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Por Redação do ge — Doha, Catar


Quando se pensa em Gana x Uruguai na Copa do Mundo, logo se lembra das quartas de final de 2010, quando os sul-americanos eliminaram os africanos. Nos acréscimos da prorrogação, Suárez defendeu com a mão, evitou o gol ganês e cometeu pênalti que Asamoah Gyan desperdiçou. A partida foi para as cobranças de penalidades máximas e Loco Abreu bateu, de cavadinha, o da classificação uruguaia. No capítulo 11 do livro "Loco por ti - As juras de amor eterno entre Loco Abreu e a Estrela Solitária", de Marcos Eduardo Neves e Gustavo Rotstein, ele conta como foi aquele dia. Confira no texto abaixo!

Melhores momentos: Uruguai (4) 1 x 1 (2) Gana pela Copa do Mundo Fifa 2010

Melhores momentos: Uruguai (4) 1 x 1 (2) Gana pela Copa do Mundo Fifa 2010

"Comecei com tudo a preparação para a minha segunda Copa do Mundo. Diferentemente de 2002, nosso técnico, Óscar Tabárez, optou por fazer toda a preparação em casa, no Uruguai mesmo. Com direito a mais treinos e menos amistosos.

Passamos 20 dias treinando de forma intensa, mas convivendo tanto com o nosso povo quanto com nossas famílias. Terminava o trabalho e não havia a necessidade de irmos para a concentração: voltávamos para casa. Isso nos deu muita força e confiança para aquele Mundial. Na despedida, antes de voarmos para a África, disputamos amistoso contra Israel no Estádio Centenário, em Montevidéu, e vencemos por 4 a 1. Entrei no intervalo e marquei dois gols.

Na África do Sul não foi diferente. Onde estávamos hospedados, a presença das nossas famílias continuou a ser constante. A gente almoçava, jogava, mas depois, no jantar, o treinador fazia questão de juntar comissão técnica, jogadores e suas famílias. Independentemente do resultado das partidas, todos jantávamos juntos. Essa comunhão julgo ter sido crucial para a performance que tivemos no decorrer da competição.

Participei de quatro das sete partidas do Uruguai na Copa, sempre entrando no segundo tempo. Na estreia, contra a França, substituí Suárez, mas empatamos sem gols. Fechamos a fase de grupos vencendo a África do Sul por 3 a 0 e o México por 1 a 0. Na sequência, derrotamos nas oitavas de final a Coreia do Sul por 2 a 1. Voltei a jogar contra Gana, pelas quartas de final. Um dos jogos mais marcantes da História, tanto para mim quanto para todo o meu país.

"Vozes": Cleber Machado comenta momento histórico na classificação do Uruguai na Copa 2010

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O jogo contra Gana

Dois de julho de 2010, data inesquecível. Entrei em campo, aos 31 do segundo tempo, substituindo Cavani, com a partida já empatada em 1 a 1. O resultado persistiu até a prorrogação, quando, no último lance, Suárez colocou a mão na bola para evitar o gol que nos eliminaria. Asamoah Gyan desperdiçou o penal e a classificação para a semifinal acabou indo para a loteria dos pênaltis.

No gramado do Soccer City, em Joanesburgo, lembrei de uma situação vivida em outra disputa desse tipo, pela Copa América de 2007, contra o Brasil. Naquela oportunidade fizemos uma rodinha no campo e falamos: "A gente fez o que tinha que fazer, agora... que seja o que Deus quiser!" Acabamos perdendo.

Por isso, depois que o nosso treinador passou as instruções, nos reunimos e aproveitei para dizer:

"Lembra de três anos antes, quando falamos que fosse o que Deus quisesse? Não é nada disso, não. Deus está aqui para nos proteger, mas é a gente quem decide. Vamos ganhar essa porra aqui; a mentalidade tem que ser positiva de que vamos ganhar. Vamos fazer gol, vamos mudar nossa história, porque foi erro nosso deixar para Deus o que depende só de nós. Vamos buscar essa vitória agora!"

Como é a vida... Veio o primeiro, o segundo e o terceiro pênaltis. Veio o quarto pênalti de Gana e eles erraram. Aí veio o quarto pênalti nosso e a gente errou. No quinto deles eles voltaram a errar. E, então, sobrou para mim.

Se o nosso quarto cobrador, Maxi Pereira, fizesse e o Muslera defendesse a cobrança seguinte, pronto, acabaria o jogo e eu ficaria sem bater. Mas futebol é como a vida, tem sempre algo inesperado por vir. Não sei o que acontece, mas sobrou para mim decidir a sorte do nosso país na competição.

Eu tinha treinado pênaltis na véspera. O técnico dividiu os times: os titulares bateram primeiro, depois nós. Três pênaltis cada. Na minha vez, errei os três! Inclusive um de cavadinha: a bola subiu demais, por cima do travessão. Nessa hora, lembro que tive o seguinte diálogo com o volante Sebastián Eguren:

"Loco, vamos lá, que amanhã vou precisar de você para os pênaltis!"

"Papote", esse é o apelido dele, "fica tranquilo, amanhã aparece a assinatura da casa."

"Não faz isso, Loco! Tenho familiares com problema no coração lá no Uruguai. Vai morrer todo mundo..."

"Fala para eles tomarem remédio, porque vai acontecer..."

Loco Abreu cobra pênalti de cavadinha e classifica Uruguai na Copa de 2010

Loco Abreu cobra pênalti de cavadinha e classifica Uruguai na Copa de 2010

O pênalti

Ao longo da disputa por pênaltis contra Gana, eu não pensei nas penalidades perdidas no treino porque naquelas a mente estava relaxada, o corpo idem, você chega até a brincar. Além disso, não tem arquibancada, clima de jogo, muito menos de Copa.

O fato de eu ser o último a cobrar contra Gana me possibilitou observar a movimentação do goleiro deles, Kingson, ao longo de todas as cobranças. Precisei apenas de alguém que corroborasse comigo. Quem viu tudo ao meu lado foi o lateral-direito Fucile. Perguntei a ele:

"Fuci, o goleiro está pulando antes, né?"

Ele respondeu, com sua voz fina e engraçada:

"Sim, está."

No segundo pênalti, voltei a questioná-lo:

"Fuci, o goleiro está pulando antes, né?"

"Sim, Loco, está pulando antes", tornou a dizer.

Quando chegou o terceiro pênalti, eu já nervoso pra caramba, quis de novo confirmar se o goleiro continuava saltando antes de baterem:

"Pô, Fuci, o goleiro está pulando antes?"

Do nada, ele se irritou:

"Tá, Loco. Não me enche o saco e faz a cavadinha, porra."

Não falei mais nada. Fiquei só olhando para o nosso quarto pênalti. Pereira errou a cobrança e o peso da decisão recaiu sobre as minhas costas.

Fico arrepiado só de lembrar daquele momento. Caminhei para a bola muito devagar, tentando transmitir para todos uma sensação de tranquilidade, mas a verdade é que ali eu não tinha tranquilidade alguma. A cavadinha teria que ser mais devagar do que o normal, por conta do que havia acontecido no treino do dia anterior. A Jabulani, bola oficial da Copa, fazia um movimento inexplicável. A cobrança teria que ser precisa.

Na caminhada, do meio de campo até a marca do pênalti, não escutei nada. Parecia que só tinha eu e o goleiro deles no estádio. Saí andando, olhando para o chão. Assim como havia feito cerca de dois meses antes, no Maracanã, pensei o seguinte: vou fazer o gol, vai dar tudo certo, vamos ganhar!

Sabia como iria chutar. Coloquei a bola e esperei o juiz apitar. Aliás, esperei um segundo a mais, para criar um momento de dúvida ao goleiro. O árbitro autorizou e eu esperei. Respirei profundamente e saí. Totalmente convencido de que daria certo.

Loco Abreu, de cavadinha, faz o gol da vitória do Uruguai sobre Gana em 2010 — Foto: GETTY IMAGES

Como foi o pós

Tão legal quanto viver aquele momento foi saber da mobilização da torcida do Botafogto em torno do desempenho do Uruguai na Copa. Desde a nossa estreia, comentavam comigo, mas à medida que a nossa seleção foi avançando - sobretudo após a eliminação do Brasil -, o movimento cresceu. Muitas pessoas com a camisa do Botafogo assistiam, nervosas, aos nossos jogos nos telões da Praia de Copacabana, na Fifa Fan Fest. Eu acompanhava pela internet e também pelo Lugano, que tem muita identificação com o futebol brasileiro. Fiquei bastante feliz. Mesmo longe do Botafogo, continuava recebendo o carinho da torcida.

E não só dela. Os jogadores do clube comemoraram bastante a vitória do Uruguai sobre Gana. O time estava em intertemporada na Granja Comary, em Teresópolis, e pelo que soube, dentro do ônibus o pessoal se juntou em torno do celular do Leandro Guerreiro para assistir à disputa por pênaltis, Alguns duvidaram que eu faria a cavadinha: "Ele não vai fazer, não. Esse cara é doido, mas não vai fazer isso em plena Copa do Mundo, não."

Incrível isso... Quando eu faço, me chamam de louco, mas quando o Zidane fez contra a Itália na final do Mundial de 2006, foi coisa de gênio! Só sei que o ônibus parou. E quando a bola entrou, geral começou a pular. A ponto de o ônibus balançar. Comemoraram muito, cantaram músicas do Botafogo, olha, deve ter sido bacana demais!

Fui titular do Uruguai nos três jogos que fizemos no Mundial de 2002, mas aproveitei muito mais aquela Copa de 2010. Mesmo com as derrotas para Holanda, na semifinal, e para a Alemanha, na disputa pelo terceiro lugar, a quarta colocação fez com que nós e o nosso povo comemorássemos muito essa campanha, a melhor do país desde 1970.

Nos últimos 40 anos, o Uruguai não havia se classificado para cinco Copas; e nas quatro que disputou nesse intervalo, o melhor resultado foi um modesto 13º lugar em 1974. Por conta disso, fomos recebidos com festa em Montevidéu. Ganhei a simbólica "chave" da província de Lavalleja, onde fica Minas, a cidade onde nasci, inclusive. Emocionante demais!

Cheguei para a disputa da Copa como o jogador com maior número de gols marcados, dentre os 736 inscritos na competição. Até então, havia anotado 305, três a mais do que o francês Thierry Henry. Fui reserva na África do Sul, ok, mas fiquei no banco para dois dos melhores jogadores do Mundial: Forlán e Suárez. Se estivesse na suplência de centroavantes que não marcavam gols eu poderia até ficar chateado. Mas considero uma honra ter sido reserva naquela grande seleção. Mesmo de fora, sei que ajudei. E ainda vivi um dos maiores momentos das Copas em todos os tempos!

Fiquei também satisfeito e feliz ao saber da alegria dos botafoguenses no Brasil. O clube chegou a lançar uma camisa comemorativa de cor celeste. Coisas assim não têm preço.

Luis Suárez ataca de goleiro em 2010 no célebre Uruguai x Gana pela Copa da África do Sul — Foto: AFP

E o Botafogo nesse meio

Que bênção os meus seis primeiros meses de Botafogo! Três títulos conquistados - Taça Guanabara, Taça Rio e Campeonato Carioca - e uma belíssima preparação que me permitiu com orgulho marcar o meu nome na história dos Mundiais. Deu para perceber a felicidade do torcedor alvinegro que assistia aos jogos do Uruguai, aqueles que torciam para eu entrar e falavam, com o peito estufado: "Esse cara é nosso!"

Por tudo isso, quando retornei ao clube, após duas semanas de descanso, pedi aos roupeiros Zé e Amauri para colocarem o escudo do Botafogo no que eu chamo de 'minha segunda pele'. É a camisa que uso por baixo do uniforme a cada jogo. Nela estampo símbolos que foram ou são importantes na minha vida: imagens da família, escudos dos clubes que me formaram, como o do Nacional, de Montevidéu, meu time do coração, e outras lembranças mais. A partir daquele momento - e até hoje - entrou na 'minha segunda pele' a Estrela Solitária.

Colocar o escudo do Botafogo nessa camisa especial, sentimental, era o mínimo que eu podia fazer em agradecimento ao clube. Representa algo além do futebol. Foi uma coisa pessoal: houve carinho, afeto e um certo misticismo. Onde eu for, onde estou, o Botafogo está ou estará comigo.

Nunca tinha me ocorrido um sentimento assim tão forte e marcante em nenhum outro clube. O Nacional era o único diferenciado para mim, por ser o time do coração, mas nem nele vivi algo tão expressivo. Logo que voltei da Copa, não passou pela minha cabeça agradecer de outra forma o Botafogo. E a torcida entendeu essa homenagem, compreendeu o significado dela para mim."

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