Revista do Brasil nº 012

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TRABALHO A legislação trabalhista evita o colapso social, mas vive ameaçada

nº 12

maio/2007

www.revistadobrasil.net

R$ 4,50

DO SEU LADO

Alternativa de informação: a Revista do Brasil faz um ano e conquista a admiração dos leitores COMPORTAMENTO Mulheres que se amam

A atendente de telemarketing da CPFL de Campinas Rosana Ribas compartilha a RdB com os colegas

FESTA A guerra do forró no agreste



Conteúdo Brasil 8 Fiscalização: se faz bem à SuperReceita, também fará ao Trabalho

Carta ao Leitor

Entrevista 12 Para Alfredo Bosi, legislação do trabalho tem origem positivista Capa 18 Leitores falam do papel da Revista do Brasil, que completa um ano

MARCELO MIN/AGÊNCIA FOTOGARRAFA

Futebol 26 O favoritismo da seleção feminina de futebol no Pan, apesar da CBF Consumidor 30 Atendimento telefônico: quando a meta da empresa é não atender Ambiente 34 Consciência aumenta, mas ainda há muita gente de índole poluída Cidadania 38 Recife valoriza patrimônio humano e preserva patrimônio histórico

Metalúrgico, professor, bancário, químico, eletricitário... a Revista conquistou seu público

GERARDO LAZZARI

Comportamento 40 Elas descobriram no amor de outras mulheres aquele afeto que faltava

As festivas Caruaru e Campina Grande

Viagem 44 O duelo junino entre a capital do forró e o maior São João do mundo SEÇÕES

Cartas 4 Ponto de Vista

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Resumo 6 Curta essa dica

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Crônica 50

Mais vale o que será

Q

uando a Revista do Brasil foi lançada, anunciava um projeto editorial e gráfico que combinaria idéias para debates, prestação de serviços, assuntos de interesse público com seriedade e prazer de leitura, sob diretrizes dos valores da ética, da democracia, solidariedade, participação social e cidadania. O título, neste espaço, “Informação transforma”, definia o objetivo de levar informação a um enorme grupo social, com foco na construção de um país melhor. Ao se completar este primeiro ano de existência, o balanço que se faz neste 12º número é que a missão vai sendo cumprida. Se esta etapa da jornada foi realizada com sucesso, novos obstáculos precisam ser vencidos. Esta edição comemorativa inaugura algumas páginas com anúncios publicitários. Expandir e consolidar esses instrumentos vai ajudar a viabilizar financeiramente a ampliação deste projeto. Como a distribuição em bancas, as aquisições por assinaturas e a estimativa de aumento do número de páginas. Foram 36 no primeiro número, passamos para 52 a partir do segundo e podemos chegar em breve a 68, de modo que o ingresso de publicidade, em vez de comprometer, permite ampliar o volume editorial. No horizonte está ainda a diminuição da periodicidade, para quinzenal e semanal. Tudo isso vai requerer novos passos na editora e, principalmente, na produção das reportagens. Em 12 edições, a Revista do Brasil pôde penetrar o enorme bloqueio de mídia. Ajudou a desintoxicar um pouco a informação no país, a mostrar o mundo do trabalho com os olhos de quem está na lida e a destacar pessoas anônimas que ajudam a construir um novo Brasil, que querem crescimento econômico com desenvolvimento humano e preservação do meio ambiente. Colocar a revista na mão dos leitores exige enfrentar um leão por dia, mas não comove. O que comove é entrar na casa do leitor e conquistar seu respeito. E, como diz o verso de Fernando Brant, se muito vale o já feito, mais vale o que será. 2007 MAIO REVISTA DO BRASIL

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www.revistadobrasil.net Conselho editorial Adi Santos Lima (FEM/SP); Artur Henrique da Silva Santos (CUTNacional); Carlos Alberto Grana (CNM-CUT); Carlos Ramiro de Castro (Apeoesp); Djalma de Oliveira (Sinergia CUT/SP); Eduardo Alencar (Sindicato dos Bancários do Mato Grosso); Edílson de Paula Oliveira (CUT-SP); Edson Cardoso de Sá (Sindicato dos Metalúrgicos de Jaguariúna); Ivan Gomes Caetano (Sindicato dos Bancários de Patos de Minas e Região); Izidio de Brito Correia (Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba); Jacy Afonso de Melo (Sindicato dos Bancários de Brasília); José Carlos Bortolato (Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Editoras de Livros); José Lopez Feijóo (Sindicato dos Metalúrgicos do ABC); Laercio Alencar (Sindicato dos Bancários do Ceará); Luiz Cláudio Marcolino (Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região); Marcos Benedito da Silva (Afubesp); Paulo Lage (Sindicato dos Químicos e Plásticos do ABC); Renato Zulato (Sindicato dos Químicos e Plásticos de São Paulo); Rita Serrano (Sindicato dos Bancários do ABC); Rui Batista Alves (Sindicato das Bebidas de São Paulo); Sebastião Cardozo (Fetec/CUT/SP); Silvia M. de Lima (SindSaúde/SP); Vagner Freitas de Moraes (Contraf-CUT); Valmir Marques (Sindicato dos Metalúrgicos de Taubaté); Vinícius de Assumpção Silva (Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro); Wilson Marques (Sindicato dos Eletricitários de Campinas) Diretores responsáveis José Lopez Feijóo Luiz Cláudio Marcolino Diretores financeiros Ivone Maria da Silva Tarcísio Secoli Núcleo de planejamento editorial Cláudia Motta, Flávio Aguiar, José Eduardo Souza, Krishma Carreira e Paulo Salvador Editores Paulo Donizetti de Souza Vander Fornazieri Assistente editorial Xandra Stefanel Revisão Márcia Melo Redação Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100 Tel. (11) 3241-0008 Capa Foto de Rodrigo Zanotto Departamento comercial M.Giora (11) 3057-0717 Adesão ao projeto (11) 3241-0008 Impressão Bangraf (11) 6947-0265 Simetal (11) 4341-5810 Distribuição Gratuita aos associados das entidades participantes Tiragem 360 mil exemplares A tiragem da edição nº 11 da Revista do Brasil foi auditada pela BDO Trevisan Auditores Independentes.

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Carta do Leitor Roma e a fé Por que tantas regalias para quem se diz representar a divindade? Será que Jesus faria alguma exigência de hotel, vinhos, comidas, roupas? Por que o papa, para dar exemplo de cristão, não escolhe um abrigo para ficar? Por que não almoça com mendigos da Sé ou toma um vinho com os catadores de lixo? Gildo Silva, São Paulo (SP) gildo_silva@globo.com Guerra invisível Falar em responsabilidade social é fácil, difícil é praticar. Reportagens como essa sobre os acidentes de trabalho (“Quando o trabalho danifica”, edição 11) são fundamentais. Uma imprensa que demonstra responsabilidade social tem de, a todo momento, informar a sociedade e despertá-la para a construção de uma sociedade mais justa. Josenildo Melo, Santo André (SP) josenildo@quimicosabc.org.br Questiono expressão do sr. Claudinei (“Quando o trabalho danifica”), quando diz que não espera “nada” do futuro. Estamos num país que está começando a valorizar pessoas com deficiência, acho injusto propagar o sentimento de pena. Paolo Dal Zuffo paolo.sgs@petrobras.com.br Educação para a paz Gostei muito do texto “Guerreiras da paz” (edição 10). Sou educadora e participo de um projeto que trata da importância de desenvolver o hábito da leitura na escola, na comunidade, na rua e até em pontos de ônibus. Trabalhamos com professores de seis cidades do Vale do Paraíba. Gostaria que vocês viessem fazer reportagem sobre nosso trabalho e estimulassem a criação de projetos que dão certo, que eduquem pela paz. Alcimara Azevedo, Taubaté (SP) alcimaraazevedo@hotmail.com

Maria da Penha Todos os veículos relatam que o marido de Maria da Penha tentou matá-la, mas nenhum investigou o que o levou a tentar o homicídio por duas vezes nem relatou como era a vida do casal, se brigavam e por quê. Esse homem cometeu um crime e está sendo corretamente punido. Mas esta revista (“O nome da lei”, edição 10) e as outras que li pecam por não abordar o outro lado da história e não dar espaço ao sr. Marcos para se pronunciar. Moacir Guimarães, Brasília (DF) moacirg@ig.com.br Parabéns à sra. Maria da Penha, que lutou anos para combater o crime contra a mulher. Ela foi vítima do ex-marido, quase morre baleada. É cearense, corajosa e guerreira da paz contra a impunidade e a injustiça social. O país precisa de mulheres como Maria da Penha. Manoel José de Santana, Recife (PE) manoeljs127773997@hotmail.com Ação contra o Sesi Quero cumprimentar os metalúrgicos e pais de alunos que pedem no Ministério Público abertura de ação civil contra o Sesi por cobrança de mensalidades e engajar-me nesse grupo. Tenho um filho que estuda em uma escola do Sesi, sou metalúrgico aposentado e tenho de tirar de minha aposentadoria a famigerada mensalidade. Luís de Deus Marcos, Santo André (SP) luisdedeus@sintecsp.org.br Correção Diferentemente do que informou a seção Retrato (“Escolhido por Gandhi”, edição 11), o ator João Signorelli estreou no teatro participando do elenco da peça O Homem de La Mancha, mas o papel de Dom Quixote foi de Paulo Autran. revista@revistadobrasil.net As mensagens para a Revista do Brasil podem ser enviadas para o e-mail acima ou para Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100. Pede-se que as mensagens venham acompanhadas de nome completo, telefone, endereço e e-mail para contato.


Ponto de Vista O tumulto da sucessão Por Mauro Santayana

WILSON DIAS/ABR

U

ma das piores tradições brasileiras é a abertura do processo sucessório logo depois de empossado o presidente da República. A única vantagem do sistema de reeleição é que, frente ao quase inelutável segundo mandato do titular, a inquietação política se adie por dois ou três anos. Eram também costumeiras, durante a República de 1946-1964, as propostas de alteração constitucional, de forma a acomodar os apetites políticos, tais como a prorrogação de mandatos, para a coincidência dos pleitos, sempre com o pretexto de baratear o custo das eleições. Durante o regime militar os mandatos espichavam ou se reduziam, conforme o arbítrio de quem estivesse no poder. O presidente Lula está há quatro meses no cumprimento de seu segundo mandato, e o processo eleitoral tumultua a estabilidade política. A duração dos mandatos ocupa o centro das discussões sobre a reforma política, tomando o lugar do voto distrital, que vem sendo pauta permanente da preocupação dos formuladores políticos. Fala-se em cinco anos, em substituição aos quatro tradicionais, e no fim da reeleição. É curioso que se pense tanto na duração dos mandatos executivos. Durante o regime republicano de Roma (que sucumbiu com a chegada de Augusto ao poder), o Poder Legislativo era exercido pelo Senado, formado pelos representantes vitalícios das elites aristocráticas e pelo tribunato da plebe, que representava o povo. Já o Poder Executivo, confiado a dois cônsules, era eleito diretamente pelos comícios populares e tinha apenas um

O fim ou não da reeleição e o tempo de duração dos mandatos ocupam indevidamente o centro das discussões, que deveriam privilegiar uma verdadeira reforma política ano de duração. Quase sempre um dos cônsules, ou os dois, que eram votados separadamente, se reelegiam, mas essa não era a regra. A chave da estabilidade do sistema, que durou 450 anos, sempre foi a tensão entre a plebe e as oligarquias aristocráticas: ainda que os plebeus não pudessem chegar ao Senado, podiam ascender, pelo seu mérito, à chefia dos exércitos e ao cume do Poder Executivo. Em suma, a curta duração dos mandatos não prejudica o desempenho do governo republicano – desde, é claro, que o regime seja realmente republicano. O problema político fundamental do

Brasil é outro. Continua sendo, como sempre foi, desde que Tomé de Sousa chegou à Bahia, a injustiça contra os trabalhadores. Lula é o primeiro trabalhador manual a chegar à Presidência da República, e as elites, hábeis, tratam de frustrar o seu projeto. Nunca, a não ser durante o segundo governo Vargas, houve alinhamento tão completo dos meios de comunicação ao pensamento conservador do que nestes anos. Procura-se, de toda forma, menosprezar os êxitos inegáveis do governo, no combate às desigualdades sociais, e os resultados favoráveis da economia são, capciosamente, creditados ao neoliberalismo. Embora a força dos neoliberais não tenha cedido no essencial, a atuação governamental tem sido de resistência. O resultado objetivo, com a queda das taxas de juros – ainda muito morosa –, com a redução da dívida em moeda estrangeira, com o substancial saldo na balança comercial e, em conseqüência, o equilíbrio no balanço de pagamentos, mostra que esta é a melhor administração republicana desde Juscelino (se levamos também em conta o resultado das políticas sociais, na redução da pobreza). É necessário que as forças populares se mantenham mobilizadas. Os conservadores querem desesperadamente retornar ao governo, e vão tumultuar a situação política como lhes for possível, usando como instrumento de conturbação a discussão sucessória. Lula, em que pese o apoio que os meios empresariais vêm lhe dando, só pode contar com os trabalhadores e os setores de esquerda da classe média, a fim de cumprir o seu mandato constitucional, com os mesmos resultados obtidos até agora.

Mauro Santayana é jornalista, colunista do Jornal do Brasil

2007 MAIO REVISTA DO BRASIL

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Resumo

Por Paulo Donizetti (paulo@revistadobrasil.net)

Emprego e desemprego

DIVULGAÇÃO/REDE GLOBO

William e Christiane

Não foi a Toyota

DIVULGAÇÃO

A GM foi superada pela primeira vez em 76 anos. No primeiro trimestre, a japonesa Toyota vendeu 2,35 milhões de veículos, contra 2,26 milhões da americana. Quem viu a notícia pelo Jornal da Globo, no último dia 24, tem os “culpados”. Pelo jogral dos apresentadores William Waack e Christiane Pelajo, o problema da GM está nos custos trabalhistas nos EUA. O comentarista Carlos Alberto Sardenberg, embora diga que a Toyota acumulou vantagens em relação a gestão, produção e engenharia, carrega: “Nos tempos das vacas gordas, a GM fez acordos muito generosos Sardenberg com seus trabalhadores. É um custo enorme”.

Flávio Cavalcanti Jr.

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DIVULGAÇÃO/ABERT

A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert) conseguiu derrubar no Superior Tribunal de Justiça a restrição do governo quanto ao horário de exibição dos programas de TV de acordo com as classificações por faixa etária. Assim, mesmo um programa inadequado para crianças e adolescentes pode ir ao ar em qualquer horário. A decisão foi do ministro João Otávio de Noronha. O Ministério da Justiça considera a liberação temerária, mas Flávio Cavalcanti Jr., diretor da Abert, festejou: “As TVs continuarão a fazer o que sempre fizeram”. Esse é que é o problema.

O PAC da educação Ministro Fernando Haddad

Aviso aos mutiladores O Tribunal Superior do Trabalho condenou a Telemar a indenizar uma exfuncionária que contraiu LER durante o exercício profissional. A empregada, da Bahia, trabalhou de 1993 a 2003. O relator, juiz Luiz Antonio Lazarim, considerou: “Provado o dano decorrente da doença adquirida no trabalho, com ofensa ao princípio da dignidade do trabalhador, tem o empregador responsabilidade”. Em 2003 a funcionária teve de se aposentar por invalidez e entrou com ação de indenização por dano moral e material, entre outras verbas.

ROOSEVELT PINHIRO/ABR

Liberou geral

O saldo de 399.628 novos empregos formais de janeiro a março deste ano é o maior desde 1992, quando se iniciou a série histórica do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Os 146.141 novos registros de março elevaram em 0,52% o estoque de empregos apurado pelo Caged. Já a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), do Dieese, revelou que a taxa de desemprego cresceu de 15,9% para 16,6% em março. O instituto considera que houve criação de postos de trabalho, já que em fevereiro e março de 2006 a taxa foi de 17,2% e de 18%, respectivamente. O Caged recebe informações de todas as empresas privadas do país. A PED apura por amostragem o contingente dos que procuraram emprego nas regiões metropolitanas de São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, Recife e o Distrito Federal.

No lançamento do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), a frase de Lula – “inaugurar um novo século da educação, onde existirá uma elite da competência e do saber, e não apenas uma elite do berço e do sobrenome” – expõe um conceito segundo o qual o acesso à educação de qualidade é chave para a redução das desigualdades e a criação de oportunidades. Até Arnaldo Jabor elogiou o ministro Fernando Haddad: “Fez muito bem Lula em mantê-lo. Educação não se negocia”. Mas entidades ligadas ao setor consideram que o PDE ainda precisa de ajustes. A Campanha Nacional pelo Direito à Educação e a Confederação Nacional de Trabalhadores em Educação reclamam que a sociedade não foi ouvida e que o piso nacional de 850 reais, para 40 horas, está aquém dos 1.050 reivindicados para profissionais de nível médio e 1.575 para os de nível superior, para jornadas de 30 horas.


Colateral

Marcas valiosas Com uma década de existência, o Google já é a marca mais valiosa do mundo, chegando a 66,4 bilhões de dólares e deixando para trás GE (61,8 bilhões), Microsoft (54,9 bilhões) e CocaCola (44,1 bilhões). O estudo divulgado pela consultoria especializada Millward Brown confere à marca Google um aumento de 77% sobre o ano anterior. Foram analisadas 39 mil marcas de todo o mundo. Segundo a consultoria, o quesito responsabilidade socioambiental ainda não decide, mas cresce muito na admiração dos consumidores.

Efeitos do furacão A prisão e o indiciamento de ministros do STJ, juízes, procuradores e advogados rastreados pela Operação Hurricane (Furacão), da Polícia Federal, podem fazer mais pela reforma do Judiciário e do Código de Processo Civil do que um ano de discursos diários em torno do tema, inclusive em CPIs que são boas para palanque mas até esquecem para que foram criadas. Aliás, como era mesmo o nome daquela que foi apelidada de “CPI do fim do mundo”? Algumas entidades ligadas ao Direito, que no início bradaram contra “abusividade” da operação e “cerceamento do direito de defesa”, começaram a aplaudir.

DIVULGAÇÃO/STJ

Paulo Medina, ministro do STJ, investigado por suspeita de “venda” de sentenças

Do jornalista Luis Nassif, em seu blog: “Na entrevista com Fernando Henrique Cardoso que encerra meu livro Os Cabeças de Planilha, o expresidente admite os erros absurdos do câmbio e diz que as ‘explicações’ técnicas para a apreciação – a de que induziria a ganhos de produtividade na economia, como afirmava Gustavo Franco – não passavam de ’teorias para racionalizar posições’. Agora, volta-se ao mesmo desatino. Não vai durar para sempre essa loucura (real valorizado em relação ao dólar)”. Nassif bate duro. “O futuro de milhões de pessoas está sendo decidido, neste momento, nas salas do Banco Central e do Palácio de Planalto. Mas, assim como FHC, Lula, no auge da sua popularidade, está ajudando a destruir um pouco mais a estrada para o futuro.”

JAILTON GARCIA

Nassif e o câmbio

Cobrança no Sesi Depois de tentar por oito meses, dirigentes dos sindicatos dos metalúrgicos do ABC e de São Paulo reuniram-se no mês passado com o presidente do Sesi de São Paulo, Paulo Skaf. Questionaram a cobrança de mensalidade escolar e levaram denúncias e reclamações feitas pelos pais de alunos. Em algumas cidades do estado, há escolas com problemas na infra-estrutura dos prédios. Skaf disse que aceita conversar sobre os problemas detectados nas escolas, mas não sobre a cobrança. Os sindicalistas insistirão. O caso está no Ministério Público. 2007 MAIO REVISTA DO BRASIL

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BRASIL

A guerra não acabou A

Secretaria da Receita Federal do Brasil, a chamada Super-Receita, começou a funcionar neste 2 de maio. Gradativamente, o órgão contará com um sistema de informação que permitirá o cruzamento de dados previdenciários e tributários, tornando-se uma poderosa ferramenta de combate à sonegação. Embora as bases de dados permaneçam cada qual no seu quintal – as informações da Previdência no Dataprev e as tributárias no Serpro –, os técnicos da SuperReceita construíram uma ponte virtual que permite à Receita identificar dados previdenciários e checar se há, por exemplo, contradições entre o que uma empresa deveria recolher e o que de fato recolheu para um ou para o outro órgão. Além disso, para muitos casos, os contribuintes passarão a contar com um mesmo ponto de atendimento para resolver dúvidas ou pendências, seja com o INSS, seja com o Leão. O principal efeito dessa integração, aposta o governo, é seu potencial de ampliar a arrecadação sem mexer na carga tributária. Para os técnicos, o próprio efeito “psicológico” – o temor de ser flagrado pelo fisco – já está influenciando na arrecadação, que cresceu 10% durante os três meses de vigência da Medida Provisória, quando expe­riências da fusão foram postas em prática. Ou seja, como não há outra razão lógica, como aumento da atividade econômica na mesma proporção, a Receita acredita que somente a expectativa de fiscalização já começou a mexer com a “cons­ ciência” do contribuinte.

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Centrais sindicais mantêm pressão pelo veto à Emenda 3 e para que o poder da fiscalização seja tão eficaz para a legislação trabalhista como para a arrecadação da Receita e da Previdência

Até aí, tudo parecia uma tacada certeira do governo, não fosse um pequeno problema de “redação”: é que, quando a MP que criava a Super-Receita foi apreciada no Congresso, seu texto final contrabandeou uma emenda, a famigerada Emenda 3, que misturou questão tributária com interesses trabalhistas – dos empresários. A emenda determinava que fiscais do Trabalho não poderiam mais autuar empregadores que utilizam contratação irregular de mão-de-obra. Ou seja, na prática a emenda afrouxaria todas as regras que estabelecem direitos básicos dos trabalhadores, uma vez que poderiam ser burlados sem que os contratantes precisassem temer a fiscalização. A “pegadinha” foi detectada. Quando o presidente Lula sancionou a lei da Super-Receita, vetou a Emenda 3.

FABIO POZZEBOM/ABR

Por Vitor Nuzzi

O VELHO JEITINHO BRASILEIRO No meio de uma discussão tributária, representantes patronais no Congresso enfiaram uma emenda trabalhista

Novas batalhas A guerra, porém, não acabou. Batalhas agora continuam sendo travadas no Congresso. A oposição, de um lado, se organiza para derrubar o veto de Lula. De outro, governo e base aliada tentam construir um projeto alternativo para que o veto não precise ir a plenário. Em 25 de abril um suposto cachimbo da paz teria sido aceso, após uma reunião de mais de duas horas no gabinete do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), entre o ministro da Fazenda, Guido Mantega, o secretário da Receita, Jorge Rachid, e líderes partidários. No caso da emenda, a solução encontrada foi elaborar um projeto para regulamentar o que se chamou de pes­soas jurídicas “personalíssimas”, empresas formadas por apenas um trabalhador, nas áreas intelectuais e artísticas – um conceito a definir. Esses profissionais pode-


FOTOS: PAULO PEPE

NOVAS MANIFESTAÇÕES EM MAIO A manutenção do veto de Lula à Emenda 3 foi um dos componentes políticos da pauta do Dia do Trabalho organizado pela CUT, no Centro de São Paulo. As centrais programam novas manifestações contra a emenda no próximo dia 23 de maio

riam atuar em empresas como PJs, reco- de ser prioridade. A oposição entende o lhendo uma contribuição previdenciária, acordo como satisfatório”, afirmou, já no provavelmente de 10%, além do Imposto dia 26, o presidente do Senado. de Renda habitual. O líder do DEM (antigo PFL) na Câmara, “Noventa e nove por cen- A emenda to dos trabalhadores, como determinava que Onyx Lorenzoni, disse advogados, dentistas, pro- fiscais do Trabalho que a reunião do dia 25 fissionais liberais, peque- não poderiam mudou completamennos prestadores de serviço, mais autuar te o cenário. “O grande não serão prejudicados. O empregadores óbice a qualquer tipo de que muda é só para o tra- que utilizam entendimento era a teibalho intelectual e artísti- contratação mosia de setores do goco”, afirmou Mantega, logo irregular de mãoverno, que queriam destruir relações de trabalho depois do encontro no Se- de-obra nado. “Estão desobstruídos os canais de legalmente constituídas (por meio das negociação entre o governo e a oposição PJs)”, garantiu, convicto de que o veto e, como resultado, as votações dos vetos seria derrubado caso as discussões não feitos ao projeto da Super-Receita deixam fossem retomadas. Também o líder do

PSDB no Senado, Arthur Virgílio, saiu da reunião avaliando que as chances de acordo haviam aumentado consideravelmente, mas não abandonou o tom ameaçador: “Se não for possível um acordo, faremos a votação do veto em curto espaço do tempo”. Se não houver acordo e caso o veto de Lula à emenda seja derrubado, o governo já sinalizou disposição em recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF). Debate acirrado No mesmo dia em que o possível acordo foi anunciado, o ministro do Trabalho e Emprego, Carlos Lupi, descarregava sua artilharia no Senado, em audiência conjunta das comissões de Direitos Humanos 2007 MAIO REVISTA DO BRASIL

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JOSÉ CRUZ/ABR

CACHIMBO DA PAZ Calheiros e Mantega buscam acordo entre líderes partidários: surge a figura da pessoa jurídica “personalíssima”

e de Assuntos Sociais. Para ele, a Emenda 3 criaria uma lacuna na legislação que abriria espaço, inclusive, para o trabalho escravo. “Sabemos que a demanda na Justiça do Trabalho é muito grande. Isso significa simplesmente, em alguns casos, es-

perar de dois a cinco anos para acionar a fiscalização e fazer cumprir a legislação trabalhista”, dizia Lupi. “Certamente teríamos alguns problemas: facilidade para burlar a legislação trabalhista e tributária e estímulo ao descumprimento dos direi-

tos trabalhistas e terceirizações fraudulentas”, reforçou o presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini. O diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) Antônio Augusto de Queiroz lembra

Para reagir à intensidade do lobby empresarial sobre o Congresso, as centrais sindicais prometem persistir em defesa do veto à Emenda 3. A agenda de protestos começou em todo o país em 10 de abril. No dia 23, às vésperas da reunião de integrantes do governo com parlamentares da oposição e da base aliada, ocorreram novas manifestações. Os sindicatos devem voltar à carga em maio, possivelmente no dia 23. As centrais exigem também que o governador de São Paulo, José Serra, volte atrás da decisão de demitir cinco dirigentes do Sindicato dos Metroviários de São Paulo, como retaliação à paralisação de uma hora

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e meia realizada pela categoria em 23 de abril. Em nota conjunta, as centrais CAT, CGT, CGTB, Conlutas, CUT, Força Sindical, Intersindical, Nova Central e SDS consideram as demissões “um ataque a todos os trabalhadores”. Para Artur Henrique, presidente da CUT, o gesto dos metroviários não foi um ato isolado. “Foi parte de um movimento de todos os trabalhadores. Lamentamos que o governador tenha sido muito rápido em tentar punir quem promove uma luta legítima. A mesma agilidade não foi verificada para punir os responsáveis pelo acidente que matou sete pessoas nas obras da Linha 4 do Metrô, há quatro meses”, criticou.

ROOSEVELT PINHEIRO/ABR

Centrais continuam no ataque à Emenda 3

Manifestação no aeroporto de Brasília


ANTÔNIO CRUZ/ABR

que as tentativas de alterar a legislação trabalhista não vêm de hoje. Começaram logo após a Constituinte, com um projeto do ex-presidente e hoje senador Fernando Collor sobre negociações coletivas, até chegar ao famoso projeto de flexibilização da CLT durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Depois de uma ligeira trégua, veio a Emenda 3. “No limite, qualquer relação de trabalho fraudulenta, desde que se faça por pessoa jurídica, não passa por fiscalização. Quem vai denunciar o acessório para perder o principal, que é a renda?”, questiona o diretor do Diap e analista político. Queiroz vê sinais preocupantes em relação aos ataques contra os direitos trabalhistas. “Até hoje a presidência da Câmara não considerou a mensagem do presidente da República, de agosto de 2003, para a retirada de projeto de lei que trata de prestação de serviços de terceirização. Já passaram por lá João Paulo, Severino Cavalcanti, Aldo Rebelo, e agora está lá

BURACO Para Carlos Lupi, ministro do Trabalho, a Emenda 3 criaria uma lacuna na legislação que abriria espaço, inclusive, para o trabalho escravo

Arlindo Chinaglia, e até agora ninguém a retirou“, lembra. Outro exemplo citado por Queiroz é a recente iniciativa do deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP) de pedir ao Ministério do Trabalho que

examine uma proposta de mudanças nas relações trabalhistas, já batizada de “alternativa à CLT”. No esboço, a carteira de trabalho seria substituída por um cartão magnético, as relações de trabalho não seriam mais submetidas ao Judiciário e empregados e empregadores negociariam diretamente, sem mediação sindical. Enfim, um liberou-geral. O presidente da Central Única dos Trabalhadores, Artur Henrique, não vê como uma nova redação poderia tornar a Emenda 3 palatável nem acredita que um projeto alternativo tenha trânsito no Congresso. “Essa emenda não existe para garantir nada. Existe para desconstruir. O veto do presidente Lula tem de ser mantido”, alerta. “As formas de vínculo empregatício já são previstas em lei. Assim como a fiscalização permitiu crescimento da arrecadação previdenciária, precisa também assegurar cumprimento dos direitos. É preciso garantir a ação dos fiscais do Trabalho, tanto quanto os da Receita e da Previdência”, defende.


E N T R E V I S TA

Arqueologia da CLT Para o professor da USP Alfredo Bosi, a legislação trabalhista é positivista – e não fascista. Modernizou as relações no mundo civilizado ao incorporar necessidades dos trabalhadores e impediu o colapso social até mesmo nas grandes crises do Primeiro Mundo Por Flávio Aguiar

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A CLT foi um passo de modernização inegável e de equiparação da política trabalhista brasileira à do resto do mundo. Todas as reivindicações substantivas foram atendidas e sistematizadas 12

magine um Brasil onde os trabalhadores não têm férias nem descanso remunerado, não há salário mínimo, as mulheres não têm licençamaternidade e a jornada de trabalho não tem limite. Esse era o mundo antes das leis trabalhistas, que começaram a ser promulgadas em 1931, com a criação do Ministério do Trabalho, logo depois da Revolução de 1930. Era? Esse mundo pode estar à nossa frente, com a feroz desregulamentação das relações de trabalho promovida com ares de “modernização” pela ideologia neoliberal, que tomou conta da mídia conservadora no Brasil – e também de uma parte do Congresso. Em 1943, durante a ditadura do Estado Novo, foi promulgada a Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT, que reuniu num corpo único as leis anteriormente definidas. Durante décadas prevaleceu a interpretação, tanto liberal como de esquerda, de que o espírito da CLT fora inspirado na Carta del Lavoro, do fascismo italiano. Mas o professor Alfredo Bosi diz nesta entrevista que não é bem assim. Alfredo Bosi é professor de Literatura Brasileira na Universidade de São Paulo e membro do Instituto de Estudos Avançados da USP. É considerado um dos maiores críticos literários brasileiros. Católico e socialista militante, foi assessor por muitos anos da Pastoral Operária. Pôs-se a estudar as condições e a legislação do trabalho no Brasil, chegando a conclusões bastante originais, que ele apresenta nesta arqueologia que faz das origens da legislação trabalhista no país. Como se construiu a CLT no Brasil?

Para começo de conversa, é necessário pensar por que o grupo que assume o poder com a Revolução de 1930 foi mais sensível à questão do trabalho do que todos os outros que dominaram a República Velha, a República do Café com Leite. É necessário fazer uma prospecção histórica na política do Rio Grande do Sul, pelo menos desde a fundação do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), em 1882, por Jú-

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lio de Castilhos (governador do RS de 1893 a 1899) e seu grupo, e fazer uma comparação entre as atitudes desse grupo e aquela do Manifesto Republicano Paulista, lançado um pouco antes. No caso dos gaúchos, o problema da abolição estava intimamente ligado ao da república. Não haveria república sem abolição. República e abolição formavam uma só bandeira. No caso de São Paulo, os fundadores do Partido Republicano Paulista queriam mudar a estrutura política, a estrutura do poder, substituindo dom Pedro II, mas declaravam literalmente que o problema da escravidão deveria ser resolvido com o tempo. O que lhes interessava era o subsídio à imigração européia. Eles já estavam conscientes de que a escravidão cedo ou tarde chegaria ao seu termo e que era preciso substituí-la por um trabalho remunerado, e não haveria outro jeito senão chamar imigrantes italianos, alemães etc., como de fato aconteceu. Não havia aí também o ideal de “branqueamento” do país?

Sim, para os que defendiam essa perspectiva, julgados do ponto de vista da “eficiência”, da “pontualidade”, dessas “virtudes modernas”, os colonos europeus eram vistos como mais “eficazes” que os negros. Agora, é curioso que, até onde estudei, embora já houvesse muito antes uma colonização alemã e italiana, o PRR nunca teve como tônica a questão do subsídio. Eles achavam que a imigração devia continuar espontânea, era bem-vinda, mas o problema central era a criação do trabalho livre. E de fato, por diversos motivos, o Rio Grande do Sul foi uma das províncias a se antecipar na alforria, até em massa, dos escravos. Esse seria o primeiro momento para entendermos a ligação da burguesia gaúcha, ou de sua classe política, com o problema do trabalho. Mas isso se referia ao primeiro grupo dos republicanos gaúchos, chefiados por Júlio de Castilhos. Getúlio e seus seguidores vieram depois.

Mas desse grupo de Castilhos é que deriva o segundo grupo, que tem Getúlio Vargas no seu cen-


MAURICIO MORAIS

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MAURICIO MORAIS

Ao contrário do ponto de vista neoliberal, a existência de uma plataforma trabalhista forte e de uma legislação social preservou países do Primeiro Mundo de grandes crises

tro. Quando Castilhos morreu, foi Getúlio quem fez sua oração fúnebre. O grupo formado por Getúlio, Osvaldo Aranha, Flores da Cunha, João Neves da Fontoura, Lindolfo Collor assumiu a herança de Castilhos durante o longo período que veio em seguida, em que Borges de Medeiros governou o Rio Grande do Sul durante 25 anos. O segundo elo dessa preocupação ainda incipiente – do ponto de vista da CLT – com o trabalho é o positivismo. Castilhos era positivista. Esses políticos todos foram muito influenciados em sua formação por Augusto Comte (1798-1857, pensador francês, fundador da corrente positivista). O “apostolado positivista”, como se dizia na época, era muito forte no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul. Comte dizia que a classe operária está “acampada” no Estado, ela não está “incorporada” à sociedade. Essa palavra – “incorporada” – é ambígua. Ela tanto pode significar que o Estado deva dar uma atenção ao operário, para que ele não sofra uma exploração, o que envolve as leis trabalhistas, quanto, num sentido negativo, pode significar a tutela do operário, para que ele pertença ao “corpo da República” de uma maneira orgânica.

recidas pelas isenções de impostos propostas pelo Partido Republicano. Eram indústrias pequenas e médias – não havia uma grande indústria. Os estancieiros tradicionais achavam que havia até uma proteção exagerada a essas indústrias. As atas da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul mostram um grande número de pedidos de isenção, todos concedidos. O Partido Republicano, é verdade, agia como um rolo compressor. Houve momentos em que havia apenas um deputado liberal na Assembléia. Quando havia uma greve, os patrões e os operários pensavam que o Estado podia agir como mediador, o que está dentro da doutrina positivista, de uma “ditadura republicana”. Na grande greve de 1917, que atingiu várias cidades do Brasil, inclusive em São Paulo e Rio de Janeiro, houve no Rio Grande do Sul uma mediação do governo estadual, procurando diminuir o preço da carne e atender a outras reivindicações. O governo desfrutava de certa credibilidade na classe operária. Eles tinham um espírito de negociação, e esse espírito vai ser fundamental na criação do Ministério do Trabalho, em 1931, entregue a Lindolfo Collor.

Houve então uma combinação de controle dos trabalhadores com atendimento dos trabalhadores?

Foi um papel muito importante. Primeiro, porque Lindolfo era um autodidata. As leituras filosóficas dele, dos livros de Comte e outros, eram muito mais aprofundadas do que a média dos outros. E ele sabia muito bem o que estava acontecendo fora do Brasil. E não só o que estava acontecendo na Itália fascista como se acredita às vezes, num abuso de interpretação. Ele sabia o que se passava na França, na Alemanha, ainda antes da ascensão de Hitler e dos nazistas. Na Alemanha, havia uma constituição liberal, mas com muitos dispositivos favoráveis aos operários. Ele também estudou o que se passava no México, na Espanha. Estudou o que estava acontecendo e procurou aplicar ao Brasil. Daí vem o núcleo da CLT, embora ela só tenha sido promulgada em 1943.

Essas duas dimensões, a da atenção e a da tutela, entraram na legislação trabalhista. A idéia de que a questão do trabalho deva ser resolvida racionalmente por uma legislação trabalhista é antiga, vem dos movimentos reformistas – não revolucionários –, como o inglês, do Labour Party. Teixeira Mendes, um dos pro­­e­minentes positivistas do Rio de Janeiro, que admirava muito Castilhos, elencou os direitos do trabalhador em seus folhetos publicados logo depois da proclamação da República. Ele reparou que em nossa primeira Constituição republicana nada havia sobre o trabalho. Era uma constituição liberal clássica. Então ele elencou esses direitos. Lá estão: férias remuneradas, inclusive para os diaristas, uma pensão concedida a trabalhadores de idade avançada, um salário mínimo e o direito de greve. “Nem se pretenda”, escreveu ele, “que a greve é o abuso da liberdade. A greve é, pelo contrário, o recurso normal que tem o proletariado contra os abusos quaisquer de autoridade temporal ou espiritual”. Essa linguagem não existia entre os liberais. Pelo contrário, a greve é sempre considerada como “um atentado” à própria liberdade do trabalho. Vários estudos sobre as greves lá durante a República Velha mostram que de fato elas foram muito numerosas em Porto Alegre. Já havia um operariado no Rio Grande do Sul?

Sim, havia de fato uma classe operária, em manufaturas, tecelagens. Essas fábricas eram muito favo14

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Qual o papel de Lindolfo Collor?

Mais de uma década depois.

A CLT é vista como algo posterior, de dentro do Estado Novo, mas ela foi, como o nome diz, uma consolidação das leis do trabalho. Ela sistematizou o que fora promulgado a partir de 1931 pelo Ministério do Trabalho. A CLT não criou novas leis. Mas que novidades, por assim dizer, ela sistematizou? Veja algumas: a jornada de oito horas diárias, o repouso semanal remunerado, a remuneração dos dias feriados, a pausa para alimentação, as férias, a fiscalização contra acidentes, o adicional de insalubridade, a proibição de discriminar no emprego mulheres casadas ou grávidas, a licença-maternidade, a estabilidade no emprego depois de dez anos – abolida depois do golpe de 64 – e, sobretudo, a instituição do salário mínimo. Mui-


tos desses dispositivos, promulgados a partir de 1931, foram recebidos com veementes protestos pela burguesia industrial e comercial de Rio e São Paulo. E essa interpretação corrente que vincula a CLT à Carta del Lavoro do fascismo italiano?

Esse é um ponto que vem sendo muito repetido. Inclusive quase todas as linhas de esquerda repetem isso, desde aquela época. Achavam que toda a intervenção do Estado foi copiada do fascismo. Mas isso é uma meia-verdade. Menos: seria apenas um quinto da verdade. Em bloco, a CLT foi um passo de modernização e de equiparação da política trabalhista brasileira à do resto do mundo, digamos, “civilizado”. Foi um passo positivo inegável. Todas as reivindicações substantivas foram atendidas e sistematizadas. Mas não previu liberdade sindical.

Sim, há o capítulo quinto, que trata dos sindicatos. Do ponto de vista econômico a CLT foi progressista, mas do ponto de vista da relação dos trabalhadores com o Estado foi autoritária. Mas isso já estava embutido na doutrina positivista: você incorpora, mas fiscaliza. Como isso aparece? No fato de que o Ministério do Trabalho é que vai legitimar a criação dos sindicatos. Isso é o oposto, por exemplo, da doutrina anarquista, que era muito forte nos movimentos operários do Brasil de então. Mas também da doutrina liberal, que diz que o Estado não deve interferir na vida sindical. A CLT de fato consolidou uma visão corporativa e instituiu uma prática de reconhecer os sindicatos territorialmente, e não isoladamente, por fábrica, por exemplo, como queriam os anarquistas. Isso, é claro, era uma forma de controle, porque as eleições para os sindicatos só eram reconhecidas se tivessem sido feitas de acordo com essa divisão territorial. E também a CLT constituiu o imposto sindical. Que existe até hoje.

Há quem o defenda, dizendo que foi e é fundamental para defender sindicatos menores. Mas, se a idéia era boa, ela trouxe distorções muito abusivas. Favoreceu o crescimento da famosa figura do “pelego”, por exemplo. Quer dizer, o imposto sindical trouxe uma patologia, mas quem sabe em certas situações tenha trazido efeitos positivos, possibilitando que os sindicatos prestassem assistência aos trabalhadores. Em todo caso, não se pode confundir as coisas, deixando de ver o que a CLT trouxe de positivo em nome do que ela trouxe de autoritário. E tem mais: a Carta del Lavoro diz que a determinação do salário deve ser subtraída de qualquer órgão administrativo, deve vir de uma negociação entre o capital e o trabalho, o que atendia ao conluio do grande capital com o fascismo, enquanto a CLT consolidou a instituição do salário mínimo, o que remonta às suas raízes positivistas. Mas por que as conquistas trabalhistas são postas em perigo neste momento da vida brasileira? E isso ainda nos é apresentado como uma “modernização” do país...

A partir dos anos 70, duas idéias entram em crise: a do Estado-Previdência e a da economia baseada no salário. Mas nós temos de pensar que há uma plataforma mínima de proteção ao trabalho que mesmo esses Estados ditos “neoliberais”, “avançados” conservam. E mais que isso: se não houvesse essa plataforma, como, por exemplo, o caso do salário-desemprego, em países como a Alemanha, a Espanha a crise social seria explosiva. Em vez de decodificarmos essa situação de um ponto de vista neoliberal, afirmando “veja como a modernidade se faz nos países do Primeiro Mundo, dispensando os trabalhadores e criando a terceirização”, o que é uma interpretação ideológica, temos de pegar o problema pela outra ponta: “Veja como a existência de uma plataforma trabalhista forte, de uma legislação social, preservou esses países de uma grande crise”. Esse é o melhor pensamento.


ECONOMIA

Um banco para o continente Brasil ensaia adesão a projeto de Chávez e Kirchner de criação de organismo capaz de fomentar investimentos e fortalecer a integração da América do Sul

U

m grande banco de investimentos com capital inicial de 7 bilhões de dólares que integre Argentina, Bolívia, Brasil, Equador, Paraguai e Venezuela. Essa é uma das hipóteses do que pode vir a se tornar o Banco do Sul, idéia ambiciosa lançada em fevereiro, em torno de 18 convênios assinados entre os presidentes Hugo Chávez, da Venezuela, e Néstor Kirchner, da Argentina. O Brasil anunciou, no dia 14 de abril, interesse em se associar à empreitada. Mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva espera por um convite formal para assinar um termo de adesão. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, informou, em nota à imprensa, que o Banco do Sul pode atuar em conjunto com o Mercosul. “A idéia é que não haja nem um banco venezuelano, nem um banco brasileiro. Temos de estar com todos os países em pé de igualdade”, disse Mantega. Um potencial primeiro projeto a ser financiado pelo novo banco, por exemplo, é o gasoduto que cortará a América do Sul, a partir da Venezuela. Chamada de Gasoduto do Sul, a obra deve atravessar 12 mil quilômetros de extensão, pelo menos sete países, incluindo o Brasil, e vai custar 20 bilhões de dólares. “Uma obra desse porte já é uma boa razão para criar o órgão internacional”, avalia o pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) Carlos Tautz. Em sua opinião, o Banco do Sul deve ter metas sociais definidas, com execução monitorada: “O banco poderia financiar o fim da fome continental, do analfabetismo ou ainda garantir verba para saneamento básico em todo o continente”.

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De acordo com o pesquisador, para oferecer serviço de saneamento a todos os habitantes da América Latina é preciso investir cerca de 100 bilhões de dólares em dez anos. “Um valor totalmente viável para um projeto como o Banco do Sul”, acredita Tautz, que também é membro da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais. O projeto não é inédito no continente. Desde 1967 a Corporação Andina de Fomento (CAF), com sede em Caracas, reúne nações latino-americanas com a finalidade de discutir e realizar investimentos econômicos locais. Seus acionistas plenos são os cinco países da Comunidade Andina (Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela). Argentina, Brasil, Chile, Costa Rica, Jamaica, México, Panamá, Paraguai, República Dominicana, Trinidad e Tobago e Uruguai, além da Espanha, são países associados, assim como outras 16 instituições bancá-

INFRA-ESTRUTURA Recuperação de rodovias e saneamento básico podem ser o foco do novo banco

ROOSEWELT PINHEIRO/ABR

Por Rafael Sampaio

rias privadas da região. O capital da instituição é superior a 5 bilhões de reais. “A CAF é um sucesso, então espero que o Banco do Sul trilhe o mesmo caminho”, diz o professor de Política Internacional da Universidade de São Paulo (USP) Rafael Villa, para quem falta um órgão de desenvolvimento econômico próprio aos países latino-americanos para que tenham acesso a investimentos internos mais consistentes para a economia regional. O professor de Economia Internacional da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Wilson Cano considera difícil um projeto de integração continental prosperar sem uma base de financiamento. “O papel do Banco do Sul pode ser importante, dependendo do montante de recursos que tiver”, diz ele. Tanto Villa quanto Cano concordam que as regras de financiamento do Banco do Sul precisam ser claras e com mecanismos para prevenir as disputas políticas entre os países-membros. O presidente venezuelano Hugo Chávez vê o projeto como um contraponto às organizações financeiras internacionais tradicionais, como Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). “Mas tem de ser diferente do que já existe. Sou contra a idéia de criar um novo BID”, analisa Tautz. “No BID, poucos mandam e todos obedecem”, emenda Villa. O BID existe há 47 anos. Os Estados Unidos têm cerca de 30% do capital e controlam as decisões da instituição.


Opinião Muito além do etanol Por Gilberto Maringoni

RICARDO STUCKERT/PR

O

s acordos em torno do etanol que o governo brasileiro pretende firmar com os Estados Unidos ainda não são públicos. Há pelo menos dois pontos pouco claros nesses entendimentos. Um a respeito de questões socioambientais provocadas pelo cultivo da cana-de-açúcar numa proporção muito maior que a atualmente existente. Outro envolve a aproximação entre Brasília e Washington, num nítido afastamento de Lula dos governos de esquerda da América Latina. O governo brasileiro opta por um tipo de produção agrícola possível apenas por meio de lavouras extensivas, em enormes áreas de terra. Não se produz cana em unidades de agricultura familiar. Fica num plano secundário a reforma agrária e reforça-se o agronegócio. O Brasil vê no etanol uma forma de reestruturar sua economia. Mas quer crescer sem romper com os constrangimentos que impedem o desenvolvimento. Ou seja, sem mudar a política de juros elevados, alto endividamento público e a prioridade ao capital financeiro. A política do etanol tem defensores competentes. De acordo com o economista Luís Augusto Barbosa Cortez, coordenador de Relações Institucionais e Internacionais da Unicamp, se o país produzir 130, 140 bilhões de litros e vender a 1 real o litro, teremos R$ 140 bilhões por ano. “É muito dinheiro e representa 40% das exportações atuais”, diz ele em entrevista ao boletim Inovação, da Unicamp. No entanto, há outros aspectos a ser considerados. Os EUA desejam reduzir a dependência de combustíveis fósseis. Há quase uma década não se descobrem ja-

Bush quer recuperar terreno no continente e isolar a esquerda. É preciso um amplo debate para apurar se um acordo à primeira vista bom pode trazer retrocesso no futuro zidas significativas e o consumo mundial – com a entrada da China como grande consumidor – não pára de aumentar. A revista britânica The Economist estima que a produção mundial se esgotará por volta de 2045, levadas em conta apenas as reservas conhecidas. Até lá, os preços chegarão a níveis insuportáveis. A previsão é que em três anos o preço do barril cresça mais de 50% e alcance 100 dólares. Os EUA querem chegar à adição de 20% de etanol na gasolina até 2017. Isso reduziria o consumo. Coincidência ou não, o percentual equivale ao volume de petróleo importado da Venezuela. Para atingir tal proporção, a Casa Branca conta com fornecimento de sua produção in-

terna, a partir do milho, e de países da América Latina, a partir da cana. A utilização do milho para o etanol já está provocando uma elevação dos preços do produto, acarretando aumentos em diversos alimentos. No Brasil, a expansão da monocultura da cana pode substituir áreas destinadas ao plantio de alimentos, ocasionando também uma pressão sobre os preços desses produtos. Na questão política, o panorama é igualmente delicado. O etanol a ser produzido não busca incentivar a soberania regional, mas abastecer a frota de automóveis americana. A professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Presidente Prudente Maria Aparecida de Moraes Silva diz em entrevista à agência Notícias do Planalto: “Sempre respondemos às necessidades externas, e não às internas. Produzimos sempre o que os países de fora estão precisando. Primeiro foi cana-de-açúcar, depois ouro, café, borracha. Neste momento estamos vivendo essa situação”. Para ela, a produção de etanol no Brasil segue a geopolítica dos EUA. Muitos acham que a política externa do governo Lula é independente. As negociações com George W. Bush deixam de lado tal argumento. Da parte do governo dos EUA, os acordos têm o nítido sentido de isolar a esquerda no continente, recuperando terreno perdido para Hugo Chávez e para os governos nacionalistas e progressistas da região. É preciso estabelecer um amplo debate nacional antes que o país assine, sem suficiente conhecimento da sociedade, um contrato que à primeira vista traz benefícios – mas a longo prazo pode representar um gigantesco retrocesso.

Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista da Carta Maior, é doutor em História pela Universidade de São Paulo e autor de A Venezuela Que Se Inventa – Poder, Petróleo e Intriga nos Tempos de Chávez (Editora Fundação Perseu Abramo)

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C A PA

O desafio está Há um ano a Revista do Brasil é alternativa para quem não gostava do que lia e oportunidade para quem gosta de ler e nem sabia. Seu desafio é ampliar com qualidade seu espaço no meio editorial e consolidar um projeto ousado de democratização do acesso à informação

C

Assunto no refeitório da Ford O metalúrgico Simão Barbosa de Matos Neto garante que, quando um começa a falar sobre uma reportagem, outros opinam e a conversa se espalha. “Assim muitos perceberam, também, como analisar o que a imprensa de modo geral faz”, afirmou Soró, como é conhecido. Simão leva ainda a revista para a associação de moradores do bairro onde vive, o Jardim Ipanema. 18

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MARCELO MIN/AGÊNCIA FOTOGARRAFA

om esta edição, a Revista do Brasil supera a marca dos 4 milhões de exemplares. Há 12 meses chega à casa de trabalhadores associados a dezenas de entidades sindicais participantes do projeto. E levou, até aqui, 608 páginas de informação com abordagens pouco vistas nos veículos de comunicação num universo de entrevistas, reportagens sobre a política nacional e internacional, economia, crônicas, dicas de cultura, arte, lazer, viagem, saúde, comportamento, história, meio ambiente, lições e desafios da cidadania. Sem deixar de produzir os jornais e boletins que tratam de sua luta cotidiana, 23 organizações sindicais decidiram, há um ano, unir forças em torno de uma publicação popular com o objetivo de prestar mais um serviço a seus associados: uma alternativa de informação, para quem não tem acesso à leitura, e também uma informação alternativa, para quem tem acesso mas não se satisfaz com o que vê na mídia convencional. O experiente jornalista Mauro Santayana, 73 anos, lembra que os grandes veículos de comunicação não têm interesse em apresentar o ponto de vista do trabalhador, mas sim de banqueiros e grandes corporações multinacionais. “Essa é uma tentativa importante de levar a palavra dos trabalhadores para a sociedade. O trabalhador tem uma visão que parte dele mesmo, de sua condição de oprimido. A redenção de sua


MARCELO MIN/AGÊNCIA FOTOGARRAFA

só começando

classe só poderá se dar com solidariedade e informação. E nesse sentido a Revista do Brasil atingiu seu objetivo neste primeiro ano”, opina Santayana, que já trabalhou nos principais jornais do país, viveu alguns anos no exílio após 1964 e hoje mora em Brasília, onde é colunista do Jornal do Brasil e colaborador da RdB. Na opinião do jornalista Juca Kfouri, que durante 16 anos dirigiu as revistas Placar e Playboy e hoje é conhecido também no meio eletrônico, a maior qualidade da publicação é sua postura editorial: “Gosto da revista e gosto mais ainda que entidades assumam posturas editoriais claras, com suas visões de mundo, e tratem de divulgá-las com veículos como a Revista do Brasil. Aliás, acho que a chamada grande imprensa deveria fazer o mesmo, sem disfarces. Porque o jornalismo tem lado, sim, e é muito salutar que a sociedade conheça o lado de cada veículo. A Revista do Brasil cumpre esse papel e o faz com qualidade e graça”. Essa honestidade editorial rendeu à publicação uma tentativa de censura logo de seu lançamento, em junho do ano passado, quando a coligação PSDB-PFL entrou com representação no Tribunal Superior Eleitoral contra a CUT-SP. O TSE determinou que a central retirasse o acesso à revista de sua página na internet. Como é comum às tentativas de censura, a medida arbitrária acabou dando maior visibilidade ainda ao projeto e motivou um protesto público em defesa da liberdade de imprensa e da democratização dos meios de informação.

Na sala de aula A bancária com formação em Pedagogia Viviane Cristina Assôfra também utiliza os assuntos da pauta da RdB na escola. Professora voluntária de Cidadania, Técnicas de Redação e Orientação Vocacional no projeto Sementes (SP), ela passa seus sábados e domingos com cerca de 35 alunos. “Sempre levo textos leves para estimular o interesse e o gosto pela leitura.” Na abordagem sobre políticas afirmativas, levou para a aula a edição de novembro de 2006, recheada de assuntos relacionados à questão racial.

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Hoje, este número 12 chega a todas as regiões do país graças ao esforço de 36 entidades parceiras, representantes de profissionais das mais diversas áreas – indústria, comércio, serviços, setor financeiro, educação, saúde, energia.

ISABEL LORENZO

Projeto maior O presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, Luiz Cláudio Marcolino, lembra os longos encontros de sindicalistas, intelectuais e profissionais que antecederam o projeto: “A revista é mais um sonho tornado realidade graças à força dos trabalhadores. Um ano depois, o sucesso dessa empreitada nos permite preparar novos passos para ganhar novos espaços, como chegar às bancas e atender a centenas de pedidos de assinatura que recebemos todos os dias”. Para José Lopez Feijóo, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, a Revista do Brasil conseguiu criar um padrão de qualidade e pluralidade que conquistou o público. “É uma opção de comunicação que areja os empedernidos espaços editoriais monopolizados que não enxergam o mundo do trabalho. Nós temos uma visão diferente, de dar o espa-

ço devido ao trabalhador e seus problemas. Nossa meta é crescer sempre, chegar à casa de mais pessoas, aumentar o número de páginas, diminuir a periodicidade e cada vez mais consolidá-la como alternativa concreta de comunicação escrita de massa.” O diretor do Sindicato dos Químicos e Plásticos de São Paulo Renato Carvalho Zulato considera que a revista superou a desconfiança de “quem supunha que ela não passaria de cinco ou seis edições”. Paulo Lage, dos Químicos e Plásticos do ABC, surpreendeu-se ao dar-se conta de que a publicação chegou à 12ª edição. “Mostramos que com a adesão de parceiros é possível, sim, ir mais longe. Ela já contribui de forma definitiva com a democratização da informação. Agora é preciso torná-la comercial.” Djalma Oliveira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Energéticos do Estado de São Paulo (Sinergia), lembra a importância de chegar aos cidadãos que recebem informação apenas pelos canais de TV aberta e rádio. “A RdB é uma forma de criar uma massa crítica, e isso tem de continuar. Para tanto, é preciso repensar a estratégia editorial e comercial”, avalia.

Disputada pela família O vendedor Antônio Carlos de Souza, de Florianópolis, mal teve tempo de ler sua revista. Logo sua mulher, Marlene, tomou o exemplar emprestado para ler a reportagem “Com M Maiúsculo” (edição nº 10) e usá-la como material de pesquisa para sua dissertação de mestrado em Serviço Social. Depois, a filha Karine levou a edição para a sala de aula. 20

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O Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Editoras de Livros, com aproximadamente 700 associados, acompanha o projeto desde os primeiros números. O tesoureiro da entidade, Neri Emílio Stein, aposta no que chama de “trabalho de formiguinha” para logo conseguir atingir a base toda, cerca de 6 mil trabalhadores de editoras em todo o estado de São Paulo, e acredita que a revista pode estimular até o crescimento do número de associados. “A meta é aumentar em 20% as sindicalizações.” Revista compartilhada Entre os leitores que têm acesso a outros veículos impressos, o conteúdo da


RODRIGO ZANOTTO

Basta se sindicalizar A atendente de telemarketing da CPFL de Campinas Rosana Ribas (vestida de azul) compartilha a RdB com os colegas e cansa de ouvir a pergunta “como faço para receber?” E sempre responde: “Basta se sindicalizar”. “A revista tem muita aceitação. A edição de fevereiro foi bastante comentada, principalmente pelos mais jovens.”

RdB é visto como contraponto. O supervisor de manutenção elétrica da Cemig José Luis Pereira, associado ao Sindieletro, em Belo Horizonte, assina O Globo, Época, Superinteressante e Galileu, mas não se dá por satisfeito: “A Revista do Brasil é uma fonte alternativa na qual é possível comparar alguns temas”. Pereira

diz gostar da abordagem dos assuntos do dia-a-dia, como na reportagem “A cozinha é deles” (nº 7, dezembro), sobre homens que pilotam o fogão, das matérias de cinema e dicas culturais e das análises de mídia. “Deixo em casa disponível para minha mulher e meu filho lerem, pois tem assuntos que podem interessar a qualquer pessoa, não só a mim.” Rosana Ribas de Alcântara Grigoleto concorda. Atendente de telemarketing da CPFL Energia, Rosana compartilha a RdB com os colegas e cansa de ouvir a pergunta “como faço para receber?” E sempre responde: “Basta se sindicalizar”. “Ela tem muita aceitação. A edição de fevereiro foi bastante comentada,

principalmente pelos mais jovens”, afirma ela, sócia do Sinergia. Rosana mora em Campinas (SP) e divide a leitura de seu exemplar com o marido, metalúrgico. “Ele também é fã, porque a revista é completa, coloca as idéias de forma mais direta para o leitor, sem querer enfiar nada goela abaixo.” O café-da-manhã e o almoço na fábrica da Ford, em São Bernardo do Campo, são os bons momentos de debates. O metalúrgico Simão Barbosa de Matos Neto garante que, quando um começa a falar sobre uma reportagem, outros opinam e a conversa se espalha. “Assim muitos perceberam, também, como analisar o que a imprensa de modo geral faz”, afirma Soró, 2007 MAIO REVISTA DO BRASIL

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Debate animado no boteco A diversão do bancário aposentado Moacir Pereira da Costa é reunir os amigos no Bar Picote, no Flamengo, Rio de Janeiro, e conversar. Leitor atento, é daqueles que escrevem carta e mostram sua opinião. “Passo para quatro ou cinco amigos e depois discutimos no fim de semana.”

Gosto pela leitura Isso resolveria o problema da professora Solanis Regina de Oliveira. Todos os meses ela tem de ficar atenta para não perder seu exemplar. Tudo começou quando um aluno seu, Bruno Resende Domingues, estampou a seção Retrato, na edição de setembro. Vencedor da 1ª Olimpíada Brasileira de Matemática em Escolas Públicas, Bruno virou notícia e a Revista do Brasil também. “Muitos alunos vinham me procurar para saber onde comprar a revista e tivemos de colocá-la no mural.” Depois disso, Solanis passou a levar a publicação às reuniões pedagógicas para debater os vários assuntos. Agora, seu exemplar circula entre as pessoas do grupo. “Todo mundo gosta. Tenho de cobrar para ter minha revista de volta”, brinca. A bancária com formação em Pedagogia Viviane Cristina Assôfra também utiliza os assuntos da pauta da RdB na escola. Professora voluntária de Cidadania, Técnicas de Redação e Orientação Vocacional no projeto Sementes (SP), um prévestibular para afrodescendentes, Viviane passa seus sábados e domingos com cerca de 35 alunos. Para “prender” a atenção da moçada em pleno fim de semana, usa uma técnica quase sempre infalível: o 22

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Exercício da inteligência “O jornalismo é o exercício diário da inteligência e a prática cotidiana do caráter”. Palavras do jornalista Cláudio Abramo que Juca Kfouri escolheu como fundo para sua foto: “Gosto da revista e gosto mais ainda que entidades assumam posturas editoriais claras.”

JAILTON GARCIA

como é conhecido. Simão leva ainda a revista para a associação de moradores do bairro onde vive, o Jardim Ipanema. “Eu também deixo alguns exemplares no mercadinho e no açougue, e todo mundo elogia. Sinto orgulho de fazer parte disso”, enfatiza. O presidente da Apeoesp, o sindicato dos professores da rede estadual paulista, Carlos Ramiro, quer que a revista atenda a parcela da população que não é sindicalizada, que chegue às bancas e amplie ainda mais o público leitor. “Os professores são uma categoria exigente e eles aceitaram a revista muito bem. Queremos continuar o projeto e levá-la para as bancas. Ela é uma importante voz dentro do movimento sindical e no país.”


CHRISTOPH REHER

Alternativa

RODRIGO QUEIROZ

José Luis Pereira, eletricitário em Belo Horizonte, assina O Globo, Época, Superinteressante e Galileu, mas não se dá por satisfeito: “A Revista do Brasil é uma fonte alternativa na qual é possível comparar alguns temas”.

JAILTON GARCIA

estímulo. “Sempre levo textos leves para material de pesquisa para sua dissertaestimular o interesse e o gosto pela lei- ção de mestrado em Serviço Social. Detura.” Na abordagem sobre políticas afir- pois, a filha Karine levou a edição para a mativas, a professora levou para a aula a sala de aula. O debate sobre internet foi edição de novembro de 2006, recheada de feito com base na crônica “Papo cabeça assuntos relacionados à questão racial. E na internet”, de José Roberto Torero, que o resultado, garante, foi muito positivo. ilustrava com humor o desconhecimento À medida que o projede alguns jovens em relação à to conquista adesões, a rehistória recente do país. “Mas vista vai se espalhando pelo consegui ler a revista inteira e Brasil. O vendedor Antônio achei muito boa”, ri. Carlos de Souza, do ramo de Nada de pesquisa ou sala de eletrodomésticos, em Floaula. Hoje a diversão do bancárianópolis, recebeu a revisrio aposentado Moacir Pereira ta em casa pela primeira vez da Costa é reunir os amigos no há dois meses. Filiado ao sin- “É uma boa Bar Picote, no Flamengo, Rio de leitura. dicato dos comerciários lo- revista de Janeiro, e conversar. Leitor Mostra um Brasil cal, Antônio mal teve tempo diferente daquele atento, é daqueles que escrede ler sua revista, a edição 10. que as revistonas vem carta e mostram sua opiLogo sua mulher, Marlene, to- oligárquicas nião. No dia 9 de março o camou o exemplar emprestado mostram” rioca enviou um e-mail para a Bernardo Kucinski, para ler a reportagem “Com professor de redação afirmando que estenM Maiúsculo” e usá-la como Jornalismo da USP dia a RdB aos amigos. “É um

veículo de conscientização. Passo para quatro ou cinco amigos e depois discutimos no fim de semana.” O professor de Jornalismo licenciado da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo Bernardo Kucinski acompanhou desde o início a trajetória da publicação e chegou a participar do núcleo de planejamento editorial. Kucinski considera que a Revista do Brasil tem melhorado a cada edição e, especialmente nas de fevereiro e março, teve um salto de qualidade na temática. “É uma boa revista de leitura. Mostra um Brasil diferente daquele que as revistonas oligárquicas mostram. Mas precisa ousar mais na criatividade editorial e gráfica, além de conseguir desafiar a pauta da grande imprensa”, avalia. O objetivo de crescer e melhorar a cada edição foi muito bem sintetizado por Mauro Santayana, em carta enviada à redação logo após seu lançamento, na qual apostava na RdB como uma iniciativa para desarticular o virtual monopólio da imprensa conservadora. “Para isso precisa: 1) atrair o interesse da dona de casa e do cidadão comum; 2) estabelecer um projeto comercial vitorioso que garanta sua sobrevivência e expansão; e 3) fazer campanha de assinatura, ultrapassar 1 milhão de exemplares e atrair grandes anunciantes”, defende o veterano jornalista, para quem a revista não precisa assumir pecha de esquerda, “embora sua política editorial esteja comprometida com o que existe de melhor no país”. 2007 MAIO REVISTA DO BRASIL

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FUTEBOL

Favoritas anônimas do A seleção brasileira feminina de futebol começa sua preparação a três meses do início dos jogos no Rio. Elas querem o ouro, mas também respeito, reconhecimento, o fim do preconceito e do descaso

Por Giedre Moura

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AUSÊNCIA Marta, considerada a melhor jogadora do mundo em 2006, joga na Suécia e ainda não foi convocada

FLÁVIO FLORIDO/FOLHA IMAGEM

U

ma medalha olímpica pode conferir a um atleta respeito, reconhecimento e, quem sabe, investimentos. Com isso sonhavam as meninas da seleção brasileira de futebol, ouro no Pan-Americano de 2003, em Santo Domingo, e prata nos Jogos Olímpicos de 2004. Naquele ano, as atletas voltaram de Atenas cheias de esperanças de que a boa campanha fizesse com que o país do futebol tirasse do abandono sua categoria feminina. Fortalecidas, chegaram a redigir um ma-


Pan

psicólogos – já que os motivos para desanimar não são poucos. Gramado de areia As santistas Danielli Pereira, 20 anos, Érika dos Santos, 19, Francielle Alberto, 17, e Alline Calandrine, 19, nem acreditavam que iriam de avião ao Rio de Janeiro, antes de prosseguir até a Granja Comary, em Teresópolis (RJ). “A gente já viajou em cada coisa”, lembra a atacante Érika. Ela

Convocadas

PÚBLICO CATIVO As meninas de Botucatu conseguem atrair até 3 mil espectadores para seus jogos

CRISTIANO ZANARDI/AG.BOMDIA

No início de abril, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) anunciou a primeira lista de convocadas visando ao Pan-Americano do Rio de Janeiro, em julho. O técnico Jorge Barcellos chamou as seguintes jogadoras:

nifesto a autoridades e cartolas pedindo melhores condições de trabalho. Mas a frustração venceu a esperança. Depois de Atenas, a seleção principal ficou nada menos que dois anos e três meses sem disputar uma partida. Só voltou a campo no Sul-Americano do ano passado, quando perdeu a invencibilidade para a Argentina, após quatro títulos consecutivos. Para as jogadoras, a derrota foi reflexo do descaso geral com a modalidade. Sem calendário fixo, sem campo, sem patrocínio, as atletas contam apenas com a vontade de treinar, o companheirismo entre si e a garra de alguns técnicos que viram pais, médicos e

Goleiras: Bárbara (Sport), Thaís (Salto Ceunsp) e Eduarda (Pelotas); Zagueiras: Carolina Ferreira (Botucatu), Juliana (Motorola), Calandrine (Santos), Aline (Unisantana), Mônica (sem clube), Renata Diniz (Cepe Caxias) e Tânia (Saad); Laterais: Daniele (Cepe Caxias), Danielli (Santos), Bagé (Botucatu) e Michele (Botucatu); Volantes: Renata Costa (Botucatu), Ester (Cepe Caxias), Francielle (Santos) e Daniela Alves (Saad); Meias: Fabiana (Motorola), Grazielli (Botucatu) e Raquel (Cepe Caxias); Atacantes: Maurine (Cepe Caxias), Geovania (Saad), Formiga (Saad), Paula (Cepe Caxias) e Érika (Santos).

começou no São Paulo, jogou futsal, passou pelo Juventus e chegou ao Santos há pouco mais de um ano. A lateral Danielli começou a jogar com 13 anos no Juventus. A volante Francielle é cria do técnico santista, Kleiton Lima, que se apaixonou pelo futebol feminino nos Estados Unidos e de lá trouxe a idéia de montar uma escolinha no litoral. Calandrine, morena alta de traços indígenas, deixou a família no Amapá. É tão bonita quanto brava: “Quando a gente joga com os meninos, vou com tudo mesmo. Tem sempre um idiota que, quando a gente joga bem, vem chamar de sapatão. Aí dá vontade de bater de verdade”.

As atletas sabem: estar na lista final para o Pan será pressão certa pela vitória. Antes, porém, terão de superar a falta de intimidade com o gramado. As meninas nunca disputaram uma partida no campo da Vila Belmiro e raramente conseguem utilizar um dos centros de treinamento do clube. Na arquibancada da Vila, conversaram com a reportagem às vésperas de viajar para o Rio. Mas a ida ao gramado, onde posariam para fotos, foi frustrada pela chuva. Calandrine é fã do meia Zé Roberto – “Ele está arrasando!” –, mas sabe que o ídolo, a exemplo de toda elite, desconhece a existência das garotas. O campo é a praia. Descalças e com areia no pé, elas sabem que ali o contato com a bola é um, e na grama, calçando chuteiras, é outro. Mesmo assim, o Santos é um dos times mais bem estruturados na categoria. Numa casa em frente à Vila Belmiro, abriga 18 meninas, que recebem ajuda de custo, uniforme, alimentação. Quando se machucam, não há maca e o remédio para tudo é gelo. Mas as condições já foram piores. “Estamos evoluindo, e os resultados estão surgindo”, diz Kleiton. Incertezas O calendário de atividades a partir do Pan prossegue até o Mundial, em setembro, na China. E desfalcará os times de suas principais atletas. Em 2008 tem Olimpíadas, na mesma China. A CBF promete que, desta vez, vai investir na categoria. É esperar para ver. Até o final de abril, por exemplo, a página da entidade não tinha sequer uma chamada para apresentar o escrete feminino. Cansadas de promessas, as jogadoras só acreditam vendo. Nem no calendário confiam. Não sabem quando vão jogar, qual é o regulamento, tampouco se o torneio vai chegar ao final. A equipe do Botucatu, por exemplo, tem cinco atletas convocadas: a zagueira Carolina Ferreira, as laterais Daiane Rodrigues “Bagé” e Michele Reis, a volante Renata Costa e a meio-campo Grazielle Nascimento, destaque do time. Elas estrearam no campeonato paulista um dia antes de embarcar para o Rio de Janeiro, vencendo o Sorocaba por 9 a 0. Em Botucatu, as meninas não disputam atenção com a marca dos times de base e da elite, mas ao menos são orgulho da cidade. 2007 MAIO REVISTA DO BRASIL

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GERADO LAZZARI

PÉS DESCALÇOS O Santos é considerado um dos times de melhor estrutura para o futebol feminino. Mas suas meninas da seleção treinam mesmo é na areia da praia, descalças

Conseguem atrair até 3 mil pessoas para os jogos, feito que os times masculinos da primeira divisão paulista raramente alcançam. “Diante da situação do futebol feminino no Brasil, podemos dizer que somos privilegiadas. Mas, se comparar ao resto do mundo, o que fazemos é muito pouco”, conta Grazielle, que aos 14 anos participou de seletivas para as Olimpíadas de Atlanta, mas era muito jovem. Esteve em Atenas em 2004 e acha que a equipe tem tudo para ganhar o Pan, apesar da força do Canadá e dos Estados Unidos. Assim como todas as garotas convocadas, está na torcida para que Marta, eleita melhor jogadora do mundo, reforce o grupo. A atacante vive na Suécia e joga no Umea, que ainda não a liberou para a competição. Até o Pan, haverá outras duas chamadas. O Saad, que nasceu em São Caetano, desativou o futebol masculino em 1989, mas manteve o feminino, hoje sediado em Águas de Lindóia. O time conquistou quatro títulos nacionais. Terá na seleção 28

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as veteranas Miraildes Mota, a Formiga, atacante de 29 anos, e Tânia Ribeiro, zagueira de 32, além das novatas Daniela Alves, 23 anos, e Geovania Campos, 21. O presidente do clube, Romeu Carvalho Castro, estreou na atividade com a equi-

Machismo O futebol feminino não é recente. A primeira partida do gênero teria sido realizada entre Escócia e Inglaterra em 1896. Nos anos 40, a pretexto de proteger a saúde feminina, o futebol foi vetado em várias partes do mundo. No Brasil, há registros de partidas beneficentes no início do século passado, mas essa história – como muitas outras boas histórias produzidas no país – passou por uma interrupção forçada. A partir de 1964, a Confederação Brasileira de Desportos (CBD), que existiu até 1979, não deixou mulheres calçar chuteiras. Somente em 1983 equipes femininas começaram a ser formadas.

pe feminina do Guarani, junto com a tia, a ex-jogadora Mara Villas Boas, até um presidente do clube de Campinas acabar com a festa, em 1985. Para Castro, mesmo que venha o ouro do Pan, a lição já foi aprendida: é bom não criar falsas esperanças. “É preciso trabalho de longo prazo. Hoje, em países como os Estados Unidos, as meninas começam cedo a jogar bola. Aqui, ainda tem muito preconceito. É uma barreira a superar, são passos lentos, mas tem muita gente disposta a não desistir.” O técnico Kleiton Lima, do Santos, concorda. Ao olhar para o relógio e se despedir da reportagem, destaca que o sonho dessas meninas, “mais que vencer, é conseguir o respeito pela opção que fizeram na vida”. A chuva dá trégua. Ele, Dani, Fran, Érika e Calan, mais uma vez sem pisar no gramado da Vila, seguem para a praia, Canal Dois. No campo de areia a drenagem não preocupa. A água escoará naturalmente para o mar. Às vezes a bola também vai rolar nessa direção, e será preciso resgatá-la.


SAÚDE

Um brinde ao suco Por Cida de Oliveira

Q

ue ele é a opção mais saudável e nutritiva entre as bebidas refrescantes, não restam dúvidas. Só que, para muitos médicos e nutricionistas, seu benefício à saúde é inferior quando comparado ao consumo desses alimentos aos pedaços. Isso porque as fibras presentes no bagaço, nas folhas, na casca e na polpa não resistem ao espremedor, liquidificador ou centrífuga. Além do mais, vitaminas e minerais também seriam perdidos nesses processos. Em resumo, a maior parte de suas propriedades funcionais – nome que os especialistas dão à capacidade dos alimentos de prevenir doenças – vai pelo ralo. Ou melhor, ia. Um estudo concluído recentemente na Europa por pesquisadores de um instituto independente britânico, o Nutrition Commucations, do Reino Unido, apontou exatamente o contrário. Os sucos integrais têm, sim, grande potencial preventivo, inclusive contra vários tipos de câncer e doenças cardiovasculares. Para Carrie Ruxton, coordenadora da pesquisa divulgada na revista European Journal of Clinical Nutrition, chegou a hora de reexaminar o atual consenso. Ela e seus colegas tabularam os resultados de vários estudos sobre a redução dos riscos de doenças atribuída a fibras e substâncias antioxidantes presentes nos sucos. Além de normalizar a função dos intestinos, as fibras ajudam a livrar os vasos sanguíneos das frações nocivas do colesterol, que os entopem aos poucos, facilitando a pressão alta, o infarto e o derrame. Do mesmo modo, os antioxidantes combatem a ação dos chamados radicais livres, que, por levar ao envelhecimento precoce das células, provocam muitas doenças. Inclusive as neurodegenerativas, como o mal de Alzheimer. Um estudo recente da Universidade de Glasgow, na Grã-Bretanha, revelou que sucos de uva, maçã e amora são grandes fontes da substância. Os resultados são semelhantes aos encontrados por Thomas B. Shea, do Centro de Pesquisa em Neurobiologia da Universidade de Massachusetts, em Lowell, Estados Unidos. Ele disse à Revista do Brasil que o suco puro de maçã e o de espinafre fazem um bem danado à função da memória. “Além de ricos em antioxidantes, aumentam a produção de neurotransmissores, ou seja, os agentes envolvidos na conexão das células cerebrais”, explicou. Vanderli Marchiori, diretora da Associação Paulista de Nutrição, endossa esses dados. “As substâncias antioxidantes, vitaminas e minerais presentes nas frutas e outros vegetais são preservados no suco”, garante. Segundo ela, tomar um suco com oito vegetais diferentes, por exemplo, é a mesma coisa que mastigar

as mesmas quantidades concentradas na bebida. “Se não fosse assim, os suplementos de vitaminas e minerais naturais seriam ineficazes. E não faltam estudos comprovando tal eficácia”, diz a nutricionista. Cabe ressaltar que nem todos os sucos são dignos de receber tal nome. Aquele feito em casa, na hora de ser servido, é muito melhor que os industrializados. Primeiro porque é absolutamente fresco, reunindo todos os nutrientes, inclusive vitaminas, que perdem o efeito depois de algum tempo do preparo. Além disso, não sofre o processo de pasteurização – aquela fervura que além de matar bactérias nocivas mata as benéficas aos intestinos. E terceiro porque é totalmente isento de aditivos e conservantes químicos. Para se ter uma idéia, um suco fresquinho, tomado na hora, fornece 95% das vitaminas e minerais da fruta ou hortaliça. Tintim. BOM PARA A MEMÓRIA Sucos antioxidantes, como o da maçã, ajudam a prevenir doenças neurodegenerativas

SXC

Pesquisas revelam que, para diminuir os riscos de doenças, tanto faz consumir frutas, legumes e verduras no prato ou no copo

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CONSUMIDOR

Por um fio

Para linha telefônica, tecle 1. Para cartão de crédito, tecle 2. Celular? Tecle 3. Para se desfazer do produto, prepare-se: nessa hora, a vida dos teleatendentes e consumidores vira um inferno Por Miriam Sanger

A

cena é clássica. O cidadão adquire muito facilmente um produto ou um serviço. Paga corretamente por ele. Mas, se por algum motivo não quiser mais o produto ou serviço, deve se preparar para o pior. Principalmente se for telefonia ou cartão de crédito. Para começar, atendimento pessoal está praticamente extinto. Restaram as centrais de atendimento telefônico, ou call centers. O cliente liga uma vez, duas, três, dez vezes. Depois, tem de superar as tais Unidades de Resposta Audível (URA): para isso, tecle 1; para aquilo, tecle 2; para tal, tecle 3; e assim por diante – quando na maioria dos casos o que a pessoa quer é falar com “um de nossos atendentes”, geralmente a última das opções. E, quando não desiste e consegue chegar até um deles, o pesadelo continua. “Está definido no Código de Defesa do Consumidor que a empresa é obrigada a oferecer um canal de atendimento ao

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GETTY IMAGES

ESTOURO Quem nunca perdeu a paciência tentando resolver algum problema por meio dos serviços de atendimento ao consumidor?

cliente tão aberto quanto o de vendas, o O ganho fixo é de um a três salários míque não acontece no Brasil”, diz a advoga- nimos e o complemento precisa vir das da Maíra Feltrin, coordenadora dos Ser- comissões. Maristela ganha 25 centavos viços de Orientação do Instituto Brasi- por linha retida. Se conseguir fazer 16 asleiro de Defesa do Consumidor (Idec). sinantes desistirem no mesmo dia, sobe Bastante comum em empresas de telefo- para 30 centavos. Há sorteios e premiania fixa, cartão de crédito, telefonia ce- ções para quem bate recordes de atendilular, esse descuido as coloca sempre no mento. O que vale é a quantidade, e não topo das listas de reclamações dos órgãos a qualidade, das ligações atendidas. de defesa do consumidor. As centrais de atendimento telefôni“A oferta de crédito e de serviços de co preferem contratar profissionais “sem telefonia explodiu nos últimos anos e vícios”, sem experiência anterior. O treiuma grande fatia da população de bai- namento que oferecem dura de dois a xa renda ingressou nesses mercados”, ex- sete dias. Após esse período, o novato plica Marta Cassis, supervisora da área vai acompanhar o desempenho de oude Serviços Essenciais da Fundação Pro- tros operadores, enquanto um instrutor con-SP. As empresas, porém, não se ade- aponta o que está correto na fala do coquaram para atender bem essa popula- lega e o que não está. Depois de um ou ção, que no momento é a dois dias, já em seu posto de escuta, enfrentará o galinha dos ovos de ouro. No mundo dos cliente, normalmente já “É preciso saber prestar call centers, o aborrecido – ou “atritado”, atendimento com clareza, consumidor é como dizem. Nessa hora, falar em linguagem objeti- comumente va e com palavras de fácil atendido por não adianta treinamento. compreensão”, explica Re- um personagem “Você tem de ter jogo de nata Reis, supervisora das terceirizado, que cintura e só a experiência áreas de Habitação e de As- está bem longe da ensina o que fazer nesses suntos Financeiros do Pro- cena onde foi feita momentos. Alguns não con, para quem, no Brasil, a transação agüentam a pressão e vejo a maioria dos negócios ainda segue a lei muitos colegas desligando porque não do mercado selvagem. conseguem controlar seus nervos”, conNo mundo dos call centers, o consumi- ta Maristela. dor é comumente atendido por um per“Tudo gira em torno de um cronômesonagem terceirizado, que está bem longe tro, e não das pessoas”, conta Dulce dos da cena onde foi feita a transação. O clien- Santos, que trabalha no núcleo de atendite nem imagina que esse operador precisa mento de um grande banco. Assim que o gingar um bocado, na maioria das vezes cliente do outro lado da linha se identifica, o monitor mostra seu perfil. “Os corsem sucesso, para conseguir auxiliá-lo. rentistas são classificados de 0 a 5: quem tem só conta-salário, está desempregaSem vícios Maristela da Silva trabalha na empresa do ou movimenta valores baixos não rede atendimento que presta serviço tercei- presentará grande perda para a instituirizado a uma das maiores empresas de te- ção. O status vai subindo de acordo com lefonia fixa instaladas do país. E passa os o potencial financeiro, e nosso esforço é dias convencendo clientes a não cancelar orientado a atender melhor e reter os nísua linha. “A cobrança é muito grande: veis mais altos.” Essa instrução faz parte do roteiro ofitemos metas rigorosas para tudo. Nossa instrução é oferecer o que estiver dis- cial de perguntas e respostas a ser seguiponível, desde que o cliente permaneça do. “Vacina” é o sugestivo nome dado conosco. Muitas vezes, mesmo lhe ofere- aos procedimentos de retenção do cliencendo vantagens, se o consumidor fizer a te. “No caso de um cliente privilegiado, conta verá que saiu perdendo com nossas posso oferecer até seis meses de isenção de tarifas. Mas, quando é nível 0, nada. ‘incríveis ofertas’”, afirma a operadora. Essa instrução é corrente nos call cen- Está no script”, descreve Dulce, que está ters: vale tudo para reter o reclamante. em licença médica há seis meses. O amOutra regra: o operador é quem deve biente de trabalho rendeu-lhe um quaconduzir a conversação, nunca o cliente. dro depressivo. 2007 MAIO REVISTA DO BRASIL

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Papel do consumidor Geílson de Souza trabalhou por um ano e meio no atendimento a clientes de uma empresa de previdência privada e tem histórias similares de desacato ao cliente, como o conhecido deixe-seu-telefone-

Onde reclamar n Procon Brasil Existem no Brasil 27 unidades estaduais do Procon e mais de 400 municipais. A página do Ministério da Justiça tem ferramenta de busca dos endereços: www.mj.gov.br/DPDC n São Paulo 0800-171233 ou (11) 1512 Fax: (11) 3824-0717 Carta: Caixa Postal 3050 São Paulo/SP - CEP: 01061-970 www.procon.sp.gov.br n Rio de Janeiro (21) 1512 www.consumidor.rj.gov.br n Distrito Federal www.procon.df.gov.br n Outros órgãos Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) (11) 3872-7188, www.idec.org.br Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (21) 2204-1525, www.adcon.org.br

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EDUARDO KENAPP/FOLHA IMAGEM

Os call centers fazem relatórios diários e mensais da atuação de seus atendentes. Tudo é cronometrado. O expediente de Dulce é de seis horas, em tese. Ela precisa ter 90% de “aderência” – o que significa manter o bumbum na cadeira por no mínimo cinco horas e meia. Se quiser se alimentar, tomar um café, ir ao banheiro ou resolver um problema com a chefia, terá de administrar o tempo restante. “Evitamos levantar até para ir à sala ao lado para falar com um supervisor sobre a situação de um cliente”, conta. A média é de 70 pessoas por dia querendo encerrar seu relacionamento com o banco. A empresa determina tempo médio de atendimento de acordo com a experiência do operador: na primeira semana de trabalho, 230 segundos por cliente. Na segunda, 150. Depois, se ultrapassar 130 segundos, volta para a área dos iniciantes, ante-sala do aviso prévio.

TENSÃO PERMANENTE Call center: atendente sofre pressão do consumidor e da chefia

e-entraremos-em-contato. “Havia temas que tinham de ser passados para outras áreas. Eu dizia que faria novo contato com o cliente em cinco dias. Raramente isso acontecia, pois as outras áreas demoravam a responder. Se o cliente voltava a ligar, mais enfurecido, a orientação interna era livrar-se dele”, conta Geílson. “O cliente sempre sai prejudicado, sabemos disso. Mas é a única forma de atingirmos nossa meta. Resolve-se a questão parcialmente naquela hora, mas o problema vai persistir e o cliente vai ligar de novo”, concorda Maristela. No segmento de cartões de crédito, por exemplo, quase 90% das reclamações dizem respeito à dificuldade de cancelamento do serviço. No caso da operadora de telefonia para a qual a empresa de Maristela trabalha, a linha é contratada com uma simples ligação, mas pedidos de cancelamento precisam ser feitos por meio de carta manuscrita. “Somos orientados, no caso de o cliente citar órgãos como Procon, a emitir uma ordem de serviço interna e fazer o cancelamento em no máximo três dias”, conta ela. “Se as empresas oferecessem acesso e atendimento rápido, o grau de confiabilidade da população cresceria e não haveria tanto atrito. Mas

vemos o movimento inverso: elas negligenciam seus clientes e eles, por sua vez, estão cada dia mais desconfiados”, afirma Marta Cassis, do Procon-SP. O problema é que o cidadão prejudicado muitas vezes também peca ao não se animar em reclamar por seus direitos. O amadurecimento das pessoas e sua persistência é que forçarão as empresas que ainda apostam no se-colar-colou a modernizar sua conduta – uma vez que qualidade de atendimento, tanto ou mais do que preço, é decisiva num mercado consumidor tão disputado. “Quando as queixas chegam até nós, entramos em contato com a empresa, que precisa destacar um funcionário para comparecer a uma audiência. Se o caso não é resolvido nessa instância, vai para a Justiça – e então a companhia é obrigada a enviar um advogado, o que lhe custa caro. Acredito que, com a insistência da população, as empresas vão perceber que é melhor agir corretamente e com idoneidade”, diz Marta. A ética empresarial é um dos ingredientes mais valiosos de uma marca. Se isso não está no DNA de uma empresa, que ela aprenda, então, com os consumidores que não aceitarem passivamente o desrespeito.


CONSUMIDOR

Básico ou alternativo? A forma de cobrança das ligações telefônicas está mudando. O consumidor tem de analisar seus hábitos antes de decidir seu novo plano Por Fábio Behrend

A

té o final de julho o antigo pulso telefônico, de 4 minutos de duração, será extinto. As ligações locais serão obrigatoriamente cobradas em minutos. Já a cobrança das interurbanas e internacionais não muda. De acordo com resolução da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), todas as operadoras de telefonia do país terão de oferecer pelo menos duas opções para seus clientes: o Plano Básico e o denominado Plano Alternativo de Serviços de Oferecimento Obrigatório (Pasoo). Também podem montar outros tipos de pacote, com serviços como banda larga e secretária eletrônica incluídos. Mas estes não são obrigatórios. O Plano Básico tem a mesma taxa de assinatura e habilitação do plano em pulsos. Ou seja, no valor da assinatura já estão incluídos 200 minutos em linhas residenciais e 150 minutos nas comerciais ou troncos. A tarifação mínima de cada ligação é de 30 segundos. Passado esse tempo, a cada 0,1 minuto, ou 6 segundos, há uma nova tarifação. No Pasoo a cobrança é diferente. O valor da assinatura da linha inclui 400 minutos (o equivalente a 100 pulsos). No caso de linhas comerciais e troncos, o tempo contratado mínimo de ligação cai para 360 minutos (90 pulsos). E, a cada ligação feita e atendida, será cobrada uma tarifa equivalente a 4 minutos de conversação e também o custo do tempo gasto com a ligação. Ou seja, quem falar 1 minuto paga por 5. Ganha-se ou perde-se com a mudança? Segundo alerta do advogado Luís Fernando Moncau, do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), o assinante tem de saber qual é o seu perfil. “A questão não é se ele faz muitas ou poucas ligações, o que realmente importa é se são curtas ou de longa duração.” Quem conversa em até 3 minutos deve ficar no Plano Básico – a migração, nesse caso, é automáti-

ca. Quem costuma falar mais tempo deve optar pelo alternativo – e a migração tem de ser solicitada à operadora. O problema é que para saber exatamente qual o perfil das ligações, se curtas ou longas, o consumidor necessita de uma fatura detalhada, com a duração de cada uma delas no período de cobrança da conta. Se a operadora não fornece a conta detalhada, basta o assinante pedir, pois é obrigada a fornecê-la sem custo. Analisar a conta detalhada permitirá ao consumidor saber onde é possível cortar e economizar, se achar que pode ficar no Plano Básico, ou decidir se o melhor mesmo é migrar para o Pasoo. “O problema é que neste momento de transição as informações vêm revestidas de um caráter técnico, que não deixa pistas do caminho mais adequado a ser seguido”, diz o advogado Moncau. As operadoras estão proibidas de

utilizar seus canais de marketing para fazer publicidade de planos diferenciados. Até julho só poderão divulgar os dois planos – Básico e Pasoo – de oferta obrigatória. A Anatel determinou ainda que as companhias enviem, nas três primeiras contas após a mudança, um comparativo entre os dois planos, para que o consumidor avalie qual o mais adequado a seu perfil. O assinante poderá mudar de um plano para outro sem pagar nenhuma taxa. A análise mensal da conta deverá continuar sendo feita regularmente por ele. Se houver mudança nos hábitos, pode ser hora de mudar.

Simulações PERFIL 1: LIGAÇÕES DE 2 MINUTOS Plano Básico

Pasoo

R$ 37,98

R$ 37,98

Minutos e ligações incluídas

200min / 100 ligações

400min / 66 ligações

Se conversar 300min (em ligações de 2min)

Plano Básico

Pasoo

R$ 47,54

R$ 56,32

Assinatura ou mensalidade

Valor pago Nº de ligações incluídas

Melhor plano Básico

Básico

150 ligações = 300min

PERFIL 2: LIGAÇÕES DE 10 MINUTOS

Assinatura ou mensalidade Minutos e ligações incluídas Se conversar 300min (em ligações de 10min) Valor pago Nº de ligações incluídas

Plano Básico

Pasoo

R$ 37,98

R$ 37,98

200min / 20 ligações

400min / 28 ligações

Plano Básico

Pasoo

R$ 47,54

R$ 38,71

Melhor plano Passo

Pasoo

30 ligações = 300min

Fonte: Idec 2007 MAIO REVISTA DO BRASIL

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AMBIENTE

Consciente, desinformado ou

Por Miriam Sanger

O

noticiário sobre a situação do planeta anda dramático. O clima vai esquentar, a água acabará, os mares vão subir, a atmosfera ficará cinza, rios secarão, mais gente terá fome. As projeções para um futuro não muito distante – talvez daqui um século, quem sabe 50 anos ou menos – são sombrias. Estudos alertam quanto ao que empresas e governos precisam fazer para retardar ao máximo esse processo de deterioração da vida e a questão ambiental

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REVISTA DO BRASIL MAIO 2007

folgado? O clima esquenta e o mundo está preocupado com o futuro do planeta – e com razão. Mas muita gente ainda ignora pequenos gestos que poderiam proteger agora o ambiente em que vive. Que tipo de pessoa você é?


FOTOS: PAULO PEPE

SEM PERDÃO Jogar lixo na calçada, arremessar lata pela janela do carro e empurrar sujeira com água tratada são crimes praticados cotidianamente contra o meio ambiente

nunca esteve tão presente no noticiário e de forma tão preocupante. Mas, enquanto se buscam novas estratégias de conduta para evitar a catástrofe futura, o ser humano bem que podia se tocar de que a vidinha que segue ao seu redor também faz parte desse tal de meio ambiente. Embora a consciência socioambiental esteja em alta, ainda existe muita gente de índole poluída que podia tornar o mundo muito melhor – hoje – com pouco esforço. Por exemplo, ao verificar se o móvel que está comprando é de madeira certificada, você ajuda a combater o desmatamento. Ao diminuir o consumo de carne vermelha, colabora com a preservação do “pulmão” do planeta – segundo o Banco Mundial, a pecuária foi a maior responsável pelo desmatamento da região amazônica. Ao deixar o carro na garagem um dia por semana, ajuda a diminuir a emissão de gases poluentes e o efeito estufa. Se não joga no ralo o óleo com que fritou o bolinho, deixa de poluir lençóis freáticos e áreas de manancial. Se escova os dentes com a torneira fechada, consome menos de meio litro de água, em vez de 13 litros.

O Brasil, aliás, é um dos campeões mundiais no desperdício de água. A Organização das Nações Unidas (ONU) afirma que 120 litros de água são suficientes para o consumo diário de uma pessoa – no Brasil, a média é de 200. Segundo pesquisa realizada pelo Vox Populi em março, os brasileiros até estão preocupados com o meio ambiente, mas ainda relacionam o assunto a temas grandiosos como o aquecimento global e o derretimento das geleiras, e não necessariamente a pequenas coisas do dia-a-dia. Como deixar a TV ligada à toa, comprar e preparar alimentos em excesso e depois jogar fora, lavar calçada com mangueira, jogar bituca de cigarro, pacote de salgadinho e latinha de bebida pela janela do carro, botar no lixo comum a latinha de molho de tomate ou o pacote de macarrão, que podem ser reciclados. A pesquisa revelou que, embora os entrevistados indiquem entre os “principais problemas de seu bairro” falta de rede de esgoto e saneamento básico, de coleta de lixo, de água e de tratamento – tudo ligado a questões ambientais –, apenas 14% dos brasileiros acreditam que exista problema 2007 MAIO REVISTA DO BRASIL

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ambiental no Brasil. Um caso grave de desinformação? Ou de semancol? Sim, governos precisam tomar atitudes, empresas também. “Mas devemos ser os primeiros, e não os últimos, a mudar nossos hábitos”, alerta Aron Belinky, gerente de Pesquisas e Métricas do Instituto Akatu, organização sem fins lucrativos voltada à educação para o consumo consciente. Quando o assunto é reciclagem, por exemplo, um em cada três brasileiros está atento. É um número considerável e que tende a crescer, pois o país tem uma característica peculiar: a atividade entrou na cadeia produtiva da economia nacional. A reciclagem também marca presença nas

duas pontas do processo de consumo: evita a demanda de novos recursos naturais e o descarte de material no meio ambiente. No Brasil, por suas dimensões continentais, o assunto lixo é igualmente grandioso. Existem 8 mil locais onde o lixo é depositado de forma inadequada, contaminando solo e lençóis freáticos. Pesquisa realizada no fim de 2004 mostrou que, dos 53 milhões de toneladas de resíduos industriais gerados no Brasil, apenas 3 milhões foram tratados e quase 100% dos aterros sanitários estão no final de sua vida útil. Os dados são do Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil, elaborado pela Associação Brasileira de Empre-

Teste do consumo consciente Responda às perguntas e descubra que tipo de consumidor você é n Evito deixar lâmpadas

acesas em ambientes desocupados. 1. Sempre 2. Às vezes 3. Raramente ou nunca n Fecho a torneira en-

quanto escovo os dentes. 1. Sempre 2. Às vezes 3. Raramente ou nunca n Desligo aparelhos ele-

trônicos que não estão sendo usados. 1. Sempre 2. Às vezes 3. Raramente ou nunca n Costumo planejar as

compras de alimentos. 1. Sempre 2. Às vezes 3. Raramente ou nunca n Costumo pedir nota fiscal quando faço compras. 1. Sempre 2. Às vezes 3. Raramente ou nunca

n Costumo planejar com-

pra de roupas. 1. Sempre 2. Às vezes 3. Raramente ou nunca n Costumo usar o verso de folhas de papel já utilizadas. 1. Sempre 2. Às vezes 3. Raramente ou nunca n Costumo ler o rótulo atentamente antes de decidir uma compra. 1. Sempre 2. Às vezes 3. Raramente ou nunca n A família separa o lixo para reciclagem (lata, papel, vidro, PET, garrafas). 1. Sempre 2. Às vezes 3. Raramente ou nunca

n Espero os alimentos

esfriarem antes de guardá-los na geladeira. 1. Sempre 2. Às vezes 3. Raramente ou nunca n Comprei produtos fei-

tos com material reciclado nos últimos 6 meses. 1. Sim 2. Não 3. Não sei n Comprei produtos or-

gânicos nos últimos 6 meses (por exemplo: alimentos sem agrotóxicos, carne sem hormônios ou antibióticos). 1. Sim 2. Não 3. Não sei n Procuro passar ao maior número possível de pessoas as informações que obtenho sobre empresas e produtos. 1. Sim 2. Não 3. Não Sei

Conte quantas vezes você escolheu a opção 1 De 11 a 13 – CONSCIENTE: você já age considerando que as conseqüências de seus atos afetam não só a você, mas também toda a coletividade e até as futuras gerações. De 8 a 10 – ENGAJADO: você já percebeu que o consumo consciente não é só uma maneira de economizar recursos. De 3 a 7 – INICIANTE: lembre-se de que suas ações afetam a todos e leve em conta os efeitos de seus atos sobre a sociedade. De 0 a 2 – INDIFERENTE: na hora de consumir você não leva em conta sequer evitar desperdícios que trazem benefícios diretos para você e para o seu bolso. Elaboração: Instituto Akatu – www.akatu.net

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sas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe). Das 5.560 cidades brasileiras, cerca de 240 fazem a coleta seletiva. Cada brasileiro gera por dia, em média, 750 gramas de lixo. Só a cidade de São Paulo soma mais de 12 mil toneladas diárias. Cerca de um terço de todo o lixo produzido no país tem origem doméstica. Ou seja, está em casa boa parte da redução dos resíduos que empesteiam o ambiente. Simplicidade ignorada O Instituto Akatu elaborou o conceito dos “quatro Rs” para minimização de resíduos. Repensar os atos de consumo; Reduzir: consumir apenas o necessário e evitar a geração de lixo; Reutilizar: aumentar a vida útil dos produtos e materiais; e Reciclar: separar tudo o que pode ser reaproveitado. São coisas simples, mas ainda tem gente que não as pratica. Pesquisas realizadas a partir de testes aplicados pelo instituto indicaram que 8% das pessoas avaliadas estão muito pouco atentas às questões como consumo consciente, enquanto 59% adotam algumas posturas corretas apenas em função de economia doméstica, sem levar em conta o impacto ambiental. Outros 28% são engajados – pensam em economia, exigem notas fiscais, lêem rótulos dos produtos a serem adquiridos, checam o perfil dos fabricantes, entre outros aspectos. E apenas 5% formam o grupo dos “conscientes”, aqueles que têm total conhecimento do impacto de seu consumo e de suas atitudes sobre o meio ambiente, a economia e a sociedade. Uma característica do grupo dos conscientes é a atitude do “reforço positivo”: ajudar a disseminar informações. Por exemplo, só compram produtos de empresas socialmente responsáveis, falam bem das que estão atentas ao assunto e alertam outras pessoas sobre as que não estão. Vários estudos realizados pelo Akatu levam a uma conclusão de que o brasileiro tem consciência ambiental, mas sofre de uma preguiça “macunaímica” de se mexer. “Falta envolvimento. Acredito que isso tenha relação direta com a descrença quanto à nossa capacidade de provocar mudanças. Mas sabemos que é o cidadão quem poderá resolver o nó da responsabilidade social em todos os sentidos”, diz Belinky.


FOTOS: MAURICIO MORAIS

Retrato

Eurivaldo e Corisvaldo Por Mauricio Morais

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urivaldo José de Souza, 36 anos, cresceu na roça, na comunidade de Queimados, em Canarana (BA). Sustenta os três filhos com a mamona que planta, junto com os dois irmãos, na terra herdada do pai. Vende para os armazéns da cidade e o preço sobe ou cai conforme a demanda. Em fevereiro foi inaugurada em Iraquara, cidade vizinha, a usina de biodiesel Brasil Ecodiesel, que pode comprar matéria-prima de cerca de 35 mil famílias da região. Em vez de usar sua mamona como moeda em armazéns, Eurivaldo poderia vender para a usina, a 37 reais a saca de 60 quilos, desde que se unisse a uma das três cooperativas locais. “A gente tem que assinar compromisso. Eles demoram 30 dias pra pagar. No armazém pagam na hora ou até adiantam, e o preço pode subir; na cooperativa, não.” Eurivaldo prefere esperar, para ter certeza de fartura. “Ainda não sei.”

C

orisvaldo Batista da Cruz tem 65 anos, também mora em Canarana. Já trabalhou de carpinteiro, pedreiro e sempre plantou. “Antes era mandioca, mas desde 1964 planto mamona. O problema é a seca. Se tem boa molha, é uma beleza.” O veterano lembra que antes era tudo manual, mas agora é preciso ter maquinário e mais gente para trabalhar. “No esquema do depósito, tem dia que o preço da saca tá de um jeito, amanhã baixou. Hoje você vai no depósito e pega 2 mil reais. Se no dia que for entregar a mamona como pagamento o preço da saca baixou, aí tem que entregar mais mamona”, descreve. “Agora, com esse jeito da cooperativa, o preço é mais certo, a gente sabe quanto vai receber, eles vão dar semente, ajudar na colheita, podem orientar na hora de plantar e a gente passa para os amigos. Acho que vamos ter resultado”, acredita Corisvaldo.

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CIDADANIA

Sonhos restaurados Ensinando jovens a recuperar seu patrimônio histórico, o Recife aprende a preservar seu patrimônio humano Por Paulo Pepe

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DE VOLTA A SEU LUGAR A cruz reconstruída no alto da igreja e os jovens restauradores Mércia, Monique, Germano e Renato: perspectiva

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PAULO PEPE

PAULO PEPE

o caminhar pela cidade em busca de uma vaga de atendente em lanchonete, Germano Oliveira do Nascimento, de 23 anos, não se preocupava com a paisagem em seu entorno. A metrópole que exala história não lhe dizia nada. Quando notava uma construção decadente até pensava: “Por que essa porcaria não cai logo?” Hoje Germano vê a cidade com outros olhos. Ele é um dos 280 diplomados pela Oficina Escola para Restauração de Bens Imóveis dos Sítios Históricos do Recife. Iniciada em 2003, a Oficina conta com recursos do Plano Nacional de Qualificação do Ministério do Trabalho e Emprego – e tem impulsionado a vida de jovens moradores nas comunidades pobres das regiões centrais do Recife, onde se encontram baixo Índice de Desenvolvimento Humano e alto índice de violência. O projeto está incluído no sistema público de empregos, ferramenta que faz a intermediação entre a capacitação profissional e as necessidades de mão-de-obra local.


PAULO PEPE

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VALORIZAÇÃO SOCIAL A Igreja de Santa Cecília, na capital pernambucana, foi construída em 1683. Sua restauração demorou quatro meses e foi concluída no último dia 17 de abril

No decorrer do curso são mapeados lugares que precisam de restauro e preservação na própria comunidade dos alunos. “Isso faz com que eles se sintam, de fato, agentes de mudança”, afirma Tereza Jacinta Constantino Cavalcanti, diretora de Promoção do Trabalho e Renda da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico da Prefeitura do Recife. As duas primeiras turmas do curso trabalharam no casario da Rua Velha, onde foram restauradas 24 casas pela turma de 2003 e outras 16 pela turma de 2004-2005. “Quando descobri que Santa Cecília é padroeira dos músicos, fiquei até emo-

cionado”, diz Renato Inácio da Silva, 20 anos, um jovem violonista que se especializou em cantaria, ofício muito antigo, quase em vias de extinção, que se refere aos trabalhos com pedras calcárias e areníticas nas edificações. Junto com Renato, Mércia Maria da Silva, 20 anos, reconstruiu a cruz roubada da igreja. Os dois fazem parte da turma de 2006 que se dedicou à restauração da Igreja de Santa Cecília. A construção é de 1683 e o prédio restaurado foi entregue no último dia 17 de abril. “Eu não dava valor a isso. Hoje, quando a gente vê o trabalho pronto, pensa em tudo o que poderia ser feito, tanto casarão para restaurar...”, diz Mércia,

já com novas perspectivas. Ela e Renato projetam a criação de uma cooperativa de restauro, também com a ajuda da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico. Segundo os responsáveis pelo programa, que continuam a acompanhar os jovens após sua passagem por lá, um dos bons efeitos colaterais do projeto, além da qualificação profissional, é a elevação da escolaridade, já que só pode participar quem permanece na escola. É perceptível para os alunos, também, a abertura imediata de possibilidades. Monique Monteiro Bezerra, de 18 anos, especializada em estuque, diz: “Não tinha emprego nem perspectiva. Agora quero trabalhar e cursar Psicologia”. A colocação no mercado de trabalho não é simples. Os contratados por empresas especializadas chegam a 30 profissionais. Outros atuam como free-lancers, outros desistem. Mas algumas parcerias estão sendo formadas e já há a busca da alocação dos jovens restauradores em projetos dos prédios dos Correios, da Igreja Madre de Deus, da Associação Comercial, da Fundação Real, do Palácio do Frevo e da Bolsa de Valores. A expectativa faz com que os jovens restauradores enxerguem possibilidades para mudar a própria trajetória, apesar do ambiente de dificuldades. “As drogas predominam aqui, e a gente não quer isso. Vimos no curso uma forma de nos afastarmos dessa vida”, relata Germano, que quer cursar Serviço Social – e continuar descobrindo os segredos que sua cidade tem para contar.

Projeto premiado Mãos à obra: são mil horas de curso

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A Oficina Escola para Restauração de Bens Imóveis dos Sítios Históricos do Recife tem carga horária de 1.000 horas em 6 meses. Os 70 alunos de cada turma recebem ajuda de custo de 150 reais mensais e têm aulas de História da Arte, Desenho Técnico, Educação Patrimonial, Educação para a Cidadania, além de fazer visitas técnicas de observação. Os ofícios disponíveis são: Alvenaria, Estuque, Cantaria, Marcenaria, Carpintaria, Pintura, Serralharia e Forja. Os cursos são ministrados pelo Centro de Trabalho e Cultura, entidade especializada na formação desse público-alvo. Depois das oficinas há o acompanhamento dos jovens para verificar sua permanência na escola e ajudar na intermediação para seu ingresso no mundo do trabalho. Em 2005 o projeto recebeu o Prêmio Gestão Pública e Cidadania, da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP) e da Fundação Ford, com o apoio do BNDES.

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C O M P O R TA M E N T O

Mais açúcar,

mais afeto Algumas acham que importante não é o gênero, mas a pessoa. Outras simplesmente não encontraram a felicidade nos homens. Mais que sexualidade, mulheres que amam mulheres são movidas pela busca da afetividade

ROMANCE SECRETO Tatiana: “Quis ficar solteira, experimentar o novo lado”

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Por Andréa Pilar Marranquiel Fotos de Paulo Pepe

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á mulheres que amam outras mulheres, andam de saia e têm unhas pintadas, fazem academia, trabalham, cuidam de casa, criam filhos. Descobriram que, como mulher, é possível estar com outra igual. Numa sociedade em que aceitar o diferente é um desafio constante, a atitude traz conflitos, questionamentos, crises. Mas também produz histórias interessantes. A estudante de Comunicação Vivian Casoy, de 23 anos, considera-se cosmopolita. “Adoro idiomas, música de todos os tipos, viajar, transar.” Aos 17, teve sua primeira experiência sexual. Com o namorado. Pouco tempo depois veio a curiosidade, outra característica marcante em sua personalidade. “Pintou um clima” com sua melhor amiga, e logo na festa do namorado dela. “Foi estranho”, admite. Mas a partir daí passou a lidar com uma nova forma de orientação sexual. Já contou para a família sobre sua bissexualidade e, garante, sem pânico nem drama. Vivian não vai a uma balada premeditando se vai ficar com homem ou com mulher. O que importa, diz, é o que rola no momento. “Não vejo diferença quando me interesso por alguém. É a pessoa, não o sexo, que me atrai”, afirma. Perguntada sobre como reagiria se se apaixonasse por uma mulher, Vivian ri: “Seria a mesma coisa... Não consigo ver problema nenhum”. A situação não é incomum. Mulheres que começam a experimentar a relação com mulheres acreditam que se apaixonam pela pessoa, e não pelo sexo dela. Numa tentativa de não se enquadrar, não se sentir pertencente a um gueto. Para a psicóloga Lívia Monteiro Elias, isso reflete o medo de se colocar em um lugar mais

frágil, ou seja, o mundo gay, vulnerável a julgamentos, preconceitos e condenações: “É uma situação difícil para quem sempre viveu uma relação aceita e institucionalizada. É como se, de repente, a pessoa perdesse a referência por estar vivendo algo novo”. Nem é difícil encontrar exemplos. Não que todos aceitem abertamente a relação homossexual. Mas é típico da cultura se apropriar do que não consegue negar. Então, hoje tem lésbica em filmes, em seriados de TV, até em novelas. A reportagem ouviu vários relatos de mulheres que namoravam homens e passaram a namorar mulheres. Algumas fizeram apenas uma tentativa e voltaram para a praia conhecida. Outras até hoje navegam novos mares. Muitas têm filhos, tinham casamentos aparentemente estáveis e nem sequer conviviam com o mundo gay. Todas “normais”. Exatamente como as pessoas que a gente vê na rua, no trabalho, em casa: simplesmente, mulheres.

Coisas de casal Até bem pouco tempo atrás, o termo empregado para definir a relação entre pessoas do mesmo sexo era “homossexualismo”, um “ismo” por si só carregado de conotação negativa. Em 1973 a Associação de Psiquiatria Norte-Americana adotou a expressão “homossexualidade”, como forma de definir uma orientação sexual, não uma anomalia que precisaria de tratamento ou cura. Mulheres que tinham essa orientação precisaram ir tateando, buscando seus caminhos. De acordo com a terapeuta Sylvia Faria Marzano, do Instituto Brasileiro Interdisciplinar de Sexologia e Medicina Psicossomática, de São Caetano do Sul, no ABC paulista, a imagem masculinizada associada a elas pode vir da tentativa de formar um núcleo familiar. “Elas queriam criar uma família sob a concep-


DESCOBERTA Roberta e Andreia: “É difícil explicar, mas é completo. Foi emocionante”

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O QUE IMPORTA É A PESSOA Vivian não vai a uma balada premeditando se vai ficar com homem ou com mulher

ção clara de uma figura masculina e outra feminina. Hoje isso já não é necessário. Embora ainda exista preconceito, as lésbicas perceberam que não precisam mais seguir papéis e, sendo duas mulheres, podem, sim, formar um casal”, afirma a terapeuta. O preconceito, de fato, ainda fala alto. Tatiana, por exemplo, pede para utilizar pseudônimos para contar sua histó42

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ria. Ela era casada com Marcelo, executivo de uma multinacional, e morava nos Estados Unidos. Tinha largado no Brasil a profissão de dentista e a melhor amiga, Fernanda, com quem ela e o marido conviveram desde a adolescência. Aos 30 anos e com uma vida confortável, tudo parecia estar no devido lugar, menos o coração. A amiga, também casada e com uma filha, passou a visitar o casal com

freqüência. A paixão entre as duas virou um romance secreto por sete anos. Fernanda fez do vôo para a América do Norte uma ponte aérea. Sempre achava uma desculpa para visitar a amiga, especialmente quando esta ficou grávida. Tatiana, por sua vez, não conseguia mais disfarçar a ansiedade. “Era horrível! Eu me sentia péssima por trair uma pessoa que me amava e jurava que nosso casamento seria para sempre. Mas a falta que eu sentia da Fernanda doía. Não conseguíamos evitar. Trocávamos longas cartas de amor, escritas à mão.” Quando nasceu a filha do casal, batizada pela madrinha Fernanda, Marcelo andava desconfiado. Até que Tatiana lhe contou tudo. Detalhadamente. “Ele deu um murro na porta, berrou, mas readquiriu o controle. Sugeriu que poderia ser o homem certo para mim e para ela.” Mais que sexo A terapeuta Sylvia explica que muitos homens têm essa fantasia, mas, alerta, o discurso é comum enquanto o homem está no comando; quando se sente traído, a história é outra. “Vêm a insegurança, o ciúme, a incapacidade de lidar com o novo.” Foi o que aconteceu. O trio tentou encarar uma relação aberta, mas veio insegurança de todos os lados. Casamento desfeito e de volta ao Brasil, Tatiana diz ter assumido mais que uma nova orientação sexual: “Surtei!” O romance com Fernanda não resistiu à curiosidade sobre o novo mundo descoberto. “Quis ficar solteira, experimentar o novo lado descoberto. Parti para novas experiências, namorei outras mulheres.” As duas ainda convivem, “aos trancos e barrancos”. Fernanda nunca ficou com outra pessoa. Diz que Tatiana será a única. “Agora, faz dois anos que estamos nessa história. Começando e terminando. Não posso garantir que seja a última vez”, entrega-se a nova Tatiana, professora de ioga, cuja filha, de 5 anos, tem o mesmo nome da madrinha, Fernanda. A psicóloga Lívia Monteiro Elias atende em seu consultório, na zona oeste de São Paulo, várias mulheres em crise com sua identidade sexual. Insatisfeitas com os parceiros e sem um canal de comunicação franco, acabam elegendo um novo sujeito – muitas vezes do mesmo sexo – para amar. “Para as mulheres, a sexualidade está inti-


A homossexualidade na história do homem Na Grécia Antiga, nos campos de batalha, era comum o homem mais velho ter um companheiro jovem. Quando a guerra acabava, o mais velho voltava para sua cidade e se casava com uma mulher. No século 7 a.C., a poeta Safo, desiludida com os homens, reúne na Ilha de Lesbos uma comunidade só de mulheres. Unidas pela música, pela poesia e pelo culto a Afrodite, Deusa do Amor, tornam-se guerreiras, mas acabam dizimadas pelos gregos.

No Império Romano, os senhores poderiam ter seus rapazes preferidos, mas só eram tolerados quando ativos. O imperador Constantino (século 4 d.C.) punia homossexuais com a morte. A Idade Média (entre os séculos 5 e 15) foi o inferno dos gays. O cristianismo vê “sujeira” na relação entre homossexuais, eram perseguidos e queimados. O Renascimento (entre os séculos 15 e 16) foi menos rude. Luís XVI, que se casou com Maria Antonieta

mamente ligada à afetividade”, diz. Muitos casos ocorrem entre amigas. A intimidade leva à cumplicidade, à admiração, a outro olhar... E a outros sentimentos, como desejo e amor. Não necessariamente nessa ordem. Para Sylvia Marzano, que também é urologista e atende homens em pânico com “o que fazer para satisfazer minha parceira”, a mulher busca em outra o que não encontra no homem. “Busca mais do que sexo: quer estar literalmente junto com alguém.” Isso explicaria, os “casamentos” supostamente mais estáveis entre mulheres, em que, de acordo com a estudiosa, dificilmente acontece uma traição.

aos 16 anos e virou rei da França aos 20 (no século 18), era liberal e tinha um irmão gay. No século passado, cerca de 100 mil homossexuais foram arrastados a campos de concentração pelos nazistas. Em dezembro de 1948 as Nações Unidas assinam a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Nas décadas seguintes, ebulições políticas, culturais e a revolução sexual dariam dimensão aos clamores contra as

Roberta Reis tinha um namorado, um trabalho como coordenadora do laboratório de uma farmácia de manipulação e uma vaga para preencher em sua pequena equipe. Andreia de Oliveira tinha uma namorada, estudava enfermagem e buscava emprego. E assim seus caminhos se cruzaram. Passaram a compartilhar a rotina e a ficar juntas. No início Andreia, aos 17 anos, não teve coragem de assumir sua sexualidade. Teve medo de ser julgada e que isso interferisse no trabalho recém-conquistado. Mas pensamentos pouco ortodoxos já passeavam pela cabeça de Roberta, então com 23 anos, que se surpreendia pensando “muito” na FEMINILIDADE Sylvia: “As lésbicas perceberam que não precisam mais seguir papéis e, sendo duas mulheres, podem, sim, formar um casal”

discriminações – por gênero, raça, orientação sexual e religiosa. Nos 70, movimentos que discutem sexualidade se organizam politicamente. Hoje incorporada aos grandes temas sociais, a liberdade de opção sexual pauta até as relações entre capital e trabalho. Sindicatos a incluem na discussão de acordos coletivos. Algumas empresas admitem que funcionário ou funcionária tenham parceiro ou parceira como dependente do plano de saúde, por exemplo.

jovem auxiliar. A relação com seu namorado não andava bem. Esconder ou não Resolveu arriscar. Um dia, na hora do café, lascou um beijo na menina. Daí até as verdades começarem a sair do armário foram duas semanas de jogos de sedução e carícias. A primeira transa foi um desafio para ambas. De um lado, a mais jovem, que já tivera duas namoradas e era assumida em casa e com amigos: “Ficava insegura porque ela é mais velha, já tinha transado com outros homens e podia não gostar”. De outro, a mais velha, sem nenhuma experiência com mulher: “Ficava imaginando como seria, o que eu deveria fazer”. E...? Elas caem na risada e Roberta conta: “A primeira vez foi no Carnaval, na casa da minha mãe, no interior de Minas Gerais. É difícil explicar, mas é completo. Naturalmente você descobre o que sua parceira quer e o que você quer. Foi emocionante”. Roberta resolveu assumir, contou para o ex-namorado, depois para a família. A sensação foi de alívio: “Depois de contar em casa tudo é mais fácil. Minha mãe entendeu numa boa”. Ingenuamente, nem fizeram questão de esconder a relação no trabalho. Resultado: Andreia perdeu o emprego e a namorada demitiuse em solidariedade. Poderiam ter recorrido à Justiça por discriminação sexual. Mas não quiseram. Hoje, trabalham em locais diferentes e, por segurança, resolveram manter o assunto da porta do trabalho para fora. Estão juntas há dois anos. 2007 MAIO REVISTA DO BRASIL

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VIAGEM

A grande batalha do forró

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Caruaru

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A partir de 1º de junho serão 30 dias de festa. Ou 700 horas de forró. Quem está em Campina Grande (PB) jura que ali se faz o maior São João do mundo. Mas Caruaru (PE) desafia: ali é que é a capital nacional do forró. Nesse repente, não importa quem vence. O que importa são as armas: forró no café, no almoço e na janta e 24 horas por dia de manifestações de cultura brasileira REVISTA DO BRASIL MAIO 2007


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Caruaru

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Campina Grande

Campina Grande

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Campina Grande

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O maior do mundo

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Campina Grande

Campina Grande

Crescimento e tradição Campina Grande está para João Pessoa (via BR-104) como Caruaru está para o Recife (via BR-232). São aproximadamente 130 quilômetros, uma hora e meia de viagem por via terrestre, partindo das respectivas capitais. As principais companhias aéreas oferecem mais opções de vôos diretos em junho. As duas cidades, em pleno agreste, têm altas taxas de crescimento, forte atuação industrial e estão perto de virar regiões metropolitanas. Campina Grande sai na dianteira pelo título de “Maior São João do Mundo”, no Guiness Book, mas dizem que por poucos metros quadrados. Em 2007, Caruaru é estimulada também pelas festas de seus 150 anos. Informações: www.campinagrande.pb.gov.br e www.caruaru.pe.gov.br

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Na paraibana Campina Grande, estão programadas 480 atrações e aproximadamente 300 quadrilhas juninas. O título de “Maior São João do Mundo” deve-se aos 42 mil metros quadrados reservados para um público esperado de 1,5 milhão de pessoas. O São João de Campina Grande a cada ano atrai mais gente do Brasil e do mundo. A 25ª edição da festa ocorrerá entre os dias 1º de junho e 1º de julho. O projeto São João nos Bairros ajuda a descentralizar o evento e faz com que não apenas o Parque do Povo, onde é montada a estrutura principal, seja palco da folia dedicada ao principal santo do mês. Durante o mês é possível ouvir acordes da sanfona em toda Campina Grande. O forró ultrapassa os limites geográficos da cidade e invade também os distritos de Galante (para onde viaja o Trem do Forró, com um animado percurso de uma hora e meia) e São José da Mata. A edição deste ano homenageia o sanfoneiro paraibano Sivuca, morto em dezembro do ano passado. O músico, conhecido internacionalmente, terá um espaço especial para sua obra. Sua mulher, a cantora Glorinha Gadelha, estará entre as atrações. Também confirmaram participação Elba Ramalho, Fagner, Alcimar Monteiro, Três do Nordeste, Santana, Dominguinhos, Zé Ramalho, Flávio José, Genival Lacerda, as bandas Calcinha Preta e Cavaleiros do Forró. A cenografia do Parque do Povo é um espetáculo à parte. No “quartel general do forró”, réplicas arquitetônicas das décadas de 50 e 60 convidam o visitante para uma verdadeira viagem ao tempo do povo matuto do sertão nordestino. A padronização das barracas, em estilo rústico, ajuda na composição da imagem visual da festa. A fogueira central deverá atingir 20 metros de altura. O palco principal será projetado com características do antigo Palhoção, que deu origem ao “Maior São João do Mundo”. As apresentações de quadrilhas e grupos folclóricos serão realizadas na Pirâmide do Parque do Povo. A réplica da Vila Nova da Rainha ajuda o visitante a conhecer um pouco mais da origem de Campina Grande. As ruas, servidas por lojas de artesanato e barracas com comidas típicas, reproduzem o cenário de nascimento da segunda cidade mais importante da Paraíba. Outra réplica que comporá a temática histórica é a do Cassino Eldorado, que entre as décadas de 30 e 50 foi palco das grandes atrações nacionais que se apresentavam no estado. O prédio do cassino ainda existe na Rua Manuel Pereira de Araújo, na Feira Central. A temporada mexe com a cidade. A economia cresce 50% e, de acordo com a organização do evento, pelo menos 10 mil empregos são gerados. No ano passado, a Prefeitura de Campina Grande apurou que na última semana de maio 80% da capacidade dos hotéis da cidade estava reservada e 70% se confirmou. Para nenhum visitante ficar na mão, a cidade faz o cadastramento prévio de casas, pensões e apartamentos. A cada ano que passa o São João de Campina Grande ganha destaque mundial e se consolida como o maior evento do gênero. Participar dessa festa vai fazer qualquer pessoa conhecer mais da cultura do povo nordestino e ter a real noção do quanto o mês de junho é importante para a cultura e o incremento da economia da região.

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Por Fernando de Oliveira, de Campina Grande


A capital do forró

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Por Moema Duarte, de Caruaru

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GERARDO LAZZARI

Caruaru

Durante o mês de junho Caruaru se transforma num imenso arraial. Para honrar o título de “Capital do Forró”, a cidade promove 30 dias de festa para todo lado. E não apenas para os caruaruenses, mas para cerca de 1,5 milhão de visitantes durante a temporada. A cidade tem também um dos artesanatos mais ricos do país. Assim, entre um forrozinho e outro, é possível apreciar as obras de Mestre Vitalino nos museus e ainda levar para casa réplicas perfeitas de seus famosos bonecos de barro, direto da Feira de Caruaru. O Parque de Eventos Luiz Gonzaga, principal foco de animação, tem mais de 40 mil metros quadrados e capacidade para receber cerca de 100 mil pessoas. Uma centena de atrações regionais e nacionais passa pelos dois palcos lá montados. E ninguém pode tocar nada que não seja xote, baião, enfim, forró. O parque tem um museu dedicado à cantora Elba Ramalho, que quase todos os anos é presença garantida na programação junina, e outro voltado à importância da cerâmica para a vida da comunidade. De volta ao arrasta-pé, barracas e restaurantes garantem a reposição da energia para o público. As festas avançam pela madrugada e a folia do dia anterior emenda com a do dia seguinte. É preciso estar alimentado e hidratado para agüentar. De manhã, o Alto do Moura é o palco. Na vila, a sete quilômetros do centro da cidade, nasceu e viveu Mestre Vitalino, artesão mais famoso de Caruaru. Além dos vários ateliês dos discípulos do mestre, o Alto do Moura tem muita música e um concorrido bode assado. É bom chegar cedo, porque depois das 11 horas é difícil encontrar uma casa que ainda tenha mesas livres. Na volta ao centro, escolha uma das “drilhas” estilizadas e irreverentes que arrastam uma multidão pelas ruas da cidade. Tem Sapadrilha (mulheres vestidas de homem), Gaydrilha (homens vestido de mulher) e Trokadrilha (homens vestidos de mulher e mulheres vestidas de homem). Ou fique na sua, o importante é a diversão. Em um evento grandioso como o São João de Caruaru, os pratos típicos da festa também viraram uma atração gigante. No centro, 3 mil espigas de milho são caprichosamente transformadas numa pamonha de 220 quilos. Na Vila das Peladas, na zona rural da cidade, uma mesa de 30 metros serve 1 tonelada de canjica. Se achou pouco, tente imaginar as 2 toneladas do pé-de-moleque que a dona Maria do Bolo promete oferecer no dia 10 de junho, na festa dos moradores da Cohab III. Tudo sempre rodeado pela trilha sonora e a coreografia da capital do forró. Em Caruaru, as bandas de forró do momento dividem os espaços com as bandinhas de pífano e com os trios de forró pé-de-serra. E a festa literalmente pega fogo quando chegam os bacamarteiros, atiradores de espingarda boca-de-sino que se reúnem sob o comando de um chefe e se distribuem em batalhões para se apresentar durante o São João. A brincadeira é uma herança da Guerra do Paraguai. O São João de Caruaru é conhecido pela autenticidade e pela espontaneidade do povo. Se por acaso bater uma vontade de conferir tudo de perto, é preciso correr. Os hotéis começam a fazer reservas para o período desde o final do ano. 2007 MAIO REVISTA DO BRASIL

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Curta essa dica

Por Cláudia Motta (claudiamotta@revistadobrasil.net)

Santos Dumont e a Turma da Mônica – Um Sonho Que Virou História apresenta em 60 painéis a história do inventor do avião. A exposição marca o centenário do vôo do 14 Bis e leva a Brasília uma pequena réplica da Torre Eiffel, do pequeno avião Demoiselle, maquetes de dirigíveis e a reconstituição de uma banca de jornais com notícias da época. De terça a domingo, das 9h às 21h. Caixa Cultural Brasília, Galeria Principal e Piccolas I e II, Setor Bancário Sul, anexo ao edifício matriz da Caixa, (61) 32066456/9448/9449. Até 27 de maio. Grátis.

Ivana Baquero é Ofélia em Labirinto do Fauno

Cada um do seu jeito

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Contra todos os males Labirinto do Fauno, Oscar de melhor direção de arte, fotografia e maquiagem, chegou em DVD. A história ambientada na Guerra Civil Espanhola traça um paralelo entre o autoritarismo vivido pelos espanhóis e o mundo da sonhadora menina Ofélia, que descobre a amizade de Mercedes, cozinheira da casa e contato secreto dos rebeldes, e um misterioso labirinto. Poético, o filme cumpre o papel das fábulas: trazer a reflexão através da fantasia. Direção de Guillermo del Toro. De R$ 40 a R$ 45.

Ensinar os pequenos a respeitar diferenças é um dos objetivos do simpático livro Cada Família É de um Jeito. A história é curtinha e toda rimada. O texto e as ilustrações de Aline Abreu explicam que existem vários tipos de família. “Tem também um tipo de família que não é de mãe, nem de pai, nem de irmão. Sou eu com você e você comigo. Já adivinhou? É família de amigo”, escreve a autora. Para crianças de 2 a 5 anos. Editora Difusão Cultural do Livro, 24 páginas, R$17,50.

Brinquedos contra a escravidão A ONG Repórter Brasil abriga um link (www.reporterbrasil.org.br/brinquedos) que mostra e vende trabalhos da Cooperativa para Dignidade do Maranhão (Codigma). A entidade, sem fins lucrativos, oferece oportunidades de geração de renda e de vida decente a famílias vulneráveis à ação de aliciadores. O estado é um dos preferidos de fazendeiros, madeireiras e carvoarias para recrutar trabalhadores e os submeter a condições degradantes ou de escravidão. A entidade ensina fabricação de brinquedos, alfabetização, cooperativismo e noções de cidadania. Os brinquedos são baratos, desenvolvem a criatividade e a coordenação motora. Contatos: (99) 3538-2383, nu2brinq@yahoo.com.br. 48

REVISTA DO BRASIL MAIO 2007

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Turma da Mônica no 14 Bis


Caio Blat, Maria Flor e Alexandre Rodrigues estão em Proibido Proibir

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Jovens sonhadores Duas histórias distintas recém-estreadas põem à prova o talento de jovens promessas do cinema brasileiro. Proibido Proibir, de Jorge Durán, mostra a realidade carioca a partir do ponto de vista de três universitários: Paulo (Caio Blat), Leon (Alexandre Rodrigues) e Letícia Daniel de Oliveira (Maria Flor). Jovens que sonham mudar o em Batismo de mundo em meio a um cenário de violência Sangue urbana e corrupção policial. Em Batismo de Sangue, Helvécio Ratton, baseado em livro de Frei Betto, conta a angústia do frade dominicano Tito de Alencar Lima, a colaboração com a luta armada e traz cenas de tortura que levaram frei Tito à loucura e descrevem com rara fidelidade a crueldade de um regime que sufocou gerações. Nos dois filmes, Caio Blat está impecável. Daniel de Oliveira, que vive Frei Betto, dá mais uma mostra de que seu desempenho em Cazuza e Zuzu Angel não foi mero acaso.

O homem que ensinava O pensamento de Paulo Freire e sua pedagogia do oprimido e da esperança transformaram a vida de milhões de brasileiros. Freire é o mais importante educador do país. Para saber mais sobre esse filósofo da educação leia Paulo Freire – Uma História de Vida, escrito por sua mulher, Ana Maria Araújo Freire. Editora Villa das Letras, 655 páginas, R$ 69.

Arte contemporânea no Rio Três exposições estão no Museu Bispo do Rosário. Salva Vidas reúne xilogravuras de Cazé Araújo, fotografias de César Oiticica e obras de Jesus Herrera. A mostra Próxima Parada tem os artistas Auterives Maciel, Bispo do Rosário, Cambra, Carlos Contente, Clóvis do Santos, Craig Wood, Isabela Lira, José Rufino e Toz. E Hospício É Deus exibe imagens do fotógrafo Freddy Koester inspiradas na literatura de Dante Aliguieri. Estrada Rodrigues Caldas, 3400, Jacarepaguá, Rio de Janeiro, (21) 2446-6628. Até 30 de junho. Grátis. Obra de Arthur Bispo do Rosário

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Direto das Minas Gerais Depois de 25 anos de Rio de Janeiro, Flávio Venturini voltou para Belo Horizonte e está acompanhado de uma banda totalmente mineira, com velhos amigos do Clube da Esquina. A influência é clara no álbum Canção sem Fim. Lançado em abril em São Paulo, o show ainda vai para o Sul e o Nordeste, com canções inéditas e sucessos como Todo Azul do Mar e Nova Manhã. E, ainda neste semestre, chega a Belo Horizonte. R$ 26,50. 2007 MAIO REVISTA DO BRASIL

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Crônica

Por Ricardo Kotscho

Dias de cadeirante E lá estava eu olhando os outros de baixo para cima, achando tudo estranho. Passei a dar mais valor a amigos como o Marcelo Rubens Paiva, sempre de bom humor e cheio de planos, mesmo sabendo que a cadeira dele é para sempre

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ei que a palavra é feia, mas é a que temos para definir quem anda numa cadeira de rodas, quer dizer, quem não pode andar com as próprias pernas. No começo de março, sem aviso prévio, virei um cadeirante. Numa fração de segundos, a tampa de uma caixa de bomba de piscina cedeu, caí sobre os canos, quebrei vários ossos e desmaiei de dor. Quase deu perda total. Quando reacordei, já tinha um monte de gente em volta palpitando sobre o que fariam comigo para me tirar do buraco. Sem forças para reagir, entalado que estava, fui ficando cada vez mais assustado. Por sorte, como sempre acontece nessas horas, alguém assumiu o comando das operações e determinou que se chamasse o Resgate. Hora do almoço na praia, calor infernal, os minutos que os bombeiros demoravam pareciam intermináveis horas. Quando fui ver, já estava no pronto-socorro do hospital público de São Sebastião, cercado de gente atropelada, baleada, esfaqueada. Minhas dores até diminuíram ao ver o sofrimento dos outros. Os médicos e enfermeiras que me atenderam pareciam ter percebido isso. A todo momento vinham pedir desculpas, mais um pouco de paciência, porque chegara outra urgência, mais um ferido em estado pior que o meu. Não carregava nenhum documento, mas também ninguém pediu. Em resumo: algumas fraturas no pé esquerdo, três costelas quebradas, escoriações generalizadas, como o escrivão registrava nos antigos boletins de ocorrência. Mesmo assim, fui andando até o carro, levando a receita de remédios para aliviar a dor. No dia seguinte, já em São Paulo, os médicos de um hospital particular repetiram os mesmos exames e fizeram os mesmos diagnósticos. Saí com bota ortopédica e a recomendação de passar pelo menos um mês na cadeira de rodas – por causa das costelas quebradas, não era recomendável usar muletas, quer dizer, era

impossível. Já perdi as contas de quantas vezes me quebrei na vida, já passei por mais de dez cirurgias, mas nunca tinha chegado antes a esse ponto. Minha mulher, a fantástica Mara, que deve ter mais horas de hospital do que muita enfermeira-chefe, tratou logo de alugar uma cadeira básica a módicos 30 reais por semana. Meia hora depois lá estava eu encadeirado, olhando para os outros de baixo para cima, achando tudo muito estranho. No início, você se conforma – “até que dei sorte, poderia ter sido pior...”, mas depois de uns três dias o neocadeirante já começa a ficar impaciente. Como não conseguia movimentar a cadeira sozinho por causa da dor nas costelas, precisava a toda hora chamar alguém e, como moramos só nós dois em casa, esse alguém era sempre a Mara. Por pior que seja a situação, a gente acaba sempre se adaptando a uma nova rotina. Se ela precisava sair para cuidar da vida, me deixava num café que tem em frente ao nosso prédio, aonde costumo ir sempre e sou amigo de todo mundo, com a recomendação de que cuidassem bem de mim e me devolvessem na portaria. Sempre tinha algum solícito lá para me levar até o apartamento. O pior de tudo é ficar sempre dependendo dos outros para ir e vir. Nas festas, é importante ficar atento logo na chegada para ver onde está a turma mais legal porque sempre há o risco de o estacionarem numa roda de chatos. O pior é contar mil vezes o que aconteceu e ouvir mil vezes relatos de histórias semelhantes acontecidas com alguém. Mas, quando há um prazo marcado para devolver a cadeira e voltar a andar com as próprias pernas, vai-se levando. Passei a dar mais valor a amigos como o Marcelo Rubens Paiva, sempre de bom humor e cheio de planos, mesmo sabendo que a cadeira dele é para sempre. No dia em que devolvi a cadeira, passei a dar mais valor também ao simples ato de poder caminhar.

Ricardo Kotscho é jornalista. Trabalhou nos principais veículos de comunicação do país e foi secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência da República (2003-2004). É autor, entre outros, de Serra Pelada – Uma Ferida Aberta na Selva (Brasiliense, 1984), A Prática da Reportagem (Ática, 1986), Caravana da Cidadania – Diário de Viagem ao Brasil Esquecido (Scritta, 1993) e Do Golpe ao Planalto – Uma Vida de Repórter (Companhia das Letras, 2006)

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