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Otaviano Costa encarna papel com tom mais realista em 'Salve Jorge'

Luana Borges - TV Press

O humor permeia a carreira de Otaviano Costa. Por isso mesmo, o ator já estava com vontade de interpretar um papel naturalista, como o Haroldo de "Salve Jorge". Principalmente por ter encarnado, por duas novelas seguidas de Walcyr Carrasco, tipos escrachados: o baiano Adenor de "Caras & Bocas", de 2009, e o malandro Élcio que se travestia de Elaine em "Morde & Assopra", de 2011. Assim que terminou sua participação na trama mais recente, foi avisado da possibilidade de voltar ao ar em uma novela de Gloria Perez pelo produtor de elenco Luiz Antônio Rocha. Os dois haviam trabalhado juntos em "Amor e Intrigas", da Record, onde Otaviano viveu um vilão. "O mais legal é que as pessoas estão vendo um lado meu que faz tempo que não viam, um lado sério", avalia.

Os 23 anos de carreira de Otaviano na tevê são intercalados por trabalhos como ator e apresentador. A estreia na teledramaturgia aconteceu na "Escolinha do Golias", do SBT, em 1990. No mesmo ano, apresentou o "Clipes Animados", na MTV. Desde então, atuou em cerca de sete produções, entre elas "Éramos Seis", do SBT, em 1994, e "Macho Man", da Globo, em 2011. E apresentou mais de 15 programas, como o "O+", da Band, e o "Domingo Espetacular", da Record. "São duas formas de estar onde eu mais amo na vida, que é no estúdio, em contato com o público, com a câmara. Fico bem dividido", confessa.

P - Você é mais conhecido do público por personagens cômicos. Como foi seu processo de composição para um personagem naturalista como o advogado Haroldo, de "Salve Jorge"?

R -
A Gloria Perez não nos fornece tantos subsídios do personagem. Porque no ponto de vista da autora, que é muito interessante, ela prefere não criar uma história pregressa para não limitá-la criativamente. Ela prefere desenvolver os personagens a partir do ponto em que eles existem na trama. Esse esquema é instigante por um lado e difícil por outro, porque você não sabe como entrar na cena. Mas ela dá algumas palavras-chave. Por um lado, é desafiador porque você cria uma história a partir da escrita, cria a psicologia do papel. E o meu trabalho de composição é baseado em intuição. Vou no que acredito que está escrito e na cena em si. Aquilo que o outro ator me trouxer, eu desenvolvo. Eu não gosto de olhar referências. Se é um advogado, eu não vou ver um ator que fez um advogado. Não gosto, não consigo, não me permito fazer isso.

P - Por quê?

R -
Porque eu tenho medo de pegar muitas coisas. Não que eu tenha receio de copiar um Robert De Niro, um Al Pacino, um Antônio Fagundes ou outro dos nossos grandes atores, não é isso. É que eu parto do princípio de que posso criar uma coisa minha e que, se parecer com alguém, legal. Ou se não parecer com alguém, melhor ainda. Eu só faço um trabalho de aprofundamento do universo. Flávia (Alessandra, esposa do ator) é advogada, minha mãe também. Fomos em dois, três escritórios no Rio de Janeiro para entender um pouco do dia a dia. E, por coincidência, conheci um cara cujo jeito gostei muito. Gosto de me apropriar de personalidades verdadeiras, não de trabalhos compostos. Foi assim na questão do baiano, na época de "Caras & Bocas". Eu chegava a ligar para Salvador, para farmácia e pizzarias e ficava batendo papo como se fosse baiano. E telefone não tem o recurso visual. Mas eu não olhei para nenhum ator fazendo. Trabalho muito com minha intuição e minha própria composição.

P - Antes de "Salve Jorge", você viveu dois personagens engraçados em "Caras & Bocas", de 2009, e "Morde & Assopra", de 2011. Já estava cansado de fazer humor na tevê?

R -
Acho que tem uma tendência natural do público e do mercado entenderem que, quando você faz duas ou três coisas parecidas, você só faz aquilo. Ainda mais em sequência e em tevê, que é essa mídia em massa. Então, eu tinha esse receio. Não é que seja a condenação de um ator ou de uma atriz, mas é uma personificação que você ganha: "o cara é engraçado, o cara é comédia".

P - Por que sua carreira foi mais pautada na comédia?

R -
Porque foi onde as portas se abriram. Talvez agora, nesses últimos tempos, as pessoas tenham notado isso ainda mais, pelos papéis de comédia que fiz, pela participação no "Amor & Sexo", onde as pessoas viram essa coisa engraçada. As portas se abriram no início da minha carreira porque esse meu estilo de ser no dia a dia leva quem tem essa sensibilidade artística a pensar: "esse cara vai render fazendo humor". E rendeu. Mas tem outras portinhas que eu estou voltando a abrir. Como essa agora, com o Haroldo.

P - Mas você se considera engraçado no dia a dia?

R -
Sou divertido na minha vida, bem-humorado. Mas tenho um lado muito sério, muito caxias. Sou estressado, sou bem chato em vários aspectos. Eu sou bacana, mas sou um ser humano normal. O próprio Nanini, dando uma entrevista, na Globo News, falou: "Ser ridículo, estar ridículo é um precipício em que a gente se joga de peito aberto". A gente joga toda hora. Mas as pessoas têm muita mania de confundir a realidade com o que você é ou faz na tevê.

P - Em "Amor e Intrigas", da Record, de 2007, você interpretou o vilão Bruno. Qual a relevância desse trabalho na sua carreira?

R -
Foi muito importante. Era minha volta à interpretação depois de 12 anos. Agradeço muito ao Luiz Antônio Rocha, que também me colocou em "Salve Jorge", porque olhou para mim com outros olhos, lembrou do lado ator. Meu lado apresentador ficou muito tempo no ar. Outro momento importante foi "Caras & Bocas", que foi minha volta à Globo.

P - Além de "Salve Jorge", você já fez outras duas novelas em que Flávia Alessandra, sua esposa, também estava no elenco: "Caras & Bocas" e "Morde & Assopra". O que faz algumas pessoas julgarem que você conquistou determinado papel por influência dela. Até que ponto isso incomoda?

R -
Já me incomodou. Agora, não mais. Acho que é a bobagem mais fácil de se concluir quando existe um casamento desse tipo. Mas as pessoas esquecem que eu já trabalhei na Globo, as pessoas esquecem que eu tenho uma história. É mais fácil você subestimar o talento de um e superestimar o talento do outro. Outro dia, até brinquei e falei: "É fácil então para Flávia ligar para o Bonner (William) e falar que eu quero ficar no lugar dele por uma semaninha". É uma bobagem isso (risos).

P - O que o leva a aceitar um papel?

R -
Primeiro, saber quem é o autor e de quem é a direção. Saber que a novela era da Gloria Perez, nossa, foi o maior prazer. E a direção do Schechtman (Marcos) também. A partir disso, tem um mundo que eu olho ao redor. Mas, com certeza, no meu caso, eu sempre olho para qualquer proposta, seja de filme ou trabalho, qual é a empresa ou de quem é a direção, quem é o autor e quem vai fazer parte disso. E, lógico, no nosso caso, você questiona o personagem. Mas eu ainda não estou nessa esfera de questionamento de personagem para valer. Todos os que estão vindo, por coincidência, são bons.

P - Em 23 anos de carreira, que papel fez você ter a certeza de que estava no caminho certo?

R -
Acho que a novela "Éramos Seis". Foi minha primeira novela e foi muito importante para eu dar meus primeiros passos na dramaturgia. Fiz "Escolinha do Golias", mas não era novela. Acho que "Éramos Seis" foi uma novela muito legal, com pessoas muito talentosas. Fiz o Tavinho na terceira fase da novela. Foi uma participação, mas o suficiente para eu falar: "É isso. Mais uma vez eu sei que é isso que eu quero".

P - Você também tem uma carreira bem versátil como apresentador. Como descobriu essa sua faceta?

R -
Acho que nasci com isso. Desde moleque, em reuniões familiares ou grêmios estudantis. Já fui presidente de grêmio comandando todo o núcleo de cultura, arte e esportes. Isso sempre esteve muito presente na minha vida. Eu abdiquei de Cuiabá, da época da minha vida que passei com meus pais diariamente, dos meus amigos, da tranquilidade que eu tinha, para ir para uma ralação com 15 anos porque eu acreditava que ia ser feliz jogando vôlei e fazendo alguma coisa ligada ao rádio. A tevê foi com 16 anos. Não programei, não planejei, foi acontecendo, foi me levando. Eu fui fazendo cursos, fazendo "Célias Helenas", "Fátimas Toledos" e fui ganhando bojo para enfrentar a vida.

* Salve Jorge, Globo, de segunda a sábado, às 21h

No gogó

Além de se ser ator e apresentador, Otaviano tem uma ligação forte com a música. Por influência do avô materno, ele começou a cantar ainda pequeno. E a avó paterna ainda era pianista. Otaviano, inclusive, chegou a se formar em canto e a tocar nas noites de São Paulo. "Música é a essência da minha vida", derrama-se.

O fato de cantar tem influência direta com seu trabalho na interpretação. É que, por ter domínio da própria voz, Otaviano sabe respirar da forma mais adequada e construir os sotaques para os personagens com mais facilidade. "Vira todo um processo. Minha escola profissional artística começa com voz,, no rádio. Rádio educa, você se ouve. Eu sempre fiz fonoaudiologia, sempre tive esse cuidado com a minha voz, que é minha grande ferramenta", ressalta.