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Julião Neto cai na estreia da Rio 2016 e se emociona ao lembrar dificuldades

Brasileiro é eliminado na primeira fase do peso-mosca masculino (até 52kg) para o americano Antonio Vargas, por pontos, neste sábado, no Pavilhão 6 do Riocentro

Por Rio de Janeiro


 

A dor da derrota em uma competição como a Olimpíada é grande, mas Julião Neto sabe o que é conviver e superar as dores da vida desde cedo. Aos 34 anos, o paraense pode se considerar um vencedor. Perdeu o pai aos 7 meses de idade, viu a mãe se desdobrar para criar ele e mais seis irmãos, teve que abandonar o sonho de ser jogador de futsal por não ter condições de pegar um ônibus para ir e dois para voltar dos treinos e iniciou no boxe "já velho", como ele mesmo diz, aos 20 anos. Ter a chance de disputar os Jogos Olímpicos Rio 2016 é maior do que os cartões de pontuações mostraram ao fim de seu combate com Antonio Vargas, na estreia no peso-mosca (até 52kg), com triunfo do americano por pontos por 2 a 0 (29-27, 30-26 e 28-28).

Julião Neto perde na estreia do boxe para americano Antonio Vargas (Foto: Danilo Verpa/ Folha de S.Paulo/ NOPP)Atento, Julião Neto tenta encaixar golpes no americano Antonio Vargas (Foto: Danilo Verpa/ Folha de S.Paulo/ NOPP)


O revés fez Julião anunciar que não tentará disputar outras Olimpíadas. Após participações em Londres e no Rio, seu desejo agora é o de se tornar treinador e, principalmente, abrir seu projeto social em Guamá, bairro em Belém do Pará, onde mora.

- Não me importo com boxe profissional. Meus planos são trabalhar como treinador, tenho boa conduta, sou ótimo atleta, minha estadia na Seleção é muito boa, todos gostam de mim, tenho a simpatia do presidente da confederação, Mauro Silva, e vou pedir o apoio dele. Com certeza ele vai me dar para eu virar treinador. No meu estado, quero trabalhar para tirar crianças da rua. Moro em um bairro pobre, muito violento e quero tirar as crianças da rua no Guamá. Mando um abraço para todos eles, torceram muito por mim, mas não foi desta vez - disse o pugilista, emocionado e com a voz embargada, na zona mista, logo após o confronto.

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A trajetória foi difícil. Muitas vezes, Julião e seus irmãos não tinham o que comer e contavam com a ajuda de um tio, que percebia a situação que eles se encontravam e comprava comida para eles. Afinal, sustentar sete filhos não é fácil para ninguém, e dona Benedita sabe bem disso.

- Era só minha mãe para criar sete filhos. Meu pai morreu e nem conheci, tinha 7 meses de idade. Ela fazia tudo para dar o que comer para a gente. Não passamos fome porque meu tio sempre morou com a gente e ajudou nossa mãe, matava nossa fome, via que não tínhamos nada e comprava comida. Hoje posso retribuir o que eles fizeram por mim. Meu maior sonho foi dar uma casa para minha mãe. Ela não tinha, chorava muito e hoje está em uma casa maravilhosa que Deus deu para ela. Hoje choro de alegria, a gente não chora mais de tristeza - afirmou.

Julião Neto boxe Rio 2016 (Foto: Raphael Marinho)O pugilista paraense se emocionou ao lembrar das dificuldades que enfrentou até a Rio 2016 (Foto: Raphael Marinho)

Diante de Antonio Vargas, Julião queria apenas realizar o sonho de vencer com o apoio de seus torcedores. Lembrou do início no boxe, na favela que morava e do título brasileiro em seu primeiro ano. Também recordou da ajuda que recebeu de Servílio de Oliveira, em 2009, quando o primeiro brasileiro a conquistar uma medalha olímpica na nobre arte o abrigou em uma casa em São Caetano do Sul (SP). Mas lamentou a punição recebida no terceiro round, quando teve um ponto descontado pelo árbitro central por ter utilizado demais a cabeça.

- Foi uma luta dura, contra um adversário bom, apesar de novo. Perdi nessa tirada de ponto no último round, que acabou comigo, Não era para ele ter feito isso, estava no último, ia acabar. Ele me chamou atenção que eu estava mexendo muito a cabeça, mas nós dois entramos juntos, ele me deu bastante cabeçada e estou até dolorido. Quando tiraram o ponto, acabou a luta. Já era. Era para tirar ponto dele também. Ele tirou ponto meu falando que dei três cabeçadas no atleta - explicou.

01

a luta

Desde o primeiro minuto já deu para ver que o combate seria empolgante. Julião jogou bons cruzados e usou bem a mão da frente, mas recebeu golpes de encontro duríssimos, sempre que tentava atacar o americano, muitas vezes de forma descuidada. O brasileiro precisou clinchar algumas vezes, após atacar de forma muito aberta. Vargas, demonstrando tranquilidade, explorava os erros do atleta da casa e tentava jogar de forma mais segura. 

Julião começou melhor o segundo assalto, mais atento na esquiva, e encaixou dois cruzados em sequência. O brasileiro conseguiu evitar as investidas do rival na maior parte do tempo e atuou com mais inteligência. Uma esquerda de encontro pegou no rosto de Vargas, que foi para a trocação franca e recebeu mais dois cruzados.

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No início do terceiro round, a torcida americana ensaiou o grito de "USA" e foi abafada pelos brasileiros, que imediatamente responderam com "Brasil!". O combate ficou mais amarrado, e Julião teve um ponto descontado pelo árbitro central por usar a cabeça. Uma direita de Vargas entrou limpa no rosto do brasileiro, que se desequilibrou, mas seguiu de pé. No fim, eles foram para a troca franca de golpes, e o americano terminou em vantagem. 

Julião Neto perde na estreia do boxe para americano Antonio Vargas (Foto: Saulo Cruz/ Exemplus/ COB)No córner: Julião pretende seguir como técnico de boxe e ensinar crianças pobres (Foto: Saulo Cruz/ Exemplus/ COB)