Exclusivo para Assinantes
Esportes Copa 2018

Vão-se Iniesta e a Espanha: a Copa parece disposta a virar páginas

A seleção espanhola trouxe problemas demais para o Mundial da Rússia
Desolado, Inieste lamenta a eliminaçao espanhola Foto: Carl Recine / Reuters
Desolado, Inieste lamenta a eliminaçao espanhola Foto: Carl Recine / Reuters

MOSCOU - Esta Copa do Mundo parece mesmo destinada a virar páginas, romper eras e até paradigmas. Primeiro, despediu-se do melhor jogador das últimas décadas, Messi. Depois, do mais implacável artilheiro, Cristiano Ronaldo. Neste domingo, de um jogador-emblema, guardião do estilo que foi dominante, seja em títulos, seja na capacidade de gerar admiração global. De costas para o lance, Iniesta parecia não querer ver, do centro do campo, o pênalti perdido por Iago Aspas, capítulo final de sua história em Mundiais.

LEIA MAIS: Houve um lugar em que Rússia x Espanha foi tudo, menos chato

Rússia elimina a Espanha na cobrança de pênaltis

Análise: França é poderosa quando abandona conservadorismo

Não são apenas símbolos do jogo atual que se despedem. Somada à queda da Alemanha, a eliminação espanhola tira de cena na Rússia mais do que as duas últimas campeãs: mas os dois times mais fiéis e que melhor  simbolizam um jogo de submissão do adversário, posse de  bola e troca de passes como base da procura por espaços. A coragem para ocupar, se possível com os dez homens de linha, o campo rival. O modelo que deu à Espanha uma era de  hegemonia, que encontrou em Barcelona a sua versão mais sublime sob a batuta de Guardiola e que os alemães adotaram, com nuances próprias de sua cultura de jogo.

Sempre que um fenômeno assim acontece, resta saber como o mundo do futebol irá interpretar. A Copa tem dado  boas recompensas a sistemas defensivos sólidos, boas chances de resistência a times menos capacitados tecnicamente. Pode não ser uma boa notícia para o futebol  no futuro imediato, ao menos sob o ponto de vista do espetáculo, da atratividade. Mas impõe um desafio a quem quer ser ofensivo: encontrar fórmulas. Assim caminha a lei de ação e reação da evolução do jogo.

É possível que o planeta bola entenda que tal forma de jogar está superada. Mas cabe outra interpretação: o modelo foi representado por times com profundos problemas na Rússia. Nem de longe Alemanha e Espanha  tinham suas melhores versões: de jogadores distantes da melhor forma, passando por problemas internos até a dificuldade em gerir a transição entre gerações. Até a Argentina flertou em dado momento com um jogo de submissão, mas esta nunca se soube ao certo que futebol queria jogar.

A Espanha é o exemplo mais recente. No Mundial, quando em tese deveria atingir o ponto mais alto de seu rendimento, fez o oposto: radicalizou seus problemas, suas dúvidas. O time que parou na Rússia, em dados momentos, pareceu padecer de crise de identidade.

Ao jogo de posse e toque de bola, Julen Lopetegui tentava dar um pouco mais de verticalidade, velocidade perto da área rival, infiltração. Queria mesclar com uma Espanha mais direta em dados momentos, alternar ritmos. Não vinha sendo fácil. O  time pré-Copa sofria ao ser contragolpeado, pois perdia a bola com a equipe avançada no campo rival e nem sempre pressionava imediatamente para retomá-la. E, com a bola, jamais teve um número de finalizações proporcional ao domínio exercido.

LEIA TAMBÉM: Análise: Uruguai alia solidez defensiva a ataque matador

Com Mbappé arrasador, França vence e elimina a Argentina

Análise: Da final ao fracasso: Como a Argentina ruiu em quatro anos

Pois Lopetegui caiu a 48 horas da Copa e a Espanha, assumida emergencialmente por Fernando Hierro, jamais se equilibrou. Circulou bem a bola, mas defendeu mal contra Portugal; piorou sem bola contra Irã e Marrocos. Contra a Rússia, o treinador colocou Nacho de lateral e Koke no meio-campo para ter mais segurança defensiva. E tentou Asensio no ataque, na busca da velocidade, da objetividade. Deixou Thiago e Iniesta no banco. Note-se: não jogou Iniesta e jogou Diego Costa, com seu estilo bruto, eficiente em seu clube, mas jamais compatibilizado com o jogo espanhol. Quase um contracultural.

O time virou uma versão pálida de si próprio. Sem referentes de um jogo de toque, não teve a circulação e as triangulações em espaço curto que ainda permitiam criar lances de ataque. Tampouco foi veloz, direta. O único lance em que se viu um espanhol correndo para o gol, aproveitando o espaço dado pelos russos em  uma de suas raras aventuras ofensivas, foi de Rodrigo Moreno, após 108 minutos de futebol. Sem a bola, o time até progrediu. Mas com Koke ao lado, por vezes iniciando a saída de bola, Busquets nunca achou seu lugar.

Foram mais de mil passes, uma enorme porção deles laterais. O gol que abriu o placar foi contra, numa bola parada erguida na área. A Espanha continha contra-ataques de uma Rússia bravamente disciplinada para  defender, mas disposta a evitar qualquer ousadia no ataque e sem muito interesse em oferecer algo ao espetáculo. Com a bola, os espanhóis tocavam e tocavam, mais defendiam com a bola do que propriamente atacavam. Mas Piqué ergueu a mão de  forma desastrada na área e fez o pênalti que devolveu aos russos a chance de defender sem constrangimentos o 1 a 1.

A clarividência de Iniesta e a entrada de Rodrigo deram ao  time alguma capacidade de criar, mas custava demais finalizar. A Espanha trouxe problemas demais para a Copa.

Ou seja, não é o modelo que ficou superado, a execução é que foi ruim nesta Copa. Mas um ponto merece atenção. Difícil de implantar em clubes, mais ainda em seleções com seu curto tempo de treinamento, jogar campo rival adentro exige um equilíbrio duríssimo de atingir para não ser pego exposto. E, hoje, rareiam os espaços e multiplicam-se times capazes de ir de cruzar o campo em segundos, as chamadas transições. O futebol parece apontar para a polivalência como marca dos grandes times, donos de estilos híbridos: capazes de controlar a bola e atacar, mas obrigados a dominar também as transições, a saber ser mais diretos. Caso contrário, é cada vez mais difícil entrar em defesas tão fechadas.

A Espanha sai da Copa para enfrentar, provavelmente, o tramo final da transição entre a geração campeã de 2010 e o futuro. Será duro, porque não se trata só de Iniesta: Sérgio Ramos, Piqué, Busquets, todos se aproximam do fim de seus ciclos. Foi magnífico, lindo de ver enquanto durou. Uma era que mudou o parâmetro do que é jogar bem no imaginário das pessoas. Cabe encontrar caminhos, talvez novos matizes, sem perder a beleza do estilo, tampouco a identidade.