Marta Vieira da Silva: rainha da bola

Brunella França
5 min readDec 11, 2015
Marta: maior artilheira com a camisa da seleção brasileira, superando Pelé.

100 jogos pela seleção brasileira de futebol. Uma marca que deixaria qualquer atleta orgulhoso. E o que dizer de comemorar 100 jogos e superar Pelé como maior artilheiro usando a amarelinha? E o que dizer de superar Pelé como maior artilheiro usando a amarelinha e ainda marcando 5 gols numa mesma partida? Foi o que ela fez! Ela: Marta Vieira da Silva, 29 anos, saída dos campinhos de Dois Riachos, em Alagoas.

Considerado o rei do futebol, Pelé marcou 95 gols com a camisa da seleção brasileira em 114 jogos. Marta, em 100 jogos, chegou aos 98 gols, artilheira absoluta do manto canarinho. O recorde que pertencia a Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, foi batido na quarta-feira (9 de dezembro), no jogo de estreia do Brasil na Copa Caixa — Torneio Internacional, disputado por mais três equipes, Canadá, México e Trinidad e Tobago.

A partida disputada na Arena das Dunas (Natal — RN) contra a seleção de Trinidad e Tobago não chegou a ser brilhante, apesar do placar: 11 a 0 para o Brasil. Diante de um adversário fraco, as brasileiras jogaram em ritmo de treino. A grande notícia da noite foi mesmo o feito de Marta: ela marcou 5 gols, igualando sua própria marca, alcançada no Pan do Rio de Janeiro, em 2007, e se tornou a maior artilheira da seleção brasileira — e ainda contando! O próximo jogo do Brasil pelo torneio é domingo (13), às 17h, contra o México, um time muito mais estruturado que Trinidad e Tobago. Mas a atacante brasileira segue perseguindo novos recordes, em busca de ultrapassar a marca de 100 gols com a seleção — coisa que ninguém nunca fez.

País do futebol?

A repercussão do feito de Marta é nada menos que pífia na imprensa brasileira, apesar do currículo dela: vencedora do prêmio Fifa de Melhor Jogadora do Ano por cinco vezes consecutivas (2006, 2007, 2008, 2009, 2010), feito que nem um jogador homem conseguiu, e artilheira da Copa do Mundo de Futebol Feminino (15 gols). Marta conquistou ainda duas medalhas de prata nas Olimpíadas (2004 e 2008), um vice campeonato na Copa do Mundo (2007), além de duas medalhas de ouro pan-americanas (2003 e 2007). Isso quando o Brasil sequer contava ainda com uma seleção feminina permanente, que só foi criada pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) no último trimestre de 2014. A seleção feminina, para se ter ideia, disputou sua primeira partida em 1986, quando enfrentou os Estados Unidos num amistoso internacional e foi derrotada por 2 a 1.

A maior jogadora de futebol de todos os tempos não estampou capas de jornais esportivos, sequer foi a matéria principal dos cadernos de esportes dos maiores jornais do país. Portais na web deram a notícia, mas sem fazer muito alarde também. Não houve programas especiais na televisão (aqueles com longas entrevistas, personagens da família, fotos e fatos marcantes da carreira) e não há qualquer sinal de que isso será feito. Não admira. Afinal, o Brasil se recusou a ser sede da Copa do Mundo Feminina, disputada em junho/julho deste ano, no Canadá.

Não é exagero dizer que, fosse um jogador da seleção masculina a ter superado Pelé, este seria o assunto mais comentado da semana na imprensa e nas redes sociais. Haveria programas esportivos especiais, a programação de domingo traria retrospectivas da carreira, possivelmente um encontro entre o novo dono da marca e Pelé. Assistiríamos a reportagens com apelo emocional, falando das dificuldades da carreira, da superação dos desafios até o estrelato. Nada disso, porém, será feito. E o motivo é simples: Marta é mulher. Uma jogadora profissional que ousou desafiar todos os contras e se tornou o maior nome entre aquelas que jogam futebol pelo mundo. Respeitada por adversárias dentro e fora dos campos.

Futebol é coisa de mulher!

Apesar do empenho de Marta e de tantas outras grandes jogadoras que já despontaram no Brasil, o futebol feminino ainda está longe de se profissionalizar no país. Apenas este ano, na preparação para a Copa do Mundo, a seleção feminina ganhou o direito de usar as mesmas instalações da seleção masculina na Granja Comary, “casa” do time brasileiro. Os campeonatos estaduais sobrevivem dos esforços de clubes desconhecidos do grande público, com quase nenhuma verba. E o campeonato brasileiro é desconhecido pela imensa maioria de brasileiras e brasileiros.

Em 2016, o Rio de Janeiro será palco das Olimpíadas, o segundo maior campeonato de futebol mais importante entre as mulheres, que podem jogar com as equipes principais (ao contrário dos homens, que disputam o torneio com um time sub-23 — podendo levar até três atletas com idade superior à estipulada). A Copa do Mundo deste ano mostrou, porém, que, para ter alguma chance de disputar com grandes seleções, as meninas do Brasil precisam ser levadas a sério. O futebol feminino precisa ser encarado como profissional e não apenas uma distração, uma sub-modalidade. Grandes seleções, como Estados Unidos, Alemanha, Japão, França e Canadá virão disputar a medalha e já saem como grandes favoritas por toda estrutura de que dispõem suas atletas.

A seleção feminina que disputa a Copa Caixa — Torneio Internacional é a base que estará no Rio para os Jogos Olímpicos. O sonho dourado é difícil e distante, mas o Maracanã já se levantou para reverenciar Marta e companhia uma vez, na final do Pan em 2007. Por que não sonhar com 2016? E se antes costumava-se dizer que “Marta é o Pelé de saias”, os números oficias já nos permitem trocar: Pelé é a Marta de calças!

Sissi, Kátia Cilene, Pretinha, Maycon (Mariléia dos Santos), Tânia Maranhão, Roseli, Formiga, Marta, Cristiane e tantas outras que já vestiram, vestem e que ainda vestirão a amarelinha deixam uma mensagem que precisa ser reforçada a cada novo jogo da seleção feminina: futebol é coisa de mulher. E que as meninas que hoje sonham em ganhar uma bola de futebol, como diz a história da Marta criança, possam se espelhar em nossas atletas e ter orgulho de jogar como uma garota!

Jogue como uma garota!

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Brunella França

‘If I had a world of my own, everything would be nonsense’ ♒