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Brasileiro que treinou Panamá lembra escassez: 'Não tínhamos nem água'

Carlos Alberto da Luz vê classificação para o Mundial como acidente
Ex-comandado de Luz, Felipe Baloy se emocionou no contra a Inglaterra, quando marcou o primeiro gol panamenho em Copas do Mundo Foto: Fotoarena / Agência O Globo
Ex-comandado de Luz, Felipe Baloy se emocionou no contra a Inglaterra, quando marcou o primeiro gol panamenho em Copas do Mundo Foto: Fotoarena / Agência O Globo

O Panamá que encerra nesta quinta-feira sua participaçao na Copa do Mundo contra a Tunísia, às 15h, em Saransk, chama atenção do público por conta de sua fragilidade e inexperiência, mas o panorama já foi ainda mais grave em um passado recente. E a tarefa de fazer o futebol do país da América Central evoluir, por um tempo, ficou nas mãos de um treinador brasileiro. Carlos Alberto da Luz dirigiu a seleção em 2002 e 2003 com uma missão: tentar classificar os Canaleros para a Copa Ouro. Chegou perto do objetivo, mas faltou o que nenhum profissional do futebol pode abrir mão: sorte.

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A Copa das Nações da América Central, torneio classificatório, aconteceu no próprio Panamá, e o anfitrião ficou com o quarto lugar entre seis participantes. Dividiu a posição com Honduras, com quem empatou em todos os critérios. Assim, um sorteio definiu que os vizinhos avançariam à disputa principal, realizada nos EUA. Aquele time contava com três jogadores que hoje estão no elenco levado pelo técnico colombiano Hernán Darío Gómes para o Mundial da Rússia: Filipe Baloy, autor do primeiro gol do país na Copa do Mundo, e os atacantes Luis Tejada e Blás Pérez.

Carlos Alberto da Luz, à direita, quando era treinador da ainda incipiente seleção do Panamá Foto: Acervo Pessoal / Reprodução
Carlos Alberto da Luz, à direita, quando era treinador da ainda incipiente seleção do Panamá Foto: Acervo Pessoal / Reprodução

— Hoje há muitos jogadores no exterior, e isso ajuda. No nosso tempo, quem queria jogar profissionalmente tinha que ir para países vizinhos, como El Salvador, Honduras ou Guatemala, porque o campeonato panamenho era semiprofissional. Isso melhorou muito, mas a experiência ainda faz diferença. Ninguém joga em grandes clubes do futebol global, esse é outro degrau a ascender. Por mais que tudo tenha melhorado, a classificação para o Mundial foi um acidente. EUA e Honduras ainda estão muitos degraus acima — avalia da Luz.

Hoje nos EUA, onde mora com a família, o treinador destacou a evolução dos três ex-comandados, mas não acredita que tenha participação no proceso.

— Eram jogadores que viviam suas primeiras convocações e subiram muito de nível jogando no exterior. Foi um período muito difícil. A Federação Panamenha de Futebol (Fepafut)  não tinha recursos e não havia patrocínio do governo ou de empresas privadas. Com frequência, não tínhamos nem mesmo água após os treinos. Naquele tempo, tínhamos apenas três jogadores atuando fora do país. Hoje isso mudou muito, é justamente o contrário: a seleção atual só tem três jogadores que atuam no Panamá. E mesmo ali o campeonato cresceu bastante — avalia da Luz.

Seleção panamenha convocada pelo então treinador Carlos Alberto da Luz Foto: Arquivo Pessoal / Reprodução
Seleção panamenha convocada pelo então treinador Carlos Alberto da Luz Foto: Arquivo Pessoal / Reprodução

Quando assumiu a função, o treinador contou com outro brasileiro a seu lado: o preparador físico Nardo Siqueira, promovido da equipe sub-20. Na campanha do elenco principal, a seleção ficou atrás ainda de Costa Rica, Guatemala e El Salvador, mas superou a Nicarágua. Ele lembra a rotina de carências enfrentada pela equipe.

— Conseguimos fazer um  trabalho muito intenso de preparação física, e isso fez com que conseguíssemos equilibrar os jogos. Mas, tecnicamente, era uma seleção que deixava muito a desejar. O Da Luz (treinador) fez tudo o que podia e o time rendeu bem, mas não poderia ir além daquilo, era um trabalho de iniciação esportiva. Nosso dia a dia era como o de um clube pequeno do Rio: pegávamos ônibus de catraca, não tínhamos opções de locais para treinar e muitos jogadores não tinham carro — afirma Siqueira, hoje no Rio-São Paulo, clube da terceira divisão do Rio de Janeiro.

Curiosamente, a escassez de recursos era fruto de um sucesso inesperado. Naquele período, a seleção panamenha sub-20 surpreendeu ao vencer em casa seu grupo no torneio da categoria para as Américas do Norte, Central e Caribe, batendo o favorito México. Com o resultado, garantiu uma inédita classificação para o Mundial disputado em 2003 nos Emirados Árabes Unidos, que teria o Brasil como campeão. A preparação consumiu muitos recursos e pouco sobrou para o desacreditado time principal.

Atualmente, o Panamá ocupa a 55ª posição no ranking da Fifa. Entre as participantes deste Mundial, só supera Arábia Saudita (67ª) e Rússia (70ª). No fim de 2003, o quadro era menos alentador: ocupava a 125ª posição. O treinador, que já dirigiu também as seleções de Granada e de São Vicente e Granadinas, destaca a evolução do futebol local no período, mas não acredita que o amadurecimento tenha sido suficiente para encarar o desafio de jogar uma Copa do Mundo.