Não achei justo escrever logo após Barcelona x Santos. Seria covardia. Preferi parar, pensar, ver, ouvir, enfim, ter uma ideia mais clara antes de dizer que o time espanhol é sensacional, é genial, que deu show. Isso, todo mundo sabe.
Muita gente compara a Holanda de Cruyff à equipe da Catalunha. Por uma questão de logística temporal, vi pouco a “laranja mecânica”, mas li muito mais sobre o “carrossel holandês” do que sobre o Barcelona de Messi e companhia. Aliás, pelo dinamismo, de “carrossel” aquele time não tinha nada. Assim, eu vi e vejo, por uma questão de logística temporal, muito mais o Barcelona atual. É só ligar a TV que, toda semana, tudo que é cronista esportivo enche a bola do time de Guardiola.
Mas o que é essa equipe? Qual é o segredo? Como ela joga? Ver, todo mundo vê, mas ninguém, até hoje (Ok, Mourinho e sua Inter conseguiram), teve capacidade de brecar uma das melhores equipes da história da bola.
Esqueçam o trocadilho óbvio com “Peixe”, mas a partida contra o Santos me ajudou a ver o Barcelona de duas formas, uma mais didática, mais fruto de todo o treinamento que esse time passa desde suas categorias de base, e outra mais lúdica, mais no “estilo Armando Nogueira”.
Santos 0 x 4 Barcelona
De forma prática, é óbvio que o grande diferencial do Barcelona é a movimentação. Mas, não adianta nada você se movimentar se o seu companheiro não tem capacidade de dar um passe de 2 metros. A relação entre linha da bola e movimentação também é de se espantar: ora os jogadores avançam além da linha da bola; em outros momentos, é a bola que recua, abrindo espaços para os avanços dos jogadores.
Vejo até um “quê” de basquete na coisa toda. Vocês se lembram do triângulo ofensivo do Chicago Bulls de Phil Jackson e Michael Jordan. Pois foi o auxiliar do treinador, um senhorzinho simpatico chamado Tex Winter, que lapidou a coisa toda (o esquema foi criado pelo técnico Sam Barry). Basicamente, a movimentação de ataque, com passes curtos e rápidos, criava novas opções de passe e fazia com que surgissem espaços na defesa rival. Parece ou não parece?
Quem joga contra o Barcelona não sabe muito bem quem marcar. “Vou colocar dois caras em cima do Messi”, pode pensar um técnico, mas e aí? O Xavi vai ficar livre? O Iniesta? A marcação rival se perde porque nunca se sabe por onde o time espanhol vai atacar. Daí a visão lúdia: o mar.
Fim de ano, todo mundo vai para a praia e entope as estradas e as águas de todo o país. O melhor para visualizar a coisa é ir enquanto todo mundo trabalha. Aí, sim, o cara chega na areia, com sol ou não, e ele resolve entrar na água. Ao fundo, ele vê aquela marolinha vindo. Curioso que ela não nasce sempre no mesmo lugar, mas surge de diversos pontos no meio daquele mar. Às vezes, não dá em nada, e ela some. Em outras, ela até chega perto, mas desaparece. Enfim, algumas viram ondas, umas mais encorpadas, outras mais leves, ou uma sequência delas… Assim é o Barcelona.
A jogada que começa lá atrás é uma marolinha, que pode vir por qualquer canto. Às vezes, não dá em nada, mas ela volta aqui e ali até virar uma onda certeira. A onda, aquela forte, muitas vezes atende pelo nome de Messi. Mas não adianta esperar apenas pelas “ondas Messi”. Outras ondas, como Xavi, Iniesta e etc e etc e etc, são tão ou mais letais que a tal Messi. Pior: pode vir uma Messi seguida de um Xavi seguida de um Daniel Alves seguida de um Piqué, e você ali, sem saber de onde veio tudo isso.
Claro que não tem magia nenhuma nesse Barcelona. O técnico não é o “Mister M”, nem ouviremos Cid Moreira anunciar que, no próximo domingo, ele desvendará esse sortilégio. A magia do Barcelona se chama treino, se chama suor. E não é o treino daquele cara de 25 anos, que se tornou profissional sem nem saber acertar o gol direito. É o treino desde moleque, criança, aquele treino que deixa o garoto capaz de realizar o básico de olhos fechados. Vira algo intrínseco, eu diria, até, que se torna é uma questão de natureza. Como o mar.
P.S.: Flavio Gomes dá mais uma aula em seu Blog com o imperdível “A Lição do Japão”.