Histórias do judô no Pará

Histórias do judô no Pará

São 2.676 km de distância que separam Curitiba (PR) de Belém (PA). Acabei de conferir no Google. Mas, com dor no coração de ter de selecionar alguns estados para iniciar minha pesquisa e deixar os demais para mais tarde, seria impossível não encarar a viagem até o Pará para conhecer mulheres judocas do estado.

Simplesmente porque basta lembrarmos que a modalidade se desenvolve no Brasil a partir de dois fatores: 1) a imigração japonesa para o país, trazendo conhecedores do judô e que continuam a pratica á-lo nas colônias e, posteriormente, passam a ensinar a interessados; 2) pela exibições e desafios que participavam judocas que misturavam o conhecimento do judô com outras lutas  e a tornavam conhecida. Este é o caso de Mitsuyo Maeda, o Conde Koma, que entrou no Brasil por Porto Alegre, participou de desafios “subindo” pelo Brasil e se instala em Belém, onde fica célebre por ter passado seus ensinamentos a Carlos Gracie, antes de a família se mudar para o Rio de Janeiro. A curiosidade é saber como o judô, ainda “misturado” ao jiu-jitsu se desenvolve em Belém e quando as mulheres começaram a praticá-lo. Dava para não vir?

Foi simplesmente fan-tás-ti-co . Conheci algumas das judocas, soube do nome de outras que desbravaram os tatames somente muitas décadas depois (vamos arredondar para uns 70 anos) da chegada do Conde Koma a Belém.

Kátia Sombra, tricampeã mundial Master, Silvia do Socorro Luz Pinheiro, que se tornou uma estudiosa da filosofia do judô e a Ni-Dan Rosângela Ribeiro contaram suas histórias.

Silvia Pinheiro, Katia Sombra e Rosângela Pinheiro.
Silvia Pinheiro, Katia Sombra e Rosângela Pinheiro.

Entre elas, vale adiantar a “polaridade” de duas academias, a Conde Koma Judô Clube e o Pará Clube, clubes que se destacam nas competições  e o quanto a modalidade cresce diretamente ligada à polícia: muitos locais de treinamento aparecem a partir de treinamento seja no Corpo de Bombeiros, seja na Guarda Municipal.

O Conde Koma Judô Clube é resultado da primeira academia, fundada por quem a nomeia, mas primeiramente sediada no Clube Remo e que depois passou para outros senseis e outras sedes. Hoje seu dojô está em uma academia de musculação e boxe, a Van Damme academia e não esconde os ares de decadência.

Conde Koma Judô Clube.
Conde Koma Judô Clube.

Passei por lá dois dias e o proprietário do local não sabia me informar por onde andava o sensei . Até onde sabia, quem comandava os treinos era Alessandro Barros. Está em Macapá (AP). Ele é discípulo do 6º Dan Alfredo Coimbra, hoje com 81 anos e afastado dos tatames pela fragilidade da sua saúde.

Alfredo é história viva do judô brasileiro, mas está sendo esquecido. É um dos poucos remanescentes da linhagem de Koma no Brasil: seu professor, Sebastião Oli (um filho de imigrantes italianos), foi da primeira geração de faixas-pretas formado por Mitsuyo Maeda.

Aos 81 anos, o sensei Alfredo Coimbra.
Aos 81 anos, o sensei Alfredo Coimbra.

Muitos judocas quando vem ao Pará costumam ir visitar o túmulo do Conde Koma. Particularmente, abri mão dessa aventura para tentar encontrar o sensei Alfredo. Acabei, sem saber, encontrando-o no dia do seu aniversário de 81 anos, em casa, no bairro Pedreira.

Ele competiu durante muito anos o judô em desafios de luta livre. O resultado são hoje fortes dores de cabeça, dificuldade de movimentos e a fuga da memória. Mas é bom de papo. Contou muitas histórias dos tempos que o dojo era formado por uma grande área de serragem coberta por lona e não esconde o afastamento dos tatames com certo desgosto e falta de reconhecimento. Ainda sonha ver  Conde Koma Judô Clube de volta a uma sede melhor.

Sensei Fernando Pereira de Jesus e Adriana Brum.
Sensei Fernando Pereira de Jesus e Adriana Brum.

Tive um encontro bastante rápido também com o sensei Fernando Pereira de Jesus, 8º Dan, que contou um pouco da história do judô na cidade. “Vim da Bahia para cá em 1975 , e na época, tinha professor que promovia judoca de 6 anos para a faixa preta”, falou.

Solange Pessoa – uma vida para o judô

Solange Pessoa – uma vida para o judô

Fui pra Jaçanã, em São Paulo, e descobri que não tem trem que vá para lá… Então, não tinha de me preocupar com o horário de volta, como no sambinha do Adoniran. 

Fui em busca de mais uma história contada a partir de uma mulher judoca. E que mulher, meus caros ! Quem me recebeu desta vez foi a Solange Pessoa, 54 anos e 7º Dan. Uma das primeiras kodanshas do Brasil.

Se parasse por aí,  já tinha muita história para contar. Ela também foi de uma das primeiras gerações de judocas de São Paulo – começou em 1968 – foi da seleção que participou do primeiro Campeonato Mundial, em Nova York, em 1980, e depois treinou a seleção brasileira.

Achei esse vídeo aqui, que a homenageia e nos conta um pouco de sua carreira (obrigada, YouTube!):

Ela vive e respira o judô. Segue dando aulas na academia que leva seu sobrenome, Pessoa, fui recebida. Conta que, na sua época, ter a garantia de que não seria demitida do banco em que trabalhava nos dias em que precisava viajar para competir era o patrocínio comemorado.

Confira alguns dos momentos dela como atleta (obrigada, YouTube, novamente! )

Hoje, não dá para a molecada no tatame e segue formando judocas. Por seus tatames passaram nomes como Daniel Hernadez.

Agora, sigo para Belém !!! Explico em breve o que procuro por lá !

Mais um tesouro encontrado em Porto Alegre

Mais um tesouro encontrado em Porto Alegre

Ainda estou em Porto Alegre. E a, aos 45 minutos dos segundo tempo, consegui a entrevista que tanto queria: Lea Linhares. Aos 63 anos, está voltando a vestir o quimono depois de cerca de 35 anos afastada dos tatames. Ela começou a praticar o judô em 1965 (!!!!) e, em 1969 graduou-se faixa preta em Porto Alegre, quando ainda a modalidade era proibida, como competição, por lei federal, às mulheres.

Lea Linhares assim, novinha...
Lea Linhares assim, novinha…

Ela foi a primeira mulher do estado – e deve ser a primeira do Sul do país – a ter alcançado tal graduação, embora até hoje isso não tenha sido oficializado, visto que, na época, o judô feminino não era reconhecido (olha que curioso – usar a faixa preta, ela podia, portar um diploma que dizia que ela é faixa preta, não… coisas da burocracia, para não entrar em outros julgamentos, que não me cabem.. tirem suas conclusões).

Foi uma conversa deliciosa. E confesso que encontrei alguns pontos de identificação (claro, guardadas as devidas proporções), como, por exemplo o fato de ela ter sido a única mulher a prestar exame de faixa para sho-dan (preta) e ter tirado nota 9,8. Foi meu caso também.

Só que, no dela, ela era uma das únicas praticantes de seu estado na época. No meu, já havia muitas judocas mulheres, a peculiaridade é que eu tinha mal completado 17 anos quando me inscrevi para o exame (tanto que exigia comprovante de antecedentes criminais e obviamente eu não ia conseguir a documentação porque ela não é – ou era, na época – emitida para menores de 18 anos).

Reminicências pessoais à parte, me senti encontrando um verdadeiro tesouro aqui na capital gaúcha. Descobri a história da Lea porque um amigo me enviou um relato que ela havia dado ao Centro de Memória do Esporte da UFRGS (obrigada, Marcelo!) e, claro, surtei. Tem um material publicado aqui. Confiram.

Volto amanhã para Curitiba. Hoje vou turistar um pouquinho e aproveito a agradecer ao Ale e à Thais e à Márcia e sua Família, todos, que além de me hospedarem, abriram não só suas casas pra mim, mas também me deram todo o apoio para que minha estadia em Porto Alegre fosse a melhor e que eu conseguisse atingir meus objetivos de forma tão tranquila.

Judocas Paulistas – 7 entrevistas em 7 dias

Judocas Paulistas – 7 entrevistas em 7 dias

Estou em Porto Alegre  e, finalmente consegui articular tempo livre+internet disponível+computador funcionando minimamente para fazer o que deveria ser feito com mais frequência: atualizar este blog.

E finalmente posso contar as um pouco da aventura que percorrer centenas de quilômetros paulistas para 7 entrevistas em 7 dias.

A começar que a recepção de todas elas foi sensacional. Mesmo. A Danielle Zangrando, por exemplo, foi a primeira judoca mulher a subir em um pódio em campeonatos mundiais.

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E esta semana está comentando o Mundial de Judô em Astana para a ESPN, ao lado do Rogério Sampaio (e recomendo. dupla que comanda também com o microfone na mão). Duma gentileza e prontidaão, ela me passou uma série de outros contatos, entre os quais, o da Priscila Marques, outra ótima entrevista.

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Elas são de um período em que não é exagero chamá-las de “meninas” do judô – chegaram bastante novas à seleção nacional, mas quando já havia uma seleção nacional. Diferente dos tempos de Soraia André, com quem eu fui conversar em Santo André. Hoje, aos 52 anos, psicóloga da equipe da cidade, relembra o começo nos tatames no final da década de 1970, quando as garotas que faziam judô eram as filhas dos senseis. Ela lutou o primeiro campeonato mundial para mulheres, em 1980 , em Nova York.

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Depois, fui para São Caetano do Sul, entrevistar a Edinanci Silva, que ainda compete. Ela competiu 4 (sim, quatro, vale dizer assim, por extenso), olimpíadas se já tinha admiração por esta mulher como judoca, putz, agora sou fã de carteirinha por sua força como pessoa. Uma pena para este post, para mim e para quem lê que decidi ainda não comentar o conteúdo das entrevistas, embora não seja nenhum segredo. Mas um pouco de mistério é bom pra fazer um charme. …

Edinanci Silva e Adriana Brum
Edinanci Silva e Adriana Brum

Em seguida, fui para Indaiatuba encontrar a Monica Angelucci, primeira campeã brasileira em Jogos Pan-Americanos,isso lá em 1987, junto com a Soraia André. E assim carimbaram o passaporte para competir a primeira olimpiada em que as mulheres judocas , puderam participar, em Seul , 1988 (a mesma em que o Brasil teve seu primeiro ouro nos tatames, com o Aurélio Miguel) . A “Moniquinha” contou como foi o titulo no Pan e, do dia para noite, viveu a euforia coletiva que causa um topo de pódio.

monica e filhos 1

Entrevistei ainda a sensei Miriam Minakawa, que conduz há décadas no Clube Hebraica treinamentos para uma equipe de judô e teve sua filha naturalizada israenlense para competir os Jogos do Rio 2016. Uma bela visão sobre quem acredita que as mulheres judocas se  sentem sempre desvalorizadas por serem mulheres em um meio predominantemente masculino. Definitivamente, não é o caso dela.

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A última entrevista dessa primeira série foi com a Marilaine Ferranti, a Bya, primeira mulher no Brasil a atingir o posto de árbitra FIJ A, conversamos em uma padaria em Pirassununga. Falamos desde seus tempos de atleta até a experiência de formar-se árbitra internacional e  a repercussão de comandar alguns shiais (lutas) no Pan de 2007, no Rio.

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Isso tudo, fiz me deslocando entre ônibus, metrô e trem, com horas para pensar sobre o total de mais de 15 horas de conversas e tantos nomes que surgiram nessas entrevistas.  Tantas provocações, tantas coisas a serem descobertas.  Não tem sido muito fácil carregar mochilas pesadas para lá e para cá, sem contar que sou ótima em me perder, mas já sabia que a cada vez que o gravador seria ligado, viram ótimas histórias que compensariam tudo. Que continuemos assim.

Agora, Porto Alegre !

Entrevistas e literatura – um pouco de reflexão

Entrevistas e literatura – um pouco de reflexão

“A vida não é a que a gente viveu, e sim a que a gente recorda, e como recorda para contá-la.”

A frase acima está no prefácio do Viver para contar, de Gabriel García Marquez. A princípio, a relação da obra com o projeto de entrevistar mulheres judocas para saber mais sobre a história do judô no Brasil seria somente a de que foi o livro escolhido para ir comigo como companhia nesta primeira fase na estrada, a de São Paulo (no fim, pelo peso, o livro ficou em Curitiba).

Esse prefácio anuncia duros dilemas com os quais estou convivendo na relação de ser entrevistadora em busca de entrevistadas dispostas a contar suas vidas. Ou a vida que recordam, e como a recordam para me contar.

Em
Em “Viver para Contar”, García Marquez faz um relato da sua vida, usando todo seu talento narrativo.

Confesso que, até agora, tive ótima receptividade das judocas.

E contei com a ajuda e o grande empenho de mulheres de grande quilate nos tatames brasileiros – Danielle Zangrando, Soraia André, Edinanci Silva, Priscila Marques e Mônica Angelucci.

Soraia André.
Soraia André.
Priscila Marques
Priscila Marques
Mônica Angelucci
Mônica Angelucci
Edinanci Silva
Edinanci Silva
Danielle Zangrando
Danielle Zangrando

Contarei, nos próximos dias, um pouco dessas histórias (a intenção era contar no dia a dia em que foram feitas, mas tive alguns contratempos com o meu notebook, então, apaziguemo-nos).

Voltando à questão da relação entrevistador-entrevistado, contação da própria história a outros, eis que esta jornada por si fez cair nas minhas mãos outro livro que me intrigou. Na volta de Indaiatuba, resolvi esperar um pouco mais na Rodoviária do Tietê antes de pegar o metrô, para evitar os vagões lotados das 18h. E fui atrás de um livro de bolso, já que, como disse, o que queria ter trazido comigo ficou em Curitiba.

Queria uma leitura que não tivesse ligação direta com meus estudos. Mas, sem saber, me traí e acabei com O Jornalista e o assassino, da jornalista Janet Malcolm, que analisa o julgamento de um caso em que um jornalista foi parar no banco dos réus, acusado por um um médico condenado por assassinato da mulher e duas filhas de ter sido enganado pelo entrevistador, que se fez amigo para escrever um livro em que construía a imagem do condenado como um vilão. De-vo-rei o livro neste final de semana!

o jornalista e o assassino

E, o que era para ser leitura de entretenimento virou mais uma forte reflexão entre os papeis de entrevistador/jornalista/pesquisador (que adotei para mim) e os de entrevistados/narradores de suas histórias, que tenho oferecido às participantes do meu projeto.

Sinceramente, se alguém já leu esse livro, aceito comentários porque ando abaladíssima precisando trocar ideias sobre ele. Entre outras coisas, ele aponta que delicado fio de navalha segue essa relação entrevistado/entrevistador, uma relação permeada de expectativas, intenções e, provavelmente, resultados que não serão plenamente atendidos. Esse simples contato engendra relações mais complexas que uma simples conversa entre humanos.

Por exemplo: em História Oral, define-se que todas as entrevistas precisam do registro gravado. Alguns autores afirmam que essa metodologia se torna possível a partir da criação da tecnologia do gravador de voz. Mas também pressupõe uma etapa de degravação (passagem para a língua escrita) e – onde não é possível esconder a ação do autor do material – o entrevistador – a transcriação dessa entrevista para a adequação da linguagem escrita. Nesse processo, a intervenção no discurso do entrevistado é inegável, mas como fazê-la mínima? E, no livro, a autora comenta que o ato da gravação, no fim, é uma garantia legal (talvez não mais que isso) de que o entrevistado disse tal citação.

Sem contar na permanente relação de intenções de ambas as partes numa entrevista – o entrevistador quer chegar a algum lugar, mas o entrevistado também tem seus interesses e assim, não é passivo às questoes que lhe são postas.

O grande problema ético é : até onde e como o entrevistador pode ir para fazer o entrevistado contar o que lhe interessa? E o quanto o entrevistado pode se iludir de que o que conta será usado como intenciona? Afinal, a forma final do discurso será do entrevistado.

Esses pontos vão exatamente ao encontro de pensamentos que me instigam durante e após as entrevistas. São questões para se pensar em teoria, mas não podem ficar só na teoria. E, confesso que, mesmo com anos pensando (e executando) a ação da entrevista, esse momento só faz aumentar a responsabilidade sobre as entrevistas esse projeto. Sigamos em frente.