Sofiane Boufal comoveu o mundo ao segurar as mãos da mãe para dançar pelo Marrocos no campo do estádio Al Thumama, no Catar. Era uma comemoração genuína pela classificação da seleção - com cenas que emocionaram e repetiram-se como um rito enquanto o país faz história na Copa. O abraço de Walid Regragui. O beijo de Hakimi. Todos direcionados a uma figura central: as mães.
Os gestos são reflexo de uma criação árabe-muçulmana que tem a figura materna quase como uma "entidade" na família, com base nos ensinamentos do islã.
O meia-atacante Boufal, por exemplo, sempre disse que deve tudo à própria mãe e demonstrou o cuidado de ajustar o hijab nos cabelos dela enquanto dançavam juntos em comemoração.
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Essa relação de devoção e reconhecimento está nos ensinamentos do Alcorão - livro sagrado do islã - e também nas falas e comportamentos do Profeta Muhammad, também conhecido como Maomé. Há passagens no texto sobre esse cuidado e dedicação das mães, explica Francirosy Campos Barbosa, antropóloga muçulmana e professora da USP.
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Na crença islâmica, portanto, não há nada mais importante do que cuidar e estar perto de sua mãe.
Não à toa, a Federação Marroquina bancou a estadia das famílias dos jogadores no Catar e boa parte delas está hospedada no Wyndham Doha Wes Bay, com a delegação. São familiares que se mostram orgulhosos, relata a emissora árabe Al Jazeera, e que sempre falam sobre como consideram todos os "meninos" como seus próprios filhos.
Achraf Hakimi correu para os braços da mãe, Saida Mouh, após marcar o pênalti da vitória sobre a Espanha. Dias antes, contra a Bélgica, havia repetido o mesmo gesto. Entre os melhores do mundo na posição, o lateral sempre valorizou o esforço da família - em que o pai era vendedor ambulante e a mãe empregada do lar.
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O meia Illias Chair também recebeu a presença da família e disse que a conexão próxima deu força aos jogadores. Yassine Bono, destaque como goleiro, não contou com a mãe no Catar, mas ganhou orações à distância - em imagens que viralizaram durante a disputa de pênaltis contra a Espanha.
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Pela primeira vez, as imagens da comemoração - protagonizada pelas mães - contrastou com a realidade de outras seleções, como com as crianças da Croácia ou as esposas em outras equipes. A tradição islâmica, contudo, esteve evidente no futebol desse Marrocos desde a apresentação do técnico Walid Regragui, ao dizer que: "Nosso sucesso não é possível sem a felicidade de nossos pais".
Não à toa, no Mundial do Catar, o comandante subiu as escadas do estádios por mais de uma vez para beijar a cabeça da mãe, Fátima - que trabalhou como faxineira no Aeroporto de Orly, nos arredores de Paris, e viajou com a seleção marroquina pela primeira vez.
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O movimento passa por uma questão cultural, mas a criação de uma energia positiva fez parte também de uma estratégia de Regragui e da Federação Marroquina para obter melhores resultados no Catar. Foram eliminados na última quarta-feira, em semifinal com a França, mas deixam o marco de uma campanha histórica: a melhor de uma seleção africana em Copas.