Com um potente chute rasteiro de fora da área, o iraniano Cheshmi abriu caminho, já nos acréscimos, para a vitória de sua seleção por 2 a 0 sobre o País de Gales na segunda rodada da Copa do Mundo. Horas mais tarde, o jovem Gakpo chutou forte com a perna esquerda para marcar no empate por 1 a 1 da Holanda com o Equador. Esses foram os dois únicos gols anotados a partir de finalizações de fora da área em 20 partidas disputadas até aqui.
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O Mundial do Catar chega ao seu sexto dia com média de 0,1 gol de fora da área por jogo. A título de comparação, no campeonato inglês — liga que mais cedeu jogadores para disputar a Copa do Mundo (136 atletas) —, a média na atual temporada é de 0,5 gol marcado dessa forma por partida.
A escassez de gols de fora da área não se deve tanto à pontaria ou à ação dos goleiros nesses lances, mas principalmente pela falta de tentativas. Cada seleção arriscou em média 3,6 arremates de longe em seu jogo de estreia na Copa. Só Brasil (13) e Alemanha (10) chegaram a dois dígitos nessa estatística. Dentre as tentativas brasileiras, duas pararam na trave, em chutes de Alex Sandro e Casemiro.
Já nos quatro jogos disputados ontem na abertura da segunda rodada, a média de finalizações de fora foi de 5,0 por equipe. O Irã de Cheshmi foi a seleção que mais tentou: foram 14 chutes. Considerando todos os 20 jogos já realizados, a média geral até esta altura do Mundial é de 3,9 arremates de longe por time.
O comentarista Paulo Vinícius Coelho, o PVC, avalia que esse baixo número de chutes de longe possa ser consequência da profusão de linhas de defesa com cinco jogadores protegendo a área:
— Cláudio Mortari, técnico da seleção brasileira de basquete nos Jogos Olímpicos de Moscou, dizia que o futebol ia virar basquete. E virou, no sentido de você ter a bola circulando do armador para o ala, do ala para o pivô, do pivô para o ala, até o arremate. O jogo da Holanda contra o Equador teve um momento em que havia uma linha de seis jogadores ali na frente da área. Então você tem que chutar de longe, mas não tem ponto de mira, porque está tudo bloqueado.
A análise vai ao encontro do entendimento de Martín Fernandez, colunista do GLOBO, que vê na "negação de espaços" a tônica das partidas deste Mundial:
— As seleções tomam mais cuidado com a posse de bola e só finalizam quando têm mais convicção da chance de gol, e de que não haverá um bloqueio, por exemplo. Elas preferem elaborar mais a arriscar perder a bola num chute despretensioso. É difícil aparecer uma chance para um chute limpo de longe.
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Para fugir da marcação, algumas construções de jogadas vistas nos primeiros confrontos da Copa seguiram um padrão que ajuda a entender o porquê de terem havido tão poucos chutes de fora. O primeiro gol da Espanha contra a Costa Rica na goleada por 7 a 0 ajuda a ilustrar: diante de uma linha de defesa que bloqueava a entrada da área, os espanhóis giraram a bola para um dos lados do campo, no caso, o esquerdo. Os costarriquenhos criaram superioridade numérica com quatro marcadores em cima de Alba e Asensio para tentar recuperar a bola, mas abriram espaço pelo meio, onde Olmo recebeu o passe, tabelou com Gavi e entrou na área para marcar.
Essa construção teve semelhança com o primeiro gol feito pelo Irã na goleada por 6 a 2 sofrida para a Inglaterra: os iranianos atraem a defesa para um dos lados, voltam a bola para o centro e encontram alguém infiltrando na área para finalizar, no caso o atacante Taremi. Contra o Uruguai, uma jogada parecida da Coreia do Sul terminou com finalização perigosa de Hwang Ui-jo por cima do gol.
Na derrota para o Japão, a seleção da Alemanha executou as primeiras etapas dessa mesma jogada, mas mostrou uma variação em seu desfecho. O lance começa pelo lado direito do ataque, volta para Kimmich centralizado e o meio-campista inverte para o lateral Raum, aproveitando o espaço criado pela defesa japonesa que havia se movido para a direita naquele primeiro momento. A jogada termina com Raum sofrendo pênalti, depois convertido por Gundongan.
PVC lembra que a baixa média de gols registrada na Copa de 1990, na Itália, levou a Fifa a alterar regras para estimular os times a se arriscar mais. No Mundial de 1994, os goleiros foram proibidos de agarrar a bola recuada por um companheiro com as mãos e as vitórias deixaram de valer dois pontos para valer três. Para o comentarista, mudar novamente esse sistema de pontuação seria capaz de estimular um futebol mais ofensivo e com sistemas de defesa menos fechados.
— Se a vitória valer quatro pontos e o empate valer um, isso vai obrigar os times a atacar. Então não é necessário mudar a regra, porque a regra é muito boa. É mudar a pontuação.