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Socialismo utópico: seleção russa evoluiu quando construiu jogo coletivo

Time joga sua vida na Copa contra a Espanha, emblema do futebol como conjunto
Jogadores russos comemoram a goleada sobre a Arábia Saudita na estreia Foto: Marcelo Theobald / O Globo/14-6-2018
Jogadores russos comemoram a goleada sobre a Arábia Saudita na estreia Foto: Marcelo Theobald / O Globo/14-6-2018

MOSCOU — A seleção da Rússia se apresenta como uma rara sociedade sem distinção de classes: é no coletivo, recuperado das críticas pré-Mundial, que se depositam as esperanças de uma surpresa contra a Espanha, às 11h (de Brasília), no estádio Lujniki. Pela primeira vez nas oitavas de final desde o fim da União Soviética, a Rússia sonha sem tirar os pés da realidade material. Vencer a Espanha pode soar como utopia, mas o técnico Stanislav Cherchesov parece determinado a liderar uma revolução.

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Há sete meses, um amistoso mediu forças entre uma Rússia desacreditada e uma Espanha afinada sob o comando de Julen Lopetegui, em São Petersburgo. Os espanhóis jamais ficaram atrás no placar, mas viram os russos igualarem três vezes a desvantagem e levarem o 3 × 3 como vitória. Naqueles tempos, os russos apostavam tudo em Smolov, autor de dois gols. Nesta Copa, contudo, o centroavante virou reserva de Dzyuba, mais encaixado ao conjunto e em melhor fase.

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Não se trata de uma mudança pontual. Nos piores momentos, quando muitos treinadores confiariam em rostos conhecidos, Cherchesov resolveu apostar no momento. Jogadores que mal haviam representado a seleção acabaram convocados no lugar de medalhões. Gazinsky, autor do primeiro gol russo na Copa, chegou por último e sentou na janela: foi titular na estreia e não saiu mais.

DESTAQUES DEIXADOS DE LADO

Por trás do método inusitado estava a fé de Cherchesov no coletivo: nome algum estava acima do time. Foi nesta linha que, além de Smolov, o treinador abriu mão do volante Glushakov e do lateral Kombarov, titulares habituais meses atrás e sequer convocados para o Mundial. Também saíram do time os zagueiros Dzhikyia e Vasin, machucados. Kudryashov, o último remanescente da zaga habitual, foi sacado por opção técnica.

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Denis Cheryshev, artilheiro da seleção com três gols, é o melhor exemplo da subordinação das individualidades ao coletivo. Ao sair do banco de reservas na estreia, no lugar do lesionado Dzagoev — outra estrela que perdeu espaço —, Cheryshev conseguiu destaque particular com belos lances contra Arábia Saudita e Egito. Enfrentar a Espanha é uma ocasião ainda mais especial para o jogador, que iniciou a base no Sporting de Gijón (seu pai, o meia Dmitri Cheryshev, atuava pelo clube) e terminou a formação no Real Madrid. Nem o próprio pai, no entanto, quer forçar a barra para ver Cheryshev como estrela mais brilhante das oitavas . Na Rússia coletivizada, a união é que precisa fazer a força.

— A chave para vencer a Espanha é ter disciplina, trabalho e atenção constantemente. Até que o árbitro encerre o jogo — frisou Dmitri.

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Já os espanhóis, de quem se esperava as melhores exibições coletivas da Copa depois da boa estreia contra Portugal, tiveram problemas para transformar seu modelo de jogo em gols contra Irã e Marrocos. Fernando Hierro, que assumiu o lugar de Lopetegui dois dias antes da Copa, vem sendo cobrado no país por exibições mais consistentes.

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Cherchesov, que se acostumou ao mesmo tipo de crítica na Rússia durante o jejum de sete jogos sem vitórias antes do Mundial, virou a mesa após a classificação antecipada às oitavas. No sábado, o treinador definiu a situação atual de sua equipe como um "sucesso intermediário".

— Fiquei satisfeito até na derrota para o Uruguai. Jogamos com um a menos quase o tempo todo e conseguimos lutar como um time. Me deixou boa impressão — avaliou Cherchesov, que indicou uma abordagem reativa contra os espanhóis. — Vamos jogar contra uma equipe forte ofensivamente. Sabemos que a Espanha fica com a bola mais que seus oponentes. Temos que traçar uma estratégia que nos permite vencer nestas condições.

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Fernando Hierro insistiu que a Espanha "sabe o que quer" no mata-mata da Copa. Era sua forma de avisar que está ciente da expectativa sobre a seleção: o caminho da Espanha até a decisão, com apenas uma campeã mundial — a Inglaterra, numa eventual semifinal, ampliou as pressões para que Iniesta e companhia sobrem em campo. Um "querer" que não foi sinônimo de "poder" até agora.

Fúria devendo

Depois de uma boa estreia contra Portugal, o rival mais poderoso até agora, a Espanha enfrentou problemas contra as marcações de Irã e Marrocos. Neste último jogo, o empate buscado nos acréscimos expôs a dificuldade espanhola contra times que entram para contra-atacar. Hierro elogiou a capacidade de recuperação do time, num discurso estranho para alguém visto como favorito.

— É uma equipe que já se levantou quatro vezes depois de estar atrás no placar. Isso mostra que também há coisas boas em nós — afirmou.

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A autodepreciação de Hierro reapareceu quando foi perguntado sobre o que esperar da Rússia, que deve se dedicar mais a reagir ao jogo espanhol do que à criação. Depois de elogiar o adversário, soltou uma pergunta retórica que parecia ter a própria Espanha como destinatária.

— Muitas vezes o melhor vai para casa mais cedo, não?

FICHA TÉCNICA

Espanha : De Gea, Carvajal, Piqué, Sergio Ramos e Jordi Alba; Busquets, Koke (Thiago Alcântara) e Iniesta; David Silva, Isco e Diego Costa.

Rússia : Akinfeev, Mário Fernandes, Ignashevich, Kutepov e Zhirkov; Zobnin, Gazinsky, Samedov, Golovin e Cheryshev; Dzyuba.

Juiz : Bjorn Kuipers (Holanda).

Onde : Estádio Lujniki (Moscou).

Horário : 11h (de Brasília).

Transmissão : TV Globo, SporTV e Fox Sports.