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Esportes Copa 2018

Análise: A saga argentina na Copa é um desafio à razão

É impossível buscar elementos que justifiquem ver este time na segunda fase da Copa do Mundo
Partida entre Nigéria e Argentina no estádio São Petersburg Foto: PAUL ELLIS / AFP
Partida entre Nigéria e Argentina no estádio São Petersburg Foto: PAUL ELLIS / AFP

MOSCOU - A Copa do Mundo desta Argentina é uma permanente batalha entre a razão e o futebol, este jogo tão íntimo do imponderável. Porque racionalmente  é impossível buscar elementos que justifiquem ver este time, ou o que é hoje o futebol argentino como organização, na segunda fase da Copa do Mundo. A seleção terminou seu terceiro jogo no Mundial à imagem do que foi nos dois primeiros jogos: a busca do gol épico, cardíaco, esfacelada como time, à espera do milagre de Messi ou de algum dos coadjuvantes.

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Como este gol veio, o rosto sangrando de Mascherano será lembrado como retrato do heroísmo de uma nação futebolística apaixonada e que jamais se rende. É bonito. Mas ali estava um personagem emblemático lutando contra suas limitações físicas, contra a passagem do tempo que o deixa sem pernas e fôlego, como se o caráter lhe garantisse um lugar, espécie de um tutor para por ordem num time desgovernado. Ontem alternou ações caóticas com tentativas de comandar o campo, até com algum sucesso.

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Para oferecer prêmios grandes, o futebol costuma exigir mais do que os "huevos", metáfora bem argentina da vontade. Mas esta Argentina, ao se classificar, contraria a lógica fria. Há gols que simplesmente acontecem, sem tantas explicações. A não ser a constatação de que um time o queria, outro especulava. Este sim, um pecado que o jogo não costuma perdoar.

A bola do gol evita que a possível última Copa do  Mundo de Messi acabe tão precocemente. E, neste ponto, há algo de racional a tirar do jogo. Por alguns minutos do primeiro tempo, a Argentina teve certa cara de time, uma mínima organização. Quando teve um sócio, que foi Banega, Messi combinou domínio e finalização com a categoria e a naturalidade de um superdotado. O problema não está nele, está na seleção

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À beira do campo,  vibrou Sampaoli com o gol de Rojo, autor tão improvável quanto o próprio gol. Ao treinador, talvez haja poucos prêmios disponíveis. Difícil acreditar que não teve qualquer participação na montagem do time, que a equipe foi 100% obra dos jogadores. Ainda que, claramente, muitos de seus conceitos não estivessem ali. O caso é que, externamente, está criado o consenso de que o time não é mais seu, de que a Argentina, se ganhar, o fará apesar dele. Não é Sampaoli o maior problema argentino, mas o caos que rodeia a seleção. Ocorre que, ao assumir como bombeiro, não se comportara como tal. Um dos técnicos mais capazes do continente, perdera-se, ao menos até antes do jogo com a Nigéria, em experimentos complexos e autorais.

No que depender da razão, de novo ela, pouca coisa faz crer que a Argentina terá muitas chances contra a França. Esta, outra seleção que é o retrato do potencial não realizado: uma  geração talentosíssima, com  um ar um tanto soberbo, com muito mais técnica do que jogo coletivo. Embora nada caótica se comparada aos argentinos, cujo caminho está em tentar repetir por mais tempo o que fez em boa parte  do primeiro tempo. Caso se exponha  como na  etapa final, não é difícil  imaginar o que farão Mbappe e Griezmann com espaço para correr, lançados por Pogba. Se for segura, capaz de negar espaços a uma França que não constrói bem contra times mais trancados, a Argentina ganhará sobrevida no jogo para acionar o que tem de melhor: Messi.

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Sampaoli armou um 4-4-2, com Messi solto por trás de Higuaín. O craque buscava o lado direito do campo, onde Enzo Pérez, aberto como meia, ocupava o ala nigeriano e dava espaços ao camisa 10. Um mínimo de estrutura, e Messi jogou. Quase deu um gol a Higuaín e marcou em passe de Banega, outra novidade da escalação e de ótimos 45 minutos. O que, aliás, ajuda a reforçar críticas a Sampaoli. Mas era uma Argentina mais segura, precavida, tentando ter mais passes no meio-campo sem se expor, e liberando Messi para criar mais perto da área rival.

Mas quando não há estrutura por trás, quando o processo é tão torto quanto o da Argentina, que teve três técnicos desde 2014, nada é simples. O que torna o senso comum de que "bastava simplificar" uma superficialidade. Simplificar ajuda, mas não resolve. Não se fixa comportamentos da noite para o dia. E bastou levar o gol para a Argentina se perder totalmente. Porque o time não crê em seu jogo, em sua ideia. Esta ideia quase inexiste, ou ao menos é  incipiente. E a pressão no mental dos jogadores é  monstruosa.

A Nigéria, retrato do jogo opaco e conservador apresentado pelos africanos, em especial os da África Subsaariana na Copa, achou o empate num pênalti. E a Argentina virou de novo o caos habitual, nervos à flor da pele. Imagem tão ruim quanto a do time, só a deixada por Maradona e seus gestos mal-educados num camarote.

Sampaoli voltou a empilhar atacantes e o time naturalmente se desordenou, entre substituições mais explicáveis, como a entrada de Pavón e depois de Aguero, e opções menos compreensíveis como a não utilização de Dybala. Pouca coisa indicava que o gol estava próximo. Até aparecer Rojo. Na louca comemoração, Messi subiu em suas costas. Foi a única vez nesta Copa que algum argentino carregou Messi nas costas. Geralmente, é o contrário. Ao menos moralmente, a Argentina ganha fôlego. Entre o caos, a razão, o imponderável do jogo e Messi, impossível dizer onde tudo isso vai parar.