São Paulo, Quinta-feira, 28 de Outubro de 1999
Próximo Texto | Índice

GUERRA DOS MENINOS

Internos estão amontoados, sem tomar banho desde segunda e urinando em garrafas de refrigerante

Três dias após tragédia, situação da Febem é propícia a novas rebeliões

Promotoria de Justiça da Infância/Folha Imagem
Menores alojados em uma sala da unidade estão sem tomar banho desde segunda-feira, dormindo apenas em cobertores e são obrigados a urinar em garrafas de refrigerante



ANDRÉ LOZANO
OTÁVIO CABRAL
da Reportagem Local



Três dias após enfrentar a maior rebelião de sua história, a Febem vive uma situação ainda pior, propícia a novas tragédias. Sem nenhum plano de emergência, menores infratores continuam vivendo no que restou da unidade Imigrantes (zona sudeste de São Paulo), praticamente destruída após a rebelião que deixou quatro mortos.
"A Febem pode explodir a qualquer momento porque os menores estão vivendo no limite da dignidade humana", afirmou o promotor Ebenézer Salgado Soares.
A principal proposta do governador Mário Covas para resolver o problema, a descentralização das unidades, esbarra da má vontade dos prefeitos e dos vereadores. Na segunda-feira, a Câmara de Bauru aprovou lei proibindo construções de unidades da Febem no município. Outras cinco cidades do interior devem aprovar projetos semelhantes.
A descentralização não é apenas uma idéia de Covas, mas um dos princípios básicos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
A intolerância dos prefeitos não leva em conta que a participação dos menores vindos do interior na superlotação das unidades da Febem na Grande SP é cada vez maior. "Faço um apelo para que os prefeitos recebam seus jovens. Não pode haver rejeição por motivos políticos e eleitoreiros", afirmou o cardeal-arcebispo de São Paulo, dom Cláudio Hummes.
Outros personagens dessa crise anunciada da Febem são o Judiciário, acusado de internação excessiva de menores, os funcionários, que ameaçam constantemente entrar em greve, e a crise política formada em torno do problema. Ontem, um deputado do PT apresentou um projeto propondo a extinção da Febem, causando uma crise com a bancada governista na Assembléia.

Superlotação
Na manhã de ontem, o promotor Ebenézer Salgado Soares visitou uma das casas do setor profissionalizante da unidade Imigrantes, uma das poucas que não foram destruídas na rebelião.
Numa sala fechada de 300 m2, havia ontem cerca de 350 adolescentes amontoados, em condições insalubres.
Antes da rebelião, esse mesmo número de menores ocupava uma ala muito maior, com banheiros, área de lazer e campo de futebol.
Nessa sala, os menores estão sem tomar banho desde segunda-feira, estão dormindo sem colchões, apenas enrolados em cobertores, e são obrigados a urinar em garrafas de refrigerante.
"Numa situação dessas, mesmo com os menores sendo vigiados pela tropa de choque, eles podem explodir. Lá dentro, há muito psicopata que não sabe nem porque está internado", afirmou o promotor Soares após deixar o local.
Pelo menos nos próximos dias, a situação na Imigrantes não deve se modificar, pois não há plano emergencial de transferência desses adolescentes.

Intolerância
Para evitar a instalação de unidades da Febem, municípios do interior começam a copiar um projeto aprovado em Bauru que proíbe a instalação da instituição dentro do perímetro urbano.
Pelo menos cinco municípios -Sorocaba, Lençóis Paulista, Guararema, Marília e São José dos Campos- estão discutindo a votação do projeto, que limitaria a construção de unidades para menores infratores à zona rural.
A Câmara Municipal de Bauru aprovou o projeto na última segunda-feira. A idéia, do vereador pedetista Salvador Afonso, veio a público desde o anúncio da construção de uma unidade da instituição em um terreno doado pelo DNER (Departamento Nacional de Estradas de Rodagem) dentro da cidade pelo governo estadual.
A aprovação do projeto foi baseada no direito à escolha da utilização do solo pelo município.

Novas internações
O Ministério Público e a Justiça também são responsabilizados pelo governo de fomentar a crise por internar menores que poderiam estar cumprindo outro tipo de pena. Foi o que aconteceu com Adriano Dias Brandão, 14, que morreu na rebelião da Imigrantes, onde não deveria estar. "Se a Justiça manda, tenho de internar", disse Covas.
Contra esse argumento, o Tribunal de Justiça de São Paulo apresentou dados que comprovam que o Judiciário aplicou, no primeiro semestre deste ano, mais penas alternativas do que de internação: 4.052 contra 2.354, na capital.
Entre as medidas alternativas, estão a semi-liberdade, prestação de serviço, obras de reparo, liberdade assistida e advertência.

Crise política
O problema na Febem também está gerando uma crise política no governo estadual. Na sessão de ontem da Assembléia, o deputado Paulo Teixeira (PT) apresentou uma proposta de extinção da entidade, que causou descontentamento na base governista.
Para Teixeira, a Febem é ilegal pois é baseada no antigo Código de Menores, que caducou em 1990, com a entrada em vigor do ECA. Por isso, ele propõe que o órgão seja extinto e, em 90 dias, entidades de defesa do menor discutam com o governo do Estado o novo modelo a ser implantado.
O líder do PSDB na Assembléia, Roberto Engler, rebateu, acusando a oposição de se aproveitar do momento para entrar em evidência. "A decisão sobre a Febem cabe ao Executivo. Se o PT quer ser governo, precisa primeiro ganhar a eleição", disse Engler.


Colaborou Kamila Fernandes, da Agência Folha


Próximo Texto: FHC reage "com horror", diz Planalto
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.