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Marco Ricca analisa o tom realista das vilanias em O Astro

* Geraldo Bessa - TV Press

A cara fechada e a voz contida escondem o bom humor e a descontração com que Marco Ricca encara a vida e a carreira de ator. "Minhas dicas para quem quer se dar bem nesta profissão são: malhe bastante, saiba falar inglês e tome cuidado para seu cabelo não cair", brinca o ator que interpreta o vilão Samir, de O Astro, da Globo. Visivelmente satisfeito com o trabalho na minissérie, Marco enxerga nas maldades de seu personagem um reflexo do momento político e social do Brasil. "Geraldo Carneiro e Alcides Nogueira conseguiram inserir no Samir críticas contundentes a essa postura de que vale tudo para se dar bem. E entregam isso com doses de Shakespeare e tragédias gregas", elogia Marco, referindo-se aos autores responsáveis pela adaptação da novela original de Janete Clair.

Cria do teatro e do cinema alternativo de São Paulo, sua cidade natal, Marco começou a carreira como roteirista. No entanto, a curiosidade pelas engrenagens da arte o levou a trabalhar também como diretor, função que desempenha até hoje em peças como, Oeste, do dramaturgo americano Sam Shepard, e filmes como Cabeça a Prêmio, de 2010, sua estreia na direção de cinema. A atuação surgiu na vida de Marco por acaso, quando o protagonista de uma das suas peças faltou à apresentação. O primeiro contato com a tevê foi em 1993, como o médico José Augusto, de Renascer. A partir daí, paralelamente aos filmes e peças, a televisão também passou a fazer parte de sua vida onde, entre novelas e especiais, já contabiliza 17 trabalhos. "A tevê não tem a independência do teatro e do cinema. Mas é na televisão que você prova sua disciplina e talento para não se repetir como intérprete", acredita o ator, de 49 anos.

P - Entre o fim de Ti-Ti-Ti e o começo das gravações de O Astro, você teve apenas um mês de descanso. O que o levou a aceitar o convite para interpretar o Samir?

R -
Era um trabalho menor e muito especial. Recebi o convite do diretor, Mauro Mendonça Filho, e dos autores. Acho que não foi um personagem pensado para mim. Alguém não pôde fazer e eu acabei sendo a segunda opção. Isso acontece bastante na televisão. Aceitei com o maior prazer.

P - Você constrói seus personagens a partir do texto ou faz uso de algum processo de composição especial?

R -
Costumo ir mais pelo texto mesmo. E o texto de O Astro é ótimo. Não é preciso fazer esforço nenhum. Inclusive, peguei dengue enquanto o resto do elenco estava fazendo as primeiras leituras. Passei uma semana de cama, o que atrasou muito meu trabalho. Não pude discutir o texto com a equipe, pois estava bem mal. Também não tive tempo de ver nada da primeira versão da novela. Lembro de quando a original passou na tevê. Eu era pequeno, mas lembro, principalmente do Francisco Cuoco com o turbante do personagem.

P - O Samir é o principal vilão da trama. Deu para sentir a repercussão do personagem?

R -
Para falar a verdade eu não tenho muita noção se o trabalho está realmente agradando o público. Eu gravo e vou para casa, não dá para saber. Também não estou dando entrevista. Esta é a segunda vez que falo sobre esse personagem. Então não tenho muito consciência disso. Eu sei a repercussão aqui dos bastidores, onde está todo mundo supersatisfeito com o sucesso da novela. É bom quando a gente faz parte de um bom produto, com um personagem relevante, bem escrito.

P - Essa sua relação distante com a imprensa é apenas timidez ou você realmente não gosta de dar entrevistas?

R -
Sou muito tímido. Mas não é só por isso. Só falo com jornalistas quando tenho algo a dizer, algum trabalho legal para mostrar. Normalmente, a imprensa quer um pouco mais do que isso, quer saber do lado pessoal, sentimental. E eu, simplesmente, não vou abrir esse espaço. Essa procura por outras informações dificultou muito. Antigamente, o ator não tinha esforço para falar de trabalho, pois era o assunto mais importante da entrevista. E eu não tenho menor interesse de falar sobre as minhas intimidades. Levo uma vida muito normal.

P - Em Ti-Ti-Ti, seu personagem não teve muito destaque na trama. O boa aceitação de O Astro o instiga mais a falar mais sobre o trabalho?

R -
Não tinha tesão nenhum em falar sobre meu papel em Ti-Ti-Ti". Foi um dos personagens mais difíceis da minha carreira. A história nunca saia do "lengalenga", os personagens não tinham para onde ir e olha que foi uma novela de sucesso, mas a trama não andava. Depois que aproximaram meu personagem e o da Christiane Torloni, não tinha mais o que fazer. Era bom porque eu gravava muito pouco, então pude descansar, já que vinha de uma rotina de muito trabalho depois de dirigir no cinema. Mas no fundo, no fundo, eu não tinha o que fazer ali. Quer dizer, eu não soube o que fazer. Pode ser que um grande ator, que pega um personagem pequeno e o transforma em um ótimo papel conseguisse algum destaque. Eu não sei fazer isso.

P - Para você, o que faz um personagem ser bom?

R -
Não estou jogando confete, mas quando o texto é bom, fica fácil de fazer. O Samir é todo baseado no texto, não tem nada para complementar e isso o torna bem fácil de desenvolver. O Geraldo Carneiro e o Alcides Nogueira escrevem bem. Fazem bons diálogos, cenas legais, com coerência dramática. Aí tudo, de uma certa forma, se confunde. Não é só eu que estou convencendo como o Samir, é que o personagem é bom mesmo, se fosse outro ator fazendo, também faria muito bem.

P - Em O Astro, seu personagem utiliza recursos pouco ortodoxos para chegar à presidência do Grupo Hayalla. História comum no âmbito político e empresarial de qualquer lugar. Você se inspirou em alguma história real para ajudar neste trabalho?

R -
Arrivistas e canalhas a gente vê a toda hora nos noticiários. Fonte de inspiração para o Samir não falta. Temos muitos exemplos. Ações que motivam os jovens a pensarem apenas em se darem bem e dane-se o que tiver de fazer. Claro que o Samir ultrapassa um pouco isso, é uma lente ampliada. Mas existem muitos sujeitos assim. E normalmente, as roupas são lindas e os carros são importados. Quem quer o poder, precisa ostentar o que tem. A gente está cada vez mais caminhando para essa coisa do "sonho americano", que a gente importou, onde vale o que você tem. Está na ordem do dia.

P - Junto com a sede pelo poder, o Samir também protagonizou boa parte das cenas mais quentes do folhetim. Depois de tantos anos de carreira, você ainda sente algum constrangimento ao gravar essas sequências?

R -
Sou um ator de cinema alternativo de São Paulo. Fiz trinta filmes e já passei por muitas cenas fortes. Depois da pornochanchada, vieram os filmes alternativos. Você não tem noção das cenas de sexo que eu já fiz! Já passei muito por isso, estou familiarizado. Mas nunca é agradável, nunca é bom. Nos últimos tempos, até recusei alguns convites porque eu não queria mais esse tipo de trabalho. Tem que ter disposição eu não estava nessa frequência. Em O Astro existia uma motivação para essas cenas e acho que cortaram muito. Deveriam ter sido mais ousadas, de acordo com o que estava previsto. O diretor queria muito, os autores apostavam nisso, mas a resposta do público esvaziou esse objetivo.

P - Acha que o telespectador ainda encara o sexo na teledramaturgia com ressalvas?

R -
O sexo faz parte da dramaturgia. Diferente de uma questão estética, o sexo é uma revelação de caráter. Dirigi um filme que tem cenas muito fortes de sexo, que funcionam para apresentar os personagens do longa. Em O Astro é assim também e isso é válido para a trama. Ao mesmo tempo, podar é uma pena, é ruim. Eu acho que a gente poderia avançar um pouco mais. Mas quando não tem aquele tom de chanchada, o público fica apreensivo. Se a coisa for mais realista, é preciso segurar na televisão aberta. No início, a novela foi massacrada pelos moralistas de plantão. A equipe levou um susto e essa reação foi encaretando o trabalho.

P - Você começou no teatro, tem uma história sólida com o cinema, mas desde que estreou em novelas, em Renascer, de 1993, você está sempre envolvido com algum projeto na tevê. Qual a importância da televisão na sua carreira?

R -
Engraçado, parei para pensar nisso recentemente. Em primeiro lugar, acho que a Globo foi minha patrocinadora em quase tudo o que fiz. Eu só pude fazer meus fracassos no cinema e no teatro, porque a emissora manteve meu contrato, o que garantiu o pagamento das minhas contas, me deu dignidade como profissional. Se não, estaria passando fome. É claro que, depois, as minhas produções fora da televisão começaram a dar dinheiro. Eu poderia até me arriscar a ter uma vida independente, mas querendo ou não, eu tirei daqui um monte de coisas boas: minha primeira mulher, meu filho, meus amigos. A televisão é um local ótimo para se ter bons encontros e, às vezes, bons trabalhos.