A ex-atleta foi contemporânea de Sissi, que a considera a melhor jogadora que o Brasil já teve

Fonte: Acervo Pessoal de Rosana

 Por Rodrígo Olivêira

(Aviso: este texto contém descrição explícita de violência)

Que o futebol feminino, como um todo, passou (e passa) por dificuldades de visibilidade, se comparado ao masculino, é extremamente visível. No Brasil, um Decreto-Lei que vigorou por quase 40 anos e só foi revogado em 1979, proibiu as mulheres de jogar bola. Mas nada disso impediu uma baiana de fazer o que gostava: jogar bola.

Nascida em Vitória da Conquista, na década de 1960, Rosana de Oliveira Fernandes (ou Rosaninha – no meio futebolístico feminino) começou a se interessar por futebol aos 5 anos de idade, quando ainda pegava as cabeças das bonecas e as fazia de bola.

Esse interesse acentuou-se, ainda mais, quando o tio dela, Carlos Alberto, a incentivou, pois via que ela sabia jogar bola “eu tenho muito orgulho de falar dele (…) e ele me influenciou muito. Junto com ele, no dia-a-dia, quando eu estava em casa, ele fazia as bolas pra gente jogar.”

Já aos 13 anos, na escola, ela participou do seu primeiro time de futsal. Mas, só aos 16 anos, começou a jogar, como meia direita, no time amador de futebol feminino do Massicas, no qual permaneceu até o final de 1982.

A partir daí, ela começou a despontar no esporte, chegando a ser chamada de ‘Zico’, pelas pessoas de Vitória da Conquista. “Como o futebol, naquela época, era muito discriminado, a mulher era tachada de nomes horríveis, e aí minha mãe descobriu que eu ‘tava’ jogando futebol e não permitia que eu jogasse. Então eu ia pra escola, ‘filava’ aula para ir treinar e jogar pelo time do Massicas.” 

Fonte: Acervo Pessoal de Rosana

Nessa rotina de aulas, treinos e jogos, surgiu a oportunidade de jogar contra um time de Salvador, no estádio do Lomantão, em Vitória da Conquista. Rosaninha ‘endoidou’ e ficou tão focada em querer jogar a partida que até pediu autorização ao pai, que até então não ligava muito para isso e, portanto, deixou.

“No dia seguinte, meu pai trabalhava na rádio clube de Vitória da Conquista, e o meu nome surgiu na rádio, e os caras ‘nossa, sua filha joga muita bola’. E outros caras, de lá de dentro, também começaram a questionar mulher que jogava bola. Começaram a tachar que mulher que jogava bola era Sapatão, e a filha de (…) estava lá no meio, e virou uma confusão.”

Além de isso ter se tornado uma confusão no ambiente de trabalho do pai, de acordo com ela, assim que ele chegou em casa, avançou em sua direção e disse “A partir de hoje, você não pega mais uma bola pra jogar. Se você pegar, eu prefiro você morta, dentro de um caixão, do que você ser uma sapatão.”

Apesar de, profundamente, machucada pela fala, ela não desistiu de continuar jogando bola e saiu de casa em busca do seu sonho. E foi a partir desse jogo, no Lomantão, que ela ganhou visibilidade e foi convidada, pelo Itabunense de Itabuna/BA, para jogar lá, em 1983. Na sequência, recebeu o convite do Panteras de Ipiaú/BA.

Em 1986, chegou a Salvador/BA  e acabou conhecendo uma moça que acompanhava futebol. Foi ela que a incentivou a fazer um teste para entrar no time do Bahia. Passado o teste, ela entrou para o time feminino de futsal e, também, de campo.

Só que o time não era próprio do Bahia, como o de hoje. Na época, o clube baiano, apenas, apoiava o time formado por José Faustino, torcedor do Bahia e fanático por futebol, que transitava bem pelo clube e, por isso, conseguiu o apoio do time da capital.

“Eu joguei muito tempo pelo Bahia, não era o time de dentro mesmo do Bahia, mas pelo Bahia. Era formado por um cara Diretor do Bahia, era taxista, mas ele amava tanto o futebol feminino que ele pegou uma casa dele, que ele tinha, e botou a gente dentro pra poder morar. E ele também sustentava a gente, ele fez uma comissão técnica, e os caras da comissão técnica davam feira, gás, uniforme (…) que nem uniforme o Bahia dava.”

Nesse período de quatro anos no clube baiano, Rosana disputou campeonatos de campo e de salão, sendo multicampeã, juntamente, com a ex-atacante da Seleção Brasileira, Sissi.

Fonte: Acervo Pessoal de Rosana

Em 1991, ela chegou a fazer testes na Seleção Brasileira de Futebol Feminino, mas, apesar de muito talento, não foi escolhida. Segundo ela, Faustino lhe contou a verdade sobre não ter sido escolhida “Não foi só você, muitas outras meninas que poderiam entrar e não foram, porque já tinha muitas atletas com cabelo curto, e eles queriam meninas com cabelo comprido”.

Como jogadora, Rosana teve uma carreira curta, atuando por, apenas, 12 anos. Mas, já no finalzinho, em 1993, o treinador do Euro Esporte/SP, time que atuava na época, pediu para que ela voltasse à Bahia e montasse uma equipe de futebol. Foi aí que surgiu o Euro Esporte/BA, que acabou se fundindo ao de São Paulo.

De volta a São Paulo e não mais atuando nos campos, Rosaninha acompanhou, continuamente, a ex-jogadora Sissi. Sempre que a ex-atacante ia para um time, Rosana estava junto dela.

Começava aí, então, sua carreira fora dos campos, como roupeira e massagista. Depois, assumiu os cargos de Supervisora e de Treinadora do Sub-15 e do Sub-20. Esse acúmulo de funções aconteceu quando Sissi jogava pelo Principal da Associação Sabesp e fez com que as datas de jogos das divisões de base se chocassem. Por conta disso, ela precisou fazer um curso técnico de enfermagem e de técnica de futsal, aprimorando seus conhecimentos como massagista e treinadora esportiva.

Quando questionada sobre as diferenças entre o futebol feminino de sua época para o atual, ela desabafa: “Lá pra trás (…) já tinha o preconceito de não aceitar o futebol feminino. E o futebol feminino, na verdade, eles começaram a aceitar de dez anos pra cá. Então você, hoje, vê essas meninas que têm esses patrocínios, que ganham dinheiro, que estão em busca de igualdade salarial, elas estão colhendo o que nós lá trás plantamos.”

Por conta das vivências na própria Seleção Brasileira Feminina e por estar, sempre, acompanhando Sissi, ela ainda traz situações de ex-jogadoras que têm condições de vida bastante delicadas atualmente: “tem jogadoras da seleção brasileira de 1988 e 1991, jogou as olimpíadas de 1986 que não tem um emprego. Tem jogadora que dirige ônibus no Rio de Janeiro, fazendo Uber no Rio de Janeiro, tem jogadoras em Joinville que são caixas de supermercado. Essas meninas foram vestir a camisa da Seleção Brasileira, do Corinthians, do São Paulo e hoje não têm nada.”

Sobre a equiparação salarial, Rosana considera que as meninas, ainda, terão que lutar muito. “Em termos de Brasil, as meninas vão ter que trabalhar muito, porque o futebol feminino ainda não é totalmente reconhecido no Brasil. As equipes, hoje, daqui do Brasil, só têm o futebol feminino porque foi exigência da FIFA, da Conmebol e da CBF. E tem times, aqui em São Paulo, que não querem time feminino e estão com time feminino por causa da CBF.”

Apesar de ter vivido momentos difíceis por conta do futebol, Rosana não desistiu de praticar o esporte que tanto ama. E foi esse esporte que permitiu que ela vivesse bons momentos e viajasse por todo o Brasil, além de conhecer Espanha e Itália, com o time da Associação Sabesp, e até mesmo Bruxelas na Bélgica, acompanhando a amiga Sissi na premiação como segunda melhor jogadora no ano 2000. 

Texto produzido em cobertura colaborativa da NINJA Esporte Clube