Esportes Copa 2018

Brasileiro Mário Fernandes vira certeza na Rússia a um mês da Copa

Incógnita fora de campo, lateral é avesso à exposição nas redes sociais
Mário Fernandes, destaque do CSKA Foto: Denis Tyrin
Mário Fernandes, destaque do CSKA Foto: Denis Tyrin

MOSCOU - Se falar sobre família é sinal de intimidade, o que se sabe de Mário Fernandes atesta sua personalidade reservada. Pergunte a três pessoas diferentes, todas com algum convívio no passado recente com o jogador pré-convocado para representar a anfitriã Rússia na Copa do Mundo de 2018. Dependendo do interlocutor, as respostas vão apontar que Mário tem uma filha, ou um filho, ou nenhum dos dois.

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Avesso à exposição nas redes sociais — seu Instagram é bloqueado, mal se manifesta no Facebook — e nas ruas, o lateral-direito do CSKA é um brasileiro que não se encaixa nos estereótipos alimentados por europeus. Em campo, chama mais atenção na defesa do que no ataque. Fora dele, é tímido e pouco fala, numa mistura de introversão com falta de domínio do russo, mesmo após seis anos jogando futebol no país. Nada disso foi problema para que se aproximasse de ser o primeiro não-soviético naturalizado a jogar uma Copa pela Rússia. O outro convocado, o goleiro Guilherme Marinato, do Lokomotiv de Moscou, está entre os sete que ficarão de “stand-by” para o caso de uma mudança de última hora.

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— Esse jeito mais frio dos russos talvez tenha casado com o do Mário, que é um sujeito quieto, reservado. Na cabeça deles, brasileiro é meio fanfarrão, não se apega a compromissos. Mas o Mário foi ao encontro do que desejavam — avalia o técnico Silas, que trabalhou com o jogador no Grêmio, em 2010. — Naquela época, ele alternava genialidade com um pouco de displicência. Às vezes parecia alheio ao que estava acontecendo. Mas antevia as jogadas, fazia tudo com uma naturalidade impressionante, parece que nem precisa se esforçar. É algo que a gente vê no Messi, por exemplo.

"DR" com o futebol

Assim como o argentino, Mário limita vida pública ao tempo que aparece em campo. De resto, é raro tirá-lo de casa. Há quem diga que o lateral-direito, nas horas vagas, gosta mesmo é de jogar basquete — mas no videogame. Vitinho, ex-Botafogo, Internacional e colega de Mário no CSKA, consegue levá-lo para comer em lugares conhecidos — mas sem muito luxo — da capital russa, como a lanchonete Sheik Shack, a casa de carnes Chef e o italiano Bocconcino. Já é, de toda forma, um avanço: nos tempos de Grêmio, era difícil convencer Mário a tomar café da manhã. O hábito só foi corrigido após muitos fins de jogos e treinos sofrendo com cãimbras, que a comissão técnica interpretou como resultado da falta de uma boa alimentação antes das atividades.

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Esta não é a única atitude incomum que marcou o jogador em Porto Alegre. Em março de 2009, apenas dois meses após chegar às divisões de base do Grêmio, Mário desapareceu. O clube suspeitou de sequestro. A polícia tentou reconstituir seus passos analisando câmeras e saques bancários. Tudo acabou em Jundiaí, na casa de uma tia, onde ele se refugiou após quatro dias errantes e anunciou que, aos 18 anos, havia cansado do futebol. Seu empresário, Jorge Machado, relatou à “Rádio Gaúcha” que Mário preferia voltar ao futsal em vez de seguir nos holofotes de um grande clube.

Os pais disseram que o jogador havia sentido a distância da família, natural de São Caetano, no ABC paulista, e que havia desenvolvido um “quadro de depressão”. Hoje, o episódio é tratado com cautela.

“Até acho que ele teria chance de estar na seleção brasileira, mas é uma coisa muito particular”

Fernando
Volante do Spartak de Moscou

— Se houve algo do tipo, ele conseguiu superar através do futebol — desconversa Silas. — Um cara que consegue se adaptar à Rússia, com um futebol e um ambiente totalmente diferentes, encara qualquer situação.

— Ele me falou que teve um momento difícil no Grêmio, mas nada tão grave quanto isso (depressão) — lembra Vitinho, que define o colega de CSKA como uma pessoa “resiliente”. — É um cara que nunca reclama de nada, sempre demonstra estar feliz. Aprendi muito com ele sobre como me comportar em momentos de dificuldade.

Recusa à seleção brasileira

Nas raras entrevistas que dá, Mário evita falar sobre o sumiço de 2009 e sobre a “fuga” da seleção brasileira em 2011, quando recusou uma convocação do então técnico Mano Menezes. Os amigos mais próximos dizem que o lateral, quando toca no assunto, o faz em tom de brincadeira. Mário acabou vestindo a camisa verde e amarela pela primeira vez em 2014, chamado por Dunga. À época, já atuava pelo CSKA. O passaporte russo veio dois anos depois.

— Até acho que ele teria chance de estar na seleção brasileira hoje. Mas é uma coisa muito particular. Cada um sabe onde se sente mais à vontade — observa o volante Fernando, do Spartak de Moscou, que conhece Mário desde o Grêmio. — Ele tem um coração tão grande que é capaz de tirar a roupa do corpo pra te dar. É reservado, mas é muito prestativo.

O GLOBO procurou a família de Mário para esclarecer a dúvida que abre a matéria — afinal, tem filho, filha ou nenhum dos dois? — mas as mensagens visualizadas não tiveram resposta. Jorge Machado, empresário que alçou o jogador à Europa, também não quis dar retorno.