Walderez de Barros volta aos palcos com Tchékhov e à TV como dona Maria, a Louca

Atriz está no díptico 'As Três Irmãs' e 'A Semente da Romã' e no seriado sobre a Independência de Luiz Fernando Carvalho

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A atriz Walderez de Barros Eduardo Knapp/Folhapress

São Paulo

Walderez de Barros, uma das maiores atrizes do teatro de São Paulo, estava animada no fim da tarde da primeira sexta-feira de junho. "Fanática", como diz, por Rafael Nadal, ela tinha acompanhado o tenista espanhol vencer o russo Alexander Zverev na semifinal de Roland Garros —seu ídolo acabou conquistando o tradicional torneio francês.

Numa comparação inusitada, Barros aproxima as artes cênicas do tênis, põe Nadal lado a lado com Plínio Marcos, dramaturgo que morreu em 1999 e com quem foi casada por 21 anos.

A atriz Walderez de Barros, 81, em seu apartamento no bairro de Cerqueira César, em São Paulo - Eduardo Knapp/Folhapress

"Nadal tem a excelência do gênio, sabe? Ele pega uma bolinha, uma raquete e faz coisas impossíveis, nenhum ser humano faria o que ele faz", afirma a atriz, de 81 anos. "Isso me comove às lágrimas."

"Sentia a mesma coisa com o Plínio. Ele disse que iria escrever uma peça e passou a noite em claro num pequeno apartamento no qual morávamos, na rua General Jardim, no centro de São Paulo. Algumas horas depois, ‘Navalha na Carne’ estava pronta. Escreveu a lápis e não deixou nenhuma rasura."

Barros participou da montagem de "Navalha", mais tarde um clássico do teatro brasileiro, assim como de outras peças de Plínio Marcos, como "Querô, Uma Reportagem Maldita", "Quando as Máquinas Param", "O Abajur Lilás" e "Madame Blavatsky". Por essas duas últimas, ambas encenadas nos anos 1980, ganhou prêmios importantes, como o Molière e o Mambembe.

Sem a parceria com Plínio, talvez Barros não fosse essa atriz de prestígio raro, com mais de 40 peças no currículo, além de quase 30 participações em novelas. Mas é preciso considerar o reverso. Sem a parceria com Barros, Plínio talvez não tivesse se tornado um dos mais importantes dramaturgos paulistas do século 20.

Entusiasmada como no período das criações com Plínio, Barros reencontrou no primeiro semestre deste ano o diretor Luiz Fernando Carvalho, com quem havia gravado a novela "O Rei do Gado", da TV Globo, há pouco mais de 25 anos. Desta vez, eles estão juntos na série produzida pela TV Cultura sobre os 200 anos da Independência.

Também é o momento para, de volta ao palco depois da pandemia, Barros rever Tchékhov, autor russo que a atriz interpretou pela primeira vez em 1981, com "O Jardim das Cerejeiras", sob a direção de Jorge Takla. Desta vez, porém, tudo é mais intrincado. Duas peças autônomas compõem o espetáculo que estreia nesta quinta-feira no Sesc Pompeia.

Como se sabe, o teatro projetado por Lina Bo Bardi tem duas frentes de plateia, com o palco no meio. De um lado, o público vai acompanhar "As Três Irmãs", um dos mais conhecidos textos de Tchékhov. Do outro, acontece a encenação de "A Semente da Romã", uma obra inédita de Luís Alberto de Abreu, dramaturgo brasileiro que se notabilizou por criações como "O Livro de Jó" e "Borandá", além de textos para o cinema e a televisão.

Abreu, em 2022, conversa com Tchékhov, de 1900. "‘Semente da Romã’ é a coxia ficcional das ‘Três Irmãs’, são os bastidores", afirma Ruy Cortez, que divide a direção com Marina Nogaeva Tenório.

São, ao todo, 14 atores, dos quais sete participam de ambas as peças. O público poderá acompanhar as duas simultaneamente ou, se preferir, assistir a uma delas num dia e a outra numa data seguinte. Para que o som de "Três Irmãs" não interfira em "Semente", os espectadores do lado desta segunda receberão fones de ouvido.

No espetáculo clássico, Olga, Irina e Macha vivem no interior da Rússia e sonham em voltar a morar em Moscou, onde passaram a infância. A passagem de um grupo de militares pelo lugar aguça a vontade das irmãs, mas nem tudo sai como planejado.

Nessa peça, Barros interpreta Anfissa, a babá de temperamento frágil que está com as irmãs há mais de 30 anos. Como a mãe delas morreu cedo, Anfissa ocupa essa função.

Em "A Semente de Romã", Barros é a protagonista. Nas palavras de Cortez, Ariela, a personagem dela, é "uma atriz de longa trajetória, mas com poucas oportunidades de trabalho e confrontada com um país em colapso, que não reconhece a importância das artes".

Em meio a conflitos de ordem existencial e profissional, ela contracena principalmente com Raul, um ator em fim de carreira. O papel era de Sérgio Mamberti quando o díptico começou a ser preparado, antes da pandemia. Com a morte dele, em setembro do ano passado, Antonio Petrin assumiu o personagem. Mamberti, a quem o espetáculo é dedicado, aparece em cenas de vídeo.

"Walderez tem uma leveza na interpretação, que é muito interessante. Faz tudo sem um esforço aparente", comenta Tenório, a codiretora.

Essa "leveza" foi conquistada por ela ao longo de quase seis décadas de carreira. Barros começou a fazer teatro no início da década de 1960 enquanto estudava filosofia e estreou profissionalmente com "Onde Canta o Sabiá", em 1963, na Companhia Cacilda Becker.

Só atrizes com amplo domínio do seu ofício têm a segurança de falar sobre métodos de atuação com despretensão.

"Eu faço um pouco de piada com isso, sabe? Falo que meu método se chama 'lamber o mingau pelas beiradas'. Sabe o prato de mingau quente? Se você vai de uma vez, queima a boca. Precisa começar a lamber em volta. Quero saber, por exemplo, quem é o autor, o que mais ele escreveu. Não é um método, na verdade", diz a atriz.

"A personagem é o guia, não sou eu. Sempre que eu tento me impor sobre a personagem, eu quebro a cara."

​Dona Maria 1ª, a Louca

Walderez de Barros conta que se inspirou em sua avó para interpretar dona Maria 1ª na série sobre a Independência, que deve estrear em setembro na TV Cultura.

Mãe de dom João 6º e avó de dom Pedro 1º, a rainha portuguesa firmou tratados comerciais importantes e fundou entidades assistenciais, mas ficou mais conhecida por sua instabilidade mental.

A avó de Barros deixou Málaga, no sul da Espanha, para viver em uma fazenda no interior de São Paulo, mudança brusca com a qual não soube lidar. "Ela deixou um aparato de luxo e riqueza para cair em uma fazenda de café e, assim, pirou. Por isso, eu entendo o drama da dona Maria."

Uma personagem insana poderia soar caricatural, o que, segundo Walderez, não aconteceu graças ao apoio do diretor Luiz Fernando Carvalho e da preparadora vocal Agnes Moço, que a estimulou a entoar cânticos católicos para demonstrar o fervor religioso de dona Maria 1ª.

O diretor Luiz Fernando Carvalho, que prepara série sobre os 200 anos da independência do Brasil para a TV Cultura - Divulgação

"No Brasil, há uma geração intermediária de artistas, que não foram nem os precursores da TV, nem a geração streaming, mas que são filhos diretos do auge da TV aberta, quando a abrangência da TV era um triunfo único", comenta Carvalho. "Pois bem, em sua maioria, essa geração menosprezou ensaios, vivências, teorias, aprofundamentos de um modo geral. No fundo são vítimas da mídia e não vilões."

"Walderez, ao contrário, pertence a uma geração que não separa o princípio do meio e do fim de coisa alguma. Para ela, talvez nem exista este sentido de ‘carreira’, tudo é movimento, vida. São artistas genuínos que entram nos trabalhos buscando extrair dele uma experiência máxima."

As Três Irmãs / A Semente da Romã

  • Quando Estreia nesta quinta, dia 14, às 20h. De qui. a sáb., 20h. Dom., 18h. 3 horas de duração
  • Onde Sesc Pompeia - r. Clélia, 93, Pompeia, São Paulo
  • Preço R$ 40
  • Autor Anton Tchecov (As Três Irmãs) e Luís Alberto de Abreu (A Semente da Romã)
  • Elenco Antonio Petrin, Walderez de Barros, Walter Breda, Ondina Clais, Luiz Carlos Vasconcelos, Miriam Rinaldi, Eduardo Estrela, Lucia Bronstein, Marcos Suchara, Maria Manoella, Luciano Gatti e outros
  • Direção Marina Nogaeva Tenório e Ruy Cortez
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