A COPA EM VINTE DIAS #15

Quantos gols vale uma vida?

O gol contra que custou a vida de um zagueiro colombiano. O atleta foi brutalmente assassinado durante a Copa de 94

Drible da Vaca
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5 min readJun 7, 2018

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Por: Vitor Magalhães

Em 1994, a Seleção Colombiana era tida como uma das favoritas à conquista do Mundial dos Estados Unidos. Foi uma geração espetacular de futebolistas, conhecidos por sua técnica e talento complementares. Comandados pelo experiente treinador Francisco Maturana, os imortais Asprilla, Rincón, Valderrama e Valencia apresentaram um dos melhores estilos de jogo que a América do Sul vira até então.

O personagem da história de hoje, entretanto, não era um craque do ataque. Mas foi um símbolo colombiano em vários sentidos; no Atlético Nacional e em sua cidade natal, Medellín. Seu nome era Andrés Escobar, o zagueiro assassinado menos de uma semana após marcar um gol contra que complicou a vida da seleção nacional no Mundial de 94.

Escobar era conhecido como “el caballero del fútbol”, e chegou a ser capitão da seleção nacional e campeão da Copa Libertadores da América, em 1989.

Na madrugada do dia 2 de julho de 1994, com a Copa do Mundo ainda em curso, o atleta foi morto a tiros ao sair de uma boate na cidade colombiana de Medellín. Andrés foi abordado por três homens, um dos assassinos o provocou batendo em suas costas e dizendo: “Gracias por el gol”. Houve uma discussão, seguida por seis disparos de arma de fogo. Oficialmente não foi comprovado que o assassinato tenha tido relação com a derrota no Mundial.

A morte do sonho colombiano em terras estadunidenses

Nas eliminatórias para a Copa de 1994, los cafeteros encantaram o país e a América. A seleção classificou-se invicta e levou apenas dois gols, de quebra enfiou um 5-0 na Argentina, em Buenos Aires. Se a situação dentro da cancha era a melhor possível, fora dos gramados a realidade era frágil e sangrenta. Em meio às comemorações da classificação, dezenas de pessoas foram mortas e outra centenas ficaram feridas. Entrava em cena um dos personagens mais ingratos da década colombiana: o narcotráfico.

Com a queda eminente de Pablo Escobar, o clima de tensão nas ruas acirrou-se. O cartel de Cáli ascendia ao poder, e fazia do início dos anos 90 um dos períodos mais sanguinários do país. Os narcotraficantes eram fissurados em futebol, e nutriam altas expectativas naquela seleção colombiana. Mais do que nutrir expectativas, é certo que o dinheiro do narcotráfico entrava nos clubes colombianos frequentemente.

Nesse contexto a Colômbia entrava em campo no primeiro jogo do Mundial, contra a Romênia. Frustração total, a derrota por 3-1 complicou os planos colombianos, que precisariam vencer os Estados Unidos na segunda rodada. Este foi o fatídico jogo, que culminou na morte de Andrés. A derrota para os EUA por 2-1, com direito a um gol contra, que praticamente eliminava os colombianos da competição ainda na fase de grupos.

Logo após a derrota para os estadunidenses, Francisco Maturana pediu demissão. Antes do jogo o treinador e um jogador foram ameaçados de morte por um dos mais famosos carteis colombianos. Um fax enviado de Cáli dizia que se Gabriel Gómez, jogador da região de Medellín, não fosse retirado da equipe principal, sua família e o próprio atleta poderiam morrer.

A tragédia de Andrés Escobar marcou a Colômbia e mobilizou os esforços das autoridades e da população para combater a violência. Mas é importante ressaltar que o episódio pertence ao passado do país. Hoje, não se imagina que um jogador da atual seleção pague com a vida por um erro na Copa.

O radialista Guillermo Díaz, comentou sobre a ligação entre futebol e narcotráfico no país.

“O futebol colombiano está livre dessa ligação com a violência, tanto que um dos maiores clubes do país, o Atlético Nacional de Medellín, que era muito ligado ao narcotráfico, hoje é controlado por uma empresa que pertence a um dos maiores industriais da Colômbia.”

Fãs lamentam a morte de Escobar durante a Copa de 94

Desdobramentos do assassinato

Pouco tempo depois do assassinato, Humberto Castro Muñoz foi preso, indiciado e condenado a 43 anos de prisão pelo crime. Entretanto, a crença geral era de que seus empregadores, os irmãos Gallon, haviam arquitetado tudo. Os irmãos eram veteranos do tráfico e magnatas dos jogos de azar. As más línguas diziam que que eles queriam Escobar morto por conta do dinheiro que perderam com a derrota da seleção.

De qualquer forma, na época, o assassinato de Escobar serviu de emblema para uma sociedade controlada pelo narcotráfico. O jornal El Colombiano estampou a manchete “Unpardonable!” na primeira página, e centenas de milhares de colombianos transformaram o funeral do jogador em uma espécie de manifestação pacífica.

Apesar de não ter parentesco com o maior traficante de cocaína da história (Pablo Escobar), especulou-se que se o barão do tráfico estivesse vivo na época do ocorrido, Andrés não teria sido assassinado. Isso porque os irmãos Gallon, chefes do tráfico em Cáli, não alvejariam um astro do Atlético Nacional de Medellín, pois a ação seria considerada um ato de guerra.

De qualquer maneira, o gol está ligado a sua morte. Seja porque os assassinos o provocaram antes de cometerem o crime, ou porque se a Colômbia tivesse avançado para a fase eliminatória, Andrés Escobar não estaria na discoteca naquela noite.

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Perfil destinado à divulgação do futebol sul-americano. Autor: Vitor Magalhães. E-mail: oficialdribledavaca@gmail.com