Exclusivo para Assinantes
Esportes Copa 2018

Copa do Mundo terá jogadores nascidos em 51 países diferentes

A competição serve como um termômetro do deslocamento de pessoas pelo globo

Benatia em ação pela seleção de Marrocos, contra a Costa do Marfim
Foto: ISSOUF SANOGO / AFP
Benatia em ação pela seleção de Marrocos, contra a Costa do Marfim Foto: ISSOUF SANOGO / AFP

A busca por uma vida melhor levou dois imigrantes, ele do Marrocos, ela da Argélia, a se conhecerem na França. Fruto do relacionamento, o pequeno Medhi nasceu em 1987 num subúrbio de Paris, em Courcouronnes. Trinta e um ano depois, ele é mais conhecido no futebol por seu sobrenome, Benatia, ou por ter sido o autor do polêmico pênalti nas quartas de final da última Liga dos Campeões que fez o Real Madrid eliminar a sua Juventus. De um jeito ou de outro, é símbolo de uma Copa com fronteiras cada vez mais invisíveis.

LEIA TAMBÉM: Fora da Copa, Holanda adota a seleção do Marrocos

Migração suaviza tradição defensiva da Suíça, adversária do Brasil

Não demorou para o jovem Benatia ter detectada uma promissora carreira. Por conta disso, conquistou sua vaga no centro de treinamento de Clairefontaine, França, principal celeiro de talentos que jogarão na Rússia. Alguns estarão na seleção francesa, como o atacante Mbappé. Vários outros, como Benatia, jogarão com camisas de outras cores. Após entrar em campo pelos bleus em torneios de base, ele, assim como seus pais, fez uma mudança de país em busca de oportunidades. Se tivesse escolhido em 2008 a Argélia, de sua mãe, poderia ter jogado o Mundial no Brasil. Mas preferiu então o Marrocos, que só agora lhe proverá uma participação no maior palco do futebol.

NA FRANÇA, UM FENÔMENO SOCIAL

Entre os 736 atletas inscritos na Copa, não são poucos os que têm histórias semelhantes a essa: 39 deles nasceram na Europa, mas disputarão o torneio por seleções africanas; 16 deles só pelo Marrocos, que conta com apenas seis atletas nascidos no país.

LEIA MAIS: Copa da Rússia impõe nova agenda de transformações no futebol

Temer, Lula, Dilma e até David Luiz: mercado russo vende matrioscas curiosas

Outros 11 fizeram o caminho contrário: nascidos na África, atuam por seleções europeias. Ao todo, segundo levantamento do GLOBO, 83 jogadores não jogarão o Mundial pelo país de seu nascimento.

— Esses atletas (como Benatia) são cidadãos franceses, assim como seus pais e avós, nascidos em territórios quando esses eram posse francesa. Não são estrangeiros. Entretanto, pelas divisões da sociedade francesa, costumam viver em regiões em que a maioria das pessoas tem essa mesma origem. Ou seja, muitas vezes é um cidadão francês que, culturalmente, está mais próximo do local de origem da família — explica o professor de história Filipe Figueiredo, que comenta política internacional com frequentes citações esportivas nos podcasts “Xadrez Verbal e Fronteiras Invisíveis do Futebol”.

Nascido na Suíça e de família sérvia, Aleksandar Prijović jogou pelas duas seleções nas divisões de base. Após atuar no sub-21 suíço, ele conseguiu no ano passado a permissão da Fifa para integrar a seleção da Sérvia. No Grupo E, os dois países se enfrentam em 22 de junho. Esse será o único duelo de um jogador com seu país de origem durante a primeira fase.
O atacante Gelson Martins, da seleção portuguesa, é um dos dois jogadores nascidos em Cabo Verde na Copa. Outros 18 países que não estão no Mundial terão "representantes" na Rússia.
países fora da copa que
MAIS exportaram jogadores
7
Holanda
Camarões e
Bósnia e Herzegovina
4
2
Kosovo e Cabo Verde
Angola, Uganda, Costa do Marfim, Congo, Canadá, Guadalupe, Nicarágua, Jamaica, EUA, Irã, Itália, Macedônia, Áustria
e Dinamarca
1
quem tem mais jogadores nascidos fora
17 marrocos
9
Senegal e Tunísia
73,9%
8
Suíça
7
Portugal
dos jogadores de Marrocos nasceram fora do país
5
Sérvia
4
Croácia e Nigéria
3
Espanha e França
2
Austrália e Islândia
1
Dinamarca, Costa Rica, Argentina, Inglaterra, Japão, Polônia, Irã, Egito, Rússia e Uruguai
Experiente atacante da Argentina, Gonzalo Higuaín nasceu em território francês durante passagem de seu pai, o ex-zagueiro Jorge Higuaín, pelo futebol local. Ele é um dos 29 jogadores que nasceram na França, mas atuam por outras seleções, o suficiente para montar outra seleção
Em 2015, o atacante Hakim Ziyech, do Ajax, foi chamado de estúpido pelo ex-craque Marco van Basten quando optou por abandonar os anos de divisões de base na seleção da Holanda, onde nasceu, para juntar-se ao Marrocos. Pior para o holandês, que não viu seu país na Copa. Ziyech é um dos 17 jogadores da seleção marroquinas nascidos fora do país.
Países exportadores
29 frança
7
Holanda
5
Brasil
4
Espanha, Bósnia e Herzegovina e Camarões
3
Suíça
2
Alemanha, Cabo Verde, Kosovo e Suécia
1
Rússia, Itália, Bélgica, Canadá, Inglaterra, Argentina, Angola, Macedônia, Croácia, Irã, Uganda, Costa do Marfim, Guadalupe, RD Congo, Áustria, Dinamarca, Nicarágua, Jamaica e EUA
Os “OUTROS”
brasileiros
NA COPA
A avó do curitibano Thiago Cionek é polonesa, mas, enquanto atuava no futebol do país, o zagueiro tinha dificuldade de tirar o passaporte. Tudo mudou após um abaixo-assinado no país que abriu suas portas para a seleção em 2011. Ele é um dos cinco nascidos no país que defenderão outras bandeiras. Dois estão na Espanha: o sergipano Diego Costa e o carioca Rodrigo Moreno. O paulista Mário Fernandes, da Rússia, e o alagoano Pepe, de Portugal, completam a lista.
Nascido na Suíça e de família sérvia, Aleksandar Prijović jogou pelas duas seleções nas divisões de base. Após atuar no sub-21 suíço, ele conseguiu no ano passado a permissão da Fifa para integrar a seleção da Sérvia. No Grupo E, os dois países se enfrentam em 22 de junho. Esse será o único duelo de um jogador com seu país de origem durante a primeira fase.
O atacante Gelson Martins, da seleção portuguesa, é um dos dois jogadores nascidos em Cabo Verde na Copa. Outros 18 países que não estão no Mundial terão "representantes" na Rússia.
países fora da copa que
MAIS exportaram jogadores
7
Holanda
Camarões e
Bósnia e Herzegovina
4
2
Kosovo e Cabo Verde
Angola, Uganda, Costa do Marfim, Congo, Canadá, Guadalupe, Nicarágua, Jamaica, EUA, Irã, Itália, Macedônia, Áustria
e Dinamarca
1
Experiente atacante da Argentina, Gonzalo Higuaín nasceu em território francês durante passagem de seu pai, o ex-zagueiro Jorge Higuaín, pelo futebol local. Ele é um dos 29 jogadores que nasceram na França, mas atuam por outras seleções, o suficiente para montar outra seleção
Países exportadores
29 frança
1
73,9%
dos jogadores de Marrocos nasceram fora do país
Em 2015, o atacante Hakim Ziyech, do Ajax, foi chamado de estúpido pelo ex-craque Marco van Basten quando optou por abandonar os anos de divisões de base na seleção da Holanda, onde nasceu, para juntar-se ao Marrocos. Pior para o holandês, que não viu seu país na Copa. Ziyech é um dos 17 jogadores da seleção marroquinas nascidos fora do país.
quem tem mais jogadores
nascidos fora
17 marrocos
9
Senegal e Tunísia
8
Suíça
7
Portugal
5
Sérvia
4
Croácia e Nigéria
3
Espanha e França
2
Austrália e Islândia
1
Dinamarca, Costa Rica, Argentina, Inglaterra, Japão, Polônia, Irã, Egito, Rússia e Uruguai
A avó do curitibano Thiago Cionek é polonesa, mas, enquanto atuava no futebol do país, o zagueiro tinha dificuldade de tirar o passaporte. Tudo mudou após um abaixo-assinado no país que abriu suas portas para a seleção em 2011. Ele é um dos cinco nascidos no país que defenderão outras bandeiras. Dois estão na Espanha: o sergipano Diego Costa e o carioca Rodrigo Moreno. O paulista Mário Fernandes, da Rússia, e o alagoano Pepe, de Portugal, completam a lista.
Os “OUTROS” brasileiros NA COPA

Vinte e nove jogadores nascidos na França disputarão a Copa por outros países. Já três nascidos em outros países representarão o país de Emmanuel Macron, que não é novo neste debate. Multicultural, a seleção campeã sobre o Brasil em 1998 virou um fenômeno social. No serviço de streaming Netflix, o documentário “Les Bleus, uma outra história da França” relembra a equipe que foi acusada de não representar o país por Jean-Marie Le Pen, fundador da Frente Nacional e pai de Marine Le Pen, segunda candidata mais votada nas últimas eleições presidenciais.

— O time de 1998 é conhecido como “Black, Blanc, Beur”, negros, brancos e “beur”, uma expressão pejorativa que se refere a árabes — lembra Kai Kenkel, professor do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio e especialista em Geopolítica do Esporte. — Há um debate sobre a formação. Um país banca este investimento, mas, depois, o jogador decide atuar por outro. Esse sistema, de certo forma, beneficia a paridade. Os países africanos ficam com seleções melhores, já que eles são formados nos melhores centros de treinamento.

Do elenco campeão no Maracanã, a Alemanha tinha dois jogadores nascidos fora de seu território: Miroslav Klose e Lukas Podolski, ambos da Polônia. Dessa vez, não há nenhum. Seu grupo na Rússia, o F, que tem ainda México, Coreia do Sul e Suécia, é o único sem jogadores nascidos fora.

Isso não quer dizer ausência de debate. Com ascendência turca, Ilkay Gündogan e Mesut Özil posaram, no mês passado, para uma foto com o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, candidato à reeleição. Gündogan chegou a escrever em uma rede social “meu presidente”. Na última sexta, na vitória por 2 a 1 sobre a Arábia Saudita em Leverkusen, foi vaiado. Também criticado, Özil foi poupado para tratar uma lesão, mas não teria melhor sorte.

— Temos muito jogadores de origem turca — reforça Kai Kenkel, que é alemão. — Alguns nascem na Alemanha, sobem nas divisões de base lá e vão jogar pela Turquia. Muitas vezes os pais, especialmente portugueses e turcos, influenciam.

MAIS COPA DO MUNDO :

CBF transforma hotel da seleção em Sochi e distribui 'cartilha do sono'

Sorria, você está na Copa: russos se transformam às vésperas do Mundial

A seleção de Portugal tem no velho conhecido Pepe um dos cinco jogadores nascidos no Brasil que vão à Copa sem serem escolhidos por Tite. Os outros são Rodrigo Moreno e Diego Costa, da Espanha, Mário Fernandes, da Rússia, e Thiago Cionek, da Polônia.

A seleção lusitana, do astro Cristiano Ronaldo, tem outros seis “estrangeiros”: Gelson Martins, de Cabo Verde; William Carvalho, de Angola; Cédric, da Alemanha; e Anthony Lopes, Guerreiro e Adrien Silva, da França.

UM CAMINHO PARA A ACEITAÇÃO

Para Filipe Figueiredo, há um oitavo elemento. É justamente a grande estrela da atual campeão da Eurocopa.

— Cristiano Ronaldo é nascido na Ilha da Madeira. Embora seja parte de Portugal, é um resquício de seu antigo império. Além disso, não tivemos grandes migrações de pessoas africanas para Portugal durante o império, o que talvez explique esse número relativamente baixo — argumenta o historiador. — É interessante destacar que, historicamente, os principais jogadores de Portugal eram da África, como Eusébio.

LEIA AINDA: 'Quero ser melhor que a tecnologia', diz responsável pelo VAR na Copa

Sobre o impacto no futebol desse movimento, ele acrescenta:

— O maior problema é a apropriação do futebol para causas xenófobas, como o exemplo de Le Pen na França. Ao mesmo tempo, são oportunidades gigantescas para melhorar a aceitação de “outros” dentro desses países. O papel inclusivo do esporte, que existe desde o século XIX, deve prevalecer, mesmo com percalços.

Na Rússia, um jamaicano, o atacante Raheem Sterling, representará a Inglaterra. Um inglês, o meia Sam Morsy, o Egito. O atacante sueco Saman Ghoddos jogará pelo Irã, e um iraniano, o meia Daniel Arzani, defenderá a Austrália. Um americano, o zagueiro Gotoku Sakai, o Japão. Superpotência, os EUA, provando que nem sempre os fenômenos globais encontram paralelo no campo, estão fora da Copa.