécies, pela formação de raízes adventícia na<br />
base <strong>do</strong>s caules.<br />
O crescimento secundário nas monocotiledóneas pode ser difuso<br />
ou resultar da atividade de um meristema de espessamento<br />
secundário (MES) (Rudal, Anatomy of Flowering Plants. An<br />
Introduction to Structure and Development, 2007). O crescimento<br />
difuso faz-‐se pela divisão contínua e alargamento das células<br />
parenquimatosas <strong>do</strong> teci<strong>do</strong> fundamental. O assinalável diâmetro<br />
atingi<strong>do</strong> pelas palmeiras (Arecaceae) resulta da conjugação de um<br />
MEP de grande dimensão com o crescimento difuso. O MES, ao<br />
contrário <strong>do</strong> MEP, afasta-‐se <strong>do</strong> meristema apical e desce pelos<br />
caules, toman<strong>do</strong> uma posição lateral como o câmbio (Figura 28).<br />
Todavia o MES funciona de forma distinta <strong>do</strong> câmbio: diferencia<br />
centrifugamente (para fora) parênquima e centriptamente<br />
parênquima com feixes vasculares dispersos (para dentro),<br />
radialmente alonga<strong>do</strong>s (Figura 28). Praticamente todas as<br />
monocotiledóneas com MES enquadram-‐se na ordem Asparagales<br />
(Rudal, Anatomy of Flowering Plants. An Introduction to Structure<br />
and Development, 2007), na qual se enquadram entre outros, três<br />
Figura 27. Estrutura <strong>do</strong> meristema de<br />
espessamento primário numa<br />
monocotiledónea. Corte radial adapta<strong>do</strong> de<br />
(DeMason, 1983).<br />
Figura 28. Crescimento secundário nas<br />
monocotiledóneas. Corte transversal de um<br />
caule de Dracaena sp. «dragoeiro» com<br />
crescimento secundário recente. b, rastro<br />
foliar; e, epiderme; g feixes vasculares<br />
primários; k, periderme; r, córtex; x,<br />
meristema de espessamento secundário no<br />
qual se diferenciam já feixes vasculares<br />
secundários (g*) e teci<strong>do</strong> fundamental<br />
secundário (st) (Sachs, 1874).
56 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
géneros muito cultiva<strong>do</strong>s em Portugal: Agave (Agavaceae), Aloe (Xanthorrhoeaceae), Cordyline (Asparagaceae) e<br />
Dracaena (Asparagaceae).<br />
A ausência de câmbio vascular nas monocotiledóneas dificulta e limita a sua ramificação aérea. Nas<br />
monocotiledóneas, em particular nas lenhosas, os primeiros nós das ramificações laterais são curtos e de diâmetro<br />
progressivamente maior. Este facto cria uma zona de fragilidade mecânica na proximidade das ramificações (óbvias<br />
em Dracaena draco «dragoeiro»), aproveitadas por algumas espécies para se propagarem vegetativamente.<br />
Felogene e riti<strong>do</strong>ma<br />
O aumento de diâmetro <strong>do</strong>s caules secundário – tanto nas<br />
monocotiledóneas como das dicotiledóneas e nas gimnospérmicas – cria<br />
tensões mecânicas em to<strong>do</strong>s os teci<strong>do</strong>s exteriores ao câmbio. Sem o<br />
apoio de um meristema especializa<strong>do</strong> na produção de periderme – a<br />
felogene (= câmbio suberoso ou câmbio subero-‐felodérmico) – os caules<br />
abririam fendas expon<strong>do</strong> as células vivas <strong>do</strong> floema e <strong>do</strong> câmbio ao<br />
exterior. A felogene produz felema para o exterior e feloderme para o<br />
interior (Figura 29). O felema (= suber) é um teci<strong>do</strong> de células mortas na<br />
maturação, espessadas com suberina, uma substância hidrofóbica, por<br />
vezes complementada com lenhina. A suberina tem por <strong>função</strong> reduzir as<br />
perdas de água e proteger as plantas contra parasitas, impactos de<br />
objetos e a radiação solar. A feloderme (= córtex secundário) é um teci<strong>do</strong><br />
parenquimatoso de reserva. Algumas árvores, sobretu<strong>do</strong> nos trópicos,<br />
têm troncos verdes, porque as células da feloderme possuem<br />
cloroplastos. O conjunto “feloderme + felogene + felema” constitui a<br />
periderme. A periderme substitui a epiderme nos caules e raízes com<br />
crescimento secundário. A felogene (e a periderme) pode ainda<br />
diferenciar-‐se numa ferida ou nas regiões de abcisão de folhas e frutos.<br />
No primeiro caso contribui para a reparação de feridas, e no segun<strong>do</strong> ao<br />
formar uma zona de abcisão impele a queda de folhas e frutos.<br />
Numa fase inicial <strong>do</strong> crescimento secundário <strong>do</strong> caule os estomas são<br />
circunda<strong>do</strong>s por teci<strong>do</strong> suberoso (felema), que se destaca no fun<strong>do</strong> verde<br />
da epiderme pela sua cor acastanhada ou avermelhada. Nos ramos<br />
lenhosos os estomas são substituí<strong>do</strong>s por pequenas saliências na casca,<br />
com um pequeno poro no centro, designadas por lentículas. Constituem<br />
Figura 29. Diferenciação da periderme<br />
num caule com crescimento secundário.<br />
Corte transversal de um caule de Ribes<br />
rubrum (Grossulariaceae) «groselheira»).<br />
b, floema; c, felogene; epiderme (e) e<br />
córtex (pr) já mortos, em vias de<br />
exfoliação; K, periderme; k, felema; pd,<br />
feloderme; h, pelo (Sachs, 1874).<br />
as lentículas aglomera<strong>do</strong>s pouco organiza<strong>do</strong>s de células (mortas), não ou escassamente impregnadas de suberina,<br />
por onde todavia se realizam algumas trocas gasosas. As lentículas são difíceis de identificar nos caules lenhosos de<br />
riti<strong>do</strong>ma espesso e escuro<br />
Nas plantas lenhosas as feridas que não atingem o câmbio são reparadas rapidamente. A recuperação das feridas<br />
mais profundas envolve, em primeiro lugar, o isolamento e a consequente aniquilação (compartimentalização) das<br />
células danificadas de mo<strong>do</strong> a impedir a penetração microrganismos patogénicos. Por debaixo das células<br />
danificadas diferencia-‐se um calo (vd. Os meristemas), usualmente a partir de células <strong>do</strong> parênquima lenhoso <strong>do</strong>s<br />
raios <strong>do</strong> xilema. Das células <strong>do</strong> calo inicia-‐se um câmbio ao mesmo tempo que se regenera uma felogene (Pallardy,<br />
2007). A cicatrização das feridas avança <strong>do</strong> bor<strong>do</strong> para o interior. A eficiência deste processo varia de espécie para<br />
espécie, e depende <strong>do</strong> vigor e da idade das plantas, e da severidade das feridas. A reparação das feridas ocorridas<br />
durante os perío<strong>do</strong>s de atividade cambial (na Primavera-‐início <strong>do</strong> Verão nas áreas de clima tempera<strong>do</strong> ou<br />
mediterrânico) é mais rápida (Pallardy, 2007).<br />
O aumento <strong>do</strong> diâmetro obriga, a uma renovação cíclica da felogene, geralmente anual, com a diferenciação de<br />
uma nova felogene por dentro da anterior. O novo felema isola e induz a morte de to<strong>do</strong>s os teci<strong>do</strong>s a ele exteriores,<br />
processo que leva ao enriquecimento da periderme com novas camadas de teci<strong>do</strong> morto. Nas plantas lenhosas<br />
adultas apelida-‐se por riti<strong>do</strong>ma (= casca seca) o complexo de teci<strong>do</strong>s exteriores à felogene ativa, onde sempre<br />
pre<strong>do</strong>mina o felema. O entrecasco (= casca interna) engloba os teci<strong>do</strong>s vivos conti<strong>do</strong>s entre o câmbio e a felogene. O
57 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
termo casca genericamente é aplica<strong>do</strong> ao conjunto <strong>do</strong>s teci<strong>do</strong>s exteriores ao câmbio (entrecasco + riti<strong>do</strong>ma), entre<br />
os quais se inclui o floema e o riti<strong>do</strong>ma. Algumas espécies produzem bandas de células de paredes delgadas para<br />
facilitar a rotura <strong>do</strong> riti<strong>do</strong>ma e a sua acomodação ao aumento <strong>do</strong> diâmetro <strong>do</strong> caule. Assim se explica que em certas<br />
espécies as casca se destaque, por exemplo, em fitas horizontais (e.g. Betula alba<br />
«bi<strong>do</strong>eiro» Betulaceae), em fitas verticais (e.g. Eucalyptus globulus «eucalipto»<br />
Myrtaceae) ou em placas Platanus orientalis [Platanaceae] «plátano»).<br />
A casca destaca-‐se com facilidade (pelo câmbio) durante os perío<strong>do</strong>s de intensa<br />
atividade cambial, sobretu<strong>do</strong> nos caules jovens. Este facto é aproveita<strong>do</strong>, por exemplo,<br />
para realizar enxertias de borbulha. Em contrapartida fragiliza os caules tornan<strong>do</strong>-‐os<br />
mais sensíveis a toques de máquinas agrícolas e outros acidentes mecânicos. O câmbio<br />
em contato com o exterior morre e forma-‐se uma ferida. As plantas lenhosas possuem,<br />
como se referiu, mecanismos de reparação de feridas de pequena dimensão. Se a casca<br />
é retirada em re<strong>do</strong>r de to<strong>do</strong> o tronco, i.e. caso se verifique uma incisão anelar, deixa de<br />
haver uma continuidade no floema. Primeiro morrem as raízes de fome, e em seguida a<br />
planta colapsa. A casca <strong>do</strong> sobreiro pode ser extraída pela feloderme sem danificar o<br />
câmbio. A árvore gera uma nova feloderme e o crescimento <strong>do</strong> riti<strong>do</strong>ma – da cortiça –<br />
é retoma<strong>do</strong>.<br />
Lenho de reação<br />
O crescimento e a consequente acumulação de massa suscitam, nas plantas<br />
lenhosas, fortes tensões na proximidade <strong>do</strong> ponto de inserção <strong>do</strong>s ramos próximos da<br />
horizontal (patentes). Os teci<strong>do</strong>s lenhosos estão sujeitos a forças de tração ou de<br />
compressão consoante se situem na parte superior, ou inferior, da base <strong>do</strong>s ramos<br />
patentes. O stress imposto pela gravidade incrementa a velocidade da divisão celular<br />
no câmbio vascular e uma sobreprodução de xilema. Este excesso de xilema é<br />
designa<strong>do</strong> por lenho de reação. Nas angiospérmicas o lenho de reação acumula-‐se na<br />
parte superior <strong>do</strong>s ramos – lenho de tração – e nas gimnospérmicas na parte inferior –<br />
lenho de compressão. O lenho de reação diminui a qualidade tecnológica das madeiras<br />
e, geralmente, é perceptível através da observação macroscópica <strong>do</strong>s ramos,<br />
particularmente nas árvores de casca lisa.<br />
4.3.3. Alongamento, ramificação e cla<strong>do</strong>ptose<br />
O crescimento <strong>do</strong>s caules nas plantas com corpo secundário tem duas componentes<br />
– o alongamento e o espessamento – respectivamente conduzidas pelo meristema<br />
apical e pelo câmbio vascular nas dicotiledóneas s.l., ou pelo meristema de<br />
espessamento secundário, nas monocotiledóneas com crescimento secundário (vd. Os<br />
meristemas). A ramificação é governada por meristemas axilares ou adventícios. Uma<br />
vez ativa<strong>do</strong>s, estes meristemas adquirem a <strong>função</strong> e as características <strong>do</strong>s meristemas<br />
apicais.<br />
Gemas<br />
Os meristemas não contactam diretamente com o exterior: enquanto funcionais<br />
permanecem envolvi<strong>do</strong>s por várias camadas de folhas. Estas podem ser simples<br />
esboços foliares (= folhas em início de desenvolvimento, recém-‐diferenciadas no<br />
meristema periférico) ou folhas modificadas, geralmente escamiformes, rijas e sem<br />
clorofila, designadas por catáfilos (vd. Tipos de filomas) (Figura 30). A estrutura<br />
constituída pelos esboços foliares, pelos catáfilos (nem sempre presentes) e pelas<br />
células caulinares recém-‐diferenciadas, mais o meristema que lhes deu origem designa-‐<br />
se por gema. A gema pode achar-‐se ativa, a diferenciar caule e folhas, ou quiescente (=<br />
inativa), apresentan<strong>do</strong>-‐se, ou não, envolvida por folhas de proteção especializadas.<br />
A<br />
B<br />
C<br />
Figura 30. Importância<br />
taxonómica da morfologia<br />
gomos. A forma das<br />
escamas <strong>do</strong>s gomos e a<br />
presença de resinas<br />
permite distinguir alguns<br />
Pinus (Pinaceae): A) P.<br />
pinaster «pinheiro-‐bravo»<br />
e B) P. pinea «pinheiro-‐<br />
manso». C) Sorbus<br />
<strong>do</strong>mestica (Rosaceae)<br />
«sorveira-‐comum» tem<br />
gomos viscosos; embora<br />
de morfologia semelhante<br />
o S. aucuparia «sorveira-‐<br />
<strong>do</strong>s-‐passarinhos» tem<br />
gomos secos.
58 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
Os meristemas, sobretu<strong>do</strong> enquanto ativos, são muito frágeis: quebram ou esmagam-‐se com facilidade e<br />
necrosam em condições ambientais extremas. O funcionamento <strong>do</strong>s meristemas é interrompi<strong>do</strong> no início <strong>do</strong> perío<strong>do</strong><br />
desfavorável ao crescimento vegetal nos territórios com uma estação demasia<strong>do</strong> fria, ou demasia<strong>do</strong> seca, para evitar<br />
danos irreparáveis nas células meristemáticas e nos teci<strong>do</strong>s jovens. Até ao final da estação desfavorável os<br />
meristemas permanecem protegi<strong>do</strong>s em gemas apicais, ou axilares. Na maioria das plantas perenes das regiões com<br />
uma estação fria a quiescência <strong>do</strong>s gomos, i.e. a interrupção da sua atividade, tem um controlo genético, por via<br />
hormonal. Por isso, a exposição a condições ambientais favoráveis não é suficiente para uma retoma da atividade<br />
meristemática. Este tipo de quiescência, conheci<strong>do</strong> por <strong>do</strong>rmência, assegura a sincronização <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> de<br />
crescimento com a estação favorável.<br />
A prefolheação e a vernação, são, respectivamente, a forma como os esboços foliares se arrumam<br />
individualmente ou em grupo no gomo (vd. Ptixia e vernação). O número de folhas diferenciadas retidas no interior<br />
<strong>do</strong>s gomos varia de espécie para espécie. Nos trópicos as folhas expandem-‐se pouco depois da sua diferenciação:<br />
verifica-‐se uma neoformação de folhas sempre que os gomos estejam ativos. Nos gomos hibernantes da maioria das<br />
árvores de clima tempera<strong>do</strong> (e.g. maioria das Rosaceae de frutos edíveis) existe uma pré-‐formação das folhas: os<br />
gomos encerram os esboços de todas as folhas a serem expandidas, por alargamento celular, na Primavera. A forma<br />
<strong>do</strong>s esboços foliares preforma<strong>do</strong>s assemelha-‐se à das folhas adultas e cada esboço axila já um pequeno meristema<br />
axilar. Exemplos intermédios entre a neo e a pré-‐formação de folhas são também frequentes.<br />
Na quebra da <strong>do</strong>rmência, além de um relógio interno das próprias plantas – a <strong>do</strong>rmência esbate-‐se com o tempo,<br />
– participam diversos sinais ambientais, e.g. exposição a temperaturas baixas, exposição a temperaturas elevadas e<br />
comprimento <strong>do</strong> dia. A combinação e a intensidade <strong>do</strong>s sinais necessários para a quebra da <strong>do</strong>rmência nas plantas<br />
cultivadas varia de espécie para espécie, e ao nível da cultivar. No início da estação favorável os gomos abrolham: a<br />
atividade meristemática é reiniciada, os gomos incham, o alongamento <strong>do</strong> caule afasta as folhas de proteção e o<br />
meristema encapsula<strong>do</strong> por folhas imaturas emerge <strong>do</strong> interior <strong>do</strong> gomo. Os catáfilos acabam por se destacar <strong>do</strong><br />
caule e tombar no solo, deixan<strong>do</strong> uma cicatriz. As cicatrizes <strong>do</strong>s catáfilos apresentam-‐se agrupadas num anel (anel<br />
cicatricial), mais ou menos marca<strong>do</strong>, por vezes ligeiramente deprimi<strong>do</strong>, muito útil para monitorizar o crescimento<br />
<strong>do</strong>s ramos <strong>do</strong> ano. Estes anéis permitem, em muitas espécies (e.g. Rosaceae lenhosas temperadas), identificar a<br />
idade <strong>do</strong>s ramos não poda<strong>do</strong>s – o número de anéis cicatriciais coincide com número de anos – e determinar com<br />
precisão a idade das plantas jovens.<br />
Nos regiões tropicais húmidas as plantas crescem permanentemente, com pequenas interrupções irregulares<br />
nem sempre correlacionadas com variáveis ambientais. Tanto nos trópicos como nas áreas de clima tempera<strong>do</strong> ou<br />
mediterrânico mais benigno, durante os perío<strong>do</strong>s desfavoráveis os meristemas quiescentes por regra não estão<br />
protegi<strong>do</strong>s por catáfilos. Os meristemas <strong>do</strong>s caules aquáticos também raramente têm catáfilos.<br />
Reconhecem-‐se <strong>do</strong>is tipos de gemas: gomos e olhos (Vasconcellos, 1969). Os gomos são gemas protegidas por<br />
catáfilos ( 30); e.g. olhos da batata. As gemas não ou escassamente protegidas por catáfilos tomam a designação de<br />
olhos 34 (= gomos nus). A classificação das gemas tem uma grande importância prática, por exemplo, é indispensável<br />
em propagação e na poda de plantas ornamentais ou de árvores fruteiras. Os gomos (e os olhos) são classifica<strong>do</strong>s de<br />
acor<strong>do</strong> com seis critérios expostos no Quadro 12.<br />
Quadro 12. Tipologia <strong>do</strong>s gomos (Vasconcellos, 1969) com adições<br />
Critério de<br />
classificação/tipo<br />
Quanto à situação<br />
Aéreos<br />
Subterrâneos<br />
Descrição<br />
forma<strong>do</strong>s em caules aéreos (inc. superficiais – se forma<strong>do</strong>s na proximidade da superfície <strong>do</strong> solo,<br />
e.g. no colo de uma árvore)<br />
localiza<strong>do</strong>s abaixo da superfície <strong>do</strong> solo<br />
34 Em fruticultura – ramo da agronomia dedica<strong>do</strong> ao cultivo de espécies fruteiras – o termo olho é aplica<strong>do</strong> aos gomos folheares.
59 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
Aquáticos<br />
Quanto à natureza<br />
Folheares<br />
Florais (= botões)<br />
Mistos<br />
Quanto à posição<br />
Terminais<br />
(= apicais)<br />
Axilares<br />
(= laterais)<br />
Adventícios<br />
Quanto à inserção<br />
Alternos<br />
Opostos<br />
Verticila<strong>do</strong>s<br />
Quanto à disposição<br />
submersos na água<br />
dão origem a caules estéreis (sem flores), curtos (braquiblastos estéreis) ou longos (macroblastos<br />
estéreis); condição mais comum<br />
produzem um caule curto (braquiblasto florífero, vd. Posição das inflorescências nos ramos <strong>do</strong><br />
ano de plantas lenhosas) com uma flor ou uma inflorescência, provi<strong>do</strong> ou não de folhas<br />
especializadas na <strong>função</strong> de assimilação (= nomofilos); e.g. frequentes nas pomoideas e<br />
prunoideas<br />
produzem caules, mais ou menos longos (macroblastos floríferos), com flores solitárias ou<br />
inflorescências, estan<strong>do</strong> estas previamente diferenciadas na axila de esboços foliares conti<strong>do</strong>s no<br />
gomo (e.g. castanheiro) ou terem uma posição terminal (e.g. castanheiro-‐da-‐índia)<br />
localiza<strong>do</strong>s na extremidade <strong>do</strong>s eixos caulinares; abrigam, no seu interior, meristemas apicais;<br />
algum gomos correntemente interpreta<strong>do</strong>s como apicais são na realidade gomos axilares em<br />
posição terminal em consequência <strong>do</strong> abortamento <strong>do</strong> gomo apical (e.g. castanheiro)<br />
forma<strong>do</strong>s na axila das folhas, consequentemente localiza<strong>do</strong>s abaixo de um gomo terminal;<br />
acolhem, no seu interior, um ou mais meristemas axilares (= meristemas laterais)<br />
forma<strong>do</strong>s, a posteriori, numa posição atípica, sem relação com a extremidade <strong>do</strong>s eixos<br />
caulinares ou a axila das folhas; contêm meristemas adventícios<br />
posiciona<strong>do</strong>s na axila de folhas alternas. Podem ainda ser: espirala<strong>do</strong>s – dispostos em espiral ao<br />
longo <strong>do</strong>s caules; dísticos (= distica<strong>do</strong>s) – dispostos no mesmo plano; condição mais frequente<br />
diferencia<strong>do</strong>s na axila de folhas opostas; quan<strong>do</strong> os gomos de <strong>do</strong>is nós sucessivos se encontram<br />
em <strong>do</strong>is planos ortogonais (perfazen<strong>do</strong> um ângulo de 90°) dizem-‐se oposto-‐cruza<strong>do</strong>s (=<br />
decussa<strong>do</strong>s); e.g. oleáceas<br />
forma<strong>do</strong>s na axila de folhas verticiladas<br />
Colaterais 2 ou mais gomos, uns ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong>s outros; e.g. pessegueiro (3 gomos) e videira-‐europeia (2 ou 3<br />
gomos) (Figura 31 B)<br />
Sobrepostos<br />
Quanto à evolução<br />
Prontos<br />
Hibernantes<br />
Dormentes<br />
Quanto ao número<br />
de meristemas<br />
2 ou mais gomos, na direção <strong>do</strong> eixo caulinar (longitudinalmente justapostos); e.g. nogueira-‐<br />
europeia (Figura 31 A)<br />
evoluem na mesma estação de crescimento em que são forma<strong>do</strong>s; e.g. gomo lateral da videira-‐<br />
europeia<br />
abrolham no ano seguinte à sua formação; e.g. a maioria <strong>do</strong>s gomos das árvores fruteiras de<br />
climas tempera<strong>do</strong>s<br />
permanecem num esta<strong>do</strong> de vida latente durante <strong>do</strong>is ou mais anos, poden<strong>do</strong> nunca abrolhar;<br />
condição frequente nas plantas lenhosas<br />
Simples com um meristema; condição mais frequente nas plantas-‐com-‐flor<br />
Compostos com <strong>do</strong>is ou mais meristemas; e.g. gomos compostos hibernantes da videira-‐europeia (Figura 32)
60 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
A “inserção <strong>do</strong>s gomos” (e <strong>do</strong>s olhos) depende da<br />
disposição espacial das folhas (= filotaxia) e tem um efeito<br />
muito marca<strong>do</strong> na estrutura das copas das árvores (vd.<br />
Filotaxia). O critério “disposição <strong>do</strong>s gomos” reflete o facto de<br />
na axila das folhas poderem coexistir vários gomos.<br />
Os gomos são particularmente difíceis de interpretar na<br />
videira-‐europeia. Os nós <strong>do</strong>s sarmentos <strong>do</strong> ano de videira-‐<br />
europeia apresentam um gomo lateral pronto, mais um ou,<br />
raramente, <strong>do</strong>is gomos compostos hibernantes (Vasconcelos,<br />
Greven, Winefield, Trought, & Raw, 2009) (Figura 32 A). O<br />
gomo lateral pronto dá origem às netas (ramos laterais); se<br />
não abrolhar acaba por senescer (morre) no Outono ou no<br />
Inverno deixan<strong>do</strong> para trás uma cicatriz (Figura 32 B e C). Os<br />
gomos compostos hibernantes são folheares ou mistos; na<br />
Primavera seguinte à sua formação dão origem a um<br />
sarmento que poderá apresentar, ou não, cachos de flores<br />
opostos às folhas basais. O gomo lateral é axila<strong>do</strong> pela folha <strong>do</strong> sarmento; os gomos hibernantes diferenciam-‐se na<br />
primeira, ou na primeira e segunda folhas (profilos muito modifica<strong>do</strong>s, vd. Tipos de filomas) <strong>do</strong> gomo lateral. Cada<br />
gomo composto hibernante, por sua vez, comporta 3 gemas, uma principal, e duas secundárias, formadas na axila<br />
<strong>do</strong>s <strong>do</strong>is primeiros esboços (profilos) foliares da gema primária (Figura 32 C); a gema primária, consoante as<br />
variedades, produz 10 a 12 esboços foliares antes de entrar em <strong>do</strong>rmência, destina<strong>do</strong>s a expandirem-‐se na estação<br />
de crescimento seguinte.<br />
c<br />
Número<br />
a<br />
A B<br />
b<br />
a<br />
b<br />
c<br />
A B<br />
Figura 31. Tipologia <strong>do</strong>s gomos. A) Juglans regia<br />
(Juglandaceae) «nogueira»: a) gomo apical, b) cicatriz<br />
foliar, c) gomos sobrepostos. B) Gomos colaterais em<br />
Prunus persica (Rosaceae) «pessegueiro»: os <strong>do</strong>is<br />
gomos laterais são florais e o central folhear.<br />
Figura 32. Tipologia <strong>do</strong>s gomos de Vitis vinífera (Vitaceae). A) Sarmento <strong>do</strong> ano de Vitis vinífera (Vitaceae):<br />
a) neta proveniente de um gomo lateral pronto, b) gomo composto hibernante, c) folha. B) Sarmento<br />
atempa<strong>do</strong>: a) cicatriz de um gomo lateral pronto aborta<strong>do</strong>, b) gomo composto hibernante, c) cicatriz da folha.<br />
C) Corte transversal de um gomo composto hibernante: a) cicatriz foliar, b) cicatriz de um gomo lateral pronto<br />
aborta<strong>do</strong>, c) gema secundária, d) gema primária, e) gema secundária.<br />
As plantas podem ter um a muitos caules. Em algumas famílias, sobretu<strong>do</strong> entre as Poaceae «gramíneas»,<br />
Cyperaceae e Juncaceae «juncos», muitas espécies afilham com facilidade, i.e. diferenciam um grande número de<br />
novos caules a partir <strong>do</strong>s meristemas axilares das folhas basais. Nestas plantas de cada axila emerge um único caule;<br />
os caules filhos, por sua vez, podem originar novos caules, e assim por diante. Nas plantas ditas cespitosas estes<br />
caules brotam compacta<strong>do</strong>s em grande número numa pequena toiça, próximo da superfície <strong>do</strong> solo. Nas plantas<br />
lenhosas o conceito de número só é aplica<strong>do</strong> aos arbustos. A formação de novos caules nas plantas vivazes – plantas<br />
perenes que renovam anualmente a parte aérea, – nos arbustos e nas árvores, salvo raras exceções, deve-‐se à<br />
diferenciação e ativação de gomos apicais ou axilares.<br />
C<br />
a<br />
b<br />
a<br />
b<br />
c<br />
c<br />
d e
61 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
Alongamento rameal<br />
Consoante o comportamento <strong>do</strong> meristema apical de um eixo caulinar assim se reconhecem <strong>do</strong>is tipos de<br />
alongamento rameal: monopodial e simpodial (Figuras 33 e 34). Nos ramos de alongamento monopodial (ing.<br />
monopodial growth), i.e. nos monopódios, o alongamento faz-‐se pela justaposição de unidades monopodiais<br />
formadas durante os perío<strong>do</strong>s de atividade <strong>do</strong> meristema apical. Este sistema de alongamento é <strong>do</strong>minante nas<br />
gimnospérmicas. O Ilex aquifolium (Aquifoliaceae) «azevinho» é uma conhecida angiospérmica de alongamento<br />
monopodial.<br />
No alongamento de tipo simpodial (ing. sympodial growth), o meristema apical <strong>do</strong> eixo caulinar no final, ou ainda<br />
durante o perío<strong>do</strong> de crescimento aborta ou diferencia-‐se numa flor, numa gavinha ou num espinho. No perío<strong>do</strong> de<br />
crescimento seguinte o alongamento <strong>do</strong>s ramos é continua<strong>do</strong> por um <strong>do</strong>s meristemas axilares mais próximos <strong>do</strong><br />
ápice caulinar, necessariamente situa<strong>do</strong> na axila de uma folha ou de uma cicatriz foliar. Um simpódio é constituí<strong>do</strong><br />
por unidades simpodiais (= caulómeros). O alongamento simpodial é <strong>do</strong>minante nas angiospérmicas, sobretu<strong>do</strong> nas<br />
monocotiledóneas, e evolutivamente anterior ao alongamento monopodial (Carlquist, 2009). A identificação de um<br />
simpódio nem sempre é fácil porque o gomo apical pode estar condensa<strong>do</strong> na extremidade distal <strong>do</strong> ramo com um<br />
grande número de gomos axilares, como acontece nos Quercus (Fagaceae). O alongamento simpodial é fácil de<br />
reconhecer em Vitis vinifera (Vitaceae) «videira-‐europeia», Corylus avellana (Betulaceae) «aveleira», Aesculus<br />
(Sapindaceae) «castanheiros-‐da-‐índia» e em numerosas plantas anuais, e.g. Ranunculus (Ranunculaceae)<br />
«ranúnculos» e Solanum lycopersicum (Solanaceae) «tomateiro». Na videira e nas solanáceas cultivadas, entre<br />
outros exemplos, o alongamento simpodial coloca os cachos numa posição oposta a uma folha (Figura 34).<br />
A B<br />
Figura 34. Ramos simpodiais e monopodiais. A) Ramo simpodial de Aesculus hippocastanum (Sapindaceae) «castanheiro-‐<br />
da-‐índia»; n.b. que o alongamento se fez com um gomo axilar e, por esse motivo, se identifica uma ondulação no contacto<br />
entre da madeira <strong>do</strong> 2º ano e o ramo <strong>do</strong> ano (imagem da esquerda). B) Ramo monopodial de Malus <strong>do</strong>mestica (Rosaceae)<br />
«macieira»; n.b. lentículas (pequenas pontuações suberosas dispersas no ramo <strong>do</strong> ano).<br />
A B<br />
Figura 33. Simpódio. A) Formação de um simpódio no qual o meristema apical se diferencia numa flor, ou numa<br />
inflorescência, que acaba por tomar uma posição lateral; n.b. ausência de folha axilante na flor ou inflorescência<br />
(inspira<strong>do</strong> em van Wyk & van Wyk, 2006). B) Simpódio de videira-‐europeia: a) gavinha de origem caulinar, b) gomo<br />
composto hibernante, c) cacho senescente; n.b. que tanto a gavinha como o cacho se opõem a um gomo composto<br />
hibernante de acor<strong>do</strong> com o modelo exposto na Figura A).<br />
B<br />
b<br />
a<br />
a<br />
b<br />
c<br />
c
62 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
Os sistemas de alongamento monopodial e simpodial repetem-‐se nos rizomas e nas inflorescências. Assim,<br />
existem rizomas monopodiais e simpodiais. As inflorescências monopodiais dizem-‐se indefinidas e as simpodiais<br />
definidas (vd. Inflorescência, Tipos fundamentais).<br />
Intensidade <strong>do</strong> alongamento<br />
Como se referiu anteriormente, os caules alongam-‐se pela<br />
extremidade. O comprimento atingi<strong>do</strong> por um caule durante uma<br />
estação de crescimento depende <strong>do</strong> comprimento <strong>do</strong>s entrenós e <strong>do</strong><br />
número de entrenós produzi<strong>do</strong>s pelo meristema apical. O<br />
comprimento <strong>do</strong>s entrenós – i.e. a intensidade <strong>do</strong> alongamento – varia<br />
de espécie para espécie, e entre os caules de um mesmo indivíduo.<br />
Distinguem-‐se <strong>do</strong>is tipos fundamentais de caules quanto à intensidade<br />
<strong>do</strong> alongamento: macroblastos e braquiblastos. Os macroblastos são<br />
caules mais ou menos compri<strong>do</strong>s e de entrenós longos; e.g. sarmento,<br />
turião e ramos vegetativos da maioria das árvores e arbustos. Os<br />
braquiblastos, pelo contrário, têm entrenós curtos, por vezes<br />
indistintos ou quase a olho nu e, se presentes, com folhas dispostas em<br />
roseta (i.e. que parecem sair todas <strong>do</strong> mesmo ponto, em fascículos). Os<br />
géneros Cedrus «cedros», Larix «larícios» ou Pinus «pinheiros», da<br />
família das Pinaceae, produzem todas ou a maioria das folhas em<br />
braquiblastos; são também muito frequentes nas angiospérmicas<br />
lenhosas (e.g. Rosaceae) (Figura 35).<br />
Figura 35. Intensidade <strong>do</strong> alongamento.<br />
Prunus avium (Rosaceae) «cerejeira»<br />
braquiblastos e macroblastos. Legenda: a)<br />
macroblastos (ramo normal), b)<br />
braquiblasto (esporão); n.b. que o<br />
braquiblasto tem 3 anos de idade<br />
(identificam-‐se 3 anéis cicatriciais)<br />
Muitas das adaptações demonstradas pelas plantas ao nível <strong>do</strong>s órgãos vegetativos envolveram o alongamento<br />
ou o encurtamento <strong>do</strong>s entrenós. Estas adaptações são recorrentes em diversas linhagens de plantas-‐com-‐flor, e<br />
evolutivamente reversíveis, talvez porque exijam pouca informação génica (reduzi<strong>do</strong> número de genes envolvi<strong>do</strong>s).<br />
Os escapos e os estolhos – <strong>do</strong>is tipos particulares de caule mais adiante descritos – têm os entrenós<br />
desmesuradamente longos. As rosetas de folhas, os bolbos e a flor, a maior de todas as inovações evolutivas das<br />
angiospérmicas, implicaram um encurtamento <strong>do</strong>s entrenós. Nos Populus (Salicaceae) «choupos», nos Fraxinus<br />
(Oleaceae) «freixos», nos Acer (Sapindaceae) «bor<strong>do</strong>s» e em muitas árvores com frutos de interesse económico –<br />
e.g. Juglans regia (Juglandaceae) «nogueira» ou entre as Rosaceae, Prunus dulcis «amen<strong>do</strong>eira», Prunus persica<br />
«pessegueiro», Malus «macieiras», Pyrus «pereiras» e Sorbus «sorveiras» – coexistem macroblastos e braquiblastos,<br />
respectivamente especializa<strong>do</strong>s na produção de gomos folheares e florais.<br />
Os braquiblastos rugosos e muito curtos são designa<strong>do</strong>s por esporões (Figura 35). A rugosidade é devida às<br />
cicatrizes resultantes da inserção de folhas e pedúnculos florais. A maioria <strong>do</strong>s gomos <strong>do</strong>s esporões é de tipo floral,<br />
sen<strong>do</strong> o alongamento opera<strong>do</strong> por um ou mais gomos folheares. Podem ser rectos (de grande comprimento em<br />
Prunus avium «cerejeira») ou tortuosos (e.g. Pyrus «pereiras») consoante se alonguem por gomos folheares apicais<br />
(alongamento monopodial) ou axilares (alongamento simpodial); raramente são ramifica<strong>do</strong>s. Nos esporões de Pyrus<br />
«pereiras», Malus «macieiras» e na Magnolia x soulangeana (Magnoliaceae) «magnólia-‐de-‐soulange» formam-‐se<br />
um ou mais entrenós engrossa<strong>do</strong>s, com <strong>função</strong> de reserva, designa<strong>do</strong>s por bolsas. Na pereira os esporões são<br />
precedi<strong>do</strong>s pelos dar<strong>do</strong>s: a partir de um gomo axilar evoluciona, no segun<strong>do</strong> ano, um braquiblasto, ainda sem gomos<br />
florais, encima<strong>do</strong> gomo terminal folhear aguça<strong>do</strong> – o dar<strong>do</strong>; o dar<strong>do</strong> pode, eventualmente, permanecer anos sem se<br />
diferenciar num esporão, evento que ocorre quan<strong>do</strong> se diferenciam gomos florais. Os esporões são muito frequentes<br />
e longevos entre as Rosaceae. um termo de uso corrente em pomicultura.<br />
Nas plantas lenhosas, além <strong>do</strong>s esporões, distinguem-‐se outros tipos peculiares de ramos em <strong>função</strong> das<br />
características <strong>do</strong> alongamento. Os ramos epicórmicos 35 são ramos erectos ou suberectos, estéreis (juvenis, sem<br />
flores), de entrenós longos de comprimento variável, provenientes de gomos <strong>do</strong>rmentes ou adventícios situa<strong>do</strong>s em<br />
qualquer ponto da copa, na proximidade <strong>do</strong> colo – pôlas – ou, menos frequentemente, nas raízes – pôlas<br />
35<br />
Correctamente o termo ramo epicórmico dever-‐se-‐ia restringir aos lançamentos provenientes de gomos <strong>do</strong>rmentes, por<br />
definição de origem caulinar.<br />
b<br />
a
63 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
radiculares 36 . Se muito possantes retiram vigor às partes mais velhas da copa sen<strong>do</strong>, neste caso, designa<strong>do</strong>s por<br />
ramos ladrões, chupões ou mamões.<br />
Prolepsia e silepsia<br />
O alongamento e a ramificação nas plantas perenes pode ser imediata (= silepsia) ou protelada no tempo (=<br />
prolepsia). Nas regiões de clima tempera<strong>do</strong> ou mediterrânico a ramificação rameal, regra geral, ocorre através de<br />
gomos hibernantes, por definição, situa<strong>do</strong>s nos ramos <strong>do</strong> ano anterior. Dominam, portanto, os ramos prolépticos. A<br />
ramificação imediata, implicitamente baseada em gomos prontos, é mais frequente em famílias de plantas de<br />
origem tropical, e.g. Lauraceae. Os ramos prolépticos normalmente têm cicatrizes na base resultantes da inserção<br />
<strong>do</strong>s catáfilos <strong>do</strong>s gomos; o mesmo não acontece nos ramos silépticos. Este pormenor tem grande importância<br />
prática na interpretação <strong>do</strong> crescimento e <strong>do</strong> vigor das árvores fruteiras.<br />
Tipo e grau da ramificação<br />
Todas as folhas de angiospérmicas axilam um ou mais meristemas axilares (vd. Os meristemas).; nas<br />
gimnospérmicas a presença de meristemas axilares não é constante. A ramificação lateral (= ramificação axilar), o<br />
tipo de ramificação mais frequente entre as plantas-‐com-‐semente, depende destes meristemas. Na maioria das<br />
‘pteridófitas’ os meristemas laterais situam-‐se obliquamente, por debaixo da inserção das folhas: neste grupo de<br />
plantas, é pouco apropria<strong>do</strong> utilizar os conceitos de “meristema axilar” e de “ramificação axilar”. As Lycopodiidae<br />
«licófitas» e as Ophioglossidae «ophioglossidas» ramificam-‐se de forma dicotómica: o meristema apical fende-‐se e<br />
dá origem a <strong>do</strong>is ramos inicialmente semelhantes entre si. Pontualmente dividem-‐se dicotomicamente as<br />
Cycadaceae «cicas», uma família de gimnospérmicas, as Arecaceae «palmeiras» e os Pandanus (Pandanaceae)<br />
«pandanos», <strong>do</strong>is grupos de angiospérmicas monocotiledóneas.<br />
O aspecto geral das plantas (= hábito ou porte), e o aspecto <strong>do</strong>s ramos depende, entre outros factores (vd.<br />
Direção e orientação), <strong>do</strong> grau de ramificação. A partir de um eixo principal (e.g. um troco de uma árvores) formam-‐<br />
se ramos de primeira ordem ou primários; os ramos de segunda ordem ou secundários partem <strong>do</strong>s ramos de<br />
primeira ordem, e assim sucessivamente. O grau de ramificação, i.e. a extensão da ramificação, varia de espécie para<br />
espécie; e.g. as rosáceas arbustivas ramificam-‐se mais intensamente <strong>do</strong> que as giestas (tribo Cytiseae e algumas<br />
Genista, Fabaceae). A Dominância e controlo apicais têm, como adiante se explica, são determinantes no grau de<br />
ramificação.<br />
Nas plantas lenhosas reserva-‐se o termo raminho para os ramos de última ordem forma<strong>do</strong>s no próprio ano ou no<br />
ano anterior, enquanto não se reinicia o crescimento vegetativo. Os raminhos não ou escassamente atempa<strong>do</strong>s, i.e.<br />
de cor ainda verde ou em processo de lenhificação, são genericamente conheci<strong>do</strong>s por rebentos ou renovos. O<br />
termo lançamento é indiferentemente usa<strong>do</strong> para raminhos ou para caules vigorosos emiti<strong>do</strong>s em qualquer local da<br />
copa, ou mesmo das raízes (Vasconcellos, 1969).<br />
Direção e orientação<br />
O caule, ao invés das raízes, tem geralmente um geotropismo negativo: alonga-‐se em direções opostas ao solo.<br />
Consoante a direção, ou direções, tomadas em relação ao plano representa<strong>do</strong> pelo solo, os caules são classifica<strong>do</strong>s<br />
em oito tipos (termos indistintamente aplica<strong>do</strong>s a caules herbáceos, lenhosos, pouco ou muito ramifica<strong>do</strong>s, e ramos)<br />
(Quadro 13).<br />
A orientação <strong>do</strong> crescimento <strong>do</strong>s ramos laterais frente ao eixo principal pode ser: ortotrópico – na vertical – ou<br />
plagiotrópico – oblíquo ou na horizontal. Consoante o ângulo de inserção no eixo principal os eixos plagiotrópicos<br />
podem ser: fastigia<strong>do</strong>s – ângulo de inserção muito agu<strong>do</strong>; erecto-‐patentes – ângulo com cerca de 45°; patentes –<br />
ângulo próximo de 90°; divarica<strong>do</strong>s – ângulo muito aberto > 90°.<br />
Frequentemente, numa mesma planta, os eixos plagiotrópicos e ortotrópicos têm uma morfologia distinta, e.g.<br />
na forma das folhas e potencial para produzir flores. Na oliveira os ramos ortotrópicos não produzem fruto sen<strong>do</strong><br />
ativamente elimina<strong>do</strong>s pela poda. Em fruticultura existe a preocupação de colher garfos em ramos plagiotrópicos<br />
porque induzem entradas mais precoces em frutificação.<br />
36<br />
Nas plantas herbáceas vivazes, as estruturas equivalentes às pôlas e às pôlas radiculares das plantas lenhosas podem ser,<br />
respectivamente, designadas por rebentos <strong>do</strong> colo e rebentos de raiz.
64 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
Quadro 13. Tipos de orientação <strong>do</strong>s caules (Vasconcellos, 1969)<br />
Tipo Tipo<br />
Ascendente Caules inicialmente prostra<strong>do</strong>s curvan<strong>do</strong>, de seguida, para uma posição quase vertical;<br />
quan<strong>do</strong> <strong>do</strong>bram em joelho num nó dizem-‐se genicula<strong>do</strong>s<br />
Erecto Caules verticais ou quase na vertical<br />
Suberecto Caules quase verticais<br />
Subprostra<strong>do</strong> Caules quase aderentes ao solo<br />
Prostra<strong>do</strong> Caules aderentes ao solo<br />
Difuso Caules muito ramifica<strong>do</strong> com várias direções<br />
Decumbente Caules inicialmente erecto ou suberecto vergan<strong>do</strong> distalmente em direção ao solo<br />
Trepa<strong>do</strong>r ou<br />
escandente<br />
Apoio <strong>do</strong>s caules das plantas trepa<strong>do</strong>ras<br />
São várias as soluções evolutivas seguidas pelas plantas trepa<strong>do</strong>ras para se suspenderem nos seus tutores: caules<br />
volúveis (vd. Metamorfoses <strong>do</strong> caule), pecíolos volúveis (que se enrolam em torno <strong>do</strong> tutor, e.g. Clematis sp.pl.<br />
[Ranunculaceae] e Kickxia cirrhosa [Plantaginaceae), raízes trepa<strong>do</strong>ras (vd. Metamorfoses da raiz), acúleos (vd.<br />
Emergências), espinhos (vd. Espinhos), gavinhas caulinares (vd. Metamorfoses <strong>do</strong> caule) e gavinhas foliares (vd.<br />
Metamorfoses da folha). As Bougainvillea (Nyctaginaceae) «bougainvílleas», entre outras plantas, suspendem-‐se<br />
emitin<strong>do</strong> caules por entre os ramos ou anfractuosidades <strong>do</strong> tutor.<br />
Dominância e controlo apicais<br />
Direção em <strong>função</strong> <strong>do</strong>s suportes (e.g. muros, ramos, taludes, etc.); tipo próprio das lianas<br />
(= plantas trepadeiras ou plantas escandentes)<br />
A ativação <strong>do</strong>s meristemas laterais de um caule é condicionada, em muitas plantas, pela sua proximidade ao<br />
meristema apical (ou a um meristema lateral que o substitua, vd. Alongamento rameal). Este fenómeno, conheci<strong>do</strong><br />
por <strong>do</strong>minância apical, pode ser forte, e suprimir o desenvolvimento de um grande número de gemas, ou fraco, e<br />
apenas uma pequena proporção das gemas se manter <strong>do</strong>rmente. Nas plantas perenes a <strong>do</strong>minância apical pode<br />
exercer-‐se no ramo <strong>do</strong> ano ou propagar-‐se, com variável intensidade, aos ramos com mais de um ano.<br />
As plantas lenhosas produzem mais meristemas axilares <strong>do</strong> que os necessários. Nem to<strong>do</strong>s os meristemas<br />
axilares originam novos lançamentos, caso contrário os ramos ensombrar-‐se-‐iam uns aos outros, num emaranha<strong>do</strong><br />
caótico e energeticamente ineficiente de caules e folhas. Consequentemente, a maior parte <strong>do</strong>s meristemas laterais<br />
acaba por nunca ser ativa<strong>do</strong>, aborta ou permanece <strong>do</strong>rmente no interior da copa, com grande probabilidade,<br />
durante to<strong>do</strong> o ciclo de vida da planta. A supressão <strong>do</strong>s meristemas laterais nas partes velhas e profundas da copa já<br />
não cabe no conceito de <strong>do</strong>minância apical.<br />
Os lançamentos <strong>do</strong>s meristemas laterais podem ser, ou não, mais curtos e débeis <strong>do</strong> que o lançamento <strong>do</strong><br />
meristema apical, falan<strong>do</strong>-‐se neste caso de controlo apical. Os conceitos de acrotonia, de mesotonia e de basitonia 37<br />
são defini<strong>do</strong>s em <strong>função</strong> <strong>do</strong> vigor (controlo apical) <strong>do</strong>s ramos diferencia<strong>do</strong>s a partir de gomos <strong>do</strong>rmentes, desde a<br />
parte proximal à parte distal, numa determinada unidade de crescimento de uma planta lenhosa. Nos caules<br />
acrótonos os lançamentos laterais distais (mais próximos <strong>do</strong> ápice) alongam-‐se mais <strong>do</strong> que os lançamento próximos<br />
da base. Na condição basítona os crescimentos proximais alongam-‐se mais <strong>do</strong> que os lançamentos próximos <strong>do</strong><br />
ápice. A mesotonia corresponde a uma condição intermédia. Os efeitos de qualquer uma destas condições<br />
propagam-‐se no tempo, sen<strong>do</strong> legíveis na arquitetura das plantas adultas.<br />
A interação da <strong>do</strong>minância apical com o controlo apical tem um efeito muito marca<strong>do</strong> na configuração espacial<br />
(arquitetura) das plantas lenhosas, e, implicitamente no seu aspecto geral (= hábito ou porte) (vd. Tipo, grau e<br />
37 A terminologia em torno da ramificação e alongamento das plantas é bastante confusa. Alguns autores com o mesmo senti<strong>do</strong><br />
de basitonia e acrotonia preferem os conceitos de ramificação monopodial e ramificação simpodial.
65 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
disposição da ramificação). Na fase de plântula a <strong>do</strong>minância e o controlo apical são exerci<strong>do</strong>s por um único<br />
meristema apical. Há medida que as estações de crescimento se sucedem os ramos laterais, assumem, mais ou<br />
menos rapidamente, um papel semelhante ao meristema apical original.<br />
Muitos arbustos, como sejam, na flora portuguesa, as giestas (Cytiseae, Fabaceae) e as urzes (Erica, Ericaceae),<br />
combinam uma forte <strong>do</strong>minância apical com basitonia. Os ramos têm tendência a ramificar-‐se com pouca<br />
intensidade, particularmente na extremidade distal, e as gemas distais, por seu turno, abortam com frequência ou<br />
diferenciam flores. As ramificações mais próximas da base da planta alongam-‐se com mais vigor. Os ramos mais<br />
longos são ciclicamente renova<strong>do</strong>s a partir da base em consequência <strong>do</strong> fogo ou corte. Em algumas espécies a toiça a<br />
alarga-‐se desmesuradamente forman<strong>do</strong>-‐se então um xilopódio com abundantes reservas (particularmente evidente<br />
nas plantas sujeitas fogos cíclicos); Erica australis (Ericaceae) e numerosas plantas das savanas africanas, sul-‐<br />
americanas e australianas.<br />
Nas árvores a <strong>do</strong>minância apical é também intensa mas o desenvolvimento <strong>do</strong>s ramos é tendencialmente<br />
acrótono. Os crescimentos ocorrem pre<strong>do</strong>minantemente na extremidade <strong>do</strong>s ramos (zonas periféricas da copa).<br />
Com o tempo acaba por se formar um tronco bem defini<strong>do</strong> e um hábito arbóreo. Nas gimnospérmicas arbóreas a<br />
<strong>do</strong>minância <strong>do</strong>s meristemas apicais mantém-‐se quase inaltera<strong>do</strong> durante to<strong>do</strong> o ciclo de vida, por conseguinte o<br />
número de meristemas laterais ativa<strong>do</strong>s (e de ramificações laterais) mantêm-‐se escasso. As árvores crescem<br />
permanentemente em altura e mantêm um eixo primário bem defini<strong>do</strong> <strong>do</strong> solo até à flecha (parte distal da copa). As<br />
angiospérmicas arbóreas, regra geral, seguem um sistema intermédio – acrotonia <strong>do</strong>minante.<br />
A intensidade da acrotonia nas angiospérmicas varia de espécie para espécie e com a idade. Comparan<strong>do</strong> a<br />
macieira (Malus <strong>do</strong>mestica, Rosaceae) com a pereira (Pyrus communis, Rosaceae), duas importantes fruteiras<br />
temperadas, constata-‐se nos indivíduos jovens, que a macieira tem tendência a formar ramos na parte inferior <strong>do</strong>s<br />
eixo, enquanto a pereira se ramifica intensamente na parte mais alta <strong>do</strong> eixo. A macieira é mais basítona (e menos<br />
acrótona) <strong>do</strong> que a pereira. A poda da pereira é mais exigente que a da macieira porque é muito difícil manter copas<br />
guarnecidas de ramos na base das pereiras, região onde é mais fácil (e barato) colher os frutos.<br />
À medida que as árvores angiospérmicas envelhecem, a <strong>do</strong>minância e o controlo apical esbatem-‐se: os raminhos<br />
<strong>do</strong> ano (cada vez mais curtos) ramificam-‐se abundantemente e o padrão de crescimento <strong>do</strong>s ramos situa<strong>do</strong>s na orla<br />
da copa aproxima-‐se <strong>do</strong> modelo basítono. A forma e a altura da copa acabam por se estabilizar nas árvores adultas<br />
(o eixo primário desvanece-‐se), ao mesmo tempo que se intensifica a desrama natural (queda natural de ramos, vd.<br />
Cla<strong>do</strong>ptose). Ao contrário <strong>do</strong> que acontece nas gimnospérmicas, o interior da copa fica pouco denso em ramos<br />
enquanto a orla permanece densamente revestida de raminhos. No início de cada estação de crescimento, regra<br />
geral, novos caules são emiti<strong>do</strong>s pelos meristemas apicais e axilares <strong>do</strong>s caules forma<strong>do</strong>s no ano imediatamente<br />
anterior, porém, sobretu<strong>do</strong> nas árvores velhas, ou com alterações profundas e recentes na conformação da copa<br />
(e.g. por poda, parasitismo ou acidente), surgem ramos epicórmicos (vd. Intensidade <strong>do</strong> alongamento), por vezes<br />
muito possantes e eficientes na competição pelos nutrientes radiculares com os ramos da copa.<br />
Cla<strong>do</strong>ptose<br />
Nas primeiras páginas deste volume defendeu-‐se que as plantas estão condenadas a crescer (vd. Estrutura<br />
modular das plantas): a produção de ramos e folhas e a expansão da copa para capturar a luz é uma inevitabilidade<br />
nestes organismos. Nas plantas lenhosas a acumulação de ramos em grande número, ainda que modera<strong>do</strong> pela<br />
<strong>do</strong>minância apical, aumenta os gastos energéticos (todas as células vivas consomem energia), a resistência à<br />
deslocação <strong>do</strong>s flui<strong>do</strong>s floémicos e xilémicos, o risco de ensombramento e de lesões mecânicas nas folhas, e o risco<br />
de ruptura de ramos e pernadas por efeito <strong>do</strong> peso ou da ação mecânica <strong>do</strong> vento. Por conseguinte, a rejeição <strong>do</strong>s<br />
ramos em excesso na copa e a aquisição evolutiva de mecanismos para este efeito são potencialmente vantajosos.<br />
A abcisão de ramos chama-‐se cla<strong>do</strong>ptose. Esta redução ativa da massa rameal, à semelhança da abcisão de<br />
folhas, flores abortadas, frutos maduros ou sementes, envolve a formação de camadas de teci<strong>do</strong>s especializa<strong>do</strong>s que<br />
acabam por cortar as conexões vasculares e provocar a morte <strong>do</strong>s ramos. Num processo distinto da cla<strong>do</strong>ptose, o<br />
peso e o vento forçam também a queda passiva <strong>do</strong>s ramos em excesso, selecionan<strong>do</strong>, preferencialmente, ramos<br />
ensombra<strong>do</strong>s, <strong>do</strong>entes ou mal inseri<strong>do</strong>s (os ramos cruza<strong>do</strong>s e sobrepostos são mais resistentes à força <strong>do</strong> vento e,<br />
por isso, passíveis de serem arrasta<strong>do</strong>s pelos filetes de ar). As árvores servem-‐se <strong>do</strong> vento para limpar as suas copas.<br />
As ventanias e os temporais afinal podem ter um papel importante na saúde das árvores.
66 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
Buck-‐Sorlin & Bell (1998, cit. Bell 2008) recolheram <strong>do</strong> solo, durante um ano, sob a copa de uma árvore de<br />
Quercus robur, cerca de 37.000 fragmentos (excluin<strong>do</strong> folhas). As árvores não são eficientes por igual a libertarem-‐se<br />
<strong>do</strong>s ramos em excesso. O Pinus pinaster (Pinaceae) «pinheiro-‐bravo» desrama naturalmente, sobretu<strong>do</strong> em<br />
povoamentos densos. Os Cupressus (Cupressaceae) «ciprestes», não. À medida que os troncos de Cupressus<br />
engrossam incorporam no lenho a base <strong>do</strong>s ramos mais velhos, estejam eles vivos ou mortos. Para se obterem boas<br />
madeiras, por exemplo de C. lusitanica «cipreste-‐<strong>do</strong>-‐buçaco», é necessário desramar ciclicamente as árvores.<br />
Situação e consistência<br />
4.3.4. Aspectos gerais da morfologia externa <strong>do</strong> caule<br />
Quanto à situação os caules podem ser: aéreos – tipo <strong>do</strong>minante; aquáticos – e.g. caules de Ranunculus subgén.<br />
Batrachium (Ranunculaceae) «ranúnculos-‐aquáticos»; subterrâneos – e.g. tubérculos de Solanum tuberosum<br />
(Solanaceae) «batateira». Quanto à consistência reconhecem-‐se três tipos de caules: herbáceo – caule tenro<br />
normalmente verde; lenhoso – não verde e com a consistência da madeira; suculento ou carnu<strong>do</strong> – caules<br />
engrossa<strong>do</strong>s ricos em água e substâncias de reserva.<br />
Superfície<br />
Os caules herbáceos normalmente são verdes, lisos, de secção mais ou menos circular, glabros (sem pelos) ou<br />
revesti<strong>do</strong>s de indumento. Menos vezes apresentam-‐se estria<strong>do</strong>s, sulca<strong>do</strong>s ou angulosos. Consoante a estrutura da<br />
medula os caules herbáceos podem ser: fistulosos – ocos, i.e. com uma cavidade tubulosa, e.g. caule da maioria das<br />
Poaceae «gramíneas»; medulosos – preenchi<strong>do</strong> por um teci<strong>do</strong> esponjoso, e.g. Sambucus nigra (A<strong>do</strong>xaceae)<br />
«sabugueiro»; maciços (= sóli<strong>do</strong>s) – medula não esponjosa, condição mais frequente.<br />
À semelhança <strong>do</strong> que acontece nas folhas, as células vivas <strong>do</strong>s caules herbáceos realizam as trocas gasosas<br />
necessárias à respiração celular através de estomas dispersos pela epiderme. A formação <strong>do</strong> corpo secundário pelos<br />
câmbios líbero-‐lenhoso e subero-‐felodérmico implica a lenhificação <strong>do</strong>s caules herbáceos. To<strong>do</strong>s os caules lenhosos<br />
são inicialmente herbáceos; a consistência lenhosa é uma consequência <strong>do</strong> crescimento secundário, assim como a<br />
formação de lentículas (vd. Estrutura secundária <strong>do</strong> caule).<br />
A superfície <strong>do</strong>s caules lenhosos é particularmente variável. A periderme pode ser castanha, cinzenta (e.g. Celtis<br />
australis [Cannabaceae] «lódão-‐bastar<strong>do</strong>»), creme ou mesmo branca (e.g. Betula [Betulaceae] «bi<strong>do</strong>eiro»). Depois<br />
de extraída a cortiça no Quercus suber «sobreiro» a periderme é inicialmente rosa toman<strong>do</strong>, pouco depois, uma cor<br />
vermelho-‐ocre e mais tarde castanha. A periderme pode ainda ser brilhante (e.g. Pinus nigra [Pinaceae] «pinheiro-‐<br />
negro») ou baça (Quercus [Fagaceae]), espessa (e.g. Q. suber) ou delgada (e.g. Rosa [Rosaceae] «roseiras»), mole<br />
(e.g. Sequoia sempervirens [Cupressaceae] «sequoia») ou dura (codição mais frequente), lisa (e.g. Celtis australis),<br />
sulcada (e.g. Quercus) ou destacar-‐se em placas (e.g. Platanus orientalis [Platanaceae] «plátano»), em fitas verticais<br />
(e.g. Eucalyptus [Myrtaceae] «eucaliptos») ou em fitas horizontais (e.g. Prunus avium [Rosaceae] «cerejeira»). No<br />
Populus nigra (Salicaceae) «choupo-‐negro», entre outras espécies, formam-‐se bolsas com rebentos epicórmicos no<br />
tronco, algo que não acontece nos choupos-‐híbri<strong>do</strong>s (e.g. P. x canadensis).<br />
4.3.5. Metamorfoses <strong>do</strong> caule<br />
O caule é evolutivamente mais versátil <strong>do</strong> que a raiz. Entre os casos descritos de adaptações caulinares referem-‐<br />
se: caules de reserva; suculência; caules com funções foliares; caules com <strong>função</strong> de defesa (vd. Emergências e<br />
Espinhos); caules com <strong>função</strong> de suporte. Os caules de reserva mais frequentes em climas sazonais quan<strong>do</strong> são<br />
necessárias reservas de fácil mobilização para iniciar o crescimento no início da estação favorável, e.g. tubérculos,<br />
rizomas e bolbos (vd. Quadro 14). Além <strong>do</strong>s caules espinhosos ou aculea<strong>do</strong>s, entre as lianas observam-‐se as<br />
seguintes soluções adaptativas com <strong>função</strong> de suporte: caules volúveis e gavinhas caulinares.<br />
No Quadro 14 resumem-‐se as principais características <strong>do</strong>s mais importantes tipos de caules (metamorfoses <strong>do</strong><br />
caule).
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Quadro 14. Metamorfose <strong>do</strong> caule (tipos de caule)<br />
Tipo Descrição/exemplos<br />
Rizoma caule subterrâneo, vertical (Elytrigia juncea, Poaceae), horizontal (e.g. Ammophila arenaria «estorno»,<br />
Poaceae) ou oblíquo (e.g. Chrysanthemum «crisântemos», Asteraceae), ramifica<strong>do</strong> ou não, com<br />
abundantes raízes adventícias caulógenas, geralmente inseridas nos nós, revesti<strong>do</strong> de folhas escamiformes<br />
(catáfilos) que axilam gemas ou os caules aéreos gera<strong>do</strong>s pelas gemas; com frequência engrossa<strong>do</strong> (rizoma<br />
tuberoso) e com funções de reserva, e.g. Iris «lírios» (Iridaceae) e Zingiber officinale «gengibre»<br />
(Zingiberaceae); as partes mais velhas <strong>do</strong>s rizomas vão morren<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> substituídas por outras de forma<br />
monopodial (rizomas monopodiais) ou simpodial (rizomas simpodiais, tipo mais comum). A posição<br />
horizontal próxima da superfície <strong>do</strong> solo de muitos rizomas facilita a disseminação vegetativa das plantas;<br />
não surpreende, por isso, que os rizomas sejam muito frequentes em habitats ciclicamente perturba<strong>do</strong>s<br />
que promovam a fragmentação e transporte <strong>do</strong>s rizomas; e.g. margens de cursos de água e sistemas<br />
dunares (Figura 36)<br />
Estolho caule aéreo, prostra<strong>do</strong> e com raízes adventícias caulógenas emitidas nos nós; o Cyno<strong>do</strong>n dactylon «grama»<br />
e o Stenotaphrum secundatum «gramão, grama-‐de-‐jardim», entre muitas outras Poaceae, emitem caules<br />
radicantes nos nós, os quais, consoante mergulham ou emergem <strong>do</strong> solo, são classifica<strong>do</strong>s como rizomas<br />
ou estolhos (Figura 36)<br />
Tubérculo caule engrossa<strong>do</strong>, com abundantes reservas, folhas reduzidas a pequenas escamas com uma gema axilar e<br />
sem raízes adventícias; geralmente formam-‐se na extremidade de caules aéreos ou de rizomas; em<br />
condições apropriadas as gemas axilares dão origem a novos caules; os tubérculos podem ser:<br />
subterrâneos – ocultos no solo; e.g. Solanum tuberosum (Solanaceae) «batateira; Aéreos – forma<strong>do</strong>s acima<br />
da superfície <strong>do</strong> solo; e.g. Dioscorea alata «inhame-‐de-‐são-‐tomé»<br />
Prato ou<br />
disco <strong>do</strong>s<br />
bolbos<br />
Cormos 38<br />
(= bolbos<br />
sóli<strong>do</strong>s)<br />
caule curto e de entrenós curtos, geralmente subterrâneo ou localiza<strong>do</strong> à superfície <strong>do</strong> solo, de<br />
crescimento vertical e com um grande número de raízes adventícias na base, revesti<strong>do</strong> por uma ou mais<br />
folhas carnudas de reserva e, nos bolbos entunica<strong>do</strong>s, por uma túnica externa constituída por uma ou mais<br />
folhas membranosas de proteção (catáfilos); o conjunto prato <strong>do</strong> bolbo + folhas recebe o nome de bolbo<br />
(vd. Bolbos e bolbilhos )<br />
resultam <strong>do</strong> engrossamento, na vertical, de um segmento de caule com um ou mais entrenós, revesti<strong>do</strong><br />
por uma ou mais folhas de proteção e com raízes adventícias na base; as inflorescências inserem-‐se no<br />
ápice <strong>do</strong>s cormos; a renovação <strong>do</strong>s cormos faz-‐se pela produção de um ou mais cormos-‐filho pela gema<br />
apical ou por gemas laterais; a subordinação <strong>do</strong> cormo ao conceito de bolbo (vd. Bolbos e bolbilhos) é<br />
imprópria porque os cormos são morfológica e funcionalmente mais próximos <strong>do</strong> rizoma (os rizomas<br />
distinguem-‐se <strong>do</strong>s cormos por não se apresentarem revesti<strong>do</strong>s por folhas membranosas); os cormos muito<br />
pequenos caem no conceito de bolbilho (vd. Bolbos e bolbilhos); e.g. Poa bulbosa (Poaceae), Crocus sativus<br />
(Iridaceae) «açafrão», Gladiolus (Iridaceae) «gladíolos», Freesia (Iridaceae) «frésia», Sinningia speciosa<br />
(Gesneriaceae) «gloxinia» e Begonia (Begoniaceae) «begónias» tuberosas; os pseu<strong>do</strong>bolbos de muitas<br />
orquídeas tropicais são, na realidade, cormos revesti<strong>do</strong>s de folhas espessas (Figura 37)<br />
Escapo caule mais ou menos longo, geralmente sem folhas (áfilo), por vezes com brácteas (vd. Brácteas), que<br />
termina numa flor ou numa inflorescência, provi<strong>do</strong> ou não de uma roseta de folhas na base, as quais, como<br />
ele, originadas num bolbo, num rizoma ou em raízes tuberosas; e.g. Bellis (Asteraceae) «margaridas» e<br />
Hyacinthus (Hyacinthaceae) «jacintos»<br />
Colmo caules, geralmente herbáceos, de nós bem marca<strong>do</strong>s, frequentemente ocos (fistulosos), revesti<strong>do</strong>s pelas<br />
bainhas das folhas; caule característico da família das Poaceae<br />
Espique caule não ramifica<strong>do</strong>, revesti<strong>do</strong> por restos de folhas, geralmente cilíndrico e esguio, culmina<strong>do</strong> por uma<br />
roseta de grandes folhas, com feixes líbero-‐lenhosos fecha<strong>do</strong>s em grande número e dispostos<br />
irregularmente; caule das Arecaceae «palmeiras»<br />
Tronco caule lenhoso, próprio das árvores gimnospérmicas e da maioria das angiospérmicas de hábito arbóreo,<br />
desprovi<strong>do</strong> de ramos na base, geralmente cónico e engrossan<strong>do</strong> com a idade<br />
Sarmento caule lenhoso, muito longo, delga<strong>do</strong> e flexível que, apoia<strong>do</strong> em outras plantas, se pode elevar; os<br />
sarmentos jovens, não atempa<strong>do</strong>s (i.e. de cor ainda verde), recebem o nome de pâmpanos; e.g. Vitis<br />
vinifera (Vitaceae) «videira-‐europeia»<br />
Turião rebentos, frequentemente vigorosos, de origem subterrânea (e.g. Asparagus (Asparagaceae) «espargos»)<br />
38 O termo cormo tem <strong>do</strong>is significa<strong>do</strong>s; não confundir com cormo sensu corpo das plantas.
68 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
Filocládio 39<br />
(= cladódio)<br />
Caules<br />
suculentos<br />
Caules<br />
volúveis<br />
Gavinhas<br />
caulinares<br />
A<br />
ou aérea (e.g. Rosa (Rosaceae) «roseiras»), com folhas (por vezes rudimentares) e sem flores, emiti<strong>do</strong>s na<br />
estação de crescimento por plantas vivazes ou perenes; em Rubus e Rosa as flores formam-‐se nos ramos<br />
<strong>do</strong> ano laça<strong>do</strong>s pelos turiões nasci<strong>do</strong>s no ano anterior<br />
caule achata<strong>do</strong>, mais ou menos laminar, que desempenha a <strong>função</strong> clorofilina, no qual por vezes se<br />
inserem ramos, folhas reduzidas ou flores; na maior parte <strong>do</strong>s casos são adaptações à secura edáfica; os<br />
caules de Ruscus aculetus (Ruscaceae) «gilbardeira» e de Opuntia (Cactaceae) são <strong>do</strong>is exemplos clássicos<br />
de filocládio (Figura 37)<br />
caules volumosos, ricos em água, de diâmetro variável consoante a disponibilidade de água no solo; folhas<br />
frequentemente ausentes ou reduzidas a espinhos; e.g. Cactaceae «cactos» e muitas Euphorbiaceae<br />
africanas e macaronésicas de climas semi-‐ári<strong>do</strong>s a ári<strong>do</strong>s<br />
caules que se adaptam à superfície ou enrolam em torno <strong>do</strong> tutor; e.g. Aristolochia sp.pl.<br />
(Aristolochiaceae), Ipomoea sp.pl. (Convolvulaceae) e Jasminum sp.pl. (Oleaceae) «jasmineiros»; consoante<br />
as espécies os caules volúveis enrolam-‐se tanto para a direita – caules dextrorsos, e.g. Phaseolus<br />
(Fabaceae) «feijoeiros» – como para a esquerda – caules sinistrorsos, condição mais rara, e.g. Humulus<br />
lupulus (Cannabaceae) «lúpulo»<br />
extremidades delgadas de caules flexíveis, ramificadas ou não, desprovidas de nomofilos, adaptadas a<br />
envolver ramos ou outros tipos de suportes; e.g. gavinhas de Vitis vinifera (Vitaceae) «videira» e Passiflora<br />
(Passifloraceae) «maracujazeiros»; as gavinhas podem ter ainda origem foliar (vd. Outras metamorfoses da<br />
folha); em ambos os casos, depois de contactarem com os tutores, o enrolamento da gavinha é força<strong>do</strong> por<br />
um crescimento mais lento <strong>do</strong>s teci<strong>do</strong>s mais próximos <strong>do</strong> tutor <strong>do</strong> que os teci<strong>do</strong>s externos<br />
Figura 36. Rizoma e tubérculo. a) Rizoma de Cyno<strong>do</strong>n dactylon (Poaceae) «grama» e tubérculo de Solanum tuberosum<br />
(Solanaceae) «batateira» (Coutinho, 1898). b) Estolhos de Fragaria vesca (Rosaceae) «morangueiro-‐bravo» (Coutinho,<br />
1898).<br />
A B C<br />
39 Alguns autores restringem o termo filocládio aos braquiblastos análogos a folhas (e.g. Ruscus) e apelidam de platicla<strong>do</strong> os<br />
macroblastos laminares (e.g. Opuntia).<br />
B<br />
Figura 37. Mais metamorfoses <strong>do</strong> caule. A) Cormos de Arrhenatherum bulbosum subsp. baeticum (Poaceae)<br />
«balanquinho». B) Filocládio de Ruscus aculetatus (Ruscaceae) «gilbardeira». C) Filocládios de Opuntia elongata
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O tronco (= fuste, na terminologia silvícola) suporta a copa, a parte aérea<br />
ramificada e com folhas das árvores. Na Figura 38 está resumida a<br />
terminologia mais comum para designar as ramificações que nas árvores se<br />
sucedem ao tronco. As primeiras ramificações são designadas por pernadas; a<br />
seguir inserem-‐se as braças e depois os ramos e os ramos <strong>do</strong> ano (raminhos).<br />
O ami<strong>do</strong> e inulina são as substâncias de reserva mais frequentes nos<br />
rizomas tuberosos e nos tubérculos (vd. Metamorfoses da raíz): os rizomas de<br />
Helianthus tuberosus (Asteraceae) «tupinambo» têm cerca de 14-‐19% de<br />
inulina na MS (Van Loo, Coussement, Leenheer, Hoebregs, & Smits, 1995); as<br />
batatas (Solanum tuberosum, Solanaceae) contêm 60-‐80% de ami<strong>do</strong> na MS.<br />
4.3.6. Produção de látex<br />
Algumas angiospérmicas exsudam, naturalmente ou por feridas, líqui<strong>do</strong>s<br />
de diferente cor e viscosidade. Os exsuda<strong>do</strong>s mais ou menos viscosos, não<br />
translúci<strong>do</strong>s, de cor branca, amarela, laranja, vermelha ou negra são<br />
designa<strong>do</strong>s por látex. O látex é uma emulsão complexa de proteínas, açúcares, resinas, gomas e alcaloides, por vezes<br />
de grande toxicidade, que coagula e seca quan<strong>do</strong> exposta ao ar. Podem existir canais lacticíferos nos caules, raízes,<br />
folhas e frutos, porém são sempre mais abundantes no caule. O látex desempenha três funções maiores: proteção<br />
contra fungos e bactérias; proteção contra a herbivoria; eliminação de subprodutos tóxicos <strong>do</strong> metabolismo.<br />
Mais de 12.000 espécies de plantas-‐com-‐flor produzem látex. A sua presença, cor e abundância têm grande<br />
interesse taxonómico, sobretu<strong>do</strong> entre a flora arbórea e lianoide tropical. As espécies lacticíferas mais frequentes na<br />
flora Portuguesa pertencem à subfamília Cichorioideae das Asteraceae e ao género Euphorbia (Euphorbiaceae)<br />
«eufórbias». Pertence, igualmente, à família Euphorbiaceae a Hevea brasiliensis «árvore-‐da-‐borracha» cujo látex é<br />
utiliza<strong>do</strong> no fabrico da borracha-‐natural. Muitas outras famílias compreendem espécies produtoras de látex:<br />
Moraceae (e.g. géneros Ficus «figueiras» e Morus «amoreiras»), Caricaceae (e.g. Carica papaya «mamão»),<br />
Apocynaceae (e.g. lianas africanas <strong>do</strong> género Lan<strong>do</strong>lphia) e Anacardiaceae (e.g. Rhus coriaria «sumagre»). O látex é<br />
também muito frequente nas plantas da família Papaveraceae: o látex de Papaver «papoilas» é rico em alcaloides<br />
psicotrópicos (e.g. morfina, um deriva<strong>do</strong> da fenilalanina) e o látex amarelo de Cheli<strong>do</strong>nium majus «celidónia ou erva-‐<br />
das-‐verrugas» serve para cauterizar cravos e verrugas.<br />
4.4. Folha<br />
A folha é um órgão lateral inseri<strong>do</strong> nos caules, usualmente de forma laminar e estrutura <strong>do</strong>rsiventral (= bifacial),<br />
de crescimento rápi<strong>do</strong> e por regra finito (crescimento determina<strong>do</strong>). A <strong>do</strong>rsiventralidade implica que as superfícies<br />
(páginas) superior e inferior sejam claramente distintas e que, geralmente, exista um só plano de simetria. A página<br />
superior está especializada na intercepção e no processamento bioquímico da sua luz, a página inferior está<br />
optimizada para absorver CO2. As plantas-‐vasculares só secundariamente 40 não têm folhas ou estas estão reduzidas a<br />
bainhas ou pequenas escamas, dizen<strong>do</strong>-‐se então áfilas.<br />
4.4.1. Funções da folha<br />
As folhas desempenham várias funções. As mais relevantes estão sistematizadas no Quadro 15.<br />
40 Secundariamente porque os ancestrais das plantas áfilas dispunham de folhas.<br />
Figura 38. Designações correntes<br />
das ramificações das árvores.<br />
Legenda: a) tronco, b) pernada, c)<br />
braça, d) ramo, e) raminho e f)<br />
rebento (adapta<strong>do</strong> de Vasconcellos,<br />
1968)
70 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
Quadro 15. Funções das folhas<br />
Função Descrição/comentários<br />
Assimilação<br />
(fotossíntese)<br />
na maior parte das plantas a produção de fotoassimila<strong>do</strong>s ocorre ao nível das folhas<br />
Transpiração por definição a perda de água sob a forma de vapor pela cutícula ou pelos estomas; fundamental no<br />
arrefecimento das plantas e na génese das forças de sucção responsáveis pela circulação de água e<br />
nutrientes nas plantas; a turgidez excessiva reduz o crescimento, a transpiração ao reduzir o teor de água<br />
das células, dentro de determina<strong>do</strong>s limites, incrementa a taxa de crescimento das plantas<br />
Proteção os meristemas estão sempre protegi<strong>do</strong>s por esboços foliares (= folhas recém-‐diferenciadas ainda imaturas)<br />
ou por folhas “modificadas” para o efeito (catáfilos)<br />
Reserva as folhas que revestem os bolbos são o exemplo mais conheci<strong>do</strong> de folhas de reserva; e.g. Allium cepa<br />
(Alliaceae) «cebola»<br />
Reprodução as peças florais são folhas muito modificadas; raramente, por via assexuada, obtêm-‐se novas plantas a<br />
partir de pequenas gemas diferenciadas na margem das folhas ou de folhas com capacidade de emitir<br />
raízes adventícias peciolares, e.g. Begonia (Begoniaceae) «begónias»<br />
Absorção de<br />
nutrientes<br />
90% da matéria seca em peso das plantas é constituída, em partes aproximadamente iguais, por carbono e<br />
oxigénio; as folhas capturam <strong>do</strong> ar o carbono e a maioria <strong>do</strong> oxigénio; nos ecossistemas naturais as folhas<br />
desempenham um papel significativo na absorção <strong>do</strong> azoto (sob a forma de amoníaco gasoso e dióxi<strong>do</strong> de<br />
azoto) e <strong>do</strong> fósforo (sobretu<strong>do</strong> nos ecossistemas tropicais)<br />
Suporte através de folhas reduzidas a gavinhas (vd. Outras metamorfoses da folha)<br />
4.4.2. Anatomia da folha<br />
As folhas têm origem nas folhas primordiais <strong>do</strong> embrião ou em pequenas projeções cónicas (esboços foliares)<br />
diferenciadas na superfície <strong>do</strong>s meristemas apicais caulinares. Num momento muito precoce da diferenciação da<br />
folha das gramíneas e outras monocotiledóneas, o crescimento deste órgão depende de um meristema intercalar<br />
folhear (Quadro 4), fracciona<strong>do</strong> em duas partes na região de contacto entre a bainha e o limbo. O alongamento foliar<br />
realiza-‐se, então, pela extremidade distal da bainha e na base (parte proximal) <strong>do</strong> limbo (vd. O corpo das gramíneas).<br />
A respeito <strong>do</strong> crescimento da folha nas restantes angiospérmicas importa apenas referir que ao invés <strong>do</strong> limbo, o<br />
crescimento é ce<strong>do</strong> suprimi<strong>do</strong> no pecíolo. A anatomia <strong>do</strong> pecíolo aproxima-‐se da <strong>do</strong> caule primário pelo que não<br />
será desenvolvida neste texto.<br />
Os três sistemas de teci<strong>do</strong>s descritos no ponto Teci<strong>do</strong>s vegetais estão também presentes na folha: teci<strong>do</strong> dérmico<br />
– epiderme; teci<strong>do</strong> vascular – feixes vasculares; e teci<strong>do</strong> fundamental – na folha genericamente nomea<strong>do</strong> por<br />
mesofilo 41 . A anatomia da folha é francamente mas diversa <strong>do</strong> que a da raiz e <strong>do</strong> caule. O seu estu<strong>do</strong> resumir-‐se-‐à,<br />
porém, às folhas de <strong>do</strong>rsiventrais e equifaciais de eudicotiledóneas e às folhas <strong>do</strong>rsiventrais de monocotiledóneas<br />
(vd. Posição das folhas).<br />
Epiderme<br />
À semelhança <strong>do</strong>s restantes órgãos primários, designa-‐se por epiderme a camada celular mais externa das folhas<br />
(vd. Teci<strong>do</strong>s definitivos complexos). Eventualmente a epiderme pode ter mais de uma célula de espessura (=<br />
multisseriada) (Figura 39). O mesofilo da folha corresponde à massa de células entre a epiderme da página superior e<br />
a epiderme da página inferior. A forma das células epidérmicas foliares é variável. Nas folhas das poáceas são<br />
alongadas no senti<strong>do</strong> <strong>do</strong>s feixes vasculares e, implicitamente, <strong>do</strong> eixo maior das folhas. Em muitas poáceas, por<br />
exemplo, a células epidérmicas “normais” são interrompidas por células de grandes dimensões, de paredes delgadas<br />
e grande vacúolo – as células buliformes (= células motoras) – que desempenham um importante papel no<br />
enrolamento das folhas quan<strong>do</strong> as raízes são incapazes de repor as perdas de água por evapotranspiração na parte<br />
41 O termo mesófilo, com acentuação aguda, usa-‐se em ecologia para qualificar as plantas adaptadas a condições de humidade<br />
intermédia <strong>do</strong> solo.
71 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
aérea (Figura 40). Este enrolamento é uma forma elegante das folhas reduzirem as suas perdas de água. Ainda nas<br />
poáceas são frequentes na epiderme corpos de sílica (vd. A célula vegetal).<br />
Como acontece no caule primário, a folha está recoberta por<br />
uma cutícula (vd. Teci<strong>do</strong>s definitivos complexos) interrompida por<br />
estomas e vários outros tipos de estruturas. Os estomas (ing.<br />
stoma, pl. stomata) são pequenos poros (= ostíolos) que pontuam<br />
a epiderme, margina<strong>do</strong>s por duas células-‐guarda de geometria<br />
variável (fecham e abrem o poro), ricas em cloroplastos, com uma<br />
parede celular desigualmente espessada, reniformes (em forma<br />
rim) na maior parte das plantas, ou halteriformes (em forma de<br />
haltere) nas gramíneas e ciperáceas. As células em contato com as<br />
células-‐guarda têm, frequentemente, um papel importante na sua<br />
fisiologia, sen<strong>do</strong> então designadas por células subsidiárias (=<br />
células anexas). O conjunto “estoma + células subsidiárias”<br />
constitui o complexos estomático (= aparelho estomático). Por<br />
debaixo <strong>do</strong> estoma, no mesofilo da folha, situa-‐se uma câmara<br />
estomática. A disposição espacial destes tipos celulares deu<br />
origem a uma complexa tipologia <strong>do</strong>s estomas que não cabe aqui<br />
desenvolver. Os estomas regulam as trocas gasosas com o<br />
exterior. Ocorrem nas folhas, nos caules primários e em algumas<br />
peças da flor.<br />
Nas folhas <strong>do</strong>rsiventrais os estomas foliares concentram-‐se na<br />
página inferior, poden<strong>do</strong> ou não estar presentes na página<br />
superior. Algumas plantas aquáticas de folhas flutuantes só têm<br />
estomas na página superior. Em muitas espécies xeromórficas, e.g.<br />
na Olea europaea «oliveira» (Oleaceae) ou no Nerium oleander<br />
«loendro» (Apocynaceae), os estomas estão abriga<strong>do</strong>s em<br />
reentrâncias (criptas estomáticas) mais ou menos recobertas de<br />
pelos com a <strong>função</strong> de reduzirem as perdas de água por transpiração (Figura 39). Os nectários foram aborda<strong>do</strong>s no<br />
ponto referente aos Corpos nutritivos, hidáto<strong>do</strong>s e nectários extraflorais. Outro importante grupo de estruturas<br />
observáveis na superfície das folhas, de que são exemplo os acúleos e o indumento, está descrito no ponto dedica<strong>do</strong><br />
às Emergências.<br />
Mesofilo. Anatomia da folha.<br />
Figura 39. Anatomia da folha <strong>do</strong>rsiventral de<br />
uma dicotiledónea (Nerium oleander «loendro»<br />
Apocynaceae). p, parênquima em paliçada; l,<br />
parênquima lacunoso; ep, epiderme<br />
multisseriada; estomas encerra<strong>do</strong>s numa cripta<br />
estomática; m, inclusão de oxalato de cálcio (Van<br />
Tieghem, 1898).<br />
Sobretu<strong>do</strong> em espécies xeromórficas (com adaptações à secura edáfica) desenvolve-‐se frequentemente uma<br />
epiderme multisseriada ou, adjacente à epiderme, uma hipoderme com uma ou mais camadas ordenadas de células<br />
não fotossintéticas de paredes espessas.<br />
Nas folhas <strong>do</strong>rsiventrais das dicotiledóneas distingue-‐se <strong>do</strong>is tipos de clorênquima (parênquima clorofilino):<br />
parênquima em paliçada e parênquima lacunoso (Figura 39). O parênquima em paliçada situa-‐se por debaixo da<br />
epiderme da página superior. É constituí<strong>do</strong> por células com abundantes cloroplastos, cilíndricas, dispostas numa<br />
espécie de muralha (paliçada) compacta, de eixo maior perpendicular à superfície da folha. O verde mais escuro que<br />
caracteriza a página superior das folhas <strong>do</strong>rsiventrais deve-‐se ao parênquima em paliçada. O parênquima lacunoso<br />
tem uma posição abaxial . As suas células apresentam uma forma variada, tem uma parede celular delgada, menos<br />
cloroplastos <strong>do</strong> que as células <strong>do</strong> parênquima em paliçada e dispõem-‐se irregularmente crian<strong>do</strong> abundantes espaços<br />
intercelulares (lacunas), algum <strong>do</strong>s quais abrem para o exterior através <strong>do</strong>s estomas. Nas dicotiledóneas de folhas<br />
equifaciais (e.g. Eucalyptus, Myrtaceae) o mesofilo é preenchi<strong>do</strong> com parênquima em paliçada, estan<strong>do</strong> o<br />
parênquima lacunoso ausente ou reduzi<strong>do</strong> a uma faixa estreita no centro da folha (Moreira, Anatomia das Plantas:<br />
Estruturas, 2010).<br />
A folhas <strong>do</strong>rsiventrais nas monocotiledóneas apresentam diferenças anatómicas notáveis frente às folhas<br />
<strong>do</strong>rsiventrais das dicotiledóneas. A distribuição <strong>do</strong>s estomas é muito mais regular entre as duas faces das folhas nas
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monocotiledóneas <strong>do</strong> que nas dicotiledóneas. O mesofilo está<br />
preenchi<strong>do</strong> com um clorênquima esponjoso, não se distinguin<strong>do</strong><br />
parênquima em paliçada e parênquima lacunoso (Figura 40).<br />
Os feixes vasculares sobressaem no limbo sob a forma de<br />
nervuras. Nas dicotiledóneas têm uma posição mediana, entre os<br />
parênquimas em paliçada e lacunoso, com o xilema numa posição<br />
adaxial, e o floema abaxial. Na maior parte <strong>do</strong>s casos, o pecíolo da<br />
folha tem um grande feixe vascular colateral fecha<strong>do</strong>, coadjuva<strong>do</strong><br />
ou não por outros feixes análogos. A disposição colateral <strong>do</strong><br />
xilema e <strong>do</strong> floema prolonga-‐se pelo limbo foliar, geralmente já só<br />
com um feixe vascular por nervura. Nas nervuras terminais os<br />
feixes vasculares estão reduzi<strong>do</strong>s ao xilema. Os feixes bicolaterais<br />
e anfibasais são infrequentes ao nível da folha. Nas<br />
angiospérmicas é comum observar-‐se uma bainha compacta, com<br />
uma ou duas células de espessura, a envolver radialmente as<br />
nervuras mais finas. Nas monocotiledóneas estas bainhas<br />
envolvem parênquima e esclerênquima. Como adiante se explica,<br />
a bainha de parênquima é distinta nas plantas ditas C3 e C4 (vd.<br />
Anatomia de Kranz). Os tipos de nervação <strong>do</strong> limbo estão<br />
discuti<strong>do</strong>s no Quadro 18.<br />
Em muitas espécies a rigidez das folhas é atribuída por feixes<br />
longitudinais de teci<strong>do</strong>s mecânicos, de colênquima e/ou<br />
esclerênquima, localiza<strong>do</strong>s na margem das folhas ou em torno<br />
<strong>do</strong>s feixes vasculares. Os feixes vasculares das nervuras principais são mais espessos e reforça<strong>do</strong> com teci<strong>do</strong>s<br />
mecânicos <strong>do</strong> que os restantes. A disposição espacial <strong>do</strong>s teci<strong>do</strong>s de suporte tem um grande interesse taxonómico<br />
em alguns géneros de gramíneas (e.g. Festuca). As folhas de Euphorbia (Euphorbiaceae) e de Ficus (Moraceae), entre<br />
outros géneros produtores de látex, são percorridas por canais lacticíferos. Muitas mirtáceas (e.g. Eucalyptus) e os<br />
citrinos (plantas <strong>do</strong> género Citrus, Rutaceae) apresentam bolsas secretórias de óleos essenciais embebidas no<br />
mesofilo foliar, visíveis a olho nu.<br />
Anatomia de Kranz<br />
Existem três tipos de metabolismo<br />
fotossintético nas plantas terrestres: C3, C4 e<br />
metabolismo áci<strong>do</strong> das crassuláceas (plantas<br />
CAM) (Teixeira & Ricar<strong>do</strong>, 1993). Os modelos C3<br />
e C4 têm uma tradução a nível anatómico. As<br />
designações C3 e C4 referem-‐se à estrutura<br />
carbonada <strong>do</strong> primeiro produto da fixação<br />
biológica <strong>do</strong> CO2. Nas plantas C3 o CO2 é fixa<strong>do</strong><br />
nas células <strong>do</strong> mesofilo foliar pela enzima mais<br />
abundante <strong>do</strong> planeta, a ribulose bifosfato<br />
carboxilase/oxigenase, de acrónimo RuBP ou<br />
RuBisCo, produzin<strong>do</strong>-‐se uma molécula de 3<br />
Figura 40. Anatomia da folha de uma<br />
monocotiledónea (Zea mays «milho» Poaceae).<br />
a, fibras de esclerênquima; b, floema; c, xilema;<br />
d, epiderme; e, bainha de Kranz; f, células<br />
buliformes. N.b. pelo na figura B (Sass, 1951)<br />
Figura 41. Anatomia de Kranz. Representação diagramática de um<br />
corte histológico transversal da folha. Legenda: V) feixes vasculares;<br />
P) células de parênquima em paliçada; K) bainha de Kranz.<br />
carbonos. Nas plantas C4 o CO2 primeiro é metaboliza<strong>do</strong> nas células <strong>do</strong> mesofilo. Um áci<strong>do</strong> em C4 é depois<br />
transporta<strong>do</strong> para as células da bainha de Kranz. O áci<strong>do</strong> em C4 é então descarboxila<strong>do</strong> e as moléculas de CO2<br />
cedidas à RuBisCo, retoman<strong>do</strong>-‐se o mecanismo anabólico de fixação <strong>do</strong> CO2 característico das plantas C3 (ciclo de<br />
Calvin-‐Benson).<br />
As células de Kranz contêm grânulos de ami<strong>do</strong> e um grande número de cloroplastos de grande dimensão.<br />
Envolvem radialmente os feixes vasculares, até à nervuras de ordem superior, desenhan<strong>do</strong> uma bainha unicelular,<br />
com duas camadas de células em algumas monocotiledóneas. As células <strong>do</strong> parênquima, por sua vez, estão
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orientadas radialmente para a bainha de Kranz (Figuras 40 e 41). Nas plantas C3 as células que embainham os feixes<br />
vasculares podem ou não possuir clorofila. A fotossíntese C4 evolui pelo menos 66 vezes de forma independente a<br />
partir de ancestrais C3 (Sage, Sage, & Kocacinar, 2012). Por causas fisiológicas que não cabe aqui desenvolver a<br />
fotossíntese C4 é vantajosa sob duas condições ambientais: baixas concentrações de CO2 e/ou elevadas<br />
temperaturas. É particularmente frequente nas monocotiledóneas, sobretu<strong>do</strong> nas Poaceae (e.g. Saccharum<br />
officinarum «cana-‐<strong>do</strong>-‐açucar» e Zea mays «milho-‐graú<strong>do</strong>») (Figura 40) e nas Cyperaceae de climas tropicais.<br />
Adaptações anatómicas ao nível da folha<br />
As espécies xeromórficas, i.e. adaptadas a climas secos, exibem várias adaptações a nível anatómico, entre as<br />
quais: cutícula de grande espessura, câmaras estomáticas, revestimento de tricomas, epiderme multisseriada ou<br />
hipoderme, feixes densos de esclerênquima para impedir o colapso das folhas e suculência foliar. Características<br />
inversas ocorrem nas plantas de locais sombrios e húmi<strong>do</strong>s.<br />
4.4.3. Filomas<br />
Teoria telomática de W. Zimmermann<br />
A teoria telomática de W. Zimmermann tem<br />
servi<strong>do</strong>, desde os anos 30 <strong>do</strong> século passa<strong>do</strong>, para<br />
explicar as inovações evolutivas verificadas ao nível<br />
<strong>do</strong> caule e da folha, nas primeiras fases da evolução<br />
das plantas-‐vasculares. De acor<strong>do</strong> com esta teoria,<br />
a condição ancestral <strong>do</strong> cormo das plantas-‐<br />
vasculares resumir-‐se-‐ia a um sistema<br />
tridimensional de caules áfilos (sem folhas), com<br />
um único feixe vascular, dicotomicamente<br />
ramifica<strong>do</strong>s, representa<strong>do</strong> pelos fósseis de Rhynia<br />
(Rhyniophyta). A evolução da fisionomia e da<br />
anatomia das traqueófitas ancestrais poderia ser<br />
explanada com base num conjunto reduzi<strong>do</strong> de<br />
Figura 42. Eventos elementares ocorri<strong>do</strong>s ao nível <strong>do</strong>s<br />
telomas. Formação <strong>do</strong>s megafilos a partir de um sistema de<br />
telomas envolven<strong>do</strong> uma sequência de três processos<br />
elementares: A – culminação (ing. overtopping), B – planação<br />
(ing. planation) e C – concrescência (ing. webbing) (Bold et al.,<br />
1987).<br />
processos elementares ocorri<strong>do</strong>s ao nível <strong>do</strong>s segmentos terminais estéreis <strong>do</strong>s caules (telomas), entre os quais<br />
(Beerling, 2005): culminação – diferenciação de ramos laterais determina<strong>do</strong>s (telomas) <strong>do</strong>mina<strong>do</strong>s por caules (eixos)<br />
de crescimento indetermina<strong>do</strong>; planação – torção <strong>do</strong>s sistemas de ramos laterais (telomas) de mo<strong>do</strong> a ocuparem um<br />
mesmo plano; concrescência – união de telomas; redução – simplificação e redução <strong>do</strong>s telomas a estruturas de<br />
pequena dimensão.<br />
A folha, num senti<strong>do</strong> lato, evoluiu, pelo menos, por duas vezes nas plantas-‐vasculares 42 , sob a forma de microfilo<br />
e de megafilo. Os microfilos são estruturas foliares pequenas, em forma de agulha (aciculares), com uma única<br />
nervura não ramificada e sem lacunas foliares. Crescem de forma difusa, de forma mais intensa na base, pela ação<br />
de meristemas intercalares. Estão presentes nas Ophioglossidae «ophioglossidas» e nas Lycopodiidae «licófitas»; os<br />
microfilos <strong>do</strong>s fetos-‐ophioglossi<strong>do</strong>s são secundários, i.e. resultam de uma simplificação de megáfilos. Os megafilos (=<br />
eufilos ou folhas verdadeiras) apresentam uma forma laminar, secundariamente acicular, um sistema vascular<br />
complexo e lacunas foliares. Os megafilos diferenciam-‐se em meristemas de posição apical ou lateral. São<br />
característicos da maioria <strong>do</strong>s Euphyllophyta (= cormófitas): Equisetidae «equisetos», Polypodiidae «fetos-‐<br />
verdadeiros», gimnospérmicas e Magnoliidae «plantas-‐com-‐flor».<br />
De acor<strong>do</strong> com W. Zimmermann (Berling, 2007) os microfilos são telomas reduzi<strong>do</strong>s. Os megafilos teriam<br />
evoluí<strong>do</strong> a partir de sistemas tridimensionais de telomas, envolven<strong>do</strong> uma série hipotética de três transformações<br />
(Figura 42): diferenciação de telomas <strong>do</strong>mina<strong>do</strong>s (culminação); planação <strong>do</strong>s sistemas de telomas <strong>do</strong>mina<strong>do</strong>s;<br />
42 Os filódios, nome atribuí<strong>do</strong> às estruturas foliares das briófitas, desenvolvem-‐se nos gametófitos enquanto os microfilos e os<br />
megafilos das traqueófitas são característicos da geração esporofítica: não têm uma origem evolutiva comum, não são<br />
homólogos.
74 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
diferenciação de limbos foliares através da conexão <strong>do</strong>s telomas aplana<strong>do</strong>s por expansões laterais de mesofilo<br />
clorofilino (concrescência). Ainda no âmbito da teoria telomática, os caules provi<strong>do</strong>s de sistemas vasculares<br />
complexos, que caracterizam as traqueófitas mais evoluí<strong>do</strong>s, teriam resulta<strong>do</strong> da concrescência de <strong>do</strong>is ou mais<br />
telomas.<br />
A ideia de que a evolução da forma das plantas-‐terrestres pode ser reduzida a um conjunto elementar de<br />
mecanismos atuantes numa estrutura elementar – o teloma – é muito apelativa. Embora continue a ser<br />
referenciada, e a sua terminologia permaneça útil, a teoria telomática é impossível de testar, falhan<strong>do</strong> o principal<br />
critério de separação entre o que é, e o que não é, uma teoria científica (Stein & Boyer, 2006). Várias outras<br />
hipóteses em torno da evolução de microfilos e megafilos têm si<strong>do</strong> propostas a substituir a teoria telomática. Por<br />
exemplo, os microfilos poderão ter evoluí<strong>do</strong> de emergências espiniformes (em forma de espinho), inicialmente<br />
avasculares, <strong>do</strong> caule, e os megafilos de um caule determina<strong>do</strong> com expansões laterais concrescentes. A complicar<br />
ainda mais a interpretação evolutiva da folha está a rejeição <strong>do</strong> conceito <strong>do</strong> megafilo pugnada por (Tomescu, 2008),<br />
entre outros. Não só a distinção entre microfilo e megafilo não é límpida, como também existem evidências de que<br />
estruturas complexas tipo megafilo (ao contrário <strong>do</strong>s microfilos) evoluíram mais <strong>do</strong> que uma vez entre as plantas<br />
vasculares (os megafilos não são homólogos).<br />
Tipos de filomas<br />
Os múltiplos tipos de megafilos das plantas-‐vasculares são genericamente designa<strong>do</strong>s por filomas. A construção<br />
<strong>do</strong> corpo das espermatófitas tem início na germinação de uma semente. Desde o estádio de plântula (planta<br />
recentemente germinada) até à senescência (morte) sucedem-‐se e coexistem, em maior ou menor número, no<br />
corpo das plantas, vários tipos de filomas (Quadro 16).<br />
Quadro 16. Tipos de filomas<br />
Função Descrição/comentários<br />
Cotilé<strong>do</strong>nes Filomas embrionários, frequentemente ricos em reservas; interpretáveis como profilos de um caudículo<br />
embrionário (caule embrionário)<br />
Folhas<br />
primordiais<br />
Filomas de transição, próprios das plântulas recém-‐germinadas, localiza<strong>do</strong>s entre os cotilé<strong>do</strong>nes e os<br />
nomofilos.<br />
Nomofilos Filomas especializa<strong>do</strong>s na <strong>função</strong> de respiração e assimilação.<br />
Profilos Filoma(s) <strong>do</strong> primeiro ou <strong>do</strong> primeiro e segun<strong>do</strong>s nós de um caule lateral (Figura 43).<br />
Catáfilos Filomas com <strong>função</strong> de proteção, geralmente em forma de escama (escamiformes), sem clorofila, rígi<strong>do</strong>s e<br />
sem meristemas na sua axila; frequentes a envolver bolbos, cormos, rizomas e gomos.<br />
Hipsofilos<br />
(= brácteas)<br />
Filomas, geralmente modifica<strong>do</strong>s na cor, forma, dimensão, consistência, situa<strong>do</strong>s nas inflorescências (vd.<br />
Brácteas); conforme se refere mas adiante (vd. Inflorescência, Constituição) as bractéolas são profilos.<br />
Antofilos Folhas profundamente modificadas que constituem a flor.<br />
Os profilos são em número de um nas monocotiledóneas e nas dicotiledóneas basais, e geralmente 2 nas<br />
dicotiledóneas (vd. estrutura <strong>do</strong>s gomos de Vitis vinífera em Gemas). Nas monocotiledóneas têm uma posição<br />
adaxial, sen<strong>do</strong> escamiformes e adpressos ao caule; e.g. espata da inflorescência das Arecaceae. Nas eudicotiledóneas<br />
apresentam uma posição lateral (inseri<strong>do</strong>s num plano perpendicular ao plano forma<strong>do</strong> pelo eixo principal e pela sua<br />
ramificação) (Figura 43). Ainda nas eudicotiledóneas são, por regra, semelhantes ou distintos <strong>do</strong>s nomofilos,<br />
respectivamente, nos ramos silépticos (e.g. Lauraceae) e prolépticos (e.g. Rosaceae e Fabaceae; vd. Prolepsia e<br />
silepsia) (Keller, 2004).<br />
Reconhecem-‐se <strong>do</strong>is tipos de antofilos: estéreis – antofilos especializa<strong>do</strong>s na proteção da flor ou na atração de<br />
poliniza<strong>do</strong>res, e.g. tépalas, sépalas e pétalas; e férteis – antofilos com funções reprodutivas, e.g. estames e carpelos.
75 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
Situação<br />
A B<br />
Figura 43. Profilos. A) Posição <strong>do</strong>s profilos nos ramos laterais das mono e eudicotiledóneas (corte transversal). Legenda:<br />
a) eixo primário; b) profilos; c) ramo lateral; d) folha tetriz (axilante). N.b. a folha tetriz insere-‐se no eixo primário e axila<br />
uma ramificação lateral; profilo em posição adaxial nas mococotiledóneas. B) Profilos numa eudicotiledónea (adapta<strong>do</strong><br />
de (Keller, 2004)). N.b. profilos similares aos nomofilos inseri<strong>do</strong>s num plano perpendicular ao plano forma<strong>do</strong> pelo eixo<br />
primário e pela sua ramificação; os profilos são geralmente designa<strong>do</strong>s com as letras α e β.<br />
4.4.4. Aspectos gerais da morfologia externa da folha<br />
Quanto à situação as folhas podem ser: aéreas – tipo mais frequente; aquáticas – flutuantes ou submersas na<br />
água livre; ou subterrâneas – ocultas no solo e normalmente <strong>do</strong> tipo catáfilo.<br />
Diferenciação<br />
Nas folhas ditas completas reconhecem-‐se as seguintes partes, a saber: bainha – parte proximal da folha,<br />
alargada e que envolve parcialmente o caule, com a <strong>função</strong> de proteger o meristema axilar; pecíolo – parte da folha,<br />
normalmente cilíndrica, situada entre o limbo e a bainha ou que conecta, diretamente, o limbo ao caule; e limbo –<br />
parte distal da folha, de ordinário laminar onde, geralmente, se concentra a <strong>função</strong> fotossintética da folha. As folhas<br />
pecioladas (folhas sem bainha) e as folhas sésseis (folhas sem pecíolo) são <strong>do</strong>is tipos frequentes de folhas<br />
incompletas.<br />
Figura 44. Diferenciação da folha. 1. Folha completa de Arum (Araceae). 2. Folha peciolada. 3. Folha séssil de Poaceae.<br />
4. Folha séssil. 5. Folhas reduzidas à bainha de Juncus (Juncaceae) «juncos». 6. Filódios e folhas recompostas de Acacia<br />
(Fabaceae) «acácias» (Coutinho, 1898).
76 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
A bainha é muito comum nas monocotiledóneas e rara nas dicotiledóneas. Na fase vegetativa das Poaceae<br />
herbáceas e nas Musa (Musaceae) «bananeiras» as bainhas das folhas estão sobrepostas e comprimidas num<br />
pseu<strong>do</strong>caule. Nas Arecaceae «palmeiras» as bainhas, frequentemente, desfazem-‐se em fibras ou dispõem de<br />
espinhos. Os pecíolos podem estar reduzi<strong>do</strong>s a espinhos (vd. Adaptações). Nas folhas compostas observa-‐se, muitas<br />
vezes, uma pequena articulação no pecíolo (vd. Divisão ou composição). A morfologia <strong>do</strong> limbo é descrita em<br />
pormenor mais adiante (vd. Forma <strong>do</strong> limbo).<br />
No movimento reversível de folhas ou folíolos estão envolvi<strong>do</strong>s pequenos engrossamentos circunscritos à base,<br />
ou ao ápice <strong>do</strong> pecíolo, conheci<strong>do</strong>s por pulvinos. Nas Fabaceae os pulvinos comandam o movimento <strong>do</strong>s folíolos ao<br />
toque na Mimosa pudica «mimosa-‐púdica» e a sobreposição <strong>do</strong>s folíolos em Trifolium em consequência da falta de<br />
água, ou, na Samanea saman «árvore-‐da-‐chuva», em resposta aos dias nebula<strong>do</strong>s. A sobreposição <strong>do</strong>s folíolos em<br />
Trifolium diminui a exposição sol e as perdas por evaporação; na Samanea reduz os potenciais efeitos negativos das<br />
chuvas e <strong>do</strong>s ventos violentos tropicais. Os nós salientes das Poaceae da subfamília Pooideae também cabem no<br />
conceito de pulvino.<br />
O conceito de folha completa é um artifício pedagógico; não é um carácter primitivo a partir <strong>do</strong> qual teriam<br />
emergi<strong>do</strong> as folhas pecioladas ou sésseis. Os pecíolos das dicotiledóneas s.l. e das monocotiledóneas têm uma<br />
ontogénese distinta, não são homólogos. Por esse motivo, a constrição localizada entre a bainha e o limbo nos<br />
Bambus (Poaceae, Bambusoideae) e noutras monocotiledóneas deveria ser designada por pseu<strong>do</strong>pecíolo.<br />
Quadro 17. Classificação das folhas quanto à posição<br />
Tipo Descrição/exemplos<br />
Folha<br />
<strong>do</strong>rsiventral<br />
(= bifacial)<br />
Folha<br />
equifacial<br />
Folha<br />
unifacial<br />
Posição<br />
Página superior (= ventral ou adaxial) e a página inferior (= <strong>do</strong>rsal ou abaxial) diferem na morfologia externa,<br />
na anatomia – por exemplo pela presença de parênquima em paliçada adaxial e de parênquima lacunoso<br />
abaxial –, na saliência das nervuras, no número de estomas e no tipo e disposição <strong>do</strong> indumento<br />
Faces da folha de morfologia e anatomia semelhante; e.g. folhas adultas de Eucalyptus globulus (Myrtaceae)<br />
«eucalípto-‐comum»<br />
Nestas folhas ocorre um sobredesenvolvimento da parte central da página superior (conduzi<strong>do</strong> pelo<br />
meristema adaxial da folha) em detrimento da página inferior e da expansão lateral da folha; as folhas<br />
unifaciais podem ser comprimidas lateralmente (folha ensiforme 43 , e.g. tipo comum nas iridáceas) ou<br />
cilíndricas, neste último caso apresentan<strong>do</strong>-‐se maciças (e.g. folhas gordas de Sedum [Crassulaceae]) ou ocas<br />
(e.g. Allium [Alliaceae] «alhos»)<br />
Quanto à posição as folhas são classificadas em três tipos<br />
(Quadro 17).<br />
Nervação <strong>do</strong> limbo<br />
As nervuras foliares surgem, a olho nu, como<br />
espessamentos lineares, muito delga<strong>do</strong>s, normalmente em<br />
alto ou baixo-‐relevo e de cor mais clara <strong>do</strong> que o parênquima<br />
foliar. Cortes histológicos transversais mostram que as<br />
nervuras são constituídas por feixes vasculares – xilema na<br />
face superior da folha e floema na inferior – frequentemente<br />
reforça<strong>do</strong>s por teci<strong>do</strong>s mecânicos (esclerênquima e/ou<br />
colênquima).<br />
Figura 45. Nervação reticulada. Ficus benjamina<br />
(Moraceae). N.b. nervura média (em cima) células,<br />
nervura marginal e submarginal (canto inferior<br />
esquer<strong>do</strong>), nervuras anastomosadas e aréolas (vd.<br />
43<br />
Ou isobilateral. Alguns autores designam por isobilaterais as folhas cujo mesofilo não se diferencia em parênquima em paliçada<br />
e parênquima lacunoso.
77 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
As nervuras das folhas desempenham duas importantes funções: i) transporte de substâncias – importação de<br />
água, nutrientes e hormonas via xilema, e exportação <strong>do</strong>s produtos da fotossíntese via floema; ii) estabilização<br />
mecânica da folha – através <strong>do</strong> xilema e <strong>do</strong>s teci<strong>do</strong>s mecânicos associa<strong>do</strong>s aos feixes vasculares, caben<strong>do</strong> ainda à<br />
cutícula, à epiderme e à pressão de turgescência das células parenquimatosas um papel importante neste processo.<br />
A nervação das folhas é um tema muito especializa<strong>do</strong> e de grande importância na filogenética das plantas-‐<br />
vasculares. A categorização da nervação das folhas inicia-‐se com o reconhecimento de <strong>do</strong>is mo<strong>do</strong>s de ramificação<br />
(Roth-Nebelsick, Uhl, Mosbrugger, & Kerp, 2001): nervação aberta e fechada (Quadro 18). Consoante se explicita<br />
no Quadro 18, reconhecem-‐se três tipos maiores de nervação fechada (Figura 45 e 46).<br />
Quadro 18. Tipos de nervação <strong>do</strong> limbo<br />
Mo<strong>do</strong>s de<br />
ramificação<br />
Descrição/comentários<br />
Nervação aberta Nervuras organizadas em árvore e que terminam, de forma livre, no interior <strong>do</strong> mesofilo foliar, ou na<br />
sua margem; tipo mais primitivo de nervação; e.g. Ginkgo biloba (Ginkgoaceae) «ginkgo», comum em<br />
fetos, raríssima e secundária nas angiospérmicas.<br />
Nervação<br />
fechada(=<br />
nervação<br />
reticulada ou<br />
nervação em<br />
rede)<br />
Tipos maiores de<br />
nervação<br />
fechada<br />
Peninérvea<br />
(= penada)<br />
Palminérvea (=<br />
palmatinérvea)<br />
Na nervação fechada as nervuras apresentam-‐se anastomosadas e organizadas de forma hierárquica.<br />
As nervuras dizem-‐se anastomosadas quan<strong>do</strong> se ramificam numa rede onde as nervuras mais finas<br />
circundam, e por vezes penetram, pequenas células fechadas (= aréolas foliares); a anastomosação<br />
facilita a difusão de líqui<strong>do</strong>s na folha, a nutrição de zonas danificadas da folha e a sobrevivência em<br />
climas ári<strong>do</strong>s. A natureza hierárquica da nervação fechada evidencia-‐se pela presença de uma, ou mais,<br />
nervuras principais (nervuras de 1ª ordem), nas quais se inserem nervuras de 2ª ordem (secundárias),<br />
por sua vez subdivididas em nervuras de ordem superior. A nervação fechada evoluiu mais que uma vez<br />
a partir de tipos primitivos de nervação aberta; tipo <strong>do</strong>minante em fetos, gimnospérmicas e<br />
angiospérmicas.<br />
Descrição/comentários<br />
Uma nervura principal (nervura média) que herda os feixes vasculares principais <strong>do</strong> pecíolo; nervuras<br />
secundárias inserem-‐se ao longo da nervura primária como as barbas na ráquis de uma pena de ave, e<br />
terminam, frequentemente, num hidáto<strong>do</strong> na margem da folha (vd. Corpos nutritivos, hidáto<strong>do</strong>s e<br />
nectários extraflorais); quan<strong>do</strong> se identifica apenas a nervura média as folhas dizem-‐se uninérveas; na<br />
maioria das plantas-‐vasculares as nervuras secundárias atingem a margem, terminan<strong>do</strong> ou não num<br />
dente, anastomosam-‐se sem atingir a margem ou arqueiam-‐se em direção ao ápice sem o alcançar;<br />
nervação característica de eudicotiledóneas e magnoliidas; rara entre as monocotiledóneas (e.g.<br />
Zingiberales); algumas nervuras das folhas peninérveas merecem designações especiais, e.g. nervura<br />
marginal – percorre to<strong>do</strong> o limbo próximo da margem da folha.<br />
Três ou mais nervuras principais inseridas na base (partin<strong>do</strong> <strong>do</strong> ápice <strong>do</strong> pecíolo), ou próximo da base<br />
<strong>do</strong> limbo, de onde divergem radialmente, como os de<strong>do</strong>s numa mão; consoante as espécies as nervuras<br />
secundárias são rectas e divergentes (e.g. Malva [Malvaceae] «malvas») ou curvilíneas e convergentes<br />
em direção ao ápice (e.g. Tamus communis [Dioscoreaceae] «norça-‐preta»), neste caso<br />
impropriamente cunhadas de curvilíneo-‐paralelinérveas; tipo de nervação frequente nas mono e<br />
eudicotiledóneas.<br />
Paralelinérvea Duas ou mais nervuras principais, normalmente de espessura e dimensão semelhante, paralelas ao<br />
longo da folha e convergentes no ápice; nervuras principais conectadas por nervuras de ordem superior<br />
geralmente inseridas perpendicularmente às nervuras de ordem inferior; nervação característica das<br />
monocotiledóneas, rara nas eudicotiledóneas (e.g. Plantago lanceolata, Plantaginaceae).
78 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
A B<br />
Figura 46. Nervação da folha. A) 1. Folha peninérvea. 2. Folha palminérvea. 3. Folha paralelinérvea. 4. Folha palminérvea<br />
(curvilíneo-‐paralelinérvea) (Coutinho, 1898). B) Tipos de nervação de L. Hickey (Hickey, Classification of the architecture<br />
of dicotyle<strong>do</strong>nous leaves, 1973).<br />
A tipologia enunciada não abarca to<strong>do</strong>s os tipos de nervação fechada conheci<strong>do</strong>s nas plantas-‐com-‐flor, sobretu<strong>do</strong><br />
nos trópicos ou no registo fóssil. Para obviar esta dificuldade é cada mais utilizada a classificação de (Hickey, A<br />
revised classification of the architecture of dicotyle<strong>do</strong>nous leaves, 1979) (Quadro 19).<br />
Quadro 19. Tipologia da nervação foliar de (Hickey, A revised classification of the architecture of dicotyle<strong>do</strong>nous<br />
leaves, 1979) (versão simplificada)<br />
Camptódroma (ing.<br />
camptodromous)<br />
Broquidódroma (ing.<br />
brochi<strong>do</strong>dromous)<br />
Eucamptódroma (ing.<br />
eucamptodromous)<br />
Craspedódroma (ing.<br />
craspe<strong>do</strong>dromous)<br />
Tipo Descrição Exemplos<br />
Campilódroma<br />
(= curvilíneo-‐paralelinérvea)<br />
(ing. campylodromous)<br />
Hifódroma<br />
(= uninérvea)<br />
Actinódroma<br />
(= palminérvea s.str.)<br />
Acródroma<br />
(= curvinérvea)<br />
Paralelódroma<br />
(= paralelinérvea) (ing.<br />
parallelodromous)<br />
Palinactinódroma<br />
(= pedada)<br />
Folhas peninérveas com as nervuras secundárias<br />
curvadas para cima em direção à margem da folha.<br />
Folhas camptódromas com nervuras secundárias<br />
forman<strong>do</strong> arcos regularmente curvadas para cima,<br />
tocan<strong>do</strong>-‐se de forma sucessiva.<br />
Folhas camptódromas cujas nervuras secundarias<br />
não se tocam.<br />
Folhas peninérveas com as nervuras secundárias<br />
mais ou menos paralelas.<br />
Folhas de arcos mais acentua<strong>do</strong>s <strong>do</strong> que na nervação<br />
acródroma.<br />
Nervuras secundarias ausentes, rudimentares ou<br />
ocultas num mesofilo carnu<strong>do</strong> ou coriáceo.<br />
Três ou mais nervuras primárias inseridas na base,<br />
ou próximo da base, de onde divergem radialmente.<br />
Nervuras primárias e/ou secundárias forman<strong>do</strong> arcos<br />
convergentes em direção ao ápice da folha.<br />
Folhas com duas ou mais nervuras primárias<br />
paralelas entre si até ao ápice, onde convergem.<br />
Nervuras primárias divergin<strong>do</strong> numa série de<br />
ramificações dicotómicas.<br />
V.i.<br />
Linaceae, Prunus avium<br />
(Rosaceae) muitas Apocynaceae<br />
tropicais<br />
Cornus (Cornaceae), numerosas<br />
Rubiaceae tropicais<br />
Quercus suber (Fagaceae)<br />
«sobreiro»<br />
Smilax aspera (Smilacaceae)<br />
«salsaparilha-‐bastarda»<br />
Muitas Apocynaceae<br />
Tilia (Tilioideae, Malvaceae)<br />
«tílias»<br />
Celtis australis (Cannabaceae)<br />
«lódão-‐bastar<strong>do</strong>»<br />
Poaceae<br />
Platanus orientalis (Platanaceae)<br />
«plátano»
79 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
Forma <strong>do</strong> limbo e recorte<br />
Na descrição da forma <strong>do</strong> limbo das folhas há<br />
que considerar os seguintes aspectos: forma geral<br />
<strong>do</strong> limbo, ângulo da base, ângulo <strong>do</strong> ápice, forma<br />
da base, forma <strong>do</strong> ápice, recorte e simetria.<br />
A classificação da forma <strong>do</strong> limbo baseia-‐se na<br />
posição <strong>do</strong> eixo de maior largura e na relação<br />
comprimento/largura. Em <strong>função</strong> <strong>do</strong> primeiro<br />
critério definem-‐se quatro formas fundamentais de<br />
folhas planas e simétricas a reter: elíptica, obovada,<br />
ovada e oblonga (Figura 47).<br />
Figura 47. Formas <strong>do</strong> limbo mais frequentes. Consoante a<br />
posição <strong>do</strong> eixo de maior largura das folhas assim se definem<br />
os tipos: A) elíptico, B) obova<strong>do</strong>, C) ova<strong>do</strong> e D) oblongo (Leaf<br />
Architecture Working Group, 1999).<br />
Figura 48. Forma <strong>do</strong> limbo em folhas planas e simétricas. E.g. as folhas semelhantes ao modelo D3 são ovadas e<br />
as semelhantes ao modelo E2 estreitamente-‐obovadas. N.b. nem to<strong>do</strong>s valores da relação comprimento/lagura e<br />
nem todas as posições <strong>do</strong> eixo de maior largura estão considera<strong>do</strong>s na figura; para as condições intermédias<br />
usam-‐se designações compósitas tipo “folha oblongo-‐elíptica” ou “linear-‐oblonga” (Systematics Association<br />
Committee for Descriptive Biological Terminology, 1962).<br />
Cruzan<strong>do</strong> os critérios posição <strong>do</strong> eixo de maior largura, angulosidade da folha e a relação comprimento/largura<br />
obtem-‐se uma terminologia mais complexa, resumida na Figura 48. Alguns exemplos: folhas elípticas – Diospyros<br />
kaki (Ebenaceae) «diospireiro»; folhas orbiculares – Eichornia crassipes (Pontederiaceae); folhas oblongas –<br />
Pittosporum undulatum (Pittosporaceae) «incenso»; folhas ovadas – Citrus sinensis (Rutaceae) «laranjeira-‐<strong>do</strong>ce»;<br />
folhas obovadas – Salix atrocinerea (Salicaceae) «borrazeira-‐preta»; folhas lineares – gramíneas; folhas ova<strong>do</strong>-‐
80 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
angulosas – Solanum nigrum (Solanaceae) «erva-‐moira»; folhas triangulares (= folhas deltoides) – Populus nigra<br />
(Salicaceae) «choupo-‐negro» e Tetragonia tetragonoides (Aizoaceae). No Quadro 20 reúnem-‐se algumas outras<br />
formas foliares de uso corrente na bibliografia botânica. A designação “folha lanceolada” (em forma de lança) é<br />
dúbia e deve, por isso, ser evitada embora seja recorrente na bibliografia.<br />
Quadro 20. Outras formas foliares de uso corrente<br />
Tipo Descrição Exemplo<br />
Acicular Em forma de agulha folhas clorofiladas de Pinus (Pinaceae) «pinheiros»<br />
Cilíndrica Em forma de cilindro, oco ou maciço Allium cepa (Alliaceae) «cebola»<br />
Cordiforme Maior largura próximo da base <strong>do</strong> limbo e duas<br />
aurículas na base, em forma de coração estiliza<strong>do</strong><br />
Tamus communis (Dioscoriaceae) e Ipomoea<br />
purpurea (Convolvulaceae) «batata-‐<strong>do</strong>ce»<br />
Escamiforme Em forma de escama Folhas de Cupressus (Cupressaceae) «ciprestes»<br />
Espatulada Em forma de espátula Pittosporum tobira (Pittosporaceae)<br />
Ensiforme folha unifacial lateralmente comprimida Iridaceae<br />
Falciforme Em forma de foice folhas adultas de Eucalyptus globulus (Myrtaceae)<br />
Flabelada Em forma de leque Ginkgo biloba (Ginkgoaceae) «ginkgo»<br />
Hastada Com a folha pontiaguda com lóbulos da base muito<br />
divergentes, com a forma da folha das alabardas<br />
Peltada De mais ou menos contorno circular com o pecíolo<br />
inseri<strong>do</strong> no centro ou na sua proximidade<br />
Rumex angiocarpus (Polygonaceae)<br />
Tropaeolum majus (Tropaeolaceae) «chagas» e<br />
Ricinus communis (Euphorbiaceae) «rícino<br />
Reniforme Em forma de rim Calystegia soldanella (Convolvulaceae)<br />
Sagitada De contorno triangular agu<strong>do</strong> prolongan<strong>do</strong>-‐se, na<br />
base, em duas aurículas ou lóbulos agu<strong>do</strong>s, dirigi<strong>do</strong>s<br />
mais ou menos divergentes<br />
A B<br />
Zantedeschia aetyopica (Araceae) «jarro»<br />
Figura 49. Forma <strong>do</strong> limbo, <strong>do</strong> ápice e da base das folhas. A) Outras formas <strong>do</strong> limbo das folhas: 1 espatulada, 2<br />
cordiforme, 3 hastada, 4 sagitada, 5 obcordiforme, 6 peltada, 7 falcada (Díaz Gonzalez, Fernandez-‐Carvajal<br />
Alvarez, & Fernández Prieto, 2004). B) Ângulos da base e <strong>do</strong> ápice. Ângulo da base: A) agu<strong>do</strong> e B) obtuso. Ângulo<br />
<strong>do</strong> ápice: C) agu<strong>do</strong> e D) obtuso (Leaf Architecture Working Group, 1999).
81 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
O (Leaf Architecture Working Group, 1999) propõe que o ângulo da base seja medi<strong>do</strong> definin<strong>do</strong> três pontos: um<br />
vértice situa<strong>do</strong> na inserção <strong>do</strong> pecíolo no limbo e outros <strong>do</strong>is pontos resultantes da intercepção da margem com<br />
uma linha perpendicular ao eixo da folha, situada a ¼ <strong>do</strong> comprimento da folha (a partir da base). O Quadro 21 e a<br />
Figura 49 apresenta os tipos fundamentais de forma da base. A forma da base auriculada é subdividida nos seguintes<br />
tipos (Figura 49): hastada – auriculada de lóbulos divergentes; sagitada – auriculada de lóbulos ligeiramente<br />
divergentes a mais ou menos convergentes, definin<strong>do</strong> um seio peciolar; cordiforme (= cordada na base) – com<br />
aurículas pequenas e arre<strong>do</strong>ndadas; amplexicaule – aurículas envolven<strong>do</strong> parcialmente o caule onde se inserem;<br />
termo ainda aplica<strong>do</strong> a brácteas e estípulas.<br />
Quadro 21. Forma da base das folhas<br />
Tipo Descrição<br />
Acunheada Em forma de cunha, i.e. triangular<br />
Decorrente Base de margens côncavas que se prolongam pelo pecíolo<br />
Convexa Base de margens convexas<br />
Arre<strong>do</strong>ndada Base quase circular<br />
Truncada Base abruptamente interrompida numa margem perpendicular ao eixo de maior comprimento<br />
Auriculada Base com lóbulos (= aurículas)<br />
Assimétrica Aurículas direita e esquerda de distinta forma ou dimensão<br />
A avaliação <strong>do</strong> ângulo <strong>do</strong> ápice segue uma lógica similar à determinação <strong>do</strong> ângulo da base (Leaf Architecture<br />
Working Group, 1999): os ângulos <strong>do</strong> ápice e da base são agu<strong>do</strong>s ou obtusos consoante os respectivos ângulos<br />
sejam inferiores ou superiores a 90°. Os tipos morfológicos <strong>do</strong> ápice foliar estão explicita<strong>do</strong>s no Quadro 22.<br />
Quadro 22. Forma <strong>do</strong> ápice das folhas<br />
Tipo Descrição<br />
Acumina<strong>do</strong> Ápice agu<strong>do</strong> e de margens côncavas<br />
Atenua<strong>do</strong> Ápice agu<strong>do</strong> e de margens pouco côncavas ou rectas<br />
Arre<strong>do</strong>nda<strong>do</strong> Ápice convexo em semi-‐círculo<br />
Assovela<strong>do</strong> (= subula<strong>do</strong>) Ápice terminan<strong>do</strong> num ponta aguda, mais ou menos longa, semelhante a uma sovela<br />
Trunca<strong>do</strong> Ápice abruptamente interrompi<strong>do</strong> numa margem perpendicular ao comprimento; termo ainda<br />
aplica<strong>do</strong> a brácteas, sépalas e pétalas<br />
Retuso Ápice com um entalhe superficial<br />
Chanfra<strong>do</strong> (= emargina<strong>do</strong>,<br />
escota<strong>do</strong>)<br />
Ápice com um entalhe mais ou menos profun<strong>do</strong>; e.g. folíolos de Ceratonia siliqua (Fabaceae,<br />
Caesalpinioideae) «alfarrobeira»<br />
Mucrona<strong>do</strong> Ápice agu<strong>do</strong> ou obtuso provi<strong>do</strong> de um mucrão, i.e. de uma ponta curta mais ou menos rígida<br />
As folhas não recortadas dizem-‐se inteiras. Dois tipos fundamentais de recorte: marginal e profun<strong>do</strong>, cada um<br />
<strong>do</strong>s quais com vários subtipos (Quadro 23, Figura 50).
82 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
Quadro 23. Tipos de recorte foliar<br />
Tipo Descrição<br />
Recorte marginal<br />
Crena<strong>do</strong> com crenos, i.e. com recortes arre<strong>do</strong>nda<strong>do</strong>s; com crenos muito pequenos diz-‐se crenula<strong>do</strong><br />
Denta<strong>do</strong> com dentes, i.e. com recortes triangulares, não inclina<strong>do</strong>s e mais ou menos pontiagu<strong>do</strong>s; com<br />
dentes ergui<strong>do</strong>s muito pequenos diz-‐se denticula<strong>do</strong><br />
Serra<strong>do</strong> com dentes inclina<strong>do</strong>s, como os de uma serra, dirigi<strong>do</strong>s para o ápice; com dentes inclina<strong>do</strong>s<br />
muito pequenos diz-‐se serrilha<strong>do</strong>; Camelia japonica (Theaceae) «camélia»<br />
Recorte profun<strong>do</strong><br />
Lobadas recorte não alcança a ½ da aba da folha; e.g. Quercus robur (Fagaceae) «carvalho-‐roble»<br />
Fendidas recortes até ca. ½ da aba da folha<br />
Partidas recorte ultrapassa ½ da aba da folha; e.g. Q. pyrenaica (Fagaceae) «carvalho-‐negral»<br />
Sectas recorte prolonga<strong>do</strong> até à nervura<br />
Figura 50. Recorte da folha. Recorte marginal: 1. folha crenada; 2. folha dentada; 3. folha serrada. Recorte profun<strong>do</strong>: 4.<br />
folha penatilobada; 5. folha palmatilobada; 6. folha penatipartida; 7. folha penatissecta. Simetria: 8. Folha assimétrica de<br />
Ulmus minor (Ulmaceae) «ulmeiro» (Coutinho, 1898)<br />
Os recortes das folhas lobadas ou fendidas designam-‐se por lobos; nas folhas partidas a sectas reconhecem-‐se<br />
segmentos. Consoante o tipo de nervação os tipos de recorte profun<strong>do</strong> enuncia<strong>do</strong>s no Quadro 23 são combina<strong>do</strong>s<br />
com os prefixos “palmati” e “penati”; e.g. palmatiloba<strong>do</strong>, palmatissecto, penatifendi<strong>do</strong> e penatiparti<strong>do</strong>. As folhas<br />
podem combinar recorte marginal com recorte profun<strong>do</strong>; e.g. a Malva sylvestris (Malvaceae) têm folhas<br />
palmatifendidas com lobos denta<strong>do</strong>s.<br />
Regra geral as folhas são simétricas, i.e. a aba esquerda e a aba direita são a imagem no espelho uma da outra.<br />
Dois exemplos clássicos de folhas assimétricas: folhas adultas falciformes de Eucalyptus globulus (Myrtaceae)<br />
«eucalipto-‐comum» e folhas assimétricas na base de Ulmus (Ulmaceae) «ulmeiros» (Figura 50).<br />
Divisão ou composição<br />
As folhas simples têm apenas um limbo, não articula<strong>do</strong>. Nas folhas compostas (= folhas folioladas 44 ) reconhecem-‐<br />
se um ou mais limbos independentes – os folíolos – geralmente semelhantes entre si e provi<strong>do</strong>s de uma pequena<br />
articulação no peciólulo. A articulação identifica-‐se pela presença de uma constrição anelar, acompanhada ou não<br />
44 O uso <strong>do</strong> sufixo “folia<strong>do</strong>” a substituir “foliola<strong>do</strong>” deve ser evita<strong>do</strong> (Font Quer, 1985).
83 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
por um pequeno engrossamento. A abcisão (=queda) das folhas compostas dá-‐se, geralmente, pela articulação. As<br />
folhas compostas não devem ser confundidas com folhas sectas, nem com ramos de folhas oposto-‐disticadas. Os<br />
segmentos das folhas sectas, ao contrário <strong>do</strong>s folíolos, são distintos entre si, frequentemente assimétricos e nunca<br />
possuem uma articulação na base. As folhas compostas têm crescimento determina<strong>do</strong> e não dispõem de meristemas<br />
na axila <strong>do</strong>s folíolos. A tipologia das folhas compostas fundamenta-‐se no número e disposição <strong>do</strong>s pecíolos (Quadro<br />
24, chave dicotómica 1).<br />
Quadro 24. Tipologia das folhas compostas<br />
Tipo Descrição Exemplos<br />
Unifolioladas<br />
(= 1-‐folioladas)<br />
Bifolioladas<br />
(= 2-‐folioladas)<br />
Trifolioladas<br />
(= 3-‐folioladas)<br />
Com 1 folíolo Citrus (Rutaceae) «citrinos»; em C. aurantium «laranjeira-‐amarga» o<br />
pecíolo é ala<strong>do</strong> sen<strong>do</strong> a articulação <strong>do</strong> folíolo particularmente evidente<br />
Com 2 folíolos Colophospermum mopane (Fabaceae), um <strong>do</strong>s arbustos mais frequentes<br />
<strong>do</strong> Sul de Angola e de Moçambique<br />
Com 3 folíolos Trifolium (Fabaceae) «trevos»<br />
Multifolioladas Com 4 ou mais folíolos Pistacia lentiscus (Anacardiaceae) «aroeira»<br />
Reconhecem-‐se <strong>do</strong>is tipos fundamentais de folhas compostas multifolioladas (chave dicotómica 1, Figura 51 A):<br />
palmaticompostas e penaticompostas. Nas folhas palmaticompostas (= digitadas) to<strong>do</strong>s os folíolos estão inseri<strong>do</strong>s no<br />
ápice <strong>do</strong> pecíolo, como os de<strong>do</strong>s de uma mão; e.g. Aesculus hippocastanum (Sapindaceae) «castanheiro-‐da-‐índia»<br />
(Figura 51 A). Nas folhas penaticompostas (= pinadas 45 ) os folíolos inserem-‐se em duas fiadas opostas, ao longo de<br />
um eixo (= ráquis) disposto no prolongamento <strong>do</strong> pecíolo. Consoante o número de folíolos seja par ou ímpar (com<br />
um folíolo na ponta) as folhas penaticompostas são imparipinadas (= imparifolioladas, e.g. Ailanthus altissima<br />
(Simaroubaceae) «ailanto») ou paripinadas (= parifolioladas, e.g. Ceratonia siliqua (Fabaceae) «alfarrobeira»).<br />
As folhas duas ou mais vezes compostas dizem-‐se recompostas (Chave dicotómica 1). Nas folhas bipinadas (=2-‐<br />
penaticompostas ou 2-‐pinadas), o tipo mais frequente de folhas recompostas, os folíolos estão inseri<strong>do</strong>s em duas<br />
fiadas geralmente opostas ao longo de eixos secundários, constituin<strong>do</strong> pínulas (Beentje, 2012). As pínulas, por sua<br />
vez, inserem-‐se em duas fiadas geralmente opostas na ráquis da folha; e.g. a grande maioria das fabáceas<br />
mimosóideas. As folhas bipinadas são paripinuladas ou imparipinuladas consoante disponham um número par ou<br />
ímpar de pínulas. As folhas recompostas podem ainda ser 3, 4 ou mesmo 5 vezes compostas.<br />
As folhas da bananeira e de muitas palmeiras embora se assemelhem a folhas composta são, na realidade, folhas<br />
sectas cujo recorte resulta da rotura de um único limbo através de linhas de fragilidade. Alguns autores atribuem-‐<br />
lhes a designação de folhas pseu<strong>do</strong>compostas.<br />
A produção de folhas grandes é, teoricamente, vantajosa quan<strong>do</strong> as plantas competem ferozmente pela luz. No<br />
entanto, as folhas de grande dimensão, por estarem envolvidas por uma espessa camada limite, acabam por ter<br />
dificuldade em absorver o dióxi<strong>do</strong> de carbono e estão submetidas a tensões mecânicas que as podem partir ou<br />
rasgar. As folhas compostas, à semelhança das folhas profundamente recortadas, sobrevieram, de forma<br />
independente, em várias linhagens de plantas-‐com-‐flor por serem uma solução evolutiva eficiente para este trade-‐<br />
off.<br />
Não é claro se as folhas compostas são homologáveis a caules de crescimento determina<strong>do</strong> ou a folhas simples.<br />
No primeiro caso os folíolos e as folhas simples seriam homólogos; no segun<strong>do</strong>, os folíolos corresponderiam a<br />
subdivisões de uma folha simples e a ráquis (no caso das folhas penaticompostas) coincidiria com a nervura média<br />
(Champagne & Sinha, 2004) (Figura 51 B).<br />
45 Na bibliografia as folhas pinadas são também designadas por pinuladas. Com a mesma raiz resistem os termos bipinulada, 2-‐<br />
pinulada, paripinuladas ou imparipinulada. A folha penada tem uma nervação peninérvea, não confundir com o conceito de folha<br />
pinada.
84 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
Chave dicotómica 1. Tipos de folhas compostas (Bell, 2008) (Beentje, 2012)<br />
1. Folhas com 1 limbo não articula<strong>do</strong> ................................................................................................................. folhas simples<br />
-‐ Folhas com 1 limbo articula<strong>do</strong> ou com 2 ou mais limbos semelhantes entre si ....................................................................2<br />
2. Folhas uma vez compostas...................................................................................................................................................3<br />
-‐ Folhas recompostas (= 2 ou mais vezes compostas)..............................................................................................................6<br />
3. Folhas com 1, 2 ou 3 limbos ........................................ Respectivamente, folhas unifolioladas, bifolioladas ou trifolioladas<br />
-‐ Folhas com 4 ou mais limbos ...........................................................................................................[folhas multifolioladas] 4<br />
4. Folíolos inseri<strong>do</strong>s no mesmo ponto, como os de<strong>do</strong>s numa mão ...................................................folhas palmaticompostas<br />
-‐ Folíolos inseri<strong>do</strong>s em 2 fiadas ao longo de um eixo..................................................................... [folhas penaticompostas] 5<br />
5. Número par de folíolos............................................................................................................................. folhas paripinadas<br />
-‐ Número ímpar de folíolos ...................................................................................................................... folhas imparipinadas<br />
6. Pínulas com 3 folíolos inseri<strong>do</strong>s no mesmo ponto, como os de<strong>do</strong>s numa mão...................................................................7<br />
-‐ Pínulas com 4 ou mais folíolos inseri<strong>do</strong>s em 2 fiadas opostas ao longo de um eixo .............................................................8<br />
7. Folhas 2 vezes compostas .......................................................................................................................... folhas biternadas<br />
-‐ Folhas 3 vezes compostas ........................................................................................................................... folhas triternadas<br />
8. Folhas 2 vezes compostas ............................................................................................................................folhas 2-‐pinadas<br />
-‐ Folhas 3 vezes compostas ..............................................................................................................................folhas 3-‐pinadas<br />
A B<br />
Figura 51. Composição da folha. A) Composição das folhas: 1. folha paripinada; 2. folha imparipinada; 3. folha digitada;<br />
4. folha 2-‐pinada paripinulada (Coutinho, 1898). B) Hipóteses explicativas da origem das folhas compostas. Hipótese a): a<br />
folha composta é homologável a um caule de crescimento determina<strong>do</strong>. Hipótese b): a folha composta é homologável de<br />
uma folha (inspira<strong>do</strong> em (Champagne & Sinha, 2004))<br />
Apêndices foliares<br />
As estípulas e as lígulas são<br />
os apêndices foliares mais<br />
frequentes e de maior<br />
interesse taxonómico. As<br />
estípulas inserem-‐se no<br />
pecíolo das folhas ou nos nós<br />
(Figura 52). Geralmente,<br />
possuem uma forma laminar,<br />
chegan<strong>do</strong> em alguns grupos<br />
de plantas a tomar forma e a<br />
Figura 52. Tipos de estípulas. 1 estípulas livres, 2 estípulas aderentes ao pecíolo, 3<br />
ócrea (estrutura estipular tubulosa), 4 estípula inserida por debaixo <strong>do</strong> pecíolo. 5<br />
estípula intrapeciolar, 6 estípula interpeciolar (adapta<strong>do</strong> de<br />
http://www.anbg.gov.au/glossary/webpubl/glossik.htm ).
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dimensão de folhas (estípulas foliáceas) ou folíolos; e.g. Lotus (Fabaceae). As estípulas são raras nas<br />
monocotiledóneas e frequentes nas dicotiledóneas. As dicotiledóneas, geralmente, apresentam duas estípulas, uma<br />
de cada la<strong>do</strong> de um pecíolo ou de um nó. Primordialmente, têm a <strong>função</strong> de proteger os primórdios foliares ou os<br />
meristemas axilares, após a expansão da folha. As estípulas podem apresentar-‐se transformadas em espinhos (vd.<br />
Espinhos) ou, raramente, em gavinhas (vd. Metamorfoses da folha). As estípulas são classificadas em <strong>função</strong> <strong>do</strong> local<br />
onde se inserem e da sua concrescência (vd. Figura 52). O tipo de estípulas é muito importante na identificação de<br />
algumas famílias de óptimo tropical, e.g. Rubiaceae. Estas estruturas surgiram de forma independente em muitas<br />
linhagens de angiospérmicas, e.g. as estípulas de Rubiaceae, Fabaceae, ou de Brassicaceae não homólogas (Bell,<br />
2008).<br />
As lígulas são apêndices membranosos de origem epidérmica, por vezes transforma<strong>do</strong>s numa fiada de pelos,<br />
situa<strong>do</strong>s no encontro da bainha com o limbo de muitas monocotiledóneas (Figura 60 B). São particularmente<br />
frequentes na família das Poaceae. Também presentes, por exemplo, em Hedychium gardnerianum (Zingiberaceae)<br />
«conteira». Admite-‐se que se destinam a proteger a bainha da água da chuva ou de insectos.<br />
Superfície e epifilia<br />
A superfície das folhas e demais órgãos aéreos herbáceos – caules herbáceos e peças da flor – é muito diversa e,<br />
por isso, rica em informação taxonómica (vd. Emergências). O termo epifilia refere-‐se ao desenvolvimento de<br />
estruturas na superfície das folhas. Algumas das estruturas passíveis de serem encontradas nas folhas estão expostas<br />
no Quadro 25.<br />
Quadro 25. Estruturas passíveis de serem encontradas na superfície das folhas<br />
Tipo Comentários/exemplos<br />
Gemas adventícias muito raras na natureza; e.g. em Begonia (Begoniaceae) «begónias» e Bryophyllum (Crassulaceae)<br />
(Figura 53) formam-‐se pequenas gemas na margem das folhas que dão origem as novos caules,<br />
usa<strong>do</strong>s na multiplicação vegetativa comercial destas espécies<br />
Raízes adventícias infrequentes; e.g. Saintpaulia ionantha (Gesneriaceae) «saintpaulia»<br />
Espinhos localiza<strong>do</strong>s na superfície ou na margem da folha (vd. Espinhos)<br />
Indumento aborda<strong>do</strong> no ponto Emergências<br />
Consistência e cor<br />
Quanto à consistência as folhas podem ser: herbáceas – folhas tenras, e.g. maioria das gramíneas; coriáceas – de<br />
consistência semelhante à <strong>do</strong> couro, e.g. Quercus suber<br />
(Fagaceae) «sobreiro»; carnudas – espessas e ricas em<br />
água, e.g. Sedum sp.pl. (Crassulaceae).<br />
As folhas são geralmente verdes poden<strong>do</strong>, consoante<br />
a concentração relativa <strong>do</strong>s pigmentos, mostrar-‐se<br />
amarelas, purpúreas, etc. Entre as plantas ornamentais<br />
são frequentes cultivares, ou clones, de folhas<br />
variegadas ou listadas de diversas cores, e.g. Agave<br />
americana cv. Variegata (Agavaceae) «piteira». As folhas<br />
(e outros órgãos) com tons azula<strong>do</strong>s ou verde-‐mar<br />
dizem-‐se glaucas. Pouco antes da abcisão (queda) das<br />
folhas, muitos constituintes foliares são desmantela<strong>do</strong>s<br />
e desloca<strong>do</strong>s para centros de crescimento ativo (e.g.<br />
gemas) ou armazenamento, e as folhas mudam de cor.<br />
Nas plantas caducifólias a desmobilização <strong>do</strong>s nutrientes<br />
Figura 53. Gemas adventícias. Gemas adventícias foliares<br />
em Bryophyllum (Kalanchoe) daigremontiana<br />
(Crassulaceae), n.b. folhas e raízes adventícias suspensas<br />
nas gemas adventícias.
86 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
das folhas é despoletada e sincronizada por factores ambientais (e.g. comprimento <strong>do</strong> dia) o que explica a mudança,<br />
quase simultânea, da cor da copa das árvores <strong>do</strong>s bosques tempera<strong>do</strong>s de folha caduca no Outono.<br />
Duração<br />
As folhas são órgãos de duração muito limitada. Nas plantas anuais e bienais as folhas basais, muitas vezes<br />
organizadas em rosetas, entram em senescência à medida que os caules se alongam e as ensombram. Fin<strong>do</strong> o ciclo<br />
de vida as folhas sobreviventes morrem quase em simultâneo. Nas plantas perenes as folhas mais velhas têm que<br />
ser, de algum mo<strong>do</strong>, substituídas por outras novas, fotossinteticamente mais eficientes (vd. Estrutura modular das<br />
plantas). As plantas perenes seguem duas estratégias na renovação das folhas: caducifolia e perenifolia.<br />
Nas plantas de folha caduca (= caducifólias) a copa renova-‐se no início da estação favorável cain<strong>do</strong> as folhas,<br />
quase em simultâneo, no início da estação desfavorável. As plantas de folha caduca podem ser caducifólias de<br />
inverno ou de estação seca 46 . A Adansonia digitata (Bombacoideae, Malvaceae) «embondeiro», uma importante<br />
árvore das zonas áridas africanas, e a Euphorbia pedroi (Euphorbiaceae), um endemismo da Serra da Arrábida, estão<br />
despidas de folhas na estação seca. Uma boa parte da flora lenhosa portuguesa é caducifólia de Inverno, e.g.<br />
Quercus pyrenaica (Fagaceae) «carvalho-‐negral», Betulaceae «bi<strong>do</strong>eiros, amieiros e aveleiras», Salicaceae<br />
«salgueiros», Ulmaceae «ulmeiros» e ainda as Rosaceae arbustivas e arbóreas indígenas de Portugal (excepto Prunus<br />
azorica, P. hixa e P. lusitanica).<br />
A B<br />
Figura 54. Perenifolia, marcescência e caducifolia. A) Euphorbia pedroi<br />
(Euphorbiaceae) uma espécie caducifólia de Verão. B) Pinus halepensis<br />
(Pinaceae), uma árvore de folhas persistentes e pinhas marcescentes.<br />
Nas plantas de folha persistente (= de<br />
folha perene, perenifólias) a copa<br />
apresenta-‐se revestida de folhas durante<br />
to<strong>do</strong> ano. Nestas plantas raramente<br />
permanecem folhas funcionais (i.e. verdes)<br />
com mais de 3 anos. Nas regiões com uma<br />
estação desfavorável bem marcada a<br />
queda das folhas nas plantas perenes<br />
normalmente é concentrada no tempo e<br />
antecede, ou ocorre em simultâneo, com a<br />
produção de novas folhas. Assim acontece,<br />
por exemplo, com a Mangifera indica<br />
(Anacardiaceae) «mangueira» na Guiné-‐<br />
Bissau ou no nordeste brasileiro no início<br />
da estação das chuvas.<br />
As plantas semi-‐caducifólias retêm parte das folhas durante a estação desfavorável, permanecen<strong>do</strong> muitas delas<br />
funcionais. O Quercus faginea subsp. broteroi (Fagaceae) «carvalho-‐cerquinho» é o exemplo mais conheci<strong>do</strong> da flora<br />
portuguesa. Curiosamente, os indivíduos indígenas de Q. robur «carvalho-‐roble», apesar de pertencerem ao subgén.<br />
Quercus, são também semi-‐caducifólios. A retenção de órgãos secos – e.g. folhas, sépalas, pétalas, frutos e<br />
frutificações – designa-‐se por marcescência. Os indivíduos jovens de Q. pyrenaica «carvalho-‐negral» têm folhas<br />
marcescentes, carácter que se esbate e desaparece nos indivíduos adultos. No Pinus halepensis (Pinaceae) são<br />
marcescentes as pinhas e em muitas Lamiaceae os cálices.<br />
Filotaxia<br />
Num senti<strong>do</strong> lato entende-‐se por filotaxia a descrição abreviada <strong>do</strong>s padrões de disposição espacial de estruturas<br />
similares nas plantas, e.g. caules, folhas, brácteas, flores e peças da flor. A regularidade da disposição <strong>do</strong>s ramos de<br />
ordem superior nos ramos de ordem inferior, das folhas nos caules ou das brácteas e das flores nas inflorescências,<br />
são uma consequência direta da regularidade temporal e espacial da diferenciação de estruturas na periferia <strong>do</strong>s<br />
meristemas apicais. Estes padrões têm um aperta<strong>do</strong> controlo genético que se expressa ao nível <strong>do</strong>s meristemas.<br />
46<br />
Nos territórios mediterrânicos a estação mais quente é a mais seca; nas áreas tropicais as temperaturas médias mais baixas<br />
verificam-‐se na estação seca.
87 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
Ao nível da folha reconhecem-‐se três tipos de fundamentais de filotaxia descritos no Quadro 25 (Figura 55). O<br />
ângulo estabeleci<strong>do</strong> entre duas folhas alternas sucessivas designa-‐se por ângulo de divergência φ, um conceito<br />
indispensável na descrição <strong>do</strong>s subtipos de filotaxia alterna (Quadro 26).<br />
Quadro 26. Tipologia filotáxica<br />
Tipo Descrição e exemplos<br />
Alternas Uma folha por nó; tipo mais frequente de filotaxia; as folhas arrosetadas – folhas de caules com entrenós muito curtos e,<br />
por isso, colapsadas umas sobre as outras – têm, regra geral, filotaxia alterna. As folhas alternas dispõem-‐se em hélice<br />
em torno <strong>do</strong> caule; o ângulo de divergência φ permite diferenciar três subtipos (vd. mais adiante)<br />
Oposta Duas folhas por nó; as folhas opostas, sésseis, soldadas na base parecen<strong>do</strong> perfuradas pelo caule dizem-‐se adunadas (e.g.<br />
Lonicera implexa [Caprifoliaceae] «madresilva-‐entrelaçada»); distinguem-‐se os três subtipos de folhas opostas em <strong>função</strong><br />
da disposição relativa das folhas em <strong>do</strong>is nós sucessivos (vd. mais adiante)<br />
Verticilada Três ou mais folhas por nó; e.g. Nerium oleander (Apocynaceae) «loendro» e Catalpa bignonioides (Bignoniaceae)<br />
«catalpa»<br />
Tipos de folhas<br />
alternas<br />
Dísticas<br />
(= disticadas<br />
Descrição e exemplos<br />
Folhas dispostas num mesmo plano (φ = 180°); e.g. Fagus sylvatica (Fagaceae) «faia», Ulmus (Ulmaceae) «ulmeiros» e<br />
Poaceae «gramíneas»<br />
Trísticas Folhas dispostas em três planos (φ = 120°); e.g. Carex (Cyperaceae) «cárices»<br />
Helicoidais<br />
(= espiraladas)<br />
Tipos de folhas<br />
opostas<br />
Folhas oposto-‐<br />
disticadas<br />
Oposto-‐cruzadas<br />
(= decussadas)<br />
Termo genericamente usa<strong>do</strong> para designar os restantes tipos de divergência (φ < 120°); tipo mais frequente; e.g. Quercus<br />
(Fagaceae) «carvalhos». As folhas alternas helicoidais podem ocupar um mesmo plano por torção <strong>do</strong> pecíolo (e.g. Abies<br />
alba [Pinaceae] «abeto-‐europeu») ou <strong>do</strong> caule (e.g. comum no género Asclepias [Apocynaceae]), dizen<strong>do</strong>-‐se então<br />
pseu<strong>do</strong>dísticas<br />
Descrição e exemplos<br />
Folhas de <strong>do</strong>is nós sucessivos no mesmo plano<br />
Folhas de <strong>do</strong>is nós sucessivos em planos perpendiculares; e.g. Olea europaea (Oleaceae) «oliveira»<br />
Numa mesma planta pode co-‐existir mais<br />
de um tipo de filotaxia. Por exemplo, os ramos<br />
juvenis de Eucalyptus globulus (Myrtaceae) têm<br />
folhas opostas e os adultos folhas alternas. Em<br />
outras plantas as folhas <strong>do</strong>s ramos verticais<br />
(ramos ortotrópicos, vd. Orientação) são<br />
alternas helicoidais e as <strong>do</strong>s ramos próximos da<br />
horizontalidade (ramos plagiotrópicos) alternas<br />
disticadas.<br />
A regularidade da disposição das folhas nas<br />
plantas tem si<strong>do</strong> explorada pelos botânicos<br />
desde o século XVII. A disposição espacial das<br />
A<br />
Figura 55. Inserção das folhas. a) 1. Folhas alternas; 2. Folhas<br />
opostas; folhas verticiladas (Coutinho, 1898). b) Plantago coronopus<br />
(Plantaginaceae): roseta de folhas.<br />
folhas é, normalmente, representada por um rácio em que o numera<strong>do</strong>r corresponde ao número de espirais<br />
necessárias até à sobreposição de duas folhas (quan<strong>do</strong> observadas <strong>do</strong> topo <strong>do</strong> caule) e o denomina<strong>do</strong>r ao número de<br />
folhas que medeiam duas folhas sobrepostas. Por exemplo, o rácio 2/5, característico de plantas como os Quercus<br />
(Fagaceae) «carvalhos» ou o Prunus avium (Rosaceae) «cerejeira», significa que são necessárias duas espirais para<br />
que duas folhas se sobreponham e, entre estas (contan<strong>do</strong> apenas uma das folhas <strong>do</strong>s extremos da espiral), contam-‐<br />
se 5 folhas. Na Natureza observam-‐se os rácios (espirais de Fibonacci) 1/2, 1/3, 2/5, 3/8, 5/13, 8/21, etc. Constata-‐se<br />
que o denomina<strong>do</strong>r de cada rácio corresponde à soma <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is denomina<strong>do</strong>res imediatamente anteriores – e.g.<br />
B
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13=8+5 ou 21= 13+8 – perfazen<strong>do</strong> a sequência numérica principal de Fibonacci. A divisão entre denomina<strong>do</strong>res<br />
sucessivos – e.g. 8/5, 13/8, 21/13, etc. – converge no número de Fibonacci ou proporção áurea, 0.618034, usada em<br />
arquitectura desde a antiguidade e recorrente na organização de muitos seres vivos (e.g. conchas de Nautilus<br />
«nautilus», Mollusca, Nautilidae). A sequência de ângulos 360°*1/2, 360°*1/3, 360°*2/5, etc., por sua vez, converge<br />
no chama<strong>do</strong> ângulo de Fibonacci.<br />
A diferenciação de primórdios no ápice <strong>do</strong> meristema apical é controlada por processos de repulsão ou inibição<br />
entre primórdios, de fisiologia não esclarecida, que compelem o primórdio em diferenciação a formar-‐se na posição<br />
o mais distante possível <strong>do</strong>s primórdios anteriores. Ten<strong>do</strong> em consideração esta constatação empírica, conhecida<br />
por regra de Hofmeister (Kirchoff, 2003), foi demonstra<strong>do</strong> que as espirais de Fibonacci anteriormente enunciadas,<br />
emergem espontaneamente se (Douady & Couder, 1996): o ápice <strong>do</strong> meristema for longitudinalmente simétrico; a<br />
velocidade a que se diferenciam os primórdios foliares, i.e. o plastocrono, for constante; a velocidade da migração<br />
radial <strong>do</strong>s primórdios foliares no ápice caulinar for constante; não houver uma reorganização espacial <strong>do</strong>s primórdios<br />
foliares após a sua diferenciação. Por conseguinte, a sequência numérica de Fibonacci não está inscrita no genoma:<br />
tem um controlo genético indireto. Não existe uma numerologia <strong>do</strong> vivo!<br />
Ptixia e vernação<br />
Entende-‐se por ptixia a forma como os esboços foliares se <strong>do</strong>bram, individualmente, nos gomos. A vernação (=<br />
prefolheação ou prefoliação) é um conceito distinto de ptixia porque se refere ao arranjo das folhas, umas em<br />
relação às outras, no gomo folhear (Bell, 2008) (Keller, 2004) 47 . O estu<strong>do</strong> da ptixia e da vernação envolve o corte<br />
transversal de gemas <strong>do</strong>rmentes ou recém-‐abrolhadas, e a sua observação à lupa. Uma vez que a terminologia é<br />
comum, a ptixia e a vernação da são discutidas no ponto dedica<strong>do</strong> à Ptixia e estivação.<br />
Heterofilia<br />
As plantas heterofilas possuem <strong>do</strong>is ou mais tipos morfológicos de folhas. Já anteriormente se aludiu às folhas<br />
juvenis e adultas de Eucalyptus ou de Quercus rotundifolia «azinheira» (vd. Variação morfológica intraespecífica). O<br />
mesmo fenómeno ocorre na Hedera helix (Araliaceae) «hera» (Figura 56). Um dimorfismo foliar igualmente evidente<br />
ocorre em muitas plantas aquáticas entre as folhas submersas e flutuantes, e.g. Ranunculus sp.pl. (Ranunculaceae) e<br />
Callitriche sp.pl. (Plantaginaceae). Na Pyrancantha coccinea (Rosaceae) «piracanta» a forma e a dimensão <strong>do</strong>s<br />
nomofilos varia, de forma contínua, à escala <strong>do</strong> indivíduo e entre indivíduos. Nos Quercus caducifólios as folhas de<br />
sombra e de sol, e a folhas de Primavera e de Verão, são, por vezes, tão distintas que é difícil identificar a espécie em<br />
alguns exemplares de herbário.<br />
A B<br />
Figura 56. Heterofilia, dimorfismo foliar. Hedera helix s.l.<br />
(Araliaceae) «hera». a) Ramos juvenis (ramos estéreis): monopodiais,<br />
prostra<strong>do</strong>s, finca<strong>do</strong>s no tutor através de raízes adventícias adesivas e<br />
com folhas lobadas de inserção dística. b) Ramos adultos (ramos<br />
férteis): simpodiais, erectos, sem raízes adventícias e com folhas<br />
inteiras de inserção espiralada.<br />
A heterofilia é patente ao longo <strong>do</strong> eixo das<br />
plântulas ou <strong>do</strong>s ramos laterais provenientes <strong>do</strong><br />
abrolhamento de gomos <strong>do</strong>rmentes. Estas<br />
sequências temporais de folhas, designadas por<br />
séries heteroblásticas (Bell, 2008), nos eixos<br />
das plântulas incluem 1 ou 2 cotilé<strong>do</strong>nes, folhas<br />
primordiais e nomofilos. Nos lançamentos<br />
caulinares das plantas lenhosas das regiões com<br />
uma estação desfavorável verifica-‐se,<br />
geralmente, a seguinte sequência temporal de<br />
filomas: 1 (nas monocotiledóneas e<br />
dicotiledóneas basais) ou 2 (nas dicotiledóneas<br />
s.l.) profilos, um número variável de nomofilos<br />
e, no final da estação de crescimento, a<br />
formação de catáfilos a envolver o meristema<br />
apical. Esta sequência é modificada com a diferenciação de flores ou inflorescências: aos nomofilos sucedem-‐se<br />
então hipsofilos e, nas inflorescências determinadas, os antofilos que compõem a flor.<br />
47 Conceitos sinonimiza<strong>do</strong>s por muitos autores.
89 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
4.4.5. Metamorfoses da folha<br />
A folha é <strong>do</strong>s três órgãos fundamentais das plantas o órgão evolutivamente mais versátil na forma e na <strong>função</strong>. A<br />
bibliografia é pródiga em exemplos de adaptações especializadas ao nível da folha.<br />
Bolbos e bolbilhos<br />
Os bolbos são constituí<strong>do</strong>s por um caule<br />
curto (prato ou disco <strong>do</strong> bolbo), geralmente<br />
vertical, de entrenós curtos e com um grande<br />
número de raízes adventícias muitas vezes<br />
contrácteis na base, revesti<strong>do</strong> por folhas<br />
carnudas de reserva e com uma gema apical<br />
muito desenvolvida. Reconhecem-‐se <strong>do</strong>is tipos<br />
de bolbos: entunica<strong>do</strong>s e escamosos (Figura<br />
57). Nos bolbos entunica<strong>do</strong>s possuem um<br />
grande número de folhas carnudas de reserva<br />
perfeitamente sobrepostas e exteriormente<br />
envolvidas por uma ou mais folhas<br />
membranosas (túnica). As folhas de reserva<br />
podem estar reduzidas a bainhas (e.g. Allium<br />
cepa [Alliaceae] «cebola»), possuírem uma base<br />
alargada de reserva e prologarem-‐se num limbo mais ou menos longo (falsos bolbos) (e.g. Amaryllis<br />
[Amaryllidaceae]) ou incluírem folhas escamiformes e folhas com limbo (e.g. Narcissus [Amaryllidaceae] «narcisos»).<br />
Caracterizam os bolbos escamosos folhas escamiformes carnudas imbricadas, i.e. imperfeitamente sobrepostas,<br />
como as telhas de um telha<strong>do</strong>; e.g. Lilium candidum (Liliaceae) «açucena».<br />
A cabeça-‐de-‐alho (Allium sativum) corresponde a um terceiro tipo de bolbo que poderíamos apelidar de bolbo de<br />
bolbilhos. Na cabeça-‐de-‐alho os bolbilhos (dentes de alho) não se sobrepõem completamente, como no bolbo<br />
escamoso, sen<strong>do</strong> revesti<strong>do</strong>s por uma túnica membranosa. Algo similar ocorre no Allium neapolitanum (=<br />
Nothoscordum ino<strong>do</strong>rum) «alho-‐falso».<br />
A renovação <strong>do</strong>s bolbos nas plantas perenes geralmente faz-‐se pela<br />
diferenciação de um bolbo-‐filho na extremidade <strong>do</strong> bolbo-‐mãe (bolbos<br />
monopodiais) ou pela diferenciação de novos bolbos a partir de gemas<br />
situadas na axila de folhas carnudas ou membranosas (bolbos simpodiais); os<br />
bolbos-‐filhos geralmente ficam encapsula<strong>do</strong>s pelos catáfilos <strong>do</strong> bolbo-‐mãe<br />
(e.g. cabeças-‐de-‐alho). Nas bulbosas bienais (e.g. Allium cepa «cebola») o<br />
bolbo forma-‐se no final <strong>do</strong> primeiro ano de crescimento; no final <strong>do</strong> segun<strong>do</strong><br />
ano as plantas renovam-‐se por semente. Os bolbos diferenciam inflorescências<br />
terminais a partir da gema localizada no centro <strong>do</strong> bolbo, ou inflorescências<br />
laterais inseridas na axila de uma folha carnuda. Tanto os bolbos como os<br />
bolbilhos são mais frequentes nas monocotiledóneas.<br />
Os bolbilhos são bolbos ou cormos de pequenas dimensões diferencia<strong>do</strong>s<br />
numa inflorescência (e.g. Allium vineale), na axila de uma folha, tipo catáfilo<br />
ou não, de um bolbo-‐mãe (e.g. dentes de Allium sativum [Alliaceae] «alho»),<br />
ou ainda pelo engrossamento de um ou mais entrenós, geralmente na base <strong>do</strong><br />
caule (e.g. Poa bulbosa [Poaceae]) (Figura 58). No alho os bolbilhos (dentes de<br />
alho) são constituí<strong>do</strong>s por uma folha externa membranosa adaxial<br />
(corresponde a um profilo) que reveste uma espessa folha carnuda tubulosa,<br />
Figura 57. Bolbo e cormo. 1. bolbo entunica<strong>do</strong> (corte longitudinal);<br />
n.b. bolbo envolvi<strong>do</strong> por folhas escamosas e raízes adventícias<br />
fasciculadas inseridas no prato <strong>do</strong> bolbo. 2. bolbo entunica<strong>do</strong> (cortes<br />
longitudinal e transversal); n.b. prato <strong>do</strong> bolbo e folhas carnudas. 3.<br />
bolbo escamoso. 4. cormo (= bolbo sóli<strong>do</strong>, vd. quadro 14) (Coutinho,<br />
1898).<br />
Figura 58. Bolbilhos. Bolbilhos de<br />
Poa bulbosa (Poaceae).<br />
no interior da qual se dispõem várias folhas, não carnudas e de limbo reduzi<strong>do</strong>, em torno de uma gema.<br />
Os bolbos e os bolbilhos desempenham duas funções: reprodução e reserva de energia, água e nutrientes. A<br />
separação <strong>do</strong>s bolbos-‐filho e <strong>do</strong>s bolbilhos da planta-‐mãe é uma forma de reprodução assexuada. As reservas têm
90 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
um grande valor adaptativo em climas com uma estação seca muito longa (e.g. clima mediterrânico ou tropical com<br />
estação seca) ou em habitats onde seja vantajoso produzir flores e folhas muito ce<strong>do</strong> (e.g. antes <strong>do</strong> abrolhamento<br />
das árvores nos bosques caducifólios ou antes <strong>do</strong> encanamento das gramíneas nos pra<strong>do</strong>s). Nestes ambientes as<br />
reservas <strong>do</strong>s bolbos antecipam a acumulação de biomassa e o crescimento no arranque da estação favorável ao<br />
crescimento das plantas. As espécies bulbosas podem então cumprir o seu ciclo fenológico antes das plantas mais<br />
competitivas. Os rizomas, os cormos e as raízes tuberosas desempenham funções análogas aos bolbos.<br />
Outras metamorfoses<br />
Outras metamorfoses frequentes da folha estão resumidas no Quadro 27.<br />
Quadro 27. Metamorfoses da folha mais frequentes<br />
Tipo Descrição Exemplos<br />
Filódios Folhas reduzidas a um pecíolo (e.g. Asparagus<br />
[Asparagaceae] «espargos») ou a um ráquis (e.g. Acacia<br />
[Fabaceae] «acácias») dilata<strong>do</strong> e achata<strong>do</strong>, semelhante a um<br />
limbo foliar; a presença de meristemas axilares comprova a<br />
natureza foliar <strong>do</strong>s filódios; geralmente os filódios são uma<br />
adaptação à secura<br />
Folhas<br />
gordas<br />
Folhas espessas, ricas em água, frequentemente de contorno<br />
arre<strong>do</strong>nda<strong>do</strong>; representam, geralmente, adaptações à secura<br />
Espinhos As folhas podem estar reduzidas a espinhos – espinhos<br />
foliares – de origem peciolar ou estipular (vd. Espinhos); os<br />
espinhos têm uma ontogénese distinta das emergências<br />
espinhosas dispersas na margem ou no limbo das folhas<br />
epinescentes (vd. Emergências)<br />
Gavinhas<br />
foliares<br />
Armadilhas<br />
de origem<br />
foliar<br />
Folhas modificadas adaptadas a envolver ramos ou outros<br />
tipos de suporte; presentes em muitas lianas; as gavinhas de<br />
origem foliar podem resultar da modificação <strong>do</strong> limbo de<br />
uma folha simples, de um ou mais folíolos de uma folha<br />
composta, ou muito raramente, de estípulas<br />
As plantas ditas carnívoras servem-‐se de armadilhas de<br />
origem foliares para capturar insectos ou pequenos<br />
organismos multicelulares; a carnivoria é entendida como<br />
uma adaptação a habitats pobres em nutrientes, e.g. turfeiras<br />
Em muitas Acacia – e.g. A. melanoxylon<br />
«acácia-‐austrália» – observam-‐se ramos<br />
com filódios, folhas recompostas e folhas de<br />
morfologia intermédia, com um filódio<br />
encima<strong>do</strong> por uma ou mais pínulas (vd.<br />
Divisão ou composição)<br />
Crassuláceas <strong>do</strong> género Sedum (Figura 59 A)<br />
Espinhos das Cactaceae<br />
Gavinhas estipulares – Vicia [Fabaceae]<br />
«ervilhacas; gavinhas estipulares – Smilax<br />
[Smilacaceae]<br />
Exemplos no Quadro 28<br />
As plantas carnívoras servem-‐se de vários tipos de armadilhas de origem foliar para capturar as suas “presas”<br />
expressas no Quadro 28 (Figuras 12 C e 59 B).<br />
Quadro 28. Tipos de armadilhas foliares nas plantas carnívoras<br />
Tipo Exemplos<br />
Armadilhas pegajosas ou<br />
adesivas<br />
Os géneros indígenas de Portugal Drosophyllum (Drosophyllaceae) «erva-‐pinheira-‐orvalhada» e<br />
Drosera (Droseraceae) têm pelos glandulosos pegajosos (Figura 12 C); em Pinguicula<br />
(Lentibulariaceae) todas a superfície das folhas é pegajosa<br />
Armadilhas articuladas Dionaea muscipula (Droseraceae), uma carnívora norte-‐americana<br />
Armadilhas escorregadias Géneros extra-‐europeus Sarracenia (Sarraceniaceae) e Nepenthes (Nepenthaceae) (figura 59 B)<br />
Armadilhas por sucção Utricularia (Utriculariaceae), um género cosmopolita presente em Portugal continental
91 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
Em pontos anteriores foram descritos mais<br />
exemplos de adaptações: catáfilos e hipsofilos.<br />
Os antofilos são a mais surpreendente<br />
metamorfose foliar, a ser discutida, mais<br />
adiante nos pontos referentes à flor.<br />
4.5. O corpo das<br />
gramíneas<br />
As gramíneas têm um sistema radicular<br />
fascicula<strong>do</strong>. A raiz primária nesta família de<br />
monocotiledóneas senesce num estádio<br />
precoce <strong>do</strong> desenvolvimento. Nos cereais de<br />
Outono-‐Inverno a raiz primária permanece<br />
funcional até à entrada <strong>do</strong> Inverno, quan<strong>do</strong> tem<br />
início o afilhamento.<br />
As gramíneas possuem quatro tipos de meristemas: apicais, axilares, folheares e intercalares <strong>do</strong> caule. Os<br />
meristemas apicais e axilares, no início <strong>do</strong> ciclo vegetativo, produzem fitómeros encaixa<strong>do</strong>s de forma linear e, mais<br />
tarde, inflorescências. A velocidade a que se formam novos fitómeros depende, sobretu<strong>do</strong>, das características<br />
genéticas das plantas e da temperatura. À medida que os meristemas caulinares apicais progridem deixam para trás<br />
agrega<strong>do</strong>s de células com capacidade meristemática com a <strong>função</strong> de alongar as folhas (meristemas intercalares<br />
folheares) ou de alongar os entrenós <strong>do</strong> caule (meristemas intercalares caulinar). Ao contrário <strong>do</strong>s meristema apicais<br />
e axilares, estes <strong>do</strong>is tipos de meristema estão encrava<strong>do</strong>s entre teci<strong>do</strong>s definitivos (vd. Os meristemas). Muitas<br />
espécies gramíneas são capazes de repor, parcialmente, a perda por herbivoria da extremidade <strong>do</strong> limbo na última<br />
fase <strong>do</strong> crescimento da folha, quan<strong>do</strong> esta emerge da bainha da folha imediatamente anterior pela ação <strong>do</strong>s<br />
meristemas folheares. Os meristemas intercalares <strong>do</strong> caule desempenham um papel importante no alongamento<br />
<strong>do</strong>s entrenós na fase reprodutiva, e na emergência da inflorescência.<br />
Nas gramíneas temperadas e mediterrânicas os metâmeros caulinares (fitómeros) forma<strong>do</strong>s no Outono e no<br />
Inverno são muito curtos. Nesta altura <strong>do</strong> ano as folhas apresentam um limbo pequeno e as bainhas sobrepostas e<br />
comprimidas num pseu<strong>do</strong>caule (Figura 60). Pouco depois da emergência – nos cereais a partir <strong>do</strong> estádio fenológico<br />
de 3-‐folhas, – ainda no Outono nas regiões de climas não tropical, em consequência da ativação de meristemas<br />
axilares, formam-‐se novos caules na axila das folhas recém-‐diferenciadas, ou na axila das folhas de estolhos ou<br />
rizomas que persistiram no solo durante a<br />
estação desfavorável ao crescimento.<br />
Iniciada a formação <strong>do</strong>s novos caules, estes<br />
meristemas passam a ser identifica<strong>do</strong>s<br />
como meristemas apicais. Em cada axila<br />
foliar insere-‐se apenas um novo caule: um<br />
colmo, um estolho ou um rizoma. A origem<br />
axilar obriga os novos estolhos ou rizomas a<br />
perfurar uma ou mais bainhas foliares da<br />
planta-‐mãe, antes despontarem,<br />
respectivamente, no exterior à superfície<br />
<strong>do</strong> solo. Os filhos – i.e. os colmos pós-‐<br />
embrionários, inseri<strong>do</strong>s noutros colmos<br />
mais velhos – alongam-‐se entre a bainha e<br />
o colmo da planta-‐mãe.<br />
Nas Poaceae anuais a formação de<br />
novos caules axilares pelos meristemas<br />
A B<br />
Figura 59. Adaptações ao nível da folha. a) Folhas gordas, equifaciais<br />
e cilíndricas, de Sedum caespitosum (Crassulaceae); n.b. fruto múltiplo<br />
de folículos semelhante a uma estrela. b) Nepenthes x ventrata<br />
(Nepenthaceae); n.b. parte distal da folha metamorfizada num<br />
armadilha escorregadia em forma de jarra (ascídeo) com uma tampa<br />
que evita a entrada da água da chuva e a diluição <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>.<br />
A B<br />
Figura 60. O corpo das gramíneas. a) Corpo vegetativo das gramíneas.<br />
N.b. folhas alternas disticadas». b) Pseu<strong>do</strong>caule e filhos. Lolium rigidum<br />
(Poaceae) «erva-‐febra».
92 Escola Superior Agrária de Bragança -‐ Botânica para Ciências Agrárias e <strong>do</strong> Ambiente<br />
aloja<strong>do</strong>s na axila das folhas da base designa-‐se afilhamento. Nos cereais de Outono-‐Inverno (e.g. trigo, centeio,<br />
cevada e aveia) este processo ocorre no final <strong>do</strong> Outono e durante o Inverno, e depende fatores internos<br />
(características genéticas das plantas) ou externos (e.g. temperatura, precipitação, nutrientes e radiação solar). O<br />
trigo afilha mais <strong>do</strong> que o centeio por isso, em solos de igual fertilidade, a densidade de sementeira (número de<br />
sementes/ha) <strong>do</strong> centeio deve ser superior à <strong>do</strong> trigo. Curiosamente, nos sistemas tradicionais de agricultura as<br />
densidades de sementeira <strong>do</strong> trigo e <strong>do</strong> centeio eram semelhantes porque o trigo ocupava os melhores solos; as<br />
terras menos férteis eram reservadas para o centeio. Obtinha-‐se, assim, como convém, um número de colmos/ha<br />
superior nas terras melhores (de trigo), <strong>do</strong> que nas de pior qualidade (de centeio). A radiação solar tem um efeito<br />
muito marca<strong>do</strong> no afilhamento: quanto maior a quantidade de luz recebida pelas plantas, por exemplo, em<br />
resulta<strong>do</strong> de baixas densidades de sementeiras, mais intenso é o afilhamento. Nas Poaceae vivazes, nas Cyperaceae<br />
e em outras famílias de monocotiledóneas, os filhos designam-‐se por inovações. Salvo raras exceções, as inovações<br />
produzem flores ou inflorescências no próprio ano.<br />
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