Esportes Copa 2018

Sem protagonismo, coadjuvantes da Croácia ensaiam revolução na final

Brozovic simboliza perfil 'operário' de time unido em prol do título inédito contra a França
Marcelo Brozovic deita no campo após a classificação croata para a final Foto: YURI CORTEZ / AFP/11-7-2018
Marcelo Brozovic deita no campo após a classificação croata para a final Foto: YURI CORTEZ / AFP/11-7-2018

MOSCOU - Não estamos mais em 1917 e a Rússia está um século diferente. Esperar outra revolução só porque todos os olhos estão no país novamente, nesta Copa do Mundo, soa pretensioso. Mas o futebol, se continua a explicar e ser explicado através de alegorias, permite ver na Croácia um proletariado pronto a pegar em suas armas pela sua causa.

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Modric, Rakitic, Mandzukic e até Lovren ocupam os holofotes, líderes iluminados que se revezaram nos últimos anos em finais continentais e tiveram alguma experiência a ensinar antes da decisão da Copa contra a França, neste domingo, ao meio-dia (de Brasília). Nas sete posições titulares que lhe restam, o técnico Zlatko Dalic reuniu um coletivo guiado pelo esforço, pela solidariedade e por uma peculiar predisposição a arroubos mundanos que o público, talvez, julgue inusitado em campeões mundiais. Pois é esse status que a Croácia, revolucionária nas expectativas, buscará no estádio Lujniki, em Moscou.

Modric é quem mais serve chances de gol a seus colegas de Croácia, mas pensador algum se justifica sem a massa. Marcelo Brozovic, escalado atrás do camisa 10 contra a Inglaterra, grita “presente”. Modric leva a fama de incansável - e com justiça, visto que é o jogador mais quilometragem (63 km) nesta Copa. Mas foi Brozovic, silencioso na sombra do craque, quem mais correu nos seus dois jogos completos, contra Argentina e Inglaterra. Chegou, na soma de ambos, a 27,5 km de ação. Há quem leve seis tempos para chegar a tanto.

Brozovic, além de fazer jornada dupla em campo, lançou moda a partir do futebol. Suas comemorações de gols com mão no queixo, comuns na Internazionale de Milão, viraram tatuagem, mania entre os jogadores croatas e até símbolo na fachada do seu bar, “Epic Brozo”, aberto em janeiro. É fácil (e tentador) enxergar no volante croata só o lado exótico. É também o jeito mais rápido de perder de vista o equilíbrio que trouxe ao meio-campo na semifinal, liberando Modric para atacar. Quando Brozovic tinha 16 anos, seu pai orientou que largasse a escola para jogar futebol. Podia dar errado, mas esta é uma Croácia que sabe contrariar as expectativas.

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- Gostamos de ser tratados como azarões - avisou o zagueiro Lovren, desafiador. - Se estamos na final, quer dizer que somos um dos dois melhores times do mundo.

A Croácia está cheia de exemplos, além de Brozovic, de jogadores que quase ninguém apontaria neste seleto degrau. O meia Rebic, de 24 anos, um dos mais jovens da seleção, acumulava experiências errantes em Itália e Alemanha. Achou seu espaço no Frankfurt ao trabalhar com o técnico croata Niko Kovac. Na Copa, encampou o espírito dos tempos: é o jogador com mais faltas (19) do torneio, na seleção mais faltosa (101) até aqui. Rebic fez seis infrações, um terço do seu total, em um único jogo, a semifinal. A grande maioria (14) ele cometeu no campo de ataque, pressionando a saída rival. Já deu certo uma vez: contra a Argentina, aproveitou uma bobeira de Willy Caballero e marcou de cobertura.

A defesa tem operários que já viveram momentos de estrelado nesta Copa. O goleiro Subasic, habitué do Monaco onde surgiu o francês Mbappé, já roubou a cena em duas disputas de pênalti. Vrsaljko e Strinic, os laterais direito e esquerdo, ajustaram os ponteiros de um time que sente-se confortável nos cruzamentos. Domagoj Vida se entendeu com Lovren na zaga, ainda que a postura extracampo ainda dê o que falar. Com uma lata de cerveja em mãos, causou polêmica ao dedicar um vídeo à Ucrânia após vencer a Rússia. Há seis anos, quando quis tomar uma no ônibus do Dinamo de Zagreb, a repercussão foi ainda mais brusca: acabou expulso do veículo e multado em 100 mil euros. O time estava a caminho de um jogo.

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Poucos representam tão bem a angústia dos coadjuvantes croatas quanto Ivan Perisic. Antes de se converter em herói contra a Inglaterra, com um gol e uma assistência, Perisic é o jogador que mais se frustra na frente das traves: chutou 13 vezes para fora nesta Copa, mais do que qualquer outro. Se a Croácia tem o terceiro maior índice de finalizações do torneio, atingindo o centésimo chute contra os ingleses, deve muito a Perisic: o meia-atacante foi responsável por um quinto (20) das tentativas.

- Depois que marcou o gol, Perisic virou um jogador completamente diferente. Ele sofre de falta de confiança. Se tivermos um Perisic confiante em si mesmo, seremos campeões - elogiou o técnico Zlatko Dalic.

Perisic, hoje candidato a estrela de uma final de Copa, embarcou 12 anos atrás para uma experiência no futebol francês, que depois o projetou à Alemanha e, há três anos, para a Inter de Milão. O caminho não começou iluminado por um projeto de carreira: Perisic aceitou a transferência para o Sochaux porque seu pai precisava do dinheiro para pagar as dívidas de seu negócio de criação de galinhas. Na seleção croata, no degrau mais alto do futebol, Perisic segue voluntarioso.

- Ele não está no seu ápice, mas isso é parte por culpa minha, já que pedi para ele ajudar a defesa. Falta fôlego para atacar - observou Dalic. - Mas tomara que o gol na Inglaterra tenha aumentado sua confiança. Quero que ele jogue para valer na final.