São Paulo, domingo, 24 de setembro de 2000

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QUESTÃO AGRÁRIA
Ex-sem-terra do Pontal têm atividade remunerada externa
Sem recurso para o plantio, assentado vira bóia-fria

Flávio Florido/Folha Imagem
Mulheres sem terra trabalham na roça do assentamento Che Guevara por R$ 8 por dia


EDMILSON ZANETTI
DA AGÊNCIA FOLHA, EM TEODORO SAMPAIO

Sem recursos para o plantio -principal ponto do embate entre MST e governo no momento- parte das famílias assentadas no Pontal do Paranapanema (SP) está virando bóia-fria.
Essa tendência é verificada em boa parte dos 85 assentamentos do Pontal, onde está a maior concentração de famílias contempladas pela reforma agrária no Estado de São Paulo.
Censo feito pelo Itesp (Instituto de Terras do Estado de São Paulo), em 1999, revela que em 25% a 30% das 4.747 famílias assentadas na região alguém tem atividade remunerada externa.
O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) estima que esse índice possa chegar a 50%, em atividades que vão de bóia-fria a vendedor ambulante, como forma de assegurar a sobrevivência.
"Se não tiver crédito, eu diria que 90% dos assentados do Pontal vão se tornar bóias-frias", prevê José Rainha Júnior, principal líder dos sem-terra na região. Ele aponta o descompasso entre a liberação de recursos e a época de plantio como principal causa.
O Banco do Brasil diz ter liberado para a região R$ 15,3 milhões para 3.779 famílias na safra 1999/ 2000, entre créditos para investimento e custeio, pelo extinto Procera -atual Pronaf.
A Agência Folha visitou seis assentamentos, em Teodoro Sampaio e Mirante do Paranapanema. Em todos, constatou a tendência de migração para fora da propriedade para trabalhar, a maioria como diarista, em atividades rurais.
Os principais empregadores são os próprios assentados em melhores condições. Mas há casos de gente trabalhando em usinas de açúcar e em fazendas que o MST quer para reforma agrária.
No assentamento Laudenor de Souza, 16 das 64 famílias assentadas desde 10 de setembro de 1998
não receberam recursos do governo federal para investimento ou custeio de safra. As 16 estão trabalhando para fora, segundo o coordenador dos assentados, Claudivan Pereira de Souza, 32.
Um deles, José Maria Medeiros, 30, tem quatro filhos e ganha R$ 8 por dia carpindo roça de mandioca para assentados da Gleba 15 de Novembro, em Euclides da Cunha. Ele mora em barraco de lona. Aguarda liberação de R$ 2.000 para plantar mandioca, principal atividade dos assentados.
Na safra 98/99, os assentados do Pontal do Paranapanema produziram 43.378,81 toneladas de mandioca para indústria, a um valor de R$ 2,08 milhões.
O assentado Luiz Paulino dos Santos, 38, do Laudenor de Souza, virou vendedor de doces em portas de circo enquanto aguarda crédito para plantar. No ano passado, ele diz ter recebido R$ 2.000, via Cocamp (cooperativa do MST na região). Plantou mandioca, mas perdeu a roça.
No assentamento Água Sumida, instalado há 12 anos, Devanir Pedroso de Oliveira, 28, não tem o que fazer no lote onde vive com o pai, João Bispo. Por isso, trabalha no corte da cana.
Ele se levanta às 5h, arruma a marmita e vai para a usina de ônibus. Considera-se um clássico bóia-fria. Ganha de R$ 10 a R$ 20 por tonelada de cana que corta.
A Destilaria Alcídia, cercada por oito assentamentos e que emprega 1.400 cortadores de cana por safra, não tem controle da origem dos funcionários, mas admite ter assentados em seus quadros.
A prática mais comum é o assentado em dificuldade trabalhar para assentado em melhores condições, geralmente como diarista.
Na semana passada, três assentados carpiram durante três dias a roça de 5.000 pés de café do lote de Rainha, no assentamento Che Guevara, a R$ 8 por dia.



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