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Por Leonardo Miranda

Pedro Martins/MoWA Press

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A lista de Tite para a Copa do Mundo foi considerada sem surpresas. Não teve ninguém que não fora chamado anteriormente. Mas as apostas em Fred e Taison, ambos do Shakhtar Donetsk, eram baixas, e os questionamentos em detrimento a Luan e Arthur, dois jogadores de características semelhantes, são grandes. Mas o que levou Tite a deixar os dois gremistas de fora, e mais especificamente Luan, a grande queixa do momento?

Luan Gremio — Foto: Eduardo Moura

Discordâncias e gostos pessoais são naturais. É do amor ter uma visão única e “sentir o jogo” à sua maneira. Preferências por um ou outro jogador, seja do clube do coração ou não, também é natural. Mas dizer que é injusto e “esquema”, aí sim, é errado. O ponto de partida para entender a convocação é um só: os critérios do treinador e a forma de jogo da seleção. É preciso compreender o movimento do jogador: de onde ele parte, o que faz com a bola e como preenche os espaços sem ela, e como essas características “casam” com os movimentos da seleção.

Talento potencializado pelo Grêmio, mas sem espaço na Seleção

Luan é um jogador especial. Não fez as categorias de base, tendo longa vivência no futsal e jogando pelo profissional só aos 21 anos. Tido como um tradicional ponta por Felipão e Enderson Moreira, foi Roger Machado que viu nele um jogador extremamente associativo, que sempre procura a bola. Esse movimento faz Luan sempre estar perto da jogada, num espaço livre para receber. É ele quem melhor joga “entrelinhas” no Brasil.

Luan no Grêmio — Foto: Leonardo Miranda

Ele não é um segundo atacante, muito menos um ponta. É um armador veloz, que joga de pé em pé. Características que o modelo de jogo do Grêmio amplifica: os laterais buscam os lados e Luan tem toda a liberdade para voltar e buscar a bola da defesa, se for preciso. Aqui no lance, ele é visto fazendo exatamente esse movimento. Isso tem duas consequências: cria mais uma opção para os zagueiros, mas tira a profundidade do time - quando Luan baixa, fica um a menos na frente da linha da bola para receber.

Luan na saída de bola do Grêmio — Foto: Leonardo Miranda

Só que esses atributos não combinam com a seleção, que joga de modo quase oposto ao que Luan faz de melhor. As imagens deixam claro. Um dos conceitos mais claros de Tite desde os tempos de Corinthians é a saída sustentada. Com ela, os laterais não têm como função ficarem abertos, alargando o campo. Eles aproximam do primeiro volante (Casemiro) e, se um sai, outro busca ficar atrás da linha da bola. É uma forma de “sustentar” o ataque com linhas de passe e sempre ter 3 ou 4 jogadores em condições de matar um contra-ataque e dar cobertura se alguém erra. Mais à frente, Coutinho e Paulinho fazem o mesmo que Luan - buscam a entrelinha - e Coutinho, que está no setor da bola, rapidamente faz uma infiltração.

A saída sustentada da seleção — Foto: Leonardo Miranda

Como sempre busca a bola, Luan não faria como Coutinho nesse lance. Ele recuaria e criaria um apoio, coisa que a seleção tem de sobra, já que os laterais e volantes ficam próximos. Consulte a imagem do Grêmio e veja que lá ele precisa recuar, porque os laterais avançam muito mais. Seu movimento é desnecessário numa seleção já pensada para ficar com a bola.

Taison: versatilidade e vitória pessoal

Taison talvez foi a maior surpresa da relação de Tite. E uma característica, talvez até em falta, fez a diferença. Ele joga em todas no “4” do 4-1-4-1 da seleção. Preenche muito bem os espaços quando faz as vezes de Coutinho e Fernandinho, não comprometendo na defesa. É uma função que Luan não faz - porque seu time sempre jogou de forma diferente. Quando atua pelo lado, Taison reúne a incisividade de um ponta, capaz de ganhar a jogada contra seu defensor e rapidamente soltar a bola.

A imagem abaixo, uma das últimas jogadas no amistoso contra a Rússia, é um exemplo. Taison entrou pelo lado direito. Aqui, ele recebe de Fagner e sustenta essa bola, dando tempo do lateral fazer o movimento da “bananinha”, tão típico de Tite - um lateral infiltra por dentro enquanto o ponta daquele setor prende a bola para a passagem. Taison é mais forte fisicamente e sabe fazer essa jogada de força pelo lado, algo que o modelo de jogo da seleção, que força a saída pelo lado, pede.

Taison fazendo a saída junto a Fagner — Foto: Leonardo Miranda

Mudar o jogo? Tite acredita em imposição

As 3 imagens mostram momentos de construção. No ataque, Luan tem drible rápido e condução para, muitas vezes, deixar jogadores para trás e finalizar. Ele poderia mudar um jogo? Sim, poderia. Até porque é diferente de todos os outros no banco. A questão é que a mística do jovem que muda e “incendeia” jogos, respeitada por Parreira (levou Ronaldo em 94) e Felipão (levou Kaká em 2002 e Bernard em 1994) não é uma lógica na qual o técnico acredita. Tite pensa futebol de outra forma, na qual a imposição de um modo de jogar é mais válido que alterar um esquema ou colocar um jogador para explorar uma fraqueza do adversário.

Esqueça o certo e o errado. O objetivo é analisar o modo de ver e pensar futebol de Tite. Em todas as coletivas, ele deixou claro que quer uma seleção que se imponha, proponha as ações e domine o jogo. Para chegar e esse objetivo, os meios são os que Tite repete: jogo rápido, triangulações, saídas sustentadas e proteção defensiva. Logo, a lógica do banco é ter jogadores que consigam adicionar ao modo de jogo, e não muda-lo. A presença de Luan - e tantos outros nomes como Lucas Lima, Paquetá, Dudu e por aí vai - significariam uma mudança, não um acréscimo.

O brasileiro foi ensinado e está acostumado a tratar o papel do técnico com um certo mal humor, um certo desdém de quem faz escolhas erradas. É um papel “do contra”, um ressentimento, como se o técnico fosse o aprisionador de talentos. Mas, como você já leu aqui, Tite vem mudando essa concepção histórica. A ausência de Luan é só mais uma evidência que o entendimento do jogo vem ganhando mais espaço que conceitos enraigados numa forma nem sempre saudável de ver o futebol.

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